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Considerações sobre o Projeto de Emenda Constitucional nº 90/99, do Senado Federal, para a concessão de moratória em favor da Fazenda Pública

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Agenda 01/05/2000 às 00:00

A frase de um político de relevância no Afeganistão, presta-se bem como mote para o aviltamento (o estupro) que se faz aos direitos dos credores dos Órgãos Públicos, matando os seus Direitos afirmados em decisões judiciais transitadas em julgado, onde o Senado Federal, pelo Projeto de Emenda Constitucional nº 90/99, faz precisamente aos credores das Fazendas Públicas, o que o político, sempre em evidência, diz que praticam crimes contra o próximo (homem ou mulher).

Para que se faça um melhor exame do estupro que se pratica contra o direito dos credores dos Entes Públicos, exime uma explicação. O primeiro sentido que se tem ao interpretar o Ordenamento Normativo é que, ao definir o princípio da irretroatividade da lei, a Constituição dirige-se ao legislador.

Estabelece um comando que submete a legislatura. É para o legislador que dita a regra. É ao Poder Legislativo que estabelece a proibição de editar leis retroativas, interdizendo a aprovação de leis que possam atingir direitos adquiridos ou os efeitos já produzidos de situações jurídicas regularmente constituídas. Não se volta contra si mesma. Noutros termos, o Poder Constituinte disciplina a ação legislativa, mas não impõe restrições a si mesmo.

Pois bem, o que se estupra não é só o credor que buscou o Poder Judiciário, promoveu uma ação, após assegurar todos os direitos de defesa (e ponha direito na forma como as Fazendas Públicas se defender – esgotam todas as instâncias e repisam argumentos de toda a sorte, o que faz com as ações se arrastem, nesse cipoal de recursos que há no Direito Processual e mesmo nos Regimentos – são anos de batalha...).

Findo este périplo (longo) o credor obtém uma sentença e inicia a execução. Cita o Ente Público para ofertar embargos. Ele Embarga (sempre o faz, ainda que o cálculo esteja correto) e nova caminhada, novos argumentos, novas provas, novas sentenças, vários e sucessivos recursos e transita o cálculo em julgado.

Bem, terminou?

Não!

Inicia-se a fase do precatório (que só existe no Ordenamento Normativo Brasileiro), que está previsto no artigo 100 da Constituição Federal. Monta-se um procedimento, com cópia da sentença, do acórdão, do cálculo, da citação, dos embargos, da sentença dos embargos, do acórdão desta e o Juiz do feito encaminha tudo por Ofício ao Presidente do Tribunal Superior.

A seguir, este Ofício (que se denomina precatório e que substitui o que se conhece por mandado de execução), ingressa no Tribunal Superior.

Inicia novo procedimento. Refazem-se os cálculos para ver se não contêm erros. Após a conferência, muito minuciosa, inicia-se propriamente a fase de para aparelhar o recebimento.

O Presidente do Tribunal Superior (no Estado de São Paulo é o Tribunal de Justiça, ou o Tribunal Regional do Trabalho) expede um ofício para que o valor seja pago, se for crédito decorrente de direito alimentar (reclamação trabalhista, ação de servidor público e outras).

Se de crédito de outras ações, ele Terá que ser incluído no Orçamento. Do ano seguintes, se o Precatório ficar pronto até o dia 30 de junho. No dia 1º de julho de cada ano, é organizada uma listagem de todos os créditos que os Órgãos Públicos têm que pagar. Um a um, o Tribunal estabelece um ordem (denominada Ordem Cronológica – peça importante no cumprimento do pagamento) e encaminha a relação para que sejam os crédito inseridos no orçamento do ano seguinte.

Incluído no orçamento para o ano seguinte, aguarda-se a oportunidade para que o Ente Público pague. Pode-o fazer durante todo o ano seguinte e – ainda assim – pode deixar de pagar.

A Fazenda do Estado de São Paulo e suas Autarquias não solvem os precatórios desde 1994!.

Os créditos alimentares não paga desde 1995!.

Agora o Senado estupra todos os estes procedimentos. Afasta a coisa julgada e pelo Projeto de Alteração da Constituição nº 90/99, estupra todos os direitos, tanto dos que sofrem uma violência (acidente de trânsito), como aquele que vê seu bem tomado para uma obra pública (pela via da expropriação).

