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Tutela jurídica dos recursos ambientais no direito ambiental brasileiro

Agenda 26/06/2020 às 17:21

Nesse artigo vamos abordar a questão da proteção aos bens ambientais, especialmente a fauna e a flora, e as limitações ao direito de ´propriedade na Constituição Federal de 1988, bem como na legislação em geral.

 

Tutela jurídica dos recursos ambientais no direito ambiental brasileiro

 

Sumário: 1. A proteção jurídica constitucional da flora e da fauna e o destinatário da norma. 2. Os bens ambientais e sua natureza de direitos difusos. 3. Limitação constitucional ao direito de propriedade. 4. Da competência legislativa e administrativa. 5. Princípio da dignidade humana. 6. Bibliografia.

 

1. A proteção jurídica constitucional da flora e da fauna e o destinatário da norma

            A tutela jurídica dos valores ambientais está consagrada na Constituição Federal em seu art. 225, caput, verbis:

“Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.

            Como leciona Celso Fiorillo,[1] neste preceito constitucional está contido alguns aspectos importantes, dentre os quais, destacamos:

  1. Que o meio ambiente ecologicamente equilibrado é um direito de todos, cujo conteúdo do termo todos, deve ser entendido como a coletividade formada pelos brasileiros e estrangeiros aqui residentes nos termos do art. 5°, caput, da Constituição Federal.
  2. Que esse mesmo meio ambiente é um bem de uso comum do povo, sendo, portanto um gênero de bem que se situa num ponto intermédio entre os bens particulares e os bens públicos.
  3. Que é um bem essencial à sadia qualidade de vida, aí se identificando claramente que o destinatário da norma constitucional, somos todos nós.

Já no tocante a proteção jurídica da flora e da fauna, a Constituição é expressa, consagrado-a no inciso VII, do citado art. 225, verbis:

“Art. 225, VII - proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade”.

            Assim, temos que a tutela protecionista do meio ambiente, nele incluída a fauna e a flora, é voltada para a satisfação das necessidades dos seres humanos. Quer dizer, o direito ambiental possui uma necessária visão antropocêntrica, sendo o homem o destinatário da proteção legal e, somente por vias reflexas, e que se protege as outras espécies.[2]

            Como preleciona Hugo Nigro Mazzilli, “a tutela dos seres vivos e da natureza em geral se faz em atenção ao sentimento de respeito que os serem humanos têm e devem mesmo ter em relação a todos os seres e todas as formas de vida que lhe deram origem ou lhe dão condições de subsistência, ou que aproveitam ao equilíbrio ecológico, necessário à preservação de seu próprio habitat”.[3]

            Conclui-se pois, que somente o homem é sujeito de direitos, de tal sorte que mesmo quando a norma, aparentemente, contemple direitos às coisas que não os homens (caso da proteção à fauna e flora, por exemplo), ela o faz tendo em vista o bem-estar e as necessidades da espécie humana.

 

2. Os bens ambientais e sua natureza de direitos difusos

 

         Direitos ou interesses difusos, deve ser compreendido na perspectiva de sua titularidade que é transindividual, isto é, conferida a um número indeterminado e indefinido de pessoas, que fática e circunstancialmente estejam ligadas entre si e, de outro lado, pela indivisibilidade do objeto, quer dizer, é um bem que a todos pertence, mas não pertence com exclusividade a ninguém (ver art. 81, I da Lei n° 8.078/90 – Código de Defesa do Consumidor).

            Na conceituação de Rodolfo de Camargo Mancuso “são interesses metaindividuais, que, não tendo atingido o grau de agregação e organização necessárias à sua afetação institucional junto a certas entidades ou órgãos representativos dos interesses já socialmente definidos, restam em estado fluído, dispersos pela sociedade civil como um todo, podendo, por vezes, concernir a certas coletividades de conteúdo numérico indefinido”, que se caracteriza “pela indeterminação dos sujeitos, pela indivisibilidade do objeto, por sua intensa litigiosidade interna e por sua tendência à transição ou mutação no tempo e no espaço”.[4]

            No âmbito do direito ambiental, se deve entender por bem de interesse difuso todos os valores da natureza e todos os valores imprescindíveis à vida, tais como o ar, a água, e as terras e as matas preservadas; o meio ambiente sadio e ecologicamente equilibrado; o espaço aéreo protegido; o subsolo, as nascentes, as jazidas e os repositórios naturais de riqueza; os sítios arqueológicos; o meio ambiente cultural e de trabalho; a fauna e a flora com suas espécies.

