Não há dúvidas, pois, que o todo o arcabouço jurídico, incluindo as decisões judiciais proferidas pelas instâncias primárias, bem como, os enunciados, precedentes e a jurisprudência dos tribunais superiores, envolvendo discussões acerca do instituto da prescrição é um dos mais importantes no ordenamento jurídico pátrio, senão o mais importante, face a sua inequívoca influência direta na efetivação do exercício do direito material do jurisdicionado, na busca da satisfação de sua pretensão.
Pois bem. O ilustre jurista e professor Nelson Rosenvald nos ensina que “a prescrição não elimina o direito subjetivo do credor e nem a pretensão. Cria uma exceção (substancial) de direito material, que paralisa e/ou neutraliza a pretensão, não a elimina”. Também nos ensina que “a cada direito corresponde uma pretensão e a cada pretensão correspondem várias ações. O que não quer dizer que a prescrição não possa ser discutida extrajudicialmente, como na arbitragem e/ou em consignação bancária”.
Neste sentir, importante destacar que o direito de ação é imprescritível, análise esta, vinculada ao tratar-se de direito subjetivo público em face do Estado. Ora, diferentemente da pretensão, esta, vinculada ao direito material.
Nesta senda, ao interpretarmos o teor do artigo 189 do Código Civil, ao realizarmos a sua exegese mais fidedigna a referido entendimento, deveremos substituir o termo ‘extingue’, por neutraliza. Deve haver, ainda, a conjugação aos artigos 191 e 882 do mesmo diploma civil, além da Súmula no 503 do STJ.
A prescrição é, em linhas gerais, apenas uma exceção ao direito material (defesa indireta de mérito), que pode ser alegada pela parte (discricionariedade), com a finalidade de neutralizar a pretensão. A prescrição reside no direito das obrigações, relacionando-se à perda da exigibilidade da pretensão. O CPC trouxe a prescrição como objeção processual, viabilizando um aceleramento processual, mas não para alterar a sua essência (instituto típico de direito material).
Pois bem. O artigo 206, parágrafo 3o, V, do Código Civil, em sua interpretação literal consigna o prazo prescricional de 3 (três) anos para a pretensão objeto de reparação civil. Lado outro, o artigo 205 do mesmo diploma civil revela-nos o prazo prescricional de 10 (dez) anos quando a lei não lhe haja fixado prazo menor. Nitidamente, ao cotejarmos ambas as disposições legais, configura-se uma notória insegurança jurídica decorrente de eventual e potencial contradição e/ou contra-senso, já que ambos são derivados da legislação civil, estando o prazo prescricional de dez anos ocupando uma posição topográfica anterior e superior ao prazo prescricional de três anos, de modo que, ainda haveria margem de questionamento se o prazo prescricional de três anos seria uniforme e aplicável em ambas as situações, sob justificativa de o legislador não ter realizado distinção sobre tratar-se de responsabilidade civil e/ou aquiliana.
Certo é que a doutrina e a jurisprudência por muitos anos, após a promulgação do Código Civil de 2002, não conseguiram chegar a um devido consenso sobre a inequívoca incidência deste ou daquele prazo prescricional, ambos afetos à responsabilidade civil, diante da necessária diferenciação da responsabilidade civil contratual e extracontratual.
Muito se discutia entre os juristas e julgadores sobre o prazo prescricional relacionado à responsabilidade civil contratual, se seria efetivamente o de três anos ou se este seria restrito às demandas que versassem apenas sobre responsabilidade civil extracontratual. Muitos entendiam que para a responsabilidade civil contratual o mais adequado seria o prazo prescricional de dez anos.
Interessantes ensinamentos advém ainda da interpretação de referida controvérsia, quando comparado ao prazo prescricional atinente ao direito do consumidor, vejamos:
Ainda no plano sistemático, não se pode deixar de notar que a opção por um prazo prescricional de dez anos para a responsabilidade contratual resultaria em um prazo equivalente ao dobro do prazo de cinco anos estipulado para a pretensão de reparação dos danos causados ao consumidor pelo fato do produto ou do serviço (CDC, artigo 27). Tal disparidade de tratamento, em desfavor do consumidor, afronta o dever fundamental do Estado à “defesa do consumidor” (CR, artigo 5º, XXXII) e, também, o princípio constitucional da isonomia substancial. Pretender conferir a um credor comum um prazo amplamente superior àquele atribuído ao consumidor (vulnerável) para a mesma pretensão de reparação de danos representa franco atentado às normas constitucionais. (Gustavo Tepedino, A prescrição trienal para a reparação civil, Disponível em: <https://bit.ly/2Mqfs4R>. Acesso em 20/06/2020 às 14h>).
Seguindo o posicionamento majoritário da discussão em tela, é de comungar do entendimento no sentido de que a discussão centra-se, preponderantemente, na controvérsia do prazo prescricional afeto à responsabilidade civil contratual, uma vez que, nos termos do já citado artigo 206, parágrafo 3o, V, do CC, não há dúvidas sobre a abrangência em seu teor da responsabilidade civil extracontratual.
Trata-se de uma importante discussão, na medida em que, naqueles contratos celebrados com uma prolongada duração, os contratantes por vezes aguardam o término de sua vigência para então ingressar com discussões judiciais. Entretanto, nos ditames do artigo 189 do Código Civil tal não seria necessário, já que o início do prazo deve coincidir no momento da configuração da violação a direito, independentemente da continuidade da relação contratual.
