1- O fundamento da proteção possessória é questão aberta a debate. IHERING sustenta que ela é um complemento da propriedade (La Posesión, pág. 84). SAVIGNY entende que se cuida de interdição da violência. Para outros seria a repreensão do esbulho. A melhor doutrina aponta que são setenta as teorias a esse respeito. (Adriano de Azevedo Andrade apud Marco Aurelio S. Viana, Das ações Possessórias, pág. 48, nº 21)
A meu ver, justificar a tutela possessória, sob o argumento de que seria um complemento necessário à proteção da propriedade, é negar a autonomia da posse. Ver na sua ofensa um delito, além de ser uma volta à concepção dos povos bárbaros, é alimentar o tema com forte dose individualista, o que se justifica em abordagem que parte das fontes romanas, como feito por SAVIGNY. Dizer que há manifestação da preocupação estatal de repreender o esbulho é confundir com a própria finalidade do Direito corporificado na normal. A tutela da posse é uma decorrência de sua autonomia, como forma de apropriação de bens, porque o possuidor, pelo simples fato de dar uso útil à coisa merece proteção, pois e assegura ao bem sua destinação econômico/social. O direito positivo tutela um direito subjetivo.
2- Entre os efeitos da posse, na disciplina dada pelo Código Civil, o art. 1.210 assegura ao possuidor o direito de ser mantido na posse em caso de turbação, restituído no de esbulho, e segurado de violência iminente, em havendo receio de ser molestado. Há direito subjetivo à conservação e defesa da posse. A cada um dos graus de ofensa corresponde um remédio legal, uma ação que instrumentaliza a proteção do possuidor.
A tutela pelos interditos é efeito da posse, que assegura proteção ao titular do ius possessionis, ou seja, do direito de posse. O possuidor não está vinculado a um título de direito, ao contrário do que se passa com o ius possidendi, cujo titular exerce posse por dispor de um título, como se dá com o proprietário.
O titular do ius possessionis tem o exercício efetivo dos poderes inerentes à propriedade, ou de algum deles, como está na dicção do art. 1.196 do Código Civil, em abordagem analítica. A apropriação não encontra título que respalde sua atuação. Ele é protegido pelos interditos possessórios, porque dá ao bem sua destinação econômico-social. (Marco Aurelio S. Viana, O Conceito Moderno de Posse, In Revista da Faculdade de Direito da UFMG, V. 30, nº 28/29).
A cada um dos graus de ofensa à posse corresponde uma ação própria, a saber: a) para a turbação dispõe da ação de manutenção de posse (interdita retinendae posssessionis) (art. 560 a 566, do CPC); b) havendo esbulho recorre à ação de reintegração de posse (interdicto recuperandae possessionis) (art. 560 a 566, do CPC); c) em havendo violência iminente, estando presente o justo receio de ser molestado, o caminho é ajuizar interdito proibitório. (art. 567 e 568, do CPC)
O diploma processual civil de 2015 sistematiza o tema a partir de disposições gerais (arts. 554 a 559) traçando regras que alcançam a conversibilidade dos interditos (art. 554, caput), prevendo a presença no polo passivo de grande número de pessoas, estabelecendo regras específicas para citação pessoal dos ocupantes (§§ 1º a 3º, art. 554). Dispõe a respeito da cumulação de pedidos (art. 555, I a II). No parágrafo único do art. 555 assegura ao autor o direito de requerer a imposição de medida necessária e adequada para evitar turbação ou esbulho, e, no inciso II, o direito de pedir o cumprimento da tutela provisória ou final. No art. 556 destaca a natureza dúplice das ações possessórias, permitindo que o réu, demande proteção possessória. No art. 557 veda às partes do processo propor ação de conhecimento da propriedade (o dispositivo legal fala em domínio), abrindo exceção à pretensão que seja deduzida em relação a terceira pessoa. E, no parágrafo único do art. 557 enfatiza que não obsta a manutenção ou a reintegração a alegação de propriedade ou outro direito sobre a coisa, repetindo o que está no Código Civil, art. 1.210, §3º. Estabelece, no art. 558, caput, que o procedimento especial previsto para as ações de manutenção de posse e de reintegração de posse só se admite quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou do esbulho. Vindo a ação após o prazo citado, o procedimento será o comum, sem perda do caráter possessório. Finalmente, no art. 559 encontra-se regra de proteção em favor do réu, na hipótese de autor mantido ou reintegrado provisoriamente, se restar provado que o autor carece de idoneidade financeira para a hipótese de ocorrer sucumbência, responder por perdas e danos.
Disciplina, no art. 565 o litígio coletivo, determinando a designação de audiência de mediação, que antecede a apreciação de pedido de concessão de medida limitar.
Na Secção II tem-se a disciplina das ações de manutenção e reintegração, e na Seção III a regulamentação do interdito proibitório.
3- O art. 558, caput do CPC estatui que o procedimento de manutenção e de reintegração de posse é regido pelas normas da Seção II do Capitulo II, quando a ação for proposta dentro de ano e dia da turbação ou esbulho. No parágrafo único reza que passado o prazo referido no caput, o procedimento será o comum, “não perdendo, contudo, o caráter possessório”.
O que o procedimento especial enseja é a concessão da liminar possessória, prevista no art. 562. No mais, prevalece o procedimento comum. (art. 318 do CPC)
O modelo jurídico adotado pelo Código de 2002 difere daquele do diploma civil de 1916. Neste mesclavam-se normas de direito comum e processual civil, havia distinção entre posse nova e posse velha, o que não se encontra mais no Código em vigor. Correto que a o Código de Processo Civil de 1973 tivesse feito a distinção entre posse nova e posse velha – em verdade adotando a data da turbação ou esbulho -, considerando o seu caráter instrumental. Repetia o que estava no dispositivo do art. 523 do Código Civil de 1916.
A posse como disciplinada pela Lei civil atual limita-se, ao dispor a respeito dos efeitos da posse, a assegurar a proteção do possuidor, ou seja, o direito à conservação e à defesa, e esse direito subjetivo se viabiliza pelo direito processual, que não está mais atrelado à posse nova ou velha, matéria estranha ao direito vigente. Não se tem, também, artigo que corresponda ou repita o art. 523 do Código Civil de 1916. Ao assegurar a posse ao que tiver a coisa (art. 1.211), havendo disputa, não distingue mais entre posse nova e posse velha, que o Código de 1916 consagrava.
Como foi adotado o procedimento especial para a ação intentada dentro de ano e dia da turbação ou esbulho, e assegurou proteção possessória a quem não aforou a ação dentro do prazo citado, com caráter possessório, não há qualquer razão para se afastar a antecipação de tutela, prevista no CPC/2015.
A proteção possessória é matéria de direito civil, que cria o direito subjetivo à proteção, e o diploma processual civil veicula a tutela segundo o que determina o Código Civil, e este não se refere a posse nova ou posse velha, nem estabelece distinção entre turbação ou esbulho dentro de ano e dia, e além desse prazo. Diz apenas que o possuidor será protegido, na forma do art. 1.210, admitindo a autodefesa e afasta a alegação de propriedade, nos §§1º e 2º. E determina que havendo disputa de posse, a manutenção provisória em favor daquele que for o possuidor (art. 1.211), ou seja, que dá ao imóvel a sua destinação econômico/social, se não for a sua posse viciada.
O cumprimento da função que se reserva aos interditos não está vinculado a qualquer prazo, no Código de 2002, e não vejo a razão que justifique a regra do art. 558 do CPC/2015, considerando o caráter instrumental do direito processual civil.
4- No juízo possessório as pretensões estão alicerçadas no ius possessionis, ou seja, o direito de posse. (nº 1, supra)
No denominado juízo possessório o debate se trava em torno do ius possessionis, envolvendo apenas o direito de posse, que é exercido por quem não dispõe de título. No juízo petitório o conflito envolve o ius possidendi, ou o direito à posse, que é efeito do título do proprietário. Se o proprietário é vencido no juízo possessório não fica inibido de ajuizar ação reinvindicatória, de índole petitória, e reaver a coisa. Não se transmuda o rito possessório para petitório, porque naquele o que se persegue é a proteção da posse e não a tutela da propriedade. Os juízos são diversos, sendo certo que a causa petendi de um e de outro é até mesmo inconciliável. Por essa razão não se pode falar em coisa julgada, ou litispendência, “quando se coteja o julgamento e o processo possessório com a sentença e o processo petitório”. (Humberto Theodoro Júnior, Ações Possessórias cit., pág. 19)
Repito: no juízo possessório a proteção visa a posse, enquanto no petitório a tutela é voltada à ofensa ao direito de propriedade.
