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A retificação do óbito em tempos de Covid-19

Agenda 24/06/2020 às 08:43

O presente artigo trata de uma possível solução para as retificações dos assentos de óbito de pessoas que foram erroneamente declaradas portadoras de Covid-19.

Dona Francisca tinha 84 anos e faleceu, no curso da pandemia do coronavírus, por motivos outros que não a Covid-19. Diante do óbito de dona Francisca, seus familiares se preparavam para o velório, quando foram surpreendidos pela informação de que o sepultamento da idosa seria realizado em outro local, sem direito a qualquer aglomeração. Os familiares receberam a equivocada notícia de que dona Francisca falecera por “síndrome respiratória aguda grave por Covid-19” (leia a notícia aqui).

Situações como a acima reportada têm ocorrido em diversos locais do país. São erros grosseiros que resultam em um atestado de óbito com informação completamente equivocada. Você pode conhecer outra história clicando aqui.

Questão que pode gerar um grande constrangimento à família, seja pela impossibilidade de um tradicional velório, seja pela velocidade com que a informação se propaga entre amigos e conhecidos, em toda a cidade. 

Diante disso, se torna relevante tratar de um tema instigante: a retificação do óbito no cartório de registro civil de pessoas naturais. 

Desta forma, no presente e breve artigo será abordado como funciona o procedimento de retificação de óbito, se é preciso ou não recorrer a justiça para realizar-lo e quais são suas implicações práticas. 

I – A declaração do óbito

Com o óbito de uma pessoa, são obrigados a fazer sua declaração (art. 79, Lei nº 6.015/73): a) o chefe de família, a respeito de sua mulher, filhos, hóspedes, agregados e fâmulos; b) a viúva, a respeito de seu marido, e de cada uma das pessoas indicadas no número antecedente; c) o filho, a respeito do pai ou da mãe; o irmão, a respeito dos irmãos e demais pessoas de casa; o parente mais próximo maior e presente; d) o administrador, diretora ou gerente de qualquer estabelecimento público ou particular, a respeito dos que nele faleceram, salvo se estiver presente algum parente em grau acima indicado; e) na falta da pessoa competente, nos termos dos números anteriores, a que tiver assistido aos últimos momentos do finado, o médico, o sacerdote ou vizinho que do falecimento tiver notícia; f) a autoridade policial, a respeito de pessoas encontradas mortas.

II – A retificação do óbito

Existem duas formas de retificar o óbito, a extrajudicial e a judicial. Passa-se a tratar de cada uma delas:

a) Retificação Extrajudicial (art. 110, Lei nº 6.015/73):

A Lei permite a retificação extrajudicial do óbito nos seguintes casos:

Nos casos acima, não é preciso procedimento judicial, tampouco manifestação do Ministério Público. 

b) Retificação Judicial (art. 109, Lei nº 6.015/73):

A Lei nº 6.015/75 traz o procedimento para retificar assentamento no Registro Civil. O interessado que pretenda fazê-lo fará requerimento, em petição fundamentada, na forma do art. 109:

Art. 109. Quem pretender que se restaure, supra ou retifiqueassentamento no Registro Civil, requererá, em petição fundamentada e instruída com documentos ou com indicação de testemunhas, que o Juiz o ordene, ouvido o órgão do Ministério Público e os interessados, no prazo de cinco dias, que correrá em cartório. 

§ 1º Se qualquer interessado ou o órgão do Ministério Público impugnar o pedido, o Juiz determinará a produção da prova, dentro do prazo de dez dias e ouvidos, sucessivamente, em três dias, os interessados e o órgão do Ministério Público, decidirá em cinco dias.

Assim, caso o interessado verifique que houve erro no atestado de óbito do falecido, ele deverá fazer um requerimento fundamentado. Ou seja, deve expor todos os motivos que justifiquem a retificação, inclusive apresentando documentos para tanto. 

III – Mas como ficam os óbitos erroneamente indicados como Covid-19?

Após e breve explanação acima, pergunta-se: em caso de óbito com indicação equivocada de falecimento por coronavírus, a retificação se dará pela via judicial ou extrajudicial?

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Antes de se verificar esta questão, passa-se a tratar de duas situações de retificação de óbito e como as soluções se deram em cada caso. 

