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A privatização do saneamento básico no Brasil: o exemplo internacional

Agenda 26/06/2020 às 18:09

Há pouco tempo foi aprovado o Projeto de Lei n° 4162, de 2019, que autoriza a privatização do saneamento básico no Brasil, todavia, o ocorrido em outros países nos faz refletir se é mesmo necessário.

INTRODUÇÃO

Recentemente, foi aprovado o Projeto de Lei n° 4162, de 2019, que facilita a privatização de estatais que lidam recursos hídricos. Defensores da legislação argumentam que é necessário a privatização para a geração de empregos no setor, além da melhora no sistema de esgoto, que em alguns lugares é considerado precário. Porém, alguns políticos e intelectuais defendem que a privatização poderia prejudicaria a população mais pobre e pleiteiam a melhoria no setor público, ao contrário do que está ocorrendo hoje.

Em outros países, situações similares aconteceram, como pode ser citado casos como o do Chile, Estados Unidos e alguns países da Europa. Ocorre que, em muitos desses lugares, após a privatização, o Governo voltou atrás e resolveu novamente estatizar as empresas, diante de possíveis problemas com o sucedido. Cabe então, uma avaliação da legislação, além também do ocorrido em diferentes países.

1 - DO PROJETO DE LEI N° 4162 DE 2019

No último dia 25/06, foi aprovado pelo Senado Federal o Projeto de Lei n° 4162, de 2019, por 65 votos a favor e 13 contrários, que basicamente facilita a privatização de estatais do setor de saneamento básico. Assim, é extinguida todo o atual modelo de contrato entre empresas estaduais de água e esgoto e municípios, onde as companhias precisavam obedecer a critérios específicos.

A legislação transforma os contratos em vigor em concessões com a empresa privada que vier a assumir a estatal, sendo necessário o processo de licitação. Será criada então a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), que institui normas públicas para a regulação do referido serviço, conforme pode ser observado no texto do PL[1]:

“O CONGRESSO NACIONAL decreta:

Art. 1º Esta Lei atualiza o marco legal do saneamento básico e altera a Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, para atribuir à Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA) competência para instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico; a Lei nº 10.768, de 19 de novembro de 2003, para alterar as atribuições do cargo de Especialista em Recursos Hídricos e Saneamento Básico; a Lei nº 11.107, de 6 de abril de 2005, para vedar a prestação por contrato de programa dos serviços públicos de que trata o art. 175 da Constituição Federal; a Lei nº 11.445, de 5 de janeiro de 2007, para aprimorar as condições estruturais do saneamento básico no País; a Lei nº 12.305, de 2 de agosto de 2010, para tratar de prazos para a disposição final ambientalmente adequada dos rejeitos; a Lei nº 13.089, de 12 de janeiro de 2015 (Estatuto da Metrópole), para estender seu âmbito de aplicação a unidade regionais; e a Lei nº 13.529, de 4 de dezembro de 2017, para autorizar a União a participar de fundo com a finalidade exclusiva de financiar serviços técnicos especializados.

Art. 2º A ementa da Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, passa a vigorar com a seguinte redação:

Dispõe sobre a criação da Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) e responsável pela instituição de normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. ”

Art. 3º A Lei nº 9.984, de 17 de julho de 2000, passa a vigorar com as seguintes alterações:

Art. 1º Esta Lei cria a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), entidade federal de implementação da Política Nacional de Recursos Hídricos, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH) e responsável pela instituição de normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico, e estabelece regras para sua atuação, sua estrutura administrativa e suas fontes de recursos.

Art. 3º Fica criada a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), autarquia sob regime especial, com autonomia administrativa e financeira, vinculada ao Ministério do Desenvolvimento Regional, integrante do Sistema Nacional de Gerenciamento de Recursos Hídricos (SINGREH), com a finalidade de implementar, no âmbito de suas competências, a Política Nacional de Recursos Hídricos e de instituir normas de referência para a regulação dos serviços públicos de saneamento básico. [2]

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Os defensores do Projeto de Lei n° 4162, de 2019, alegam que a privatização funciona como uma forma de atrair investimentos privados, o que aumentaria a concorrência e geraria a diminuição nos preços das contas de água, além de gerar empregos e movimentar a economia do país. Todavia, críticos argumentam que a privatização aumentará o preço nas contas de água e que será prejudicial aos mais pobres, em razão do setor se interessar apenas em melhoras as condições nos bairros mais ricos, não se importando com regiões periféricas e principalmente pelo projeto poder permitir a privatização da água no Brasil[3].

2 - DA PRIVATIZAÇÃO NO EXTERIOR

Ao contrário do que acontece no Brasil, um número grande de países vem tentando estatizar novamente as empresas de saneamento e água antes privatizadas, em razão de malefícios ocasionados. No Chile, a população de algumas regiões vive um drama, que relatam ter que escolher entre lavar roupa e cozinhar, diante da falta de água ocorrida pela privatização da água, que foi possibilitada no ano de 2007 pois a Constituição chilena estabelece no artigo 19 que a água é um bem econômico, que pode-se comprar no mercado segundo a oferta é a demanda[4].