5- Volto os olhos ao Código de 1916, que, no art. 505 assim dispunha: “Não obsta a manutenção, ou reintegração na posse, a alegação de domínio, ou de outro direito sobre a coisa. Não se deve, entretanto, julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencer o domínio”.
Em que pese estatuir, na primeira parte, que a manutenção ou reintegração na posse não seria prejudicada pela alegação de domínio, ou de outro direito sobre a coisa, a segunda parte do dispositivo legal enunciava que não se devia julgar a posse em favor daquele a quem evidentemente não pertencesse o domínio.
A regra legal abriu campo para ampla divergência, em razão da aparente contradição contida no artigo citado. (a respeito do tema: Tito Fulgêncio, Da posse e das Ações Possessórias, pág. 114; Clóvis Beviláqua, Código Civil, pág. 987)
Em razão da divergência, a jurisprudência sedimentou duas teses: a) admitir a indagação de domínio, se ambos os contendores pretendem a posse a título de proprietário; b) ou se a posse dos litigantes é duvidosa, caso em que se reconhecerá a posse em favor daquele cujo domínio estiver mais bem averiguado.
Foi editada a Súmula 487/STF: “Será deferida a posse a quem, evidentemente, tiver o domínio, se com base neste for ela disputada”.
O Código de Processo Civil de 1973 dispunha: “Na pendência do processo possessório é defeso assim ao autor com ao réu intentar ação de reconhecimento do domínio. Não obsta, porém, à manutenção ou à reintegração na posse a alegação de domínio ou outro direito sobre a coisa, caso em que a posse será julgada em favor daquele a quem evidentemente pertencer o domínio”.
A exceção de domínio foi contemplada com redação diferente daquela que se continha no dispositivo do art. 505 do Código Civil, o que implicou em sua derrogação.
Nessa linha, até 1980 e desde a vigência do Código de Processo Civil de 1973, a matéria foi regulamentada pelo diploma processual civil, não mais pelo Código Civil.
Com Lei n. 6.820/80, a segunda parte do art. 923 foi revogada, mas não repristinou a concepção anterior, presente no diploma civil. (Marco Aurelio S. Viana, Das Ações Possessórias cit., pág. 60)
O art. 505 do Código Civil de 1916 foi revogado e não se admitiu mais debate a respeito de propriedade no juízo possessório. Esse entendimento é da lavra de Ronaldo Cunha Campos, em voto que proferiu na apelação cível 20.153, Tribunal de Alçada de Minas Gerais. (Revista Brasileira de Direito Processual, 35: 103) Historicamente o equívoco nasce quando o assento de 1786 transpôs os limites do Alvará de 1754, que alcançava apenas a disciplina de posse de herança.
O § 2º, art. 1.210 do Código Civil enuncia: “Não obsta a manutenção ou reintegração na posse a alegação de propriedade, ou de outro direito sobrea coisa”, o que estava na primeira parte art. 505 do Código de 1916, mas não traz a segunda parte. O Código de Processo Civil de 2015, no parágrafo único do art. 558 repete a regra do § 2º do art. 1.210.
No meu entendimento posse e propriedade são institutos jurídicos com perfis próprios e peculiares, formas de regulamentação legal de apropriação dos bens. Não há qualquer espaço para debate a respeito da propriedade no território das ações possessórias em sentido estrito.
As ações possessórias realizam a forma de defesa da posse, servindo-se o Código de Processo Civil de procedimento especial, como forma para composição do conflito de interesses que se instale a respeito do ius possessionis. Não há razão alguma para se abrir debate a respeito do ius possidendi. Ao proprietário está reservada a ação reivindicatória, em que se pede seja restituída a coisa injustamente (sem causa jurídica) em mãos do réu. O conteúdo jurídico do art. 1.228 do Código Civil assegura ao proprietário o direito de reaver a coisa “do poder de quem quer que injustamente a possuía ou detenha”. Nesse sentido entendo que não pode, por construção jurisprudencial reviver a exceção de domínio.
6- O art. 554 do CPC permite que seja convertida uma ação possessória em outra, o que se denomina de conversibilidade dos interditos ou fungibilidade das ações possessórias. O campo de atuação da regra legal é o das ações possessórias, alcançando as três espécies, não se estendendo ao juízo petitório. Não é possível converter ação possessória em ação reivindicatória. Se a prestação jurisdicional pedida envolve proteção possessória não há espaço para que se entregue ao autor prestação jurisdicional de outra natureza. (Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil cit., pág. 485, n. 322)
Se o autor denomina erradamente a ação, se a turbação se transforma em esbulho, ou a ameaça é concretizada, se o autor entende ter havido esbulho, mas resta provado que houve turbação, etc., em qualquer hipótese o juiz dará a proteção adequada, em qualquer fase do processo. O que se busca é a proteção da posse, que conhece mais de uma via.
No caso concreto cabe observar o que é pedido pelo autor, ou seja, se ele busca proteção possessória, pouco importando a denominação que seja dada à ação. O que se apura é o pedido. Se o juiz conclui que os fatos autorizam que a proteção possessória se faça de outra forma, ou seja, não há esbulho, mas turbação, por exemplo, mas o pedido é de reintegração, ele promoverá a conversão para manutenção na posse.
7- O art. 556 do CPC reconhece o caráter dúplice das ações possessórias, dizendo que “é lícito ao réu, na contestação, alegando que foi ofendido em sua posse, demandar a proteção possessória e a indenização pelos prejuízos resultantes da turbação ou do esbulho cometido pelo autor”.
Destaca-se a natureza dúplice das ações possessórias em sentido estrito, não havendo distinção quanto à posição ativa ou passiva, entre os sujeitos da relação. É a actio duplex. Ao réu é dada a contra ação, nos mesmos autos. Dispensa-se a reconvenção. Não há qualquer vinculação entre a proteção possessória pedida pelo réu e aquela deduzida pelo autor.
O réu ao contra atacar está legitimado a pedir indenização pelos prejuízos que suporte em decorrência do esbulho ou turbação, o que decorre da natureza dúplice da ação.
A ação possessória não conhece a dicotomia ação de cognição e cumprimento de sentença, tendo o “decisum” eficácia lato sensu, com execução mediante simples expedição de mandado. Por essa razão, o réu deve deduzir pretensão que tenha referente a indenização e retenção por benfeitorias, pedir cominação de pena e desfazimento de construção ou plantação. (Marco Aurelio S. Viana, Curso cit. – Direito das Coisas cit., pág. 57) Ao contra atacar o réu assume a posição de verdadeiro autor, cumprindo-lhe pedir de forma objetiva, alegar e provar suas razões. A proteção possessória só virá se o réu pedir, não podendo o juiz atuar de ofício, em decorrência do dispositivo do art. 2º do CPC, que consagra o princípio ne procedat iudex ex officio.
8- Em estudo anterior, examinando a necessidade de vênia conjugal para ajuizar ação possessória, bem como para responder aos termos de demanda envolvendo os cônjuges, observei que a doutrina reconhecia o caráter de real da posse, com vacilação na jurisprudência.
Com a Lei nº 8.952 de 13/12/1994, a participação dos cônjuges nas possessórias sobre imóveis somente foi considerada indispensável “nos casos de composse ou de ato por ambos praticados” (§ 2º, do art. 10 do CPC/1973) Só nas duas hipóteses citadas, e em que pese a disposição do art. 95 do CPC/1973, inserindo no rol das ações reais as ações possessórias, a partir de 1994 somente nas duas hipóteses citadas necessário a presença de ambos os cônjuges, presente o litisconsórcio necessário.
O Código de Processo Civil vigente, no § 2º, do art. 73, repete a regra do CPC/1973, determinando que nas ações possessórias o cônjuge do autor ou do réu somente participará nas hipóteses de composse ou ato por ambos praticados.
9- O Código Civil de 1916 distinguia entre posse nova (art. 507) e posse velha (art. 508).
A posse nova, ou seja, com menos de ano e dia, permitia a disputa de preferência, sendo manutenido ou reintegrado aquele que provasse ter melhor posse. O possuidor deveria provar a sua posse e, também, que é melhor do que a do turbador ou esbulhador. A melhor posse era a fundada no justo título; na falta do título, ou sendo os títulos iguais, a mais antiga; se da mesma data, a posse atual. Sendo todas elas duvidosas procedia-se ao sequestro da posse, enquanto se não apurasse a quem tocaria. (parágrafo único, art. 507 do CC/1916) A ação seria de força nova.