Ponto pacífico, portanto, é que a Constituição não sofre as mesmas limitações que tem a Lei comum e o Egrégio Supremo Tribunal Federal já proclamou por várias vezes que "não há direitos adquiridos contra a Constituição".

Assim tem tido proclamado e decidido, ainda que seja surpreendente para o homem comum.

Diz Campos Batalha:

"Nada obsta a que o preceito constitucional volva sobre o passado para atingir direitos adquiridos, ou situações jurídicas definitivamente constituídas, ou atos jurídicos perfeitos, ou casos julgados. Para tanto, porém, seria necessário texto expresso, porque, na ausência de disposição constitucional inequívoca é de admitir-se como normal o efeito imediato das Constituições, nunca o seu efeito retroativo" (WILSON DE SOUSA CAMPOS BATALHA, "Direito Intertemporal", p. 438).

Em abono da tese, cita este autor um aresto do Supremo Tribunal Federal, proferido nos autos da Representação nº 895, de que foi relator o Ministro Djacy Falcão, in Revista Trimestral de Jurisprudência, 67/327, em que ressalta esta afirmativa categórica: "O direito adquirido, garantido no § 3º do art. 153 da Constituição Federal (de 1967) somente é oponível contra a lei. Contra a própria Constituição não há direito adquirido". Um segundo, proferido em Recurso Extraordinário de que foi relator o Ministro THOMPSON FLORES (RTJ 71/461), asseverou: "Inexiste direito adquirido contra a Constituição Federal". Outros mais são igualmente invocados: RE nº 74.284, in Ementário, 915/2; 74.534, Ementário 915/2; 75.102, Ementário, 911/2; RE nº 75.418, AC, STF, Pleno.

A segunda é que, não obstante o caráter imperativo e a imediatidade da vigência da nova regra que se altera no Ato das Disposições Transitórias da Constituição, não deveria destruir toda a sistemática processual e procedimental do passado, estuprando o direito do credor, que vê – sem nada poder fazer – contra esta violência ao que supunha não mais poder ser revisto.

Pode e vai ser. Esperem para ver. .

Este Projeto nº 90/99, já aprovado em Primeira Votação, com a redação que lhe deu o Senador Édson Lobão, instituiu uma nova ordem, mas não podia, de um só golpe, abolir todas as regras que asseguram direitos, constantes nas leis, nos decretos, nos regimentos e nos Decretos Judiciais que transitaram em julgado.

Em conseqüência, estabelece-se uma nova ordem constitucional que afasta o que dizia a que vige (?), não mais sobrevive a legislação preexistente, não mais prevalece o que se ganhou num longo, muito largo tempo e com gastos elevados. naquilo em que não colide com as novas regras deste malsinado artigo 76 que é acrescido aos Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, pelo Projeto de Alteração nº 90/99.

Em verdade é um absurdo, cria o caos, se, no momento em que se inicia a vigência da nova regra de adaptação da Constituição, que não vem para conciliar os dois Sistema, da Norma Constitucional anterior com a que vige, veio para aviltar os direitos, a título de beneficiar e privilegiar Entes Públicos, que numa sucessão de desastradas administrações, tornaram impossível o resgate destas obrigações, como se fosse possível considerar perempto o Código Civil Brasileiro - Lei Federal nº 3071, de 1º de janeiro de 1916, Corrigida pelo Decreto Legislativo nº 3.725, de 15 de janeiro de 1919, ou o Código de Processo Civil, Lei Federal nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, ou o Código de Processo Civil, Lei Federal nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973, o Código de Processo Civil, Lei Federal nº 5.869, DE 11 de janeiro de 1973, e a Lei de Introdução ao Código Civil. Neste campo dos créditos de ações judiciais nada valem estas normas. Decisões Judiciais não são observadas, matam-se as esperanças dos credores em receber o que ganharam numa árdua, cara, dispendiosa e longa batalha judicial. .

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O que perde a vigência é a disposição legal "incompatível" com a norma Constitucional moderna, que surge pela via de se acrescer um artigo (o de nº 76), na regra de adaptação. .

