Sumário: 1. Introdução e aspectos históricos. 2. Os conceitos de cidadania e nacionalidade no direito brasileiro e no direito estrangeiro. 3. Sistemas de atribuição de cidadania originária: jus sanguinis e jus soli. 4. Apatridia e polipatridia. Dupla cidadania e a Emenda Constitucional de Revisão n. 3/94. 5. Cidadania como direito fundamental. 6. Regime jurídico da cidadania italiana. Atribuição e causas impedientes ao reconhecimento. 7. Constitucionalidade da norma e constitucionalidade dos efeitos da norma. Constitucionalidade da Sentença n. 12.091 de 1998 da Corte de Cassação italiana. 8. Referências bibliográficas.
1. INTRODUÇÃO E ASPECTOS HISTÓRICOS
Pode-se definir imigração como sendo a entrada, com ânimo permanente ou temporário, com intenção de trabalho ou residência, de pessoas de um país em outro, ou ainda, a introdução, em certo país, de pessoas de outra nacionalidade, com a intenção de ali se estabelecerem ou o adotarem como sua nova pátria 1.
A denominada "grande emigração" 2 na Itália foi o fenômeno sociológico que consistiu na saída de milhares de imigrantes italianos para os mais diversos lugares do mundo, especialmente o Novo Mundo, com concentrações notáveis em países como o Brasil e a Argentina.
Diversos foram os fatores socioeconômicos que deflagraram a imigração italiana, podendo-se alinhavar, rapidamente, além da miséria, da fome e das epidemias que assolavam a península no período 3, a extensão do serviço militar obrigatório para os territórios recém-anexados (Vêneto), a explosão inflacionária decorrente da adoção da moeda de curso forçado –lira italiana -, a criação de novos tributos para cobrir o déficit público – inclusive a infame tributação sobre a farinha -, 4 dentre outros fatores que refogem ao escopo desta análise.
A imigração italiana foi, como é sabido, fenômeno de grandes repercussões tanto no Velho Mundo quanto no Novo Mundo, gerando notáveis efeitos jurídicos ainda hoje. Um dos fenômenos jurídicos de maior relevo foi a paulatina formação - diante da tradicional filiação da Itália ao sistema jure sanguinis de transmissão da cidadania - de um contingente de nacionais italianos nascidos e sempre residentes no exterior, filhos, netos, bisnetos e outros descendentes dos imigrantes, originando assim o fenômeno conhecido como dupla cidadania.
2. OS CONCEITOS DE CIDADANIA E NACIONALIDADE NO DIREITO BRASILEIRO E NO DIREITO ESTRANGEIRO.
Denomina-se direito de nacionalidade o campo do direito que se ocupa com o estudo do conjunto de normas e princípios que regulam a transmissão da nacionalidade ou cidadania de determinado país.
Utiliza-se o termo cidadania ou nacionalidade para definir o vínculo jurídico que liga determinado indivíduo a um determinado Estado, conferindo direitos e deveres recíprocos 5.
No Brasil, tanto a Constituição vigente quanto a doutrina em geral adotam a expressão nacionalidade para definir tal vínculo, assim como outros países, v.g., Espanha (nacionalidad) e França (nationalité).
Já na Itália, prefere-se a expressão cidadania – cittadinanza, em italiano - para definir tal vínculo. A despeito da doutrina majoritária pátria e da dicção constitucional 6, afiliamo-nos à utilização do segundo termo. Explicam-se as razões.
Nacionalidade é expressão que se liga mais intimamente ao conceito sociológico de nação. Nação, embora o termo não tenha acepção unívoca, pode-se definir como um conjunto de pessoas ligadas por laços comuns – os quais podem ser a pertinência étnica, linguística, tradicional ou histórica -, consciente de sua identidade e com aspirações comuns 7.
Portanto, uma nação não corresponde, necessariamente, a um Estado, embora isto por vezes verifique-se. Pode haver situações nas quais haja diversas nações dentro de determinado Estado, assim como uma Nação em mais de um Estado 8.
Assim sendo, o vocábulo nacionalidade nos parece mais próximo de um conceito sociológico, a definir o indivíduo humano pertencente a um determinado grupo ao qual identifica-se por liames vairados e do qual sente-se parte, do que para definir o vínculo jurídico que liga um ser humano a determinado Estado.
O Estado, em contraposição à nação, consiste numa sociedade política e juridicamente organizada em dado território, com soberania, entendida esta como incontrastabilidade do poder no âmbito interno e não-sujeição a outros Estados, no âmbito externo, e como tal reconhecida pelos demais Estados. 9 Como visto, não se reduz nem se identifica, necessariamente, a uma nação. São conceitos diversos.