A posse velha era aquela com mais de ano e dia, e ela assegurava a manutenção sumária do possuidor até que fosse convencido pelos meios ordinários. (art.508 do CC/1916) Nessa hipótese a ação seria de força velha.
Considerando que as normas do diploma processual civil são instrumentos para tornar efetivo o direito material, justificava-se a distinção, mantendo a ideia de posse nova e posse velha, consagrada pelo Código de 1916, arts. 507 e 508.
O Código Civil de 2002 não faz qualquer distinção quando à data da posse ou do esbulho ou turbação. No art. 1.211, repete a regra do art. 500 do Código de 1916.
LÚCIO FLÁVIO DE VASCONCELOS NAVES sustenta que está “fatalmente eliminada do Direito brasileiro, a obsoleta classificação da posse em posse nova e posse velha”. (Posse e Ações Possessórias., pág. 280. A respeito do tema, ver: José Dias Figueira Jr., Novo Código Civil Comentado, pág. 116)
A criação do direito subjetivo é atribuída ao direito civil. Já o direito processual civil disciplina as normas regulam o exercício da jurisdição civil. (Humberto Theodoro Júnior, Curso de Direito Processual Civil, vol. 1, pág. 6, nº 2) Nessa linha, a primeira observação que faço é que a distinção entre posse nova e posse velha, que a Lei processual civil de 1973 (art. 924) fazia, e que o Código de Processo Civil de 2015 repete (art. 558), não se justifica à luz do modelo jurídico adotado pelo Código Civil de 2002, que não distingue entre posse nova e posse velha, nem reproduz a regra do art. 523 do Código de 1916.
Por essa razão, não havendo regra de conduta de conteúdo jurídico no diploma civil que estabeleça a distinção e traga regulamentação a esse respeito, não se encontra qualquer razão para que o diploma processual civil desenvolva a disciplina baseado em posse nova e posse velha.
E mais avulta o entendimento, que por si só é suficiente para afastar a solução diploma processual civil, a noção moderna de posse, assentada na função econômica e social da apropriação de bens. E, como tal, a posse passa a ser vista sob esse ângulo, o que está presente na disciplina do direito de propriedade, vinculando o exercício do direito às suas finalidades econômicas e sociais. (§1º, art. 1.228) (A respeito do tema: Marco Aurelio S. Viana, Do conceito Moderno de Posse, Revista da Faculdade de Direito da UFMG, vol. 30, nº 28/29,)
Com a entrada em vigor do Código Civil de 2002, mais evidente ficou esse ponto, considerando-se a funcionalização do direito de propriedade (art. 5º, XXIII da Lei Maior), e o mandamento do § 1º do art. 1.228 do diploma civil. A posse é uma forma de apropriação de bem, tal como a propriedade, tendo tem uma função social também, vinculando tal apropriação à finalidade econômica e social que os bens têm para a sociedade. Nesse novo ambiente social e econômico, as raízes sociológicas que justificavam a solução do Código de 1916, fazendo a distinção entre posse nova e posse velha, perde espaço, porque não se coaduna com o estado atual da vida social, com os valores que são perseguidos.
9.1-Considerando que o diploma processual civil vincula a liminar à data da turbação ou esbulho, ocorrido dentro de ano e dia, permitindo o procedimento especial, urge estabelecer com se procede à contagem do prazo, o que ganha relevância em especial quando se tem lesão continuada. Mas eu repito: não se justifica a distinção em face da solução prevista no Código Civil. (nº 8)
Conta-se o prazo da turbação ou esbulho, não se computando o dia em que ela começa (dies a quo), mas considerando, no prazo, o dia final do termo. (dies ad quem)
O prazo somente flui da concretização da ofensa à posse. Se ela se faz pelo esbulho, considera-se a data do esbulho; se se cuida de turbação, leva-se em conta o dia que ele se verificou.
Nessa linha, se o autor defende sua posse lançando mão do desforço imediato, restituindo-se na posse, ou nela se mantém pela legítima defesa (§ 1º, art. 1.210 do CC), não se conta o prazo, porque não concretizada o molestamento. Se contra o autor é praticado um ato apenas, que o priva da posse, consumando-se a situação de fato, não se falando mais em um novo esbulho ou turbação, contando-se o prazo de ano e dia a partir desse fato único. Se forem vários os atos sucessivos, sendo puramente preparatórios os primeiros, estes não são ainda considerados e a contagem se faz apenas do último.
Sendo os diversos atos distintos, sem nenhum nexo de causalidade, intuitivo que cada ato é uma lesão à posse, contando-se o prazo de ano e dia a partir de cada um deles. Exemplo: o vizinho entra no terreno alheio, colhe frutos, e depois derruba um tapume. Cada um desses atos constitui uma ofensa à posse, correspondendo a cada um deles uma ação possessória distinta.
É possível que ocorram vários atos sucessivos sem relação de causalidade entre eles. Exemplo: o autor tem um terreno, que há muito se acha em sua posse. Um vizinho, condômino do mesmo imóvel, julga-se com direito de edificar nele; quebra os feixos e reúne materiais, mas só depois de decorrido ano e dia inicia a construção. A pergunta que se faz é a seguinte: de qual desses atos começa a contagem do prazo?
A meu ver, considerando que a lei brasileira não apresenta distinção de qualquer espécie, falando apenas em lesão à posse, inferior a ano e dai, e tendo-se em vista que o último ato é, também, moléstia à posse, a conclusão lógica é que do último ato é que se conta o prazo.
Outro aspecto a merecer atenção é a prática de atos turbativos ou esbulhatórios na ausência do possuidor e sem seu imediato conhecimento.
O art. 1.224 do Código Civil de 2002 só considera perdida a posse para quem não presenciou o esbulho, tendo notícia dele, se abstém de retomar a coisa, ou, ao buscar recuperá-la é repelido violentamente.
Correta a solução, porque não se pode admitir flua o prazo contra quem desconheça ou ignore a lesão.
10- O diploma processual civil em vigor contempla a cumulação de pedidos no art.555, caput, estatuindo que é lícito ao autor cumular ao pedido possessório o de condenação em perdas e danos (inciso I), indenização dos frutos (inciso II), e, no parágrafo único, autoriza que seja pedida a imposição de medida necessária e adequada para evitar nova turbação ou esbulho (inciso I), evitar nova turbação ou esbulho.(inciso II)
O dano cuja composição se busca, no âmbito da ação possessória, mediante cumulação, é o que decorra do fato mesmo do molestamento da posse, e envolve as perdas sofridas, e os lucros cessantes, de forma a alcançar todas as consequências do ato ilícito, permitindo indenização integral em favor da vítima da agressão. Nessa linha, nas perdas e danos estão incluídos os danos emergentes, que a coisa sofreu, como a diminuição de sua utilidade ou valor, como, igualmente, os lucros cessantes ou os proveitos que o esbulhador deixou de auferir, como aluguel do imóvel durante a ocupação indevida. (art. 402, do CC)
O pedido pode ser feito em quantia certa ou o prejuízo ser apurado em liquidação de sentença; e, se o autor pretender que o valor seja apurado em liquidação, deve provar, de qualquer maneira, a ocorrência do dano.
O inciso II do art. 555, caput, assegura a cumulação para pedir indenização dos frutos. (art.95, do CC) Essa indenização pode estar contida nas perdas e danos, e como tal formulada, como lucro cessante, explicitando-se esse ponto no pedido. Aqui têm importância as regras que informam a espécie, fundadas na boa-fé ou má-fé.
No parágrafo único, inciso I, do art. 555, é permitido ao autor requerer, ainda, imposição de medida necessária e adequada para evitar nova turbação ou esbulho, consagrando medida inibitória. O autor pedirá ao juiz que imponha pena ao réu caso ele o moleste novamente, pena essa que não se confunde com aquela prevista para o interdito proibitório. Neste a pena é elemento integrante é necessário, a própria razão de ser do interdito. Na ação de manutenção ou reintegração a pena é acidental. A pena alcança o descumprimento de mandado liminar.