A tese não é nova.

Volvendo-se para a problemática da eficácia das normas constitucionais, umas atingem imediatamente o ordenamento vigente, rompendo-o, enquanto outras, por sua natureza, ou por força de comando do próprio constituinte, têm seus efeitos postergados para outra etapa (Campos, João Mota de., A Ordem Constitucional Portuguesa e o Direito Comunitário, Braga, Pax, 1981).

Quanto à natureza dessas normas, que com base nos princípios primários, o legislador constitucional estabelece comandos para o legislador ordinário, para o juiz e para os demais intérpretes (como a "Lei das Leis"). Nesse sentido, as normas constitucionais definem horizontes, fixam balizas, estabelecem contornos que governarão o Estado e a ordem jurídica do País como normas fundamentais e, portanto, ocupantes do ápice da pirâmide legal (Canotilho, Gomes, e Vital Moreira., Constituição da República Portuguesa Anotada,Coimbra, Almedina, 1980).

Não será demasiado iniciarmos pelo conceito comum de precisão da linguagem da norma, até pela circunstância, indiscutível, de serem ambigüidade e imprecisão marcas características da linguagem normativa, "textura aberta" essa que decorre "precisamente do fato de nutrir-se ela (linguagem da norma) da linguagem natural, na qual tais fenômenos se manifestaram".

O Senado Federal aprovou, em primeira votação, o Projeto de Emenda Constitucional 90/99, que diz:

Art. 76. Ressalvados os créditos definidos em lei como de pequeno valor, os de natureza alimentícia, os de que trata o art. 33 deste Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e suas complementações e os que já tiverem os seus respectivos recursos liberados ou depositados em juízo, os precatórios pendentes na data da promulgação desta Emenda e os que decorram de ações iniciais ajuizadas até 31 de dezembro de 1999 serão liquidados pelo seu valor real, em moeda corrente, acrescido de juros legais, em prestações anuais, iguais e sucessivas, no prazo máximo de dez anos, permitida a cessão dos créditos (AC).

É tão aberrante a forma como os Senadores gizaram este texto, que surpreende pela atecnia. A imprecisão dos termos é notável. Como é possível se redigir uma regra que é obrigatória e que vai ferir tantos direitos, se pautar por esta falta de conhecimento dos termos jurídicos.

É necessário que se evidencie – para ver se é possível se corrigir algumas impropriedades e manifestas injustiças.

Não se discute aqui o critério político, muito menos, se é conveniente ou não se conceder mais dez anos para as Fazenda Públicas solver os débitos que vieram a ser acumulados desde 1986 em diante. Ainda, não se pode de pronto se pôr contra para que se conceda às Fazendas Públicas o privilégio de cumprirem com os pagamentos das condenações judiciais que são decorrentes de atos ilícitos praticados pelas Administrações Públicas em todos os níveis, com uma nova concessão de prazo, para solverem em - até - 10 anos, os débitos que estão acumulados.

Este é um Juízo de conveniência, arbitrário e que até se justifica pelo valor elevado que há - atualmente - dos débitos pendentes de pagamento e que ascendem a quantias inimagináveis – fruto de uma falta de previsão que surpreende e revolta.

Não há – hoje – possibilidade de que algum Órgão Público possa saber, neste exato momento, qual o valor de suas obrigações totais, tanto aquelas atingidas pelo parcelamento anterior, previsto no artigo 33 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição Federal, como dos valores decorrentes dos procedimentos administrativos que foram protocolizados nos Órgãos Públicos, após 1989. Para tal, precisaria promover os recálculos de todas as condenações e estas serem objeto de uma decisão que os torne "líquidos e certos".

Várias imprecisões - porém - existem no texto acima, que cria o artigo 76 e se acrescenta ao Ato das Disposições Transitórias, da Constituição Federal, de 1988. Impõem serem os conceitos precisados e que os Senadores retomem o bom senso, adequando o seu sentido da nova regra que editam ao que dizem os Institutos Jurídicos, para se evitar distorções, sob pena de se criar condições para se dar aplicação correta ao que está estabelecendo este Comando Constitucional.