O indivíduo integrante da base humana de um Estado é denominado cidadão ou nacional deste Estado, ou seja, é aquele que titulariza a condição jurídica de pertencente ao referido Estado, possuindo, logo, um vínculo jurídico para com este, que lhe proporciona direitos e obrigações.
Adota-se no presente trabalho, portanto, assim como em outros de nossa lavra, a expressão cidadania preferentemente a nacionalidade, com fundamento na precisão terminológica.
Conceituada a cidadania ou nacionalidade como o vínculo jurídico que liga determinado indivíduo a determinado Estado, gerando direitos e obrigações recíprocos, insta distinguir, por fim, entre cidadania originária e cidadania derivada.
Cidadania originária é aquela adquirida quando do nascimento, independentemente de qualquer ato de vontade do indivíduo. Já a cidadania derivada é aquela superveniente, adquirida em virtude de um ato de vontade do indivíduo, sendo seu exemplo mais comum a naturalização. 10
3. SISTEMAS DE ATRIBUIÇÃO DE CIDADANIA: JUS SANGUINIS, JUS SOLI, SISTEMAS MISTOS.
No que se refere à cidadania originária, de regra existem dois sistemas clássicos de transmissão ou atribuição da cidadania.
O sistema denominado jus sanguinis, ou "direito do sangue", é aquele em que o fato jurídico atributivo da cidadania é a posse da mesma pelos genitores. Vale dizer, filho de cidadão, cidadão é. Neste sistema, é desimportante o lugar onde se dê o nascimento, havendo que se investigar tão-somente a condição de cidadão do genitor para verificar-se a cidadania do descendente.
Este sistema é predominante nos países europeus, em virtude da emigração, e visa manter os liames dos nacionais com seu país originário, ainda que estejam fora de seu território.
O sistema denominado jus soli, ou "direito do solo", por sua vez, acomete a atribuição da cidadania não à nacionalidade dos genitores, mas ao local do nascimento. Para tal sistema, cidadão é aquele nascido no território nacional, sendo desimportante, em princípio, a cidadania dos genitores.
A rigor, nenhum sistema jurídico de direito de nacionalidade é puro. Ou seja, de regra, adotam os diferentes países o critério do jus sanguinis ou do jus soli, predominantemente, conforme as suas conveniências 11, prevendo hipóteses subsidiárias que contemplam o critério contraposto – sistemas mistos 12- 13.
4. APATRIDIA E POLIPATRIDIA. DUPLA CIDADANIA: ECR nº 03/94.
A ampla liberdade de regra conferida aos Estados para regulamentarem o tema cidadania, já referida, acaba por gerar algumas anomalias jurídicas, face as incongruências entre os diversos ordenamentos.
Tratam-se dos casos de apatridia e polipatridia, especialmente. Verifica-se a apatridia quando determinado indivíduo não pode ser considerado cidadão pelas leis de qualquer Estado. O Apátrida denomina-se ainda heimatlos ou, no direito italiano, apolide.
Ao contrário, verifica-se o caso de polipatridia quando determinado indivíduo ostenta duas ou mais cidadanias, por preencher todos os requisitos da lei de ambos os países para que seja reconhecido como cidadão. No direito italiano, o indivíduo com duas cidadanias é conhecido como bipolide.
É exemplos de apátrida o filho de brasileiros nascido em país que adote o sistem genético, sem que seus pais estejam a serviço do Brasil, enquanto não vier a residir no Brasil e optar, em qualquer tempo, pela nacionalidade brasileira 14, ou porventura adquirir a cidadania derivada, pela naturalização.
É exemplo de polipátrida o filho de italianos nascido no Brasil, observadas as demais condições legais, que serão vistas adiante. Adotando o Brasil o sistema territorial, será reputado brasileiro em nosso ordenamento, por ter nascido em território nacional, ainda que de pais estrangeiros e não naturalizados. Adotando a Itália o sistema genético, será reputado, ainda, italiano, por nascido de pais italianos, ainda que o nascimento tenha se verificado fora do território italiano.
Por fim há que se ressaltar que o princípio da unicidade da cidadania, desejado pelo direito internacional 15 e consagrado em diversos ordenamentos jurídicos, tem sofrido mitigações pontuais.
No Brasil, a Emenda Constitucional de Revisão n. 3/94 veio a dispor, expressamente, que o reconhecimento de cidadania estrangeira originária não implica em perda da nacionalidade brasileira, excepcionando a regra contida no art. 12, § 4º, inciso II, que esposa tal Princípio 16.
Na Itália, tal princípio não vige mais, desde o advento da lei orgânica da cidadania vigente, Lei n. 91, de 05.02.1992. Após a entrada em vigor de tal diploma, a aquisição ou reconhecimento ulterior de cidadania estrangeira, ainda que por naturalização voluntária, não acarreta a perda da cidadania italiana. Esta se dá somente com renúncia expressa do titular 17.