No inciso II, é admitido pedido de medida necessária e adequado ao cumprimento de tutela provisória ou final, atuando, aqui, o poder geral de efetivação da lide possessória, havendo apoio no art. 139, IV do CPC. A efetivação da tutela provisória observará as regras pertinentes ao cumprimento provisório de sentença, no que couber (parágrafo único do art. 297 do CPC) O cumprimento de sentença tem sede no art. 520 e seguintes do CPC. Entre as medidas previstas está a caução (inciso IV do art. 520)
Com pertinência a tutela final, ela decorre de cognição exauriente, quando se faz o acertamento da relação de direito material. A cumulação dependerá das circunstâncias do caso concreto.
Em que pese o silêncio do diploma processual civil em vigor quanto ao desfazimento de construção ou plantação, não se pode afastar a cumulação, porque a realização da construção ou plantação pode constituir por si mesma o ato turbativo.
Se o réu apresentar contra ação, o seu pedido pode ser cumulado da mesma forma.
11- O art. 559 do CPC/2015 (art. 925 do CPC/1973) é norma de garantia para o réu, assegurando-o contra dano que possa resultar da manutenção ou reintegração in limine litis. Ao deferir a liminar o juiz o faz com apoio em cognição superficial, e a concessão não está atrelada a futura procedência do pedido. Após a instrução do feito, analisando o conjunto probatório, o convencimento pode ser outro, concluindo pela improcedência, e, com isso, é possível que o réu tenha sofrido perdas e danos.
Deferido o mandado de manutenção ou reintegração a favor do autor (art. 562 do CPC), se o réu provar que aquele carece de idoneidade financeira para responder pelas perdas e danos, em caso de sucumbência, o juiz determinará que em cinco dias seja apresentada caução, real ou fidejussória, sob pena de depósito da coisa litigiosa. Ressalva-se a impossibilidade da parte economicamente hipossuficiente.
O direito assegurado ao réu exercita-se a qualquer tempo, bastando-lhe peticionar informando o fato ao juiz, e, obviamente, provando sua alegação. Se o feito estiver no tribunal, deve ser baixado para diligência para o juiz da causa, a pedido do réu, para que, nos autos da ação possessória, se faça a prova e apreciação da necessidade, ou não, de caução. A meu ver, a solução respeita o duplo grau de jurisdição.
A prova documental melhor atende ao fim pretendido, podendo o réu provar o fato mediante certidões de protestos e execuções, a existência de gravames sobre bens imóveis ou a inexistência desses, dívidas para com terceiros. Entendo que o simples fato de serem apresentados documentos como os apontados por si só não significa que carece o autor de idoneidade financeira. O exame deve ser mais profundo e considerar todas as circunstâncias. Um protesto pode ser fruto do capricho alheio, sobretudo em se tratando de letra de câmbio protestada por falta de aceite ou de ação movida com o mesmo espírito. O gravame existente sobre o imóvel pode ser de pequena monta, a não inibir a satisfação das perdas e danos. Enfim, não se considera a documentação em si mesma apenas.
O autor será ouvido a respeito da documentação, abrindo ensejo à sua impugnação, refutando o seu valor probante, demonstrando que não inibem a satisfação futura do réu.
Considerando que é possível a prova mediante documentos, entendo que a instrução sumária, incidente, um contraditório prévio, é dispensável.
A prova de idoneidade financeira depende de contestação pelo réu, porque, em caso contrário, ele é tido como revel (art. 344 do CPC), e o juiz julgará antecipadamente o pedido, proferindo sentença com resolução de mérito. (art.355, II do CPC)
Provado que o autor carece de idoneidade financeira, o juiz designará o prazo de cinco dias para requerer caução, real ou fidejussória, sob pena de ser depositada a coisa litigiosa. Na dicção do art. 559 o juiz abre prazo para que o autor requeira a prestação de caução, convencido, pela documentação apresentada pelo réu.. O magistrado não obriga o autor a prestar caução, mas faculta-lhe a solução. Se o autor não atende, a coisa litigiosa será depositada.
A caução pode ser prestada por terceiro, porque o que se pretende é garantir o réu.
12- O art. 554, caput do CPC (art. 920 do CPC/1973) dispõe a respeito da conversibilidade dos interditos, tema já examinado.
Introduz, como novidade, nos §§1º, 2º e 3º providências envolvendo a citação de ação possessória em cujo polo passivo figure grande número de pessoas.
Já examinei a regra legal quando da atualização da obra de TITO FULGÊNCIO, Da Posse e das Ações Possessórias, 12ª. edição, e vou transcrever o pensamento que externei naquela oportunidade, quando disse que “nos §§ 1º a 3º do ar. 554, o CPC 2015 introduz regras para as ações possessórias em cujo polo passivo esteja grande número de pessoas. Em tal hipótese determina que se proceda à citação pessoal dos ocupantes encontrados no local. Os demais serão citados por edital. O Ministério Público será intimado. Se os ocupantes forem hipossuficientes economicamente, intima-se a Defensoria Pública. – A citação pessoal se fará por oficial de justiça, a quem incumbe procurar os ocupantes no local por uma vez, citando-se por edital os que não forem encontrados. – O juiz dará ampla publicidade à existência da ação e dos prazos processuais. E para que a publicidade seja obtida, poderá o magistrado valer-se de anúncios em jornal ou rádio locais, da publicação e cartazes na região dos conflitos e de outros meios. – a lei processual civil cria mecanismo que certamente trará, na prática, dificuldades, se não houver interpretação que leve em conta o processo mais justo e célere, considerando a simplificação do sistema. – Não se pode privilegiar autor ou réu, mas reconhecer o direito de cada um, sem cores ideológicas, ou ofender a função social da propriedade. – A expressão grande número de pessoas merece exame cuidadoso. O diploma civil, no § 4º do art. 1.228, estatui que “o proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área (…) na posse (…) de considerável número de pessoas (…)”. – Pode-se ter considerável como sinônimo de muito grande. No estudo do diploma civil, abordando o dispositivo legal citado, MARCO AURELIO S. VIANA pondera que “o conceito de número considerável de pessoas deve deves ser examinado para cada casos concreto, porque é variável. A nosso ver depende de da densidade populacional da região, e difere em se tratando de imóvel urbano ou rural. É possível até mesmo que varie no tempo, em função das transformações operadas em decorrência do povoamento das áreas urbanas e rurais. – PAULO NADER, apoiado em MELHIM NAMEM CHALUB, pondera que o conceito de considerável número de pessoas, como de extensa área, são conceitos vagos, “ampliando, destarte, o poder discricionário do juiz”. (Curso de Direito Civil – Direito das Coisas, Ed. Forense, 2006, p. 115, n. 38) – CARLOS ALBERTO DABUS MALUF, no estudo do mandamento do Código Civil em questão, ponderou que “as regras contidas nos §§4º e 5º abalam o direito de propriedade, incentivando a invasão de glebas urbanas e rurais, criando uma nova forma de perda do direito de propriedade, mediante o arbitramento judicial de uma indenização, nem sempre justa e resolvida a tempo, impondo dano ao proprietário que pagou os impostos sobre a gleba. (Novo Código Civil Comentado, 4ª. ed., p. 1133) – Na prática a regra processual trarão muitas dificuldades e prejudicará aquele que foi turbado ou esbulhado. Será incentivo a invasões, como bem apontado por Carlos Alberto Dabus Maluf, porque as dificuldades para a citação são estimulo a esse tipo de situação. – Não se concebe, outrossim, porque o tratamento diferenciado, quando no polo passivo, encontra-se um cidadão ou uma família. Não se pode dizer que se busca concretizar a igualdade pelo critério de “tratar igualmente os desiguais e desigualmente os desiguais”. Não se atina como justificar o traço desigualador que orientou o legislador em função da desigualdade que justifica a discriminação.- Merece ser examinado, sob a ótica da constitucionalidade, o dispositivo processual civil, porque ele é discriminatório, dando tratamento diferente à mesma situação, privilegiando invasões de grande número de pessoas. Ofende, ainda, o direito fundamento à duração razoável do processo e os meios que garantem a celeridade da sua tramitação (art. 5º, LXXXVIII, da Lei Maior)”. (Da Posse e das Ações Possessórias cita. 12ª. ed., pág. 106, n. 74-g, atualizada por Marco Aurelio S. Viana)
13- O art. 1.210 do Código Civil assegura ao possuidor o direito de ser mantido na posse, em caso de turbação, e restituído no de esbulho. O Código de Processo Civil, art. 560, repete a regra, alterando a redação, porque, quando se refere ao esbulho fala em reintegração, mas o pensamento é o mesmo nos dois diplomas legais.