O texto é surpreendente, sofrendo de falta de técnica jurídica, levando a interpregações diversas. É ambíguo. Este fenômeno se produz quando, dentro de uma mesma palavra, encontram-se características conotativas inteiramente diversas, de sorte que só se torna possível fixar o sentido buscado pela sua emissão, quando integrado o vocábulo em um certo contexto.

O que é "valor real"?

É a condenação?

É o saldo que remanesce ser pago, nos casos que o pagamento não se fez integralmente (por exemplo a expropriações da Companhia Paulista de Estrada de Ferro, iniciada em 1961, pagas parcelas e – ainda – hoje remanescem valores para serem solvidos)?

É o bem que se expropria?

E nos casos de outros atos ilícitos, por exemplo, devolução de tributos pagos indevidamente, será a quantia repetida por indevida?

Evidentemente, o termo "valor real" é, no mínimo, inadequado. Para não dizer que é néscio, data maxima venia.

A expressão "valor real", por exemplo, que ora estamos a examinar, comportaria, além da idéia adjetiva relacionada ao vocábulo justiça, o sentido que se dá, quando se pretende indicar algo apertado, colocado sem folga em torno de alguém (p. ex., uma roupa justa).

A ambigüidade em si não constitui grave defeito, representando, inclusive, essa possibilidade de múltiplo preenchimento de sentidos em uma mesma palavra, uma forma extremamente rica de ampliação do valor semântico da língua. Nesses casos, o alcance do sentido unívoco terá, necessariamente, de decorrer do contexto em que inserido o vocábulo, surgindo esse contexto, como muito bem assinala Paul Ricoeur ("Estructura, palabra y acontecimiento", in Estructuralismo y lingüística, antologia publicada por Nueva Visión, pág. 77), com a tarefa de ocultar a riqueza semântica da palavra, reduzi-la a uma temática, de sorte a esvaziá-la dos sentidos colaterais. A patologia da ambigüidade só se postula à medida que se revela impossível despir a palavra da sua multivocidade.

Há, pois, que se adotar uma técnica que exclua as interpretações incongruentes, de maneira que no discurso só se possa dar um determinado sentido ao vocábulo. Seguramente, não há concepção de direito mais favorecedora da ambigüidade do que a chamada Escola do Livre Juiz, de regra imputável à criação de François Gény. Efetivamente, à medida que o juiz tenha a faculdade de recriar todo o sistema jurídico, é indiscutível que ao mesmo vocábulo potencialmente se podem agregar diversos significados.

Outro defeito que há nesta expressão, é semântico. A expressão calha bem, com sentido, já que é aquele conhecido como anemia semântica, fenômeno constituído pelas circunstâncias em que envolvidas palavras que não apresentam significado suficientemente claro, ou, até mesmo, significado algum, nos próprios contextos em que envolvidas.

As palavras operam como uma variável matemática que pode ser semanticamente saturada em diversos contextos, de acordo com os valores, emoções, propósitos ou intenções dos protagonistas do ato locucional.

Segue-se a falha denominada anfibologia, que se caracteriza por um significado confuso, como é o caso ("valor real"), decorrente do mau emprego lingüístico, em particular das regras da gramática.

Apontam-se, como os casos mais comuns de anfibologia, aqueles derivados de uma deficiente pontuação; e, como os mais complicados, aqueles com os quais à inexatidão gramatical se soma uma certa anemia semântica. Caso marcadamente típico, no mundo jurídico, de anfibologia é o representado pela expressão "princípios gerais do direito".

No mundo particular do direito, entretanto, a anfibologia ainda se reveste de certo grau de utilidade, à medida que se permite uma liberdade não desprezível, na construção do conceito de um fenômeno jurídico a partir de expressões suficientemente generosas para conter um número indeterminado de significados.

Por último, cumpre referir a mácula da vaguidade, representada por vocábulos cujo sentido preciso só se pode obter após uma sucessiva operação de restrições da idéia primitiva, em subespécies cada vez mais estreitas. Ainda aqui estamos em face de defeito que pode, no mundo do direito, ser operado benevolamente, de vez que na vaguidade comporta-se um sem-número de atitudes de preenchimento de conteúdo segundo o critério de eqüidade.

