Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

Divórcio unilateral.

A solução jurídica para quem não deseja permanecer casado

Agenda 25/06/2020 às 15:40

Recente decisão da Justiça de São Paulo decretou o divórcio, através de uma tutela provisória de evidência, antes mesmo da citação da ex-esposa

Recentemente, a Justiça de São Paulo decretou o divórcio de um casal, por meio de decisão, em sede de tutela provisória de evidência, mesmo antes da citação, in casu, da ex-esposa. 

A fim de fundamentar tal decisão, o magistrado utilizou o entendimento segundo o qual o divórcio seria um direito potestativo e incondicionado, na aplicação do disposto na Emenda Constitucional nº 66/2010, a qual autoriza a decretação do divórcio independentemente de qualquer condição prévia.

De fato, não há casamento unilateral! Faz-se necessária a manifestação livre e desimpedida da vontade dos nubentes para a celebração do casamento, advinda da sua natureza contratual, para que este seja considerado válido, produzindo os seus efeitos.  

A citada Emenda Constitucional nº 66/2010, foi proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e teve o objetivo de dar nova redação ao parágrafo 6º do Artigo 266 da Constituição Federal, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano, ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos. 

Outro efeito causado pela Emenda Constitucional foi a abolição da discussão sobre quem deu causa ao fim do relacionamento, extinguindo-se, assim, a figura da culpa pelo divórcio. 

Desde então, o divórcio passou a ser reconhecido como o exercício de um direito potestativo, podendo ser concedido independentemente do consentimento outro cônjuge, partindo-se do princípio de que o casamento válido carece da vontade de ambos os cônjuges para a sua existência.

Há diversos casos tramitando no Judiciário, pelo País, nos quais o divórcio tem sido concedido, em sede liminar, até mesmo com ordem de expedição de mandado para averbação do desenlace à margem do assento do casamento, pelos Oficiais de Registro Civil.

Neste sentido, vemos que o divórcio perde a sua característica de litigiosidade e passa a ser o reconhecimento da vontade de um dos cônjuges de não mais permanecer casado, como forma de desburocratização e otimização de mecanismos não judicializados dos direitos potestativos, como in casu.

A decretação do divórcio independe da apresentação de qualquer tipo de prova ou condição, bastando, apenas, a manifestação de vontade de um dos cônjuges, tornando-se, assim, perfeitamente dispensável a formação do contraditório.

A dissolução do vínculo matrimonial através da manifestação da vontade de, apenas, um dos cônjuges possui a função garantidora da liberdade e autonomia individuais.

Neste sentido, tivemos, no ano de 2019, o surgimento, através do Provimento 06/2019, emanado da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, a permissão para a realização do divórcio, diretamente no Ofício de Registro Civil, onde o casamento foi celebrado. Dispositivo semelhante foi produzido pela Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Maranhão, através do Provimento 25/2019, daquela Corte.

Por sua vez, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 3457/2019, foi elaborado, a fim de acrescentar o Artigo 733-A ao Código de Processo Civil, a fim de dar forma legal expressa a este direito potestativo, ao permitir que somente um dos cônjuges possa requer a averbação de divórcio no Ofício de Registro Civil, mesmo que o outro cônjuge não concorde com o desenlace matrimonial.

A doutrina, em grande parte, não recebe de forma positiva os Provimentos advindos do Judiciário dos Estados de Pernambuco e Maranhão. De fato, apenas uma minoria enxerga os elementos intrínsecos do reconhecimento do divórcio como um direito potestativo, como exercício dos direitos íntimos, ligados à plenitude da dignidade da pessoa humana.

Tal ótica se mostra deveras importante, quando não essencial, nos casos de violência doméstica, em franco amparo à vítima.

Com relação ao Projeto de Lei, em trâmite no Senado Federal, para os seus defensores, a ausência de filhos incapazes ou de nascituro, observados, ainda, os demais requisitos legais, permitiria a um dos cônjuges requerer, diretamente no Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais em que esteja lançado o assento do seu casamento, a averbação do divórcio, à margem deste.

Não restam dúvidas de que o assunto ainda não se encontra esgotado, pelo contrário! Há, ainda, a necessidade de diversos aperfeiçoamentos e adequações.

Assine a nossa newsletter! Seja o primeiro a receber nossas novidades exclusivas e recentes diretamente em sua caixa de entrada.
Publique seus artigos

Não cabe, mais, no moderno Direito de Família a máxima de que se há litígio não se chegará ao divórcio.

A liberdade individual, elemento essencial à plenitude da vida humana, carece ser respeitada, protegida e garantida pelo Estado. É fundamentado, no exercício desta liberdade que as pessoas naturais se vinculam, umas às outras, inclusive, com a alteração de seu estado civil.

Se a Lei impõe a necessidade de duas vontades para que seja celebrado o casamento, na falta de uma delas, este casamento não mais existe. O caráter de direito potestativo do divórcio apenas vem tornar óbvia esta situação.

Vale ressaltar, que essa discussão possui enorme relevância no tocante à desburocratização, bem como no desafogo das instâncias do Poder Judiciário, retirando dos magistrados, inúmeras ações, as quais podem ser resolvidas, perfeitamente, no âmbito extrajudicial.

Assim, a fim de se tornar reconhecido, de forma expressa, em nosso ordenamento, resta, ainda, o debate legislativo, para que seja possível a adoção dos mecanismos visando a total aplicação do divórcio impositivo, pela via extrajudicial.

Por ora, o Poder Judiciário já realizou o primeiro passo, com a possibilidade do divórcio, por vontade unilateral, em sede liminar. Resta, agora, a sua adoção pelo meio extrajudicial, a fim de assegurar a livre expressão da vontade daqueles que não mais desejam permanecer casados.

Sobre a autora
Claudia Neves

Advogada. Pós-graduada em Direito das Mulheres e em Direito de Família e Sucessões, com atuação na área cível com ênfase na área de família, com seus reflexos patrimoniais e assessoria em contratos civis e comerciais, seja na celebração de negócios seja na defesa de interesses. Coordenadora Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB Santo Amaro (2019-2021). Instagram: @claudianeves.adv

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!