Recentemente, a Justiça de São Paulo decretou o divórcio de um casal, por meio de decisão, em sede de tutela provisória de evidência, mesmo antes da citação, in casu, da ex-esposa.
A fim de fundamentar tal decisão, o magistrado utilizou o entendimento segundo o qual o divórcio seria um direito potestativo e incondicionado, na aplicação do disposto na Emenda Constitucional nº 66/2010, a qual autoriza a decretação do divórcio independentemente de qualquer condição prévia.
De fato, não há casamento unilateral! Faz-se necessária a manifestação livre e desimpedida da vontade dos nubentes para a celebração do casamento, advinda da sua natureza contratual, para que este seja considerado válido, produzindo os seus efeitos.
A citada Emenda Constitucional nº 66/2010, foi proposta pelo Instituto Brasileiro de Direito de Família (IBDFAM) e teve o objetivo de dar nova redação ao parágrafo 6º do Artigo 266 da Constituição Federal, suprimindo o requisito de prévia separação judicial por mais de 1 (um) ano, ou de comprovada separação de fato por mais de 2 (dois) anos.
Outro efeito causado pela Emenda Constitucional foi a abolição da discussão sobre quem deu causa ao fim do relacionamento, extinguindo-se, assim, a figura da culpa pelo divórcio.
Desde então, o divórcio passou a ser reconhecido como o exercício de um direito potestativo, podendo ser concedido independentemente do consentimento outro cônjuge, partindo-se do princípio de que o casamento válido carece da vontade de ambos os cônjuges para a sua existência.
Há diversos casos tramitando no Judiciário, pelo País, nos quais o divórcio tem sido concedido, em sede liminar, até mesmo com ordem de expedição de mandado para averbação do desenlace à margem do assento do casamento, pelos Oficiais de Registro Civil.
Neste sentido, vemos que o divórcio perde a sua característica de litigiosidade e passa a ser o reconhecimento da vontade de um dos cônjuges de não mais permanecer casado, como forma de desburocratização e otimização de mecanismos não judicializados dos direitos potestativos, como in casu.
A decretação do divórcio independe da apresentação de qualquer tipo de prova ou condição, bastando, apenas, a manifestação de vontade de um dos cônjuges, tornando-se, assim, perfeitamente dispensável a formação do contraditório.
A dissolução do vínculo matrimonial através da manifestação da vontade de, apenas, um dos cônjuges possui a função garantidora da liberdade e autonomia individuais.
Neste sentido, tivemos, no ano de 2019, o surgimento, através do Provimento 06/2019, emanado da Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, a permissão para a realização do divórcio, diretamente no Ofício de Registro Civil, onde o casamento foi celebrado. Dispositivo semelhante foi produzido pela Corregedoria-Geral do Tribunal de Justiça do Maranhão, através do Provimento 25/2019, daquela Corte.
Por sua vez, o Projeto de Lei do Senado (PLS) 3457/2019, foi elaborado, a fim de acrescentar o Artigo 733-A ao Código de Processo Civil, a fim de dar forma legal expressa a este direito potestativo, ao permitir que somente um dos cônjuges possa requer a averbação de divórcio no Ofício de Registro Civil, mesmo que o outro cônjuge não concorde com o desenlace matrimonial.
A doutrina, em grande parte, não recebe de forma positiva os Provimentos advindos do Judiciário dos Estados de Pernambuco e Maranhão. De fato, apenas uma minoria enxerga os elementos intrínsecos do reconhecimento do divórcio como um direito potestativo, como exercício dos direitos íntimos, ligados à plenitude da dignidade da pessoa humana.
Tal ótica se mostra deveras importante, quando não essencial, nos casos de violência doméstica, em franco amparo à vítima.
Com relação ao Projeto de Lei, em trâmite no Senado Federal, para os seus defensores, a ausência de filhos incapazes ou de nascituro, observados, ainda, os demais requisitos legais, permitiria a um dos cônjuges requerer, diretamente no Ofício de Registro Civil das Pessoas Naturais em que esteja lançado o assento do seu casamento, a averbação do divórcio, à margem deste.
Não restam dúvidas de que o assunto ainda não se encontra esgotado, pelo contrário! Há, ainda, a necessidade de diversos aperfeiçoamentos e adequações.
Não cabe, mais, no moderno Direito de Família a máxima de que se há litígio não se chegará ao divórcio.
A liberdade individual, elemento essencial à plenitude da vida humana, carece ser respeitada, protegida e garantida pelo Estado. É fundamentado, no exercício desta liberdade que as pessoas naturais se vinculam, umas às outras, inclusive, com a alteração de seu estado civil.
Se a Lei impõe a necessidade de duas vontades para que seja celebrado o casamento, na falta de uma delas, este casamento não mais existe. O caráter de direito potestativo do divórcio apenas vem tornar óbvia esta situação.
Vale ressaltar, que essa discussão possui enorme relevância no tocante à desburocratização, bem como no desafogo das instâncias do Poder Judiciário, retirando dos magistrados, inúmeras ações, as quais podem ser resolvidas, perfeitamente, no âmbito extrajudicial.
Assim, a fim de se tornar reconhecido, de forma expressa, em nosso ordenamento, resta, ainda, o debate legislativo, para que seja possível a adoção dos mecanismos visando a total aplicação do divórcio impositivo, pela via extrajudicial.
Por ora, o Poder Judiciário já realizou o primeiro passo, com a possibilidade do divórcio, por vontade unilateral, em sede liminar. Resta, agora, a sua adoção pelo meio extrajudicial, a fim de assegurar a livre expressão da vontade daqueles que não mais desejam permanecer casados.