Relembremos contudo, aqui, idéia já expressada anteriormente, de que o uso do vocábulo, ainda no contexto mais técnico que se possa conceber, jamais deve estar inteiramente desligado do seu senso comunitário.

O que se busca é o parcelamento de uma dívida. Porque não se falar em condenação?, ou mesmo em indenização?

Não perfilhamos, portanto, a opinião daqueles que consideram infinitas as possibilidades de flexibilidade semântica da palavra. Deve-a estar, como sustenta Max Black ("Definición, persuasión y aserción", in Cuadernos de epistimología, pág. 34), forçosamente condicionada pelos pressupostos de uso comum.

A linguagem comporta dois níveis distintos: o léxico e o técnico.

O léxico é produto espontâneo da comunidade, ao passo que o técnico, entre os quais ele arrola o linguajar jurídico, é produzido por estipulações convencionais em uma determinada área particular da atividade humana.

No linguajar técnico, ao menos quando utiliza expressões de uso comum, um necessário compromisso, no preenchimento semântico, ao menos em seus traços denotativos gerais, com os padrões adotados pela comunidade. Em face de expressões semanticamente anêmicas, imprescindíveis é a eleição de um determinado fim expressivo para que se enseje conteúdo claro ao vocábulo. "Valor real" nada acrescenta é totalmente inadequado e vai gerar uma enxurrada de incidentes. Cada qual dando à expressão o colorido que mais lhe convém.

O que o Projeto demonstra é que veio mais para confundir, do que resolver o endividamento das Fazendas Públicas.

Se for para confundir e nada resolver: está ótima a expressão "valor real".

Se for para resolver, substituição a expressão por outra expressão mais apropriada. O português é rico e os Institutos Jurídicos são conhecidos, como é caso da expressão "condenação", "indenização" e outras.

Por quê inventar ?!

Isso importa dizer que, no campo do conhecimento jurídico, expressões desse tipo hão de estar, necessariamente, referidas a um prisma axiológico. Daí por que afirmamos anteriormente que a anfibologia e a vaguidade, a rigor, não constitui, por si sós, defeitos insuperáveis, à medida que nas malhas das imprecisões que criam se podem filtrar poderosamente sentimento valorativo e idéias de eqüidade.

O problema da justa indenização mais não é senão uma das faces do tópico fundamental da própria indagação jurídica: como lembra Alf Ross (Lógica de las normas, ed. Tecnos, págs. 39 e segs.; Sobre el derecho y la justicia, Buenos Aires, ed. Eudeba), a investigação do princípio racional, que dá ao direito sua validade com força obrigatória, necessariamente vai radicar-se na idéia de justiça, e em particular, sobre a relação entre justiça e direito positivo tomadas as duas expressões como pólos de uma inter-relação bivalente incessante. E nem deve provocar desânimo ou desalento a dificuldade na fixação da idéia de justiça. Mesmo para Kelsen, propugnador máximo da normatividade jurídica, a existência de uma normatividade metajurídica axiologicamente informada era reconhecida, conquanto não utilizada pelo eminente autor com a largueza que seria de se desejar.