Ora, no próprio âmbito do STJ sequer havia esta convergência de entendimento. Veja-se que, o Superior Tribunal de Justiça por muito tempo, em sua maioria de turmas recursais e seções, entendia sobre a incidência do prazo prescricional de dez anos para a responsabilidade civil contratual, proferindo, lado outro, também decisões no sentido de aplicar o prazo prescricional de três anos em algumas espécies de contratos.
Até houve um movimento para a pacificação da discussão no âmbito da responsabilidade civil contratual e extracontratual, por meio da edição de Enunciado no 419 da V Jornada de Direito Civil, do Conselho da Justiça Federal (CJF) e do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em 2011, cujo objetivo era uniformizar o prazo prescricional de três anos para ambos os casos. Mas não houve efetividade, tendo sido mantida a divergência de posicionamentos.
Enfim, em 2016 a notória e notável divergência instaurou-se no âmbito da Corte Superior, decorrente de julgamento do Recurso Especial no 1.281.594/SP, havendo modificação de entendimento pela 03a Turma do STJ, no tocante a passar a aplicar o prazo prescricional de três anos à responsabilidade civil contratual.
Após, em 2018, a 02a Seção do STJ em julgamento de Embargos de Divergência opostos no Recurso Especial no 1.280.825/SP, diversamente, decidiu sobre a aplicação do prazo prescricional de dez anos.
Mais do que comprovado, portanto, que ambos julgamentos totalmente divergentes no âmbito do próprio STJ configuraram extrema insegurança jurídica aos jurisdicionados e inclusive, muitos questionamentos mantiveram-se aos julgadores das instâncias e tribunais inferiores, de modo a ocasionar todo um movimento que culminou no julgamento por parte da Corte Especial no STJ, em sede de Embargos de Divergência no Recurso Especial no 1.281.594/SP, em 2019, entendendo pela incidência e aplicação do prazo prescricional de dez anos.
O Ministro decano do STJ ‘Felix Fischer’ ao proferir voto-vista divergente, que prevaleceu no citado julgamento, assim referiu:
“A partir do exame do Código Civil é possível se inferir que o termo ‘reparação civil empregado no artigo 206, parágrafo 3o, V, somente se repete no título 9 do livro 1o do mesmo diploma, o qual se debruça sobre a responsabilidade civil extracontratual” (Disponível em <https://www.migalhas.com.br/quentes/302390/stj-fixa-dez-anos-para-prescricao-de-reparacao-civil-contratual>. Acesso em 20/06/2020 às 14h10).
Diante de todo o amplamente exposto, pública e notória a excelência da mais recente decisão do STJ, ao se considerar, inclusive, o teor do artigo 927, V, do CPC, tratando-se de decisão que constitui precedente com efeitos vinculantes, a ser seguida não só pelos Ministros do próprio STJ, mas pelos julgadores e turmas recursais no âmbito das instâncias inferiores. Destaque-se que, o CPC vigente foi elaborado visando a aplicação da principiologia e segurança jurídica atribuída ao chamado “common law”, regime jurídico instituído nas Cortes norte-americanas e canadenses, onde é privilegiado o julgamento colegiado e os precedentes instituídos, para servirem de observância obrigatória ao julgamento de situações semelhantes, sem necessidade de sujeição a um novo e amplo processo de conhecimento.
Senão vejamos, recente julgamento do TJ/SP nos autos n. 1002021.71-2017.8.26.0248, de relatoria da Desembargadora Dra. Maria Lúcia Pizzoti, Data de Julgamento: 05/06/2019: 30a Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 06/06/2019, “ementa para citação”:
APELAÇÃO – AÇÃO DE COBRANÇA – CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS ADVOCATÍCIOS – PRESCRIÇÃO DECENAL – RESPONSABILIDADE CONTRATUAL – ENRIQUECIMENTO ILÍCITO AFASTADO. - O Superior Tribunal de Justiça pacificou o entendimento de que o prazo trienal do art. 206, parágrafo 3o, inciso V, do Código Civil (“reparação de danos”), aplica-se tão somente para casos de responsabilidade extracontratual. Diante da ausência de previsão específica, para os casos de responsabilidade contratual deve ser aplicado o prazo geral de dez anos, do art. 205 do código Civil; - O valor cobrado pela autora refere-se aos honorários sucubenciais fixados em favor do réu (10% sobre o valor da condenação – R$ 679,21) – logo, não há nenhuma quantia a ser recebida pela autora. RECURSO IMPROVIDO. (Disponível em <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/718433923/apelacao-civel-ac-10020217120178260248-sp-1002021-7120178260248?ref=serp>. Acesso em 20/06/2020 às 14h21).
Ora, diante da divergência, enfim, superada, após longos anos de debates, questionamentos, decisões monocráticas, decisões colegiadas e recursos infindáveis, entende-se sobre a vinculação da mais recente decisão do STJ também no âmbito dos tribunais arbitrais, com o objetivo de garantir de forma eficaz e eficiente, isonomia e segurança jurídica aos contratantes litigantes, sendo descabidas, novas divergências, agora, neste sentido.