Há, na jurisprudência, decisão indicativa da possibilidade de se retificar o óbito administrativamente para constar que o falecido era separado judicialmente e que deixara prole, veja-se:

“Registro de óbito – Retificação para constar que o falecido era separado judicialmente, deixando prole – Pedido acolhido na via administrativa” (2ª Vara de Registros Públicos da Capital – SP – Proc. 583.00.2004.038433-9/000000-000 – Nº de ordem 3458/2004, DOE 18.08.2006)

Por outro lado, há decisão no sentido de se exigir ação judicial para retificar óbito quando o estado de convivente do falecido é contestado, veja-se:

“Assento de óbito – O reconhecimento da situação jurídica de convivente, quando contestada, deve ser objeto de ação própria perante o juízo da família. Herdeiros possuem legitimidade para pleitear a retificação do assento, para exclusão da referência a esta situação jurídica” (Proc. nº 5.036/01 – 2ª Vara de Registros Públicos da Capital, Juíza Ana Luiza Villa Nova – Ref.: Apelação Cível nº 282.530-1, rel. Franciulli Netto.)

A retificação de óbito para efeitos de equívoco na indicação do óbito por Covid-19 tem sido frequente no país. De forma que se exigir que tal retificação seja necessariamente judicial, seria verdadeiro retrocesso. Sobretudo diante da desjudicialização pela qual passamos no país. 

Assim, a seguir será apresentada uma possível solução. 

IV – A retificação de óbitos relativos à Covid-19

A pandemia do coronavírus é situação excepcional, não há dúvidas. Para situações excepcionais, é preciso que se criem soluções excepcionais. Foi por isso que a Arpen/SP (Associação dos Registradores de Pessoas Naturais do Estado de São Paulo), fundamentada no art. 110 da Lei nº 6.015/73 e Resolução nº 32 da Secretaria de Saúde do Estado de São Paulo, editou a súmula nº 69, cujo teor é:

69. O registro de óbito em que constou a causa da morte como “suspeita de Covid-19”, como “Covid-19” ou não constou referência ao Covid-19 poderá ser retificado para excluir ou incluir essa causa da morte, mediante procedimento administrativo requerido por qualquer das pessoas legitimadas a declarar o óbito e apresentação de documento legal e autêntico que consiste no exame laboratorial conclusivo.

Apesar de a referida súmula não merecer o mesmo tratamento de uma Lei ou de um Provimento de Corregedoria, a solução é louvável e merece aplausos. Uma vez que se trata de situação que tem se repetido no país, não justifica a judicialização massificada da questão. De modo que entendemos pela possibilidade, para esses casos específicos, da retificação administrava.

V – Quem pode requerer a retificação?

O art. 110 da Lei nº 6.015/73 esclarece que o interessado pode requerer a retificação do registro. No entanto, a lei não menciona claramente quem é o interessado. 

Mas do ponto de vista prático, o melhor entendimento a se adotar é que o interessado é o mesmo que pôde declarar o óbito. Ou seja, deve-se aplicar aqui o rol das pessoas indicadas no art. 79 da Lei nº 6.015/73 (ver item II deste artigo). Não necessariamente o requerente tem de ser o mesmo que declarou o óbito. 

VI – Quais documentos devo apresentar para a retificação do óbito?

Para efeitos de retificação, especificamente no caso em questão, é preciso que o interessado apresente documentos que a fundamentem. 

Assim, nada melhor que a apresentação de um exame laboratorial conclusivo, subscrito pelo responsável clínico (médico ou responsável clínico pelo laboratório) com apresentação, inclusive, do número de seu CRM. O exame demonstrará que o falecido não era portador da patologia Covid-19.

Deve-se, ainda, apresentar outros documentos, como os documentos pessoais de identificação do apresentante e a primeira via do registro de óbito. 

VII – É certo de conseguir a retificação?

É importante mencionar que com a apresentação do requerimento e dos respectivos documentos, o oficial de registro fará a chamada “qualificação registral”. 

Trata-se, grosso modo, de uma análise que é feita pelo oficial de registro (o que se aplica também no registro de imóveis) para avaliar se procede ou não com a retificação. Caso o oficial se recuse, ele emitirá uma nota de recusa fundamentada. 

É importante ressaltar que cada Oficial de Registro possui sua independência funcional, de modo que pode tomar a decisão com base em sua análise e interpretação da situação em concreto. 

Em se tratando de situação excepcional, extremamente nova, não há como afirmar como cada oficial de registro se manifestará. A questão tem sido amplamente discutida no meio notarial e registral e ainda não há um posicionamento sólido a este respeito. 

Há que se observar, ainda, eventual posicionamento das respectivas corregedorias a respeito de uma orientação nesses casos.

Sobre o autor
Fellipe Simões Duarte

Advogado | Direito Imobiliário, Notarial e Registral. Pós-graduado em Direito Ambiental (UFPR) e em Advocacia Imobiliária, Urbanística, Registral e Notarial (UNISC). Presidente da Comissão de Direito Notarial e Registral da OAB/MG de Juiz de Fora. Membro do Instituto Brasileiro de Direito Imobiliário (IBRADIM) e da Academia Nacional de Direito Notarial e Registral (AD NOTARE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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Texto retirado do BLOG do autor, em fellipeduarte.adv.br/blog

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