A petição inicial deve atender ao disposto no art. 319 do CPC, e o que determina o art. 561 do diploma processual civil, que estatui incumbir ao autor provar: a) a sua posse; b) a turbação ou esbulho praticado pelo réu; c) a data da turbação ou do esbulho; d) a continuação da posse, embora turbada, que enseja a ação de manutenção de posse, ou a perda da posse, o que autoriza a ação de reintegração de posse.
O que se exige do autor, quando fala o dispositivo legal, em provar sua posse, é oferecer elementos de convicção ao juiz para que ele defira a liminar, como previsto no art. 562 do Código de Processo Civil. Em verdade, antes de provar deve alegar a concorrência desse requisito, como dos demais exigidos pelo art. 561. A cognição é superficial e não cabal, nesse momento processual.
O art. 562 do Código de Processo Civil determina que o juiz, estando a petição inicial devidamente instruída, defira a liminar, permitida pelo procedimento especial, quando a ação for proposta dentro de ano e dia da ofensa. (art. 558) Isso significa que o autor deve oferecer elementos de convicção capazes de formar o convencimento do juiz para efeito de liminar, considerando o caráter da cognição, que é superficial.
Em matéria de documento, o autor pode oferecer mapas, plantas, fotografias, relação negocial, correspondências trocadas entre as partes, prova envolvendo o fato que se fez em outro processo, mas não serem declarações, que nada mais são do que prova testemunhal reduzida a escrito. (Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários ao Código de Processo Civil cit., v. VIII, t. III, pág.549, n. 370)
Não satisfaz para esse fim a documento relativo à propriedade. A exibição de título de propriedade não permite falar em prova de posse. (Marco Aurelio S. Viana, Das Ações Possessórias cit., pág. 95)
Nessa linha, ao examinar a documentação que acompanha a inicial pertinente à posse, o juiz levará em conta o caráter superficial da cognição, em especial por se tratar de manutenção de posse. Não se busca nesse momento processual o convencimento definitivo, que é formado ao correr do processo. Na sentença é que o convencimento a respeito dos fatos se define, e a liminar não vincula a sentença, que pode ser de improcedência.
A posse conhece classificação no diploma civil (art. 1.197 e ss.).
Na posse direta e indireta há coexistência de posse, havendo posses paralelas, o que não se confunde com a composse, em que duas ou mais pessoas têm posse sobre a mesma coisa, ao mesmo tempo, ou no mesmo plano jurídico.
O que examino, agora, é o desdobramento da relação possessória, porque o proprietário estabelece relação com terceiro, transferindo para este a posse direta, mantendo-se na indireta. Há um vínculo legal entre o titular da posse indireta e aquele que exerce a posse direta, havendo coexistência da posse, que não colidem, ou não se excluem. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições cit., v.4, pág. 37)
Em tal situação o possuidor direto está legitimado ativamente a proteger a posse que exerce, seja contra o possuidor indireto ou contra terceiro. Exemplo: o locatário (possuidor direto) tem legitimidade para se opor ao locador (possuidor indireto), se molestado na sua posse. A solução é a mesma em havendo usufruto, comodato, enfiteuse, porque o usufrutuário, o comodatário e o enfiteuta têm posse direta.
O possuidor indireto não fica sem tutela, podendo opor-se, também, a qualquer moléstia que se faça à posse, solução que se explica porque se não fosse isso assegurado, ele ficaria desarmado na omissão do possuidor direto. (Tito Fulgêncio) A má-fé não inibe a tutela, a menos que a ela se oponha posse de boa-fé.
A posse injusta não prejudica os interditos, mas apenas em relação a terceiro, porque o só fato de possuir o qualifica melhor do que o não possuidor.
A solução não é a mesma quando se trata do possuidor primitivo, porque se assim não fosse, seria levado ao absurdo de amparar-se o dolo em detrimento da vítima. Mas cessada a violência ou a clandestinidade, caberá a ação, porque tais vícios são temporários.
O detentor (art. 1198 do CC), em linha de princípio, não está legitimado a ajuizar ação possessória, pela natureza de sua relação com o imóvel, porque conserva a posse em nome do possuidor. Isso não afasta a possibilidade de, na ausência do possuidor, atuar em nome do possuidor obrigando-se a apresentar a procuração do possuidor. (art. 104 do CPC) Penso que a solução alcança a ofensa à posse pelo esbulho.
Na composse (art. 1199 do CC) o compossuidor goza de legitimidade ativa, seja contra terceiros, seja contra os demais consortes, quando lhes impedem o exercício da posse que lhe compete. (Clóvis Beviláqua, Código Civil cit., pág. 971)
TTTO FULGÊNCIO elenca as diversas hipóteses que podem ocorrer em havendo composse, que transcrevo: 1- a turbação por terceiro. O compossuidor tem direito ao amparo da sua posse, como se divisa fosse, como único possuidor; 2- um dos compossuidores turba a posse que tinha em parte do objeto comum, tais como locais distintos, locais de habitação ou outros. O compossuidor turbado dispõe de ação contra o turbador, ou seja aquele compossuidor que turba na sua parte da posse; 3) um compossuidor turba o seu exercício de atos de composse. Se a lesão se dá no gozo comum, porque houve por parte do outo uma pretensão a direito exclusivo, dispõe dos interditos. Mas, se a questão envolve os limites que cada um pode usar, a matéria se desloca para o juízo petitório. (Da Posse e das Ações Possessórias cit., pág. 84; Tito Lívio Pontes, Da Posse cit., pág. 62-6)
Em que pese se referir especificamente à turbação, o entendimento aplica-se à hipótese de reintegração.
O titular do direito de servidão goza da proteção possessória, também.
Sendo a servidão aparente, sendo molestado em sua posse, o titular do direito está legitimado a manejar ação possessória. Servidão aparente é as que se revelam por sinais exteriores, visíveis e permanentes. É o que se dá com o aqueduto.
O art. 1.213 do Código Civil (art. 509 do CC/1916) assegura proteção possessória à servidão não aparente desde que os respectivos títulos provenham do possuidor do prédio serviente, os daqueles de quem este o houve. Assim, na ausência de título, em linha de princípio, a servidão não aparente não merece proteção possessória. Vamos entender melhor o alcance do dispositivo do artigo citado.
Servidão não aparente é aquela que não apresenta sinais visíveis de sua existência, não se revela por obras exteriores, por sinais visíveis, que escapa à inspeção ocular, como se dá com a servidão de trânsito. (Marco Aurelio S. Viana, Comentários cit., v. XVI, pág. 684)
No direito vigente, PAULO NADER entende que a tutela possessória da servidão não aparente está na dependência da existência de título correspondente, originário do possuidor do prédio serviente ou daquele de quem esse adquiriu, e ressalta que não se exige o registro do título, pois não reproduziu o art. 697 do Código revogado. (Curso cit. – Direito das Coisas, pág. 86)
A meu ver o art. 1.378 do Código Civil exige o registro da servidão sem distinção alguma. A esse respeito já me manifestei, dizendo que a servidão resulta da vontade, seja bilateral, ou manifestação de última vontade, observando que na dicção do artigo citado há a expressão “declaração expressa dos proprietários” e em testamento. E que ela se constitui, ainda, por sentença judicial, ou por destinação do proprietário ou do pai de família, pela usucapião, se aparente, (art. 1.379), e sua constituição reclama registro na serventia imobiliária. O contrato produz efeitos obrigacionais, razão pela qual necessário o registro para constituição do direito real. (Marco Aurelio S. Viana, Comentários cit., v. XVI, pág. 678/679. Nesse sentido: Ernane Fidélis dos Santos, Comentários ao Novo Código Civil, v. XV, pág. 175; José Carlos Alberto Dabus Maluf, Novo Código Civil Comentado, pág. 1.263)
14- A ação possessória é ajuizada pelo possuidor contra aquele que molestou a posse, turbando-a, ou a esbulhando, ou a ameaçando, ou seja, o ofensor. Alcança, ainda, aquele que mandou fazer a moléstia, a ofensa. O ofendido sabe que a ofensa foi feita a mando de outrem. Se ele, no entanto, ignora o fato, acionará o turbador ou esbulhador visível. Este, a seu turno, indicará o manante. É possível que o feito seja aforado contra quem aprovou ou ratificou a ofensa feita em seu nome ou em seu próprio proveito; é possível contra o assalariado ou operário, que tem conhecimento de que o prédio é alheio, por haver cumplicidade, ou coautoria na turbação; por derradeiro, a demanda alcançará o mandatário com poderes gerais, exceção feita ao caso em que exiba a procuração para a turbação. (Carvalho Santos, Código cit., v. 7, pág. 113)
No caso específico de esbulho, cabe a ação contra aquele que recebeu a coisa sabendo-a esbulhada. (art. 1.212, do CC) Mas para tanto mister que o terceiro tenha ciência do ato esbulhatório, o que autoriza que figure como réu.