5. CIDADANIA COMO DIREITO FUNDAMENTAL.
A nosso juízo, cidadania é direito fundamental. Assim é reconhecida pelo Direito Internacional, em seus documentos fundamentais, como a Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Organização das Nações Unidas, de 1948 18, sendo considerada ilícito internacional a desnacionalização abusiva 19.
Pelo Princípio da Interdependência dos Direitos Fundamentais, é sabido que estes, ainda que didaticamente classificados em gerações ou dimensões, ou por suas naturezas – direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais -, são interdependentes. Vale dizer: a realização dos direitos fundamentais de qualquer geração, dimensão ou categoria depende da realização dos direitos das demais gerações, dimensões ou categorias.
Decorrência do Princípio da Interdependência é o Princípio da Indivisibilidade dos Direitos fundamentais, portanto. E, em se tratando de direito como a cidadania – ou nacionalidade -, que é o vínculo jurídico que se constitui em pré-requisito indispensável ao gozo de quaisquer dos demais direitos, de quaisquer gerações, resta ainda mais clara a veracidade do postulado.
Com efeito, ausente o vínculo fundamental da cidadania, a relação jurídica entre o indivíduo e o Estado não se aperfeiçoa, razão pela qual resta impossível o exercício de qualquer direito, ainda que os mais elementares direitos civis e políticos.
6. REGIME JURÍDICO DA CIDADANIA ITALIANA. ATRIBUIÇÃO E CAUSAS IMPEDIENTES AO RECONHECIMENTO
O regime jurídico impresso pela Lei n. 91/92 ao direito de nacionalidade italiano é, conforme já assinalado precedentemente, misto, sendo predominantemente genético – cidadania jure sanguinis -, e subsidiariamente territorial – cidadania jure soli -.
Com efeito, o art. 1º, primeira parte, alínea "a" da referida lei define como cidadão italiano nato "o filho de pai ou mãe cidadãos".
O mesmo artigo, no mesmo item, alíena "b", assim como na parte 2, prevê as hipóteses subsidiárias, a saber, o nascido no território italiano na hipótese de genitores ignorados ou apátridas, o nascido no território italiano que, conforme a lei do Estado ao qual pertencem os pais, não recebe a cidadania do Estado destes e, ainda, o filho de pais desconhecidos encontrado no território italiano, sem que se prove o direito a outra cidadania.
Nos interessa no presente estudo exclusivamente a primeira hipótese, a saber, a cidadania italiana jure sanguinis, sobre cujo regime jurídico deitaremos os comentários a seguir expendidos.
REGRA GERAL DE IMPUTAÇÃO DE CIDADANIA:
Por todo o visto até o momento, regra geral, reputa-se italiano o filho de italianos, sendo desimportante o local em que tenha nascido. Esclareça-se mais: trata-se de cidadania originária, que aperfeiçoa-se pelo simples nascimento de pais com tal cidadania, independentemente de vontade ou mesmo consciência do fato.
Assim sendo, os filhos de um casal de imigrantes italianos nasceram italianos, ainda que não o quisessem ou não o soubessem, observadas as exceções adiante abordadas. E, desta forma, titularizando a condição de cidadãos, trasmitem, por sua vez, a cidadania dos pais a seus filhos (segunda geração), netos, por sua vez, dos imigrantes. Esta geração, por sua vez, não sobrevindo nenhum fato jurídico que impossibilite a transmissão, continuarão a transmitir às gerações sucessivas a cidadania de seus antepassados, sucessiva e ilimitadamente.
A cidadania italiana jure sanguinis não depende de consentimento, vontade, consciência ou número de gerações. Havendo ascendência italiana e não se verificando causas impedientes do reconhecimento ou da transmissão, as quais serão vistas a seguir, toda a cadeia de descendentes reputa-se italiano nato.
Assim, filhos, netos, bisnetos, trisnetos, tataranetos e outros descendentes em linha reta de imigrantes, ilimitadamente, podem, potencialmente, ostentar a cidadania. Uma vez esclarecida a regra-geral de imputação da cidadania italiana, vejamos as causas obstativas à posse e transmissão da cidadania no passo seguinte.
CAUSAS IMPEDIENTES À IMPUTAÇÃO DA CIDADANIA: GEOGRÁFICAS, VOLUNTÁRIAS E DE GÊNERO
Com finalidade didática, diversas causas legalmente previstas pelo ordenamento jurídico peninsular como impedientes ao reconhecimento da cidadania italiana, classificamo-as em três grupos. Vejamo-los mais detidamente.
1) Geográficas ou territoriais:
A unificação territorial da Itália como a conhecemos hoje foi bastante tardia, tendo-se verificado mesmo as últimas anexações no início do Século XX (Trentino-Alto Ádige), e tendo havido mesmo cessões