Em razão de maus serviços prestado, ocorreram aproximadamente 900 reestatizações nos últimos anos, em serviços de setores importantes, como energia, água e transporte, por parte de países centrais do capitalismo, como EUA e Alemanha. O TNI (Transnational Institute), centro de estudos em democracia e sustentabilidade baseado na Holanda, mapeou serviços privatizados que foram objetos de reestatização no mundo, entre os anos de 2000 e 2017. De acordo com a instituição ocorreram ao menos 835 remunicipalizações e 49 nacionalizações, totalizando 884 processos, movidas geralmente por reclamações de preços altos e serviços ruins[5].

No ano de 2016, o relator das Nações Unidas para água e saneamento, o brasileiro Leo Heller, apontou que a privatização do saneamento básico se mostrou inadequada em muitos países. “A empresa privada não investe o suficiente e adota política de exclusão de populações mais pobres, impondo tarifas mais altas. Além disso, não atingem as metas dos contratos”, declarou Heller. As declarações do relator têm como base estudo de 2014 que mostrou tendência global de reestastização desses serviços. O relatório mostra que nos últimos 15 anos houve ao menos 180 casos de remunicipalização do fornecimento de água e esgoto em 35 países, em cidades como Paris (França), Berlim (Alemanha), Buenos Aires (Argentina), Budapeste (Hungria), La Paz (Bolívia) e Maputo (Moçambique). Desse total, houve 136 casos em países de alta renda e 44 casos em países de baixa e média renda[6].

3 - CONCLUSÃO

O Projeto de Lei n° 4162, de 2019, que admite a privatização dos serviços de saneamento básico, pode prejudicar o acesso à população mais pobre. Isso ocorre pois, conforme fora exposto nesse texto, em outros países, com ideologia altamente capitalista, isto é, visam lucrar a qualquer custo, está havendo um fenômeno de reestatização de empresas que antes foram privatizadas. O TNI (Transnational Institute), da Holanda, mostra que aconteceram 884 procedimentos de reestatização entre os anos de 2000 e 2017.

Ademais, o caso do chile ressalta isso, pois a privatização da água, que no país é considerado bem econômico, faz certa parte da população escolher entre lavar roupa e cozinhar, algo que é totalmente desumano. O relator da Organização das Nações Unidas para água e saneamento afirmou o evidenciado no texto, que as empresas visam excluir as populações mais pobres, além de ser possível um aumento nas contas de água sem ao menos a melhoria do serviço.

Diante do exemplo de países que já passaram pelo o que está prestes a ocorres no Brasil, é visível que a privatização dos serviços de saneamento e possivelmente da água poderia gerar grave dano ao país. É imperiosa a atenção da população para este tipo de norma, que foi votada às escuras, em plena pandemia, provavelmente diante da desatenção da população.

Referências

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/07/reestatizacoes-tendencia-crescendo-tni-entrevista.htm. s.d.

https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/24/marco-saneamento-basico-preco-agua-esgoto.htm. s.d.

https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8062567&ts=1593120239842&disposition=inline. s.d.

https://nacoesunidas.org/privatizacao-do-saneamento-ja-se-mostrou-inadequada-em-muitos-paises-diz-relator-da-onu/. s.d.

https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2018/03/21/miseria-pura-ex-agricultores-chilenos-sofrem-em-regiao-de-agua-privatizada.htm?fbclid=IwAR1GWCJk7-B82A7qGX-dCBemOKGImphqi7fiQZabijfu9V2PvANcbAwgd64. s.d.

https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/06/24/senado-aprova-novo-marco-legal-do-saneamento-basico. s.d.

NOTAS


[1] (https://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2020/06/24/senado-aprova-novo-marco-legal-do-saneamento-basico s.d.)

[2] (https://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=8062567&ts=1593120239842&disposition=inline s.d.)

[3] (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2020/06/24/marco-saneamento-basico-preco-agua-esgoto.htm s.d.)

[4] (https://noticias.uol.com.br/internacional/ultimas-noticias/2018/03/21/miseria-pura-ex-agricultores-chilenos-sofrem-em-regiao-de-agua-privatizada.htm?fbclid=IwAR1GWCJk7-B82A7qGX-dCBemOKGImphqi7fiQZabijfu9V2PvANcbAwgd64 s.d.)

[5] (https://economia.uol.com.br/noticias/redacao/2019/03/07/reestatizacoes-tendencia-crescendo-tni-entrevista.htm s.d.)

[6] (https://nacoesunidas.org/privatizacao-do-saneamento-ja-se-mostrou-inadequada-em-muitos-paises-diz-relator-da-onu/ s.d.)

Sobre o autor
Pedro Vitor Serodio de Abreu

LL.M. em Direito Econômico Europeu, Comércio Exterior e Investimento pela Universität des Saarlandes. Legal Assistant na MarketVector Indexes.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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