Admite-se que figure como réu o herdeiro do esbulhador, que responde nos limites das vantagens e lucros que auferiu com o esbulho. (Lafayette Rodrigues Pereira, apud Carvalho Santos, Código cit., v. 7, pág. 119)
É possível que o autor enderece a ação a quem realmente não é o ofensor, como se dá com o detentor. Este acusa o fato na contestação, dizendo ser parte ilegítima. Se isso se der o juiz facultará ao autor, em quinze dias, alterar a petição ideal para substituição do réu. (art. 338, do CPC)
15- Enuncia o art. 560 do CPC que o possuidor tem direito de ser mantido na posse em caso de turbação, o que está no Código Civil, na disciplina dos efeitos da posse, no art. 1.210. O dispositivo legal refere-se à posse em sentido genérico.
Efetivamente, a violação do direito de posse dá nascimento à pretensão de nela ser mantido, o que se assegura pelas regras estatuídas no diploma processual civil para esse fim.
Já abordei vários aspectos das ações possessórias, objeto das disposições gerais, e, a partir de agora vou me fixar nas ações possessórias, iniciando pela ação de manutenção de posse.
O art. 561 estatui que incumba ao autor provar: a) a sua posse; 2) a turbação praticada pelo réu; c) a data da turbação; d) a continuação da posse, embora turbada. A inicial, além dos requisitos citados, deve obedecer ao comando do art. 319 do CPC.
Da prova da pose: A posse é modalidade de apropriação da coisa, devendo o possuidor dar a ela a destinação econômico-social que ela oferece. Por isso, dizendo que cabe ao autor provar sua posse, o dispositivo legal enfatiza que lhe cabe formar o convencimento do juiz no sentido de que a sua relação com o objeto se faz de maneira dinâmica, segundo a destinação que ela tem de servir ao ser humano e a importância para a coletividade que representa a fluxo da riqueza. No caso de imóvel urbano autor deve provar que está dando ao imóvel sua destinação sócio econômica, observando a legislação de uso e ocupação do solo, que revela o interesse da coletividade. Obvio que não se pode deixar de lado as questões envolvendo pré-ocupação. Se alguém pretende ser possuidor de imóvel em zona urbana, só se pode falar em utilização segundo sua destinação econômica e social se ele estiver fazendo uso socialmente útil, ou seja, em zona residencial, utilizando-o para sua moradia, locando-o, dando em comodato, etc.
Prova da posse. No que diz respeito à prova da posse, exigida pelo inciso I do art. 561, e os requisitos da petição inicial, o tema já foi abordado.
Turbação praticada pelo réu. Inicialmente lembro que a ofensa à posse apresenta intensidade diversa, correspondendo a cada um de seus graus um remédio específico.
Na ação de manutenção de posse o possuidor pede para ser mantido ou manutenido na posse, porque há um obstáculo à plenitude do exercício da posse, não havendo perda da posse, mas conflito que envolve a proteção da posse existente, visando assegurar a situação atual. Há uma lesão à posse, uma perturbação da posse, que é praticada contra a vontade do possuidor, inibindo possa exercer seu direito em toda intensidade. Presume-se uma posse anteriormente adquirida e que existe atualmente, mas prejudicado em sua plenitude, e o autor busca a manutenção da posse, ser protegido. (Tito Fulgêncio, Da Posse e das Ações Possessórias cit., 12ª. ed., pág. 109, n. 76)
Reclama-se a existência de turbação real ou atual, presente a possibilidade e perigo de repetição futura, não tipificando a espécie simples manifestação ou ameaças verbais. A tutela do possuidor reclama que haja uma situação de fato concreta. O possuidor ofendido persegue a permanência do estado de fato, porque não houve perda da posse, mas mera perturbação.
Há quem distinga entre a turbação de fato e a turbação de direito. A distinção não se justifica, porque contra atos judiciais existem remédios próprios, como os embargos de terceiro.
Na prática, nem sempre é possível distinguir entre a turbação e o esbulho. Os limites se confundem muitas vezes, o que explica e justifica a conversibilidade dos interditos.
A doutrina busca relacionar casos de turbação que, se não servem como abordagem definitiva, taxativa, ensejam ao intérprete e aplicador da lei base para estabelecer sua ocorrência no caso concreto. As regras não são absolutas.
Tem-se como turbação: a) usurpações de terrenos, mesmo que pequenas e lentas; colheitas de frutos e dos outros produtos; talho de árvores ou de seus ramos; decotes de sebes, entupimentos de fossos; execução de uma obra destinada a impedir o possuidor exclusivo de um curso de água, ou de uma parte qualquer desta; b) o cultivo do imóvel pode consistir turbação; as cercas, derrubadas e plantações feitas em terras possuídas em comum; o agravamento de servidão, em prejuízo do serviente, ou restringi-la em relação ao dominante. E o local da prática do ato é indiferente, pouco importando que se de em um prédio ou em outros; c) as oposições que o condutor ou usufrutuário faça ao proprietário que queira reparar o bem tido em aluguel ou usufruto, sempre que se fundem em propriedade ou posse; d) a recusa por parte do detentor precário de restituir a coisa fundadas nas mesmas pretensões; f) ato de terceiro, que impede ou obsta a ação e liberdade do possuidor, seja praticando atos que colidem com os deste, seja negando-lhe o direito de usar e dispor da coisa. (Tito Fulgêncio, Da Posse e das Ações Possessórias, ed. 1922, pág. 96, n. 111; Carvalho Santos, Código Civil cit., v. 7, pág. 108)
A data da turbação. Manifestei-me no sentido de não mais existir a distinção entre posse nova e posse velha, que estava no Código Civil de 1916, e por essa razão não se justifica a distinção feita pelo Código de Processo Civil, considerando seu caráter instrumental. ( nº 9)
De outro lado, naquela oportunidade, ponderei que a posse atualmente está vinculada à efetiva utilização do bem segundo sua destinação econômico-social, sendo certo que a apropriação dos bens interessa à coletividade. É sob o enfoque da destinação econômica e social dos bens, que informa a sua apropriação, que se solucionam as pendências. Não basta dispor do bem para se dizer possuidor, mas dar a ele o destino econômico e social que ele tem. Por isso, no caso concreto pouco importa a data da turbação, mas se ela ocorreu, e assegurar a tutela a quem de direito.
Continuação da posse, embora turbada. O requisito legal explica-se porque a ofensa à posse não implica em sua perda. Além disso, é possível que, no correr do feito, tipifique-se a perda, caracterizando esbulho, ou que o autor ajuíze ação de manutenção, mas reste demonstrado que há esbulho. Em razão disso é que se admite a conversibilidade dos interditos. (art. 554 do CPC). Nessa linha, se o autor alega turbação e se conclui pelo esbulho, demonstrado a posse, ou se sustenta haver esbulho, mas se apura a ocorrência de turbação, o juiz está autorizado a deferir a liminar, apoiado no art. 554 do CPC.
O art. 562 do CPC estatui que “estando a petição inicial devidamente instruída, deferirá, sem ouvir o réu, a expedição de mandado liminar de manutenção de posse…”
No nº 14, supra, deixei claro que a expressão devidamente instruída, que qualifica a inicial como hábil ao deferimento da liminar, deve ser examinada com firmeza e seriedade, mas dentro do caráter cognição superficial que informa essa fase do processo. Se convencimento se forma no sentido de prova da posse e da turbação e a sua data, a liminar é deferida sem que o réu seja ouvido.
Não pode o juiz deferir liminar sem pedido por parte do autor, porque estará atuando de ofício (art. 2º do CPC), o que lhe é vedado. O mesmo vale para o pedido de justificação prévia, que depende de pedido do autor. Este deve apresentara com a petição inicial o rol de testemunhas de forma a agilizar o andamento do feito.
Se a prova documental não oferece a segurança jurídica necessária ao deferimento da liminar, nem por isso fica o autor prejudicado, porque será designada audiência de justificação, para a qual é citado o réu para a ela comparecer. Designada a audiência, abre-se oportunidade para o autor apresentar prova testemunhal, ou outra prova que, juntamente com a documentação que instrui a inicial, possa formar o convencimento do juiz, em cognição superficial.