        Conforme ensina Celso Fiorillo, trata-se de direito constitucional que não se reporta a pessoas individualmente consideradas, mas sim a uma coletividade de pessoas indefinidas; ou seja, está em face de um direito transindividual, cujos titulares são pessoas ligadas por circunstâncias de fato. Dessa forma, nos termos do art. 81, parágrafo único, I, da Lei nº 8.078/1990 (Código de Defesa do Consumidor), para o direito positivo os bens ambientais possuem inequivocamente natureza jurídica de direitos difusos.[5]

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      Anota ainda o ilustre mestre, com base em José Afonso da Silva, que o povo, portanto é quem exerce a titularidade do bem ambiental dentro de um critério adaptado à visão da existência de um ‘bem que não está na disponibilidade particular de ninguém, nem de pessoa privada nem de pessoa pública’. Assim, o bem ambiental criado pela Constituição Federal de 1988 é, pois, um bem de uso comum, a saber, um bem que pode ser desfrutado por toda e qualquer pessoa dentro dos limites constitucionalmente assegurados.

       Assim, o direito ambiental é um direito difuso, na exata medida em que cuida de interesses indivisíveis e insuscetíveis de personificação em sujeitos individualizados, sendo, portanto, um direito de toda coletividade.

 

3. Limitação constitucional ao direito de propriedade

            Já se foi o tempo em que o direito à propriedade era um direito absoluto e ilimitado.

          O nosso sistema jurídico, de índole capitalista, garante o direito de propriedade, porém esse direito deverá ser exercido tendo em vista a função social que a propriedade deve desenvolver (CF, art. 5°, XXII e XXIII). Nesse passo, cabe destacar posicionamento de Toshio Mukai de que “o princípio da propriedade privada (de sua garantia) só é legítimo e constitucional quanto à sua invocação, na medida em que seu uso estiver conforme os demais princípios, notadamente, o da sua função social”.[6]

         No mesmo diapasão, preceitua o novo Código Civil que "o direito de propriedade deve ser exercido em consonância com as suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e das águas" (art. 1.228, § 1°).

            Assim, o uso racional da propriedade é um dever de todos, e o uso e gozo da coisa somente pode se realizar de    modo que atenda os interesses da coletividade em geral (e não apenas aos interesses privados do titular do domínio), sendo perfeitamente legítimo que as leis especiais imponham outras restrições ao uso da propriedade, tais quais as diretrizes fixadas na Lei de Política Ambiental (Lei nº 6.938/81), na Lei de Proteção à Fauna (Lei nº 5.197/67), no Código Florestal (Lei nº 12.651/12), porque tudo isso se coaduna com os princípios constantes da nossa Constituição Federal, não só o previsto no art. 5°, XXIII, mas também o contido nos art. 170, III, que trata dos princípios gerais da ordem econômica e, principalmente, o art. 225, que tutela o meio ambiente.

 

4. Da competência legislativa e administrativa

         A competência da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios é concorrente, tanto na atividade política quanto na administrativa, naquilo que visa proteger o meio ambiente e combater a poluição em qualquer de suas formas (CF, art. 23, VI), preservar as florestas, a fauna e a flora (CF, art. 23, Vll) e, legislar sobre florestas, caça, pesca, fauna, conservação da natureza, defesa do solo e dos recursos naturais, bem como de proteção ao meio ambiente e ao controle da poluição (CF, art. 24, VI).

      Nesse aspecto cumpre papel fundamental ao município, pois é neste ente federativo onde a proteção, conservação e defesa do meio ambiente vai se realizar. A tutela à sadia qualidade de vida de que nos fala a Constituição, vai se materializar no município.

           Não é por outro razão que o saudoso Prof. André Franco Montoro de longa data afirmava: “ninguém vive na União, ou no Estado, as pessoas vivem no município”.

         Quando a Constituição Federal atribui ao município a competência para legislar sobre os assuntos de interesse local (art. 30, I), está se referindo aos interesses que atendem de imediato às necessidades locais, ainda que tenham repercussão sobre as necessidade gerais do Estado ou do País, de sorte a afirmar que o texto Constitucional deu importante relevo ao município, particularmente em face do direito ambiental, na exata medida em que é a partir dele que a pessoa humana poderá usar os denominados bens ambientais, visando a plena integração social, tudo com base na moderna concepção de cidadania.[7]

 

5. Princípio da dignidade humana

        Para exata compreensão do princípio da dignidade suprema da pessoa humana e de seus direitos, é preciso rememorar que os avanços têm sido, fruto da dor física e do sofrimento moral como resultados de surtos de violências, mutilações, torturas, massacres coletivos, enfim, situações aviltantes que fizeram nascer consciências e exigências de novas regras de respeito a uma vida digna para todos os seres humanos.[8]

         É preciso rememorar que com o fim da Segunda Guerra Mundial e, em face das atrocidades cometidas pelos dirigentes nazistas, houve uma tomada de consciência universal, espelhada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, tendo como base uma razão jurídica de conteúdo ético universal, “fundada na garantia da intangibilidade da dignidade da pessoa humana, na aquisição da igualdade entre as pessoas, na busca da efetiva liberdade, na realização da justiça, e na construção de uma consciência que preserve integralmente esses princípios”.[9]

