No início da pandemia, muito se falou sobre a modificação das visitas e possivelmente da guarda dos filhos, principalmente quando o pai ou a mãe estavam expostos a atividades de risco ou por algum outro fator que de certa forma expunha o genitor a maior possibilidade de contaminação.
Já se passou algum tempo e atualmente já foram proferidas algumas decisões sobre o tema.
A 4ª Vara da Família de Salvador, nos autos do processo nº 8057231-30.2020.8.05.0001, decidiu por suspender as visitas do pai do menor, sob a alegação de que a genitora é portadora de problemas respiratórios graves, hipertensão arterial sistêmica, insuficiência renal crônica, enquanto que o menor também é portador de doença respiratória grave, asmático, enquadrando-se ambos, pois, no grupo de alto risco do COVID-19, cuja medida recomendada pela OMS (Organização Mundial de Saúde) consiste no isolamento social.
A alegação da genitora é de que o pai da criança “vem desprezando e ignorando as orientações e determinações da OMS e Decretos Estaduais e Municipais de Salvador em relação ao isolamento social, realizando viagens para outros Estados, visitando parentes e familiares na cidade de Aracaju, estando em contato com diversas pessoas, recebendo visitas em sua residência, visitando amigos e familiares, participando de aniversários de amigos e familiares, possui 3 (três) filhos com idades diferentes oriundos de 3 (três) relacionamentos distintos, recebendo-os em conjunto em sua residência, levando seu filho menor em sua companhia para esses eventos quando o busca nos dias de visita aos finais de semana alternados, a cada 15 (quinze) dias, fatos que ensejam uma maior exposição do menor ao contágio do vírus, e, por corolário, à sua representante legal.”
É importante mencionar que o contato com o pai foi assegurado pelo meio virtual.
Outra decisão sobre guarda e possibilidade de contágio pelo coronavírus, foi exarada pela 2ª Vara Cível de Três Pontas, Minas Gerais. A mãe unilateralmente suspendeu as visitas do genitor da criança, sob a alegação de possibilidade de contágio, sem justificar se havia alguma patologia do menor ou algum fato relevante mencionando o trabalho do genitor que poderia ocasionar maior risco de contaminação.
O juiz da causa, no intuito de atender o melhor interesse do menor, verificou que as alegações da genitora não se sustentaram e concedeu a tutela antecipada ao genitor, para que voltasse a exercer o direito de visitação ao filho.
Ao analisar os casos trazidos à baila, verifica-se que deve prevalecer a manutenção da convivência e visitas, que são os Princípios da proteção integral e do melhor interesse do menor, previstos no artigo 227 da Constituição da República, que trata do dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária.
A convivência familiar é, de extrema importância e precisa ser garantida. Todavia, é imprescindível que o convívio ocorra de forma saudável, assegurando que o menor esteja protegido em todos os aspectos. Neste contexto, há de se ponderar, portanto, de um lado a convivência e o contato que devem ser mantidos com ambos os genitores, e do outro, a preservação da saúde da criança, a qual resta seriamente exposta diante da atual crise mundial sanitária decorrente da pandemia causada pelo COVID-19.
O coronavírus constitui fato notório, que vem assolando a população de vários países, inclusive do Brasil, tendo as autoridades públicas de todas as esferas de poder adotado diversas medidas no intuito de diminuir a velocidade de propagação da infecção, sendo considerada como a mais eficaz, o isolamento social.
Nesse sentido, o que deve prevalecer sempre, é o interesse do menor e lembrar que o direito de visita é da criança ou do adolescente e não apenas dos genitores. Os pais devem ter bom senso e definir em conjunto o que é melhor para a criança. Ao mesmo tempo que existem riscos, também é necessário preservar a convivência, até porque a pandemia não tem data para acabar. Dessa forma, não havendo fatores relevantes de risco aos menores, as visitas e manutenção da guarda devem permanecer inalterados, com responsabilidade, consciência e muita maturidade dos cuidadores para evitar qualquer contágio de seus filhos.
Dra. Renata Tavares Garcia Ricca: Sócia do escritório Santana Silva Garcia e Melo Sociedade de Advogados. Formada pela FMU – Faculdades Metropolitanas Unidas. Pós-graduada em Direito Empresarial pela FGV Law – Faculdade Getúlio Vargas e pós-graduanda pela Faculdade Damásio de Jesus do grupo IBMEC, em Direito de Família e Sucessões. Membro da Ordem dos Advogados do Brasil, secção de São Paulo e da Associação dos Advogados de São Paulo; membro do Instituto Brasileiro de Direito de Família – IBDFAM. Atuou na Procuradoria de Assistência Judiciária (PAJ/SP), Prefeitura de São Paulo e Defensoria Pública da União.