Entendo que o réu sendo citado, ou seja, sendo chamado a integrar a relação processual (art. 249 do CPC), não assume posição passiva. Ele é citado e não intimado, ou seja, o que a lei processual civil determina no art. 562 que ele integre o polo passivo da relação processual, e não que ele seja cientificado dos atos e dos termos do processo. (art. 269 do CPC) Ele pode ouvir e assistir o que se passa na audiência de justificação, podendo dela participar por advogado, reinquirindo testemunhas e arrolar testemunhas que objetivem contraditar aquelas apresentadas pelo autor. Não se estabelece nessa audiência um contraditório prévio (summarissimum possessoruium). Cabe ao juiz apreciar livremente sobre ouvir ou não as testemunhas arroladas pelo réu.
Se o juiz não considerar esclarecido devidamente os fatos para conceder ou não a liminar, fica-lhe facultado ouvir as testemunhas eventualmente indicadas também pelo réu. Não se perca de vista que a atuação do juiz é ampla e ele pode até mesmo ouvir testemunha de ofício, promover diligência, se entender que tal solução servirá para esclarecer os fatos. (art. 139 do CPC)
A audiência reflete o esforço do demandante em convencer o juiz de que há prova suficiente, para, em cognição superficial, deferir a liminar. Já por parte do réu o que ele busca é justamente evitar que a liminar seja concedida, impedindo, pugnando pela não formação do convencimento que favoreça o autor.
No que se refere à possibilidade do juiz ouvir o réu antes de determinar a justificação prévia, não entendo possível a solução considerando o teor do art. 562 do CPC. Estando a inicial suficientemente instruída, e havendo pedido de liminar, observado o prazo de ano e dia da turbação – e quanto ao prazo, divirjo, como já esclarecei – cumpre-lhe deferir a liminar. Se a instrução não é suficiente, designa audiência de justificação, que deve ser objeto de pedido, na inicial.
O art. 564 do Código de Processo Civil edita que concedido ou não o mandado liminar de manutenção, o autor promoverá a citação do réu, nos cinco dias subsequentes, para contestar, se o quiser, no prazo de quinze dias. Sendo ordenada justificação prévia, o prazo para contestar é contado da intimação da decisão que deferir ou não a liminar. (parágrafo único do art. 564)
Com relação às pessoas jurídicas de direito público sem distinção quanto a serem de direito público, interno ou externo, e de direito privado, elencadas nos arts. 41, 42 e 43 do Código Civil, contra elas não se defere a manutenção liminar sem prévia audiência dos respectivos representantes judiciais. Não se veda o deferimento de liminar, mas que essa providência seja precedida de prévia audiência dos respectivos representantes judiciais.
O art. 565 do diploma processual civil inova quando se cuida de litígio coletivo pela posse de imóvel. Sendo a turbação afirmada na inicial tiver de mais de ano e dia, o juiz, antes de apreciar o pedido de concessão de liminar, deve designar audiência de mediação, cuja realização se fará em até trinta dias, observado o que se contém nos incisos §§2º e 3º. O que os dois parágrafos determinam é a intimação o Ministério Público e da Defensoria Pública sempre que houver parte beneficiária de gratuidade da justiça e faculta ao juiz comparecer à área objeto do litígio quando sua presença se fizer necessária à efetivação da tutela jurisdicional. O § 4º faculta a intimação dos órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana da União, de Estado ou do Distrito Federal e de Município onde se situe a área objeto do litígio para a audiência, a fim de se manifestarem sobre seu interesse no processo e sobre a existência de possibilidade de solução para conflito possessório.
O dispositivo em exame ofende a celeridade e simplificação do processo quando se cuida do denominado litígio coletivo. Cuida-se de casuísmo que inibe, também, seja manejada ação reivindicatória (art. 1.228 do CC), com resposta mais pronta, porque o § 5º do art. 565 do diploma processual civil determina a aplicação do artigo ao litígio sobre propriedade imóvel.
O artigo em questão cria privilégio e estimula invasões, inibindo a celeridade que se espera do Judiciário.
Como se cuida de ação que não segue o rito especial, estando submetida ao procedimento comum (parágrafo único, art. 558 do CPC) fica prejudicado o pedido de liminar (art. 558 do CPC). De qualquer forma é possível pedido de tutela provisória (art. 294 do CPC), ou, mais especificamente, a tutela antecipada requerida em caráter antecedente. (art. 303 do CPC).
Não se confunde o denominado litígio coletivo com a ação possessória, cujo polo passivo figure grande número de pessoas. (art. 554,§§ 1º, 2º e 3º do CPC) Naquele estão os denominados movimentos sociais, norteados por ideologias populistas, em regra.
A disposição do art. 565 do Código de Processo Civil estimula a invasão de áreas rurais e urbanas, e cria dificuldades para a solução dos litígios, em favor de invasores de terra. A solução legislativa ofende a ideia central do novo Código de Processo Civil, que é buscar solução mais pronta para os litígios e fere o direito fundamental à duração razoável do processo. (art. 5º, LXXVIII da Lei Maior)
A toda evidência que a regra legal ofende a Lei Maior.
A designação de audiência de mediação, intimação do Ministério Público e da Defensoria Pública, bem como dos órgãos responsáveis pela política agrária e pela política urbana fazem com que a celeridade da prestação jurisdicional e a tutela jurisdicional efetiva sejam prejudicadas, além de trazerem para o Judiciário questões a serem debatidas e resolvidas pelos órgãos competentes com o fito de evitar invasões de terras e destruição de benfeitorias e construções, bem como plantações, o que se torna uma constante em tais tipos de invasão.
Não se pode perder de vista que a designação de audiência no prazo indicado é, em regra, difícil, e basta observar o que ocorreu com os ritos sumário e sumaríssimo, bem como com os juizados especiais.
O que se observa, na prática, é que o proprietário ou o possuidor que tem sua posse turbada terá um longo caminho pela frente. São manifestos os riscos a que sua propriedade fica exposta, nas mãos dos invasores.
A liminar, se concedida, deve ser executada em um ano, que se conta da data da distribuição, e findo o prazo perde seus efeitos, levando a nova audiência de mediação. (art. art. 565, § 1º, do CPC)
O prazo é contado da data da distribuição, e não da concessão da medida.
Por isso insisto em dizer que os réus do denominado litígio coletivo gozam de tratamento privilegiado, sendo manifesta a discriminação, que não se justifica, e que desemboca em tratamento que difere daquele que se assegura ao réu solitário, ou reunido em família, sem as cores do litígio coletivo. Se estes gozam da tutela dos órgãos que respondem pelas políticas urbana e agrária, que tais órgãos se mobilizem para evitar invasões. O mecanismo criado apenas estimula invasões, e acaba por se perpetuar, porque a resistência dos invasores permitirá que o prazo de execução se escoe e nada se faça.
15.1- O réu, regularmente citado, é titular do direito de contestar. É o meio de que dispõe para resistir à pretensão do autor. Em sede de interdito possessório lhe é assegurado contestar, mas, também, pedir proteção possessória, por ser a ação dúplice. (art. 556 do CPC) Fica afastada a reconvenção dentro desse território, mas não inibe que seja o caminho legal utilizado se a pretensão estiver além do que permite o dispositivo processual civil.
O réu poderá alegar que foi ofendido em sua posse, e demandar a proteção possessória, assim como indenização pelo prejuízo que decorra da turbação. Cabe-lhe alegar e provar.
Na contestação o réu pode sustentar: que o autor não é possuidor; que em relação a ele, o réu, a posse do autor é injusta; que a posse do autor é de má-fé, enquanto a dele, o réu, é de boa-fé; que o título, que deu origem à posse, está extinto, como se dá, por exemplo, com o usufruto, o comodato etc., ou seja, relação real ou obrigacional; que a posse é fundada em causa nula; que procede sem dolo, por mandado de outrem; que é mero detentor, não sendo responsável pela turbação, ou prelo prejuízo. Em tal hipótese, é assegurado ao autor alterar a inicial para substituição do réu, no prazo de quinze dias (art. 338 do CPC); que é possuidor direto, e que está vinculado a possuidor indireto; que não houve turbação, pois o réu visou evitar prejuízo para o autor, inexistindo pretensão à posse; que não agiu ilegalmente; que o autor é incapaz de posse (Carvalho Santos, Código Civil cit., v. 7, pág. 113, n. 10), entre outras defesas, em função do caso concreto.
