O direito à inviolabilidade de domicílio, dada a sua magnitude e relevo, é salvaguardado em diversos catálogos constitucionais de direitos e garantias fundamentais, a exemplo da Convenção Americana de Direitos Humanos, cujo art. 11.2, destinado, explicitamente, à proteção da honra e da dignidade, assim dispõe: “Ninguém pode ser objeto de ingerências arbitrárias ou abusivas em sua vida privada, em sua família, em seu domicílio ou em sua correspondência, nem de ofensas ilegais à sua honra ou reputação”.
O artigo 5°, inciso XI, da Constituição Federal consagrou o direito fundamental à inviolabilidade domiciliar, ao dispor que “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”. Assim, o princípio da inviolabilidade domiciliar pode ser mitigado, autorizando-se a entrada na casa da pessoa a qualquer hora, em caso de flagrante delito, desastre ou para prestação de socorro, ou somente por meio de mandado judicial e durante o dia.
Quanto ao flagrante de crime de natureza permanente, como pode ocorrer com o crime de tráfico de drogas, deve-se atentar ao entendimento do RE n.º 603.616/Tema 280/STF:
A entrada forçada em domicílio sem mandado judicial só é lícita, mesmo em período noturno, quando amparada em fundadas razões, devidamente justificadas a posteriori, que indiquem que dentro da casa ocorre situação de flagrante delito, sob pena de responsabilidade disciplinar, civil e penal do agente ou da autoridade, e de nulidade dos atos praticados.
Desse modo, segundo o Supremo Tribunal Federal, deve haver elementos objetivos e racionais que evidenciem que ocorre a situação de flagrância antes da entrada na residência, mesmo que possa ser justificada posteriormente a entrada.
Logo, diante do estampado no artigo 5, inciso XI, da Constituição Federal, o Supremo Tribunal Federal, que tem a função precípua de zelar pelos princípios constitucionais, andou bem e reforçou a garantia da inviolabilidade domiciliar, autorizando a entrada no domicílio, sem mandado judicial ou autorização do morador, quando houver “fundadas razões”, como, por exemplo, quando houver prévia investigação sobre o indivíduo, monitoramento do local, interceptação telefônica para, somente então, ser autorizada a entrada no domicílio, pois a mera situação de fuga e entrada imediata do indivíduo na sua casa prestes a ser abordado pela polícia não autoriza a entrada na sua residência.
Para corroborar esse entendimento, o STJ editou o Informativo n° 666, alinhando-se a jurisprudência da 5° Turma ao da 6° Turma, vejamos:
A existência de denúncia anônima da prática de tráfico de drogas somada à fuga do acusado ao avistar a polícia, por si sós, não configuram fundadas razões a autorizar o ingresso policial no domicílio do acusado sem o seu consentimento ou sem determinação judicial.
Ou seja, mesmo que haja tentativa de fuga por parte do agente ao avistar os policiais, tal circunstância, por si só, não configura a justa causa exigida para autorizar a mitigação do direito à inviolabilidade domiciliar.
A evasão pode caracterizar fundadas razões se somada a algum outro fator de suspeição, caso contrário o refúgio dentro de sua residência para evitar a ação policial possibilita mera intuição que não autoriza a entrada na casa pelos policiais.
Bem por isso, antes da entrada na residência, deve haver certa segurança quando ao flagrante, pois a descoberta posterior de objetos ilícitos no seu interior não torna a ação lícita.
Desse modo, a partir da leitura do Tema 280/STF, para o ingresso de policiais no domicílio em razão de denúncia anônima, é necessário prévia investigação policial para verificar a possível veracidade das informações recebidas, ainda que haja fuga do morador ao avistar os policiais, pois mesmo diante da conjugação desses dois fatores, não se estaria diante de justa causa.