        No âmbito interno, importa destacar que o mais precioso valor da ordem jurídica brasileira, erigido como fundamento da República e do Estado Democrático de Direito pela Constituição Federal de 1988, foi a dignidade da pessoa humana, que, como consectário lógico, impõe a elevação do ser humano ao ápice de todo o sistema jurídico, sendo-lhe atribuído o valor supremo de alicerce da ordem jurídica.[10]

          Em matéria ambiental, a própria Lei nº 6.938/81, em seu art. 2º, preceitua, que a Política Nacional do Meio Ambiente tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, visando assegurar, no país, condições ao desenvolvimento sócio-econômico, aos interesses da segurança nacional e à proteção da dignidade da vida humana, atendidos os princípios que são enumerados nos incisos.

          Nesse cenário, a dignidade da pessoa humana, enquanto princípio fundamental da República, insculpido na Constituição Federal (art. 1º, III,), há de ser destacado e harmonizado com todos os demais dispositivos constantes da mesma, implícita ou explicitamente, tais como a função social da propriedade, a livre concorrência, a defesa do consumidor, a defesa do meio ambiente, redução das desigualdades regionais e sociais, a a ordem econômica, bem como com a defesa do dos direitos fundamentais da pessoa humana, destacando-se a inviolabilidade da vida.

          Conclusão que exsurge é que se o homem tem direito ao meio ambiente equilibrado e sadio (CF, art. 225), este meio ambiente é pressuposto para a preservação da vida e da saúde, logo, não há como desvincular a proteção ao meio ambiente do princípio da dignidade da pessoa humana.

 

6. Bibliografia

COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos, 4a. ed. São Paulo: Saraiva, 2005.

FIORILLO, Celso Antonio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro, 6ª. ed.. São Paulo: Saraiva, 2005.

_____. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000.

MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos, 5ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000.

MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo, 15ª. ed. São Paulo: Saraiva, 2002.

MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral nas relações de consumo, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012.

MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado, 4ª. ed.. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002.

RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Manual de filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 2004.

 


[1] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 11-15.

[2] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco, op. cit. pp. 16-19.

[3] MAZZILLI, Hugo Nigro. A defesa dos interesses difusos em juízo. São Paulo: Saraiva, 2002, p. 129.

[4] MANCUSO, Rodolfo de Camargo. Interesses difusos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2000, p. 136.

[5] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. O direito de antena em face do direito ambiental no Brasil. São Paulo: Saraiva, 2000. p. 118.

[6] MUKAI, Toshio. Direito ambiental sistematizado. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002, p. 33.

[7] FIORILLO, Celso Antônio Pacheco Curso de direito ambiental brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2005, pp. 11-80.

[8] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 2005, p. 37.

[9] RIZZATTO NUNES, Luiz Antonio. Manual de filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 2004, p. 361.

[10] MELO, Nehemias Domingos de. Dano moral nas relações de consumo, 2ª ed. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 82.

Sobre o autor
Nehemias Domingos de Melo

Advogado em São Paulo, palestrante e conferencista. Professor de Direito Civil, Processual Civil e Direitos Difusos nos cursos de Graduação e Pós-Graduação em Direito na Universidade Paulista (UNIP). Professor convidado nos cursos de Pós-Graduação em Direito na Universidade Metropolitanas Unidas (FMU), Escola Superior da Advocacia (ESA), Escola Paulista de Direito (EPD), Complexo Jurídico Damásio de Jesus, Faculdade de Direito de SBCampo, Instituo Jamil Sales (Belém) e de diversos outros cursos de Pós-Graduação. Cursou Doutorado em Direito Civil e Mestrado em Direitos Difusos e Coletivos, É Pós-Graduado em Direito Civil, Direito Processual Civil e Direitos do Consumidor. Tem atuação destacada na Ordem dos Advogados Seccional de São Paulo (OAB/SP) onde, além de palestrante, já ocupou os cargos membro da Comissão de Defesa do Consumidor; Assessor da Comissão de Seleção e Inscrição; Comissão da Criança e do Adolescente; e, Examinador da Comissão de Exame da Ordem. É membro do Conselho Editorial da Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil (Ed.IOB – São Paulo) e também foi do Conselho Editorial da extinta Revista Magister de Direito Empresarial, Concorrencial e do Consumidor (ed. Magister – Porto Alegre). Autor de 18 livros jurídicos publicados pelas Editoras Saraiva, Atlas, Juarez de Oliveira e Rumo Legal e, dentre os quais, cabe destacar que o seu livro “Dano moral – problemática: do cabimento à fixação do quantum”, foi adotada pela The University of Texas School of Law (Austin,Texas/USA) e encontra-se disponível na Tarlton Law Library, como referência bibliográfica indicada para o estudo do “dano moral” no Brasil.

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