16- O art. 560 do Código de Processo Civil assegura ao possuidor o direito de ser reintegrado na posse em havendo esbulho. É o que está no Código Civil, art. 1.210, um dos efeitos da posse. A referência posse é genérica.
O objetivo da ação é restituir a posse do possuidor esbulhado, vale dizer, que foi privado da posse com violência, de forma clandestina ou por abuso de confiança.
A violência manifesta-se na utilização da força privada contra o possuidor diretamente, ou contra o bem, como se dá na demolição de construção, desvio de água etc.; não fica afastada a possibilidade de a violência ser moral, quando a perda da posse faz em decorrência de fundado receio de violência iminente. A ameaça sofrida pelo esbulhado é de tal monta que ele se vê compelido a deixar a coisa.
Na clandestinidade o esbulhador emprega manobras que tendem a deixar o possuidor anterior sem saber do fato. Dá-se o oposto da publicidade. Houve ocultação dos atos do esbulhador aos interessados em conhecê-los.
No abuso de confiança presente a posse precária, porque o esbulhador recebeu a coisa para restituí-la, mas se recusa a fazê-lo. Exemplo é o comodato, quando o comodatário, findo o ajuste, ou não havendo prazo, é notificado para a restituição, não o faz. A posse justa transmuda-se em injusta, porque o comodatário, regularmente notificado para entrega da coisa, não atende ao possuidor indireto.
O réu é o esbulhador, tenha ele praticado o esbulho, ou que o tenha feito por mandatário, e, também, contra terceiro, que dele recebeu a coisa sabendo do esbulho. (art.1.212 do CC)
O esbulho é uma questão de fato e depende de se verificar em cada caso se, após o ato violento do terceiro, o possuidor ficou inibido de continuar no gozo da coisa, encontrando um obstáculo material ao seu uso e de seus direitos.
No esbulho está presente a arbitrariedade, razão pela qual se o ato se fez nos limites da própria posse, se é autorizado por lei, ou por sentença, não há esbulho. O esbulho reclama ato praticado contra a vontade expressa ou presumida do possuidor, razão pela qual, presente o consentimento, não se tipifica.
A ação de reintegração de posse envolve posse atualmente perdida, cuja restituição o possuidor precedente persegue, insurgindo-se contra o possuidor que esbulhou. O objetivo é buscar a posse perdida, repondo o possuidor no estado ou condição que gozava na posse, retornando ao estado primitivo. Distingue-se da ação de manutenção de posse justamente porque o objetivo dessa ação é manter-se na posse em decorrência de lesão que impede ou embaraça o exercício da posse. Há um obstáculo à plenitude do exercício dos poderes inerentes à propriedade. Na ação de reintegração o autor foi despojado da posse contra sua vontade sem legítima autoridade ou direito. (Tito Fulgêncio, Da Posse e das Ações Possessórias cit., pág. 122)
Na ação possessória de reintegração de posse o autor pede a restituição da posse atual perdida contra o esbulhador, que passa a dispor da coisa. O possuidor precedente, que foi alijado dessa disposição sobre a coisa, volta-se contra o possuidor atual, que esbulhou.
O possuidor privado da posse não tem como obter os serviços que a coisa oferece, não pode dar o destino econômico e social que o imóvel deve ter, fica privado do uso útil, que adquirida anteriormente, e isso por ato do esbulhador, que passa a deter a coisa, eliminando a posse anterior.
Os requisitos exigidos para a tutela do possuidor esbulhado são os mesmos já examinados em relação ao possuidor que viu a sua posse turbada, em, em razão disso, fico dispensado de reexaminar o tema, e leitor encontrará a matéria no nº 17, supra.
16.1- O réu é citado para se defender, o que faz mediante contestação, instrumento assegurado por lei para que possa resistir à pretensão deduzida pelo autor esbulhado. Em sede de interdito possessório lhe é assegurado contestar, mas, também, pedir proteção possessória, demandar por indenização, pelo prejuízo que decorra dos fatos, por ser a ação dúplice. (art. 556 do CPC) Fica afastada a reconvenção dentro desse território, mas não inibe que seja o caminho legal utilizado se a pretensão estiver além do que permite o dispositivo processual civil, como ficou dito em relação à ação de manutenção e posse.
O réu pode alegar em sua defesa: a) o autor não tem posse, ainda que viciada; b) que o ato não foi praticado contra a vontade ou o conhecimento do autor, tendo havido consentimento, expresso ou tácito, cumprindo ao réu a prova da alegação; c) que o autor, que teve a posse, a abandonou, ou a transmitiu a ele, o réu; d) que não houve arbitrariedade, porque o réu agiu autorizado por lei ou sentença; e) que o autor desforçara do esbulho que se queixa; f) que a posse está extinta; g) que procedeu sem dolo, a mando de outra pessoa, ou que é mero detentor, sendo parte ilegítima, não sendo responsável por qualquer prejuízo (art. 338, do CPC). Ocorrendo a hipótese, o juiz facultará ao autor que, em quinze dias, altere a petição inicial para substituição do réu; h) a causa da posse é nula, e outras que as circunstâncias de fato autorizarem.
17- O art. 1.210 do Código Civil estatui que o possuidor é titular do direito de ser segurado de violência iminente, se tiver justo receio de ser molestado. O art. 567 do CPC instrumentaliza a pretensão e o art.568 determina que ao interdito proibitório sejam aplicadas as regras pertinentes às ações de manutenção e de reintegração de posse.
Sintetizo o interdito, como: a) é remédio preventivo, assegurado ao possuidor contra a ameaça de turbação ou esbulho à sua posse; b) o receio da ofensa deve ser justo e o que se pede é que seja assegurado de violência iminente. O autor deve provar ter receio, que não se limita a simples suspeita, mero temor subjetivo, mas que se fundamenta e alicerça em elementos concretos; c) a violência que o autor teme deve ser iminente, no sentido de vir a ocorrer no futuro, mas não imediatamente (Pontes de Miranda, Tratado cit., v. 10, pág. 459). Não é necessário que ela seja próxima. O autor não está obrigado a esperar até o último momento. Ela ser dará em tempo incerto, mas é possível prevê-la. Ela se manifesta por atos objetivos. Ela deverá ser necessariamente séria; d) admite-se a ameaça verbal, cabendo examiná-la para cada caso concreto, porque pode haver mais do que simples bravata, uma efetiva ameaça frontal à posse do autor; e) a finalidade do remédio possessório é assegurar o autor contra ameaça à sua posse.
O interdito tem como elemento peculiar a sanção pecuniária, que é aplicável ao caso de infração. O autor pede ao juiz que o assegure da violência iminente, determinando pena pecuniária ao réu, caso não atenda ao mandado. O possuidor ameaçado pede tutela preventiva contra aquele que ameaça sua posse, sem esbulhar ou turbar, visando evitar que a lesão seja concretizada. A pena funciona como elemento a inibir à ação do réu, e é aplicada no caso desrespeito à ordem legal.
O autor fixa o valor da pena pecuniária, cabendo ao juiz reduzi-la ao justo limite, sem, contudo, poder aumenta-la. Se não o faz, o juiz deve intimá-lo para emendar a inicial. Ela deve ter peso o bastante para inibir o réu, “mas nunca desmesuradamente superior ao valor do dano que esta causaria e ao proveito econômico que dela pudesse resultar para o infrator” (Adroaldo Furtado Fabrício, Comentários cit., v. VIII, t. III, pág. 574)
A imposição da pena pecuniária não afasta o direito de pedir perdas e danos. (Sálvio de Figueiredo Teixeira, Código de Processo Civil Anotado, pág. 934)
Se o réu transgredir o preceito a multa é devida, mas isso se faz sem prejuízo da manutenção ou reintegração, se necessário, e não prejudica o pedido de perdas e danos.
Ocorrendo a turbação ou esbulho, em razão da conversibilidade dos interditos, o juiz determinará a manutenção ou reintegração, conforme o caso concreto (art. 554 do CPC)
17.1- Em sua defesa o réu poderá deduzir o seguinte: a) sua ameaça é justa, no sentido de que representa o exercício regular de um direito; b) que o autor não tem posse atual; c) que não houve ameaça de sua parte; d) que o receio do autor não tem fundamento sério; e) que ele, o réu, agiu em nome de outrem, indicando, na contestação o responsável pela ofensa, ou não ser parte legítima, hipótese em que o juiz facultará ao autor, em quinze dias, alterar a inicial para substituição do réu. (art.338 do CPC)
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____________________Curso de Direito Civil (Direito das Coisas). Rio: Forense, 2006.