Irrelevante será, para superar essas perplexidades, a substituição do valor da justiça pelo valor da segurança, por isso que, como até mesmo dramaticamente, por vezes, a história da humanidade registra, inexiste segurança jurídica num sistema que não seja informado de um mínimo de senso de eqüidade e justiça. É no bojo de toda essa série de considerações que o juiz assume papel de extraordinária relevância, não apenas ou não tanto sob o prisma estritamente tecnicista da escola kelseniana (onde ele surge como o criador do direito, no momento em que transpõe para a vivência pragmática do dia-a-dia a norma genericamente formulada), mas sobretudo à medida que, tendo em vista as necessidades dinamicamente reavaliadas do ser humano, integrado num grupamento em que os fenômenos variam de intensidade e conteúdo com alarmante velocidade, transporta para o campo do direito positivo a preocupação valorativa, impedindo a superação da norma, assegurando, pela inteligência plasmável de sua roupagem formal, um preenchimento de conteúdo sempre adequado às peculiaridades do tempo em que deva ser emitido o pronunciamento judicial. Como lembra Recaséns Siches, nesse momento o juiz encarna o próprio direito vivo, assegurando essa vida pela manutenção de um vaivém incessante da segurança à eqüidade e da eqüidade à segurança. E esta finalidade é atingida exatamente através da utilização, nem sempre consciente, por certo, mas sempre eficiente, de recursos semiológicos, como o da utilização de variantes axiológicas e de expressões semanticamente ocas. Como pondera Warat (ob. cit., págs. 109 e segs. e 188), com frequência se questiona sobre a necessidade de reformulação global, ou em grande parte, do direito positivo, em particular daquele mais fundamental à própria mantença das instituições. referindo-se necessariamente aos textos constitucionais Warat pondera, com razão, que a semiologia jurídica, tornando a análise da palavra instrumento nas mãos do aplicador da lei e daquele que com ela lide, na revalorização do seu conteúdo, torna possível toda uma revolução jurídica, sem as comoções das grandes modificações formais, distante do culto cego ao vocábulo(tão ao gosto do mais extremados normativistas), bem como daqueles que pelas palavras revelam excessivo apreço (como, de regra, os partidários da escola exegética). Os estudiosos da semiologia jurídica sabem que, mais importante que alterar as palavras da lei é fazer a elas aportarem novos significados, informados de soluções adequadas de eqüidade, dependentes de um ato de valoração do próprio personagem da luta pelo direito. Cai a pêlo sua advertência final: se este protagonista não atua, na sua tarefa altamente revivificadora do direito, as novas palavras somente refletirão as velhas significações.

Doutra parte, não nos deve preocupar a impossibilidade de, ao buscar definir a idéia de justa indenização, abarcar de pronto todas as múltiplas valências que essa locução pode, em tese, abrigar. Na idéia de definição não nos deve preocupar a concepção da equivalência, como bem pondera Antônio Anselmo Martino (Lenguaje y definición jurídica, págs. 61 e segs.): mais importante do que atingir esta equivalência é afirmar um número razoável de traços de identificação e de diferenciação relativa a outras idéias que a definição de uma palavra possa estabelecer. Ainda quando isso se perca em precisão, se ganha suficientemente em informação.

Ora, num campo de conhecimento estritamente especulativo como o jurídico, o atingimento do máximo de informação se revela, de resto, por muitas vezes, mais precioso do que a total precisão, sobretudo por causa do tipo de material com que lida o direito, profundamente variável no tempo e no espaço, características que estão, de plano, a se chocar com a possibilidade da conquista da total precisão. Nesse panorama, volta-se a enfatizar a atividade do juiz - é de valor imprescindível e inestimável. Como com rigor e seu raciocínio claríssimo obtempera Lourival Villanova (Lógica jurídica, São Paulo, ed. José Bushatsky, 1976, pág. 165), a realidade subjacente nas hipóteses normativas entra dentro de quadros tipificados, que isolam do fato total o axiologicamente relevante para o sistema jurídico. Por esta razão, por mais que o direito procure identificar-se com a realidade, jamais o consegue. A hipótese normativa, proposição descritiva de situação objetiva possível, é uma construção incidente na realidade, mas não coincidente com ela.

Tal é a opinião de Celso D. de Albuquerque Mello que, entretanto, adverte para a Imprecisão dos conceitos de "importância fundamental" e "violação manifesta" de preceito constitucional ("Curso de Direito Internacional Público", vol. 1, ps. 114/115).

Sobre o autor
Joaquim de Almeida Baptista

Advogado e economista em São Paulo. Autor de "O Código das locações urbanas" (Jurídica Editora, 1993), "Impenhorabilidade do bem de família vista pelos tribunais" (Editora Edipro, 1993), "Código do Consumidor interpretado" (Editora Iglu, 1997 - 2ª edição - ampliada), "Dos embargos do devedor e da exceção de pré-executividade nos tribunais - Jurisprudência - Modelos práticos (casos concretos)" (Editora Iglu, 2000 - 1ª edição).

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAPTISTA, Joaquim Almeida. Considerações sobre o Projeto de Emenda Constitucional nº 90/99, do Senado Federal, para a concessão de moratória em favor da Fazenda Pública. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 5, n. 41, 1 mai. 2000. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/840. Acesso em: 23 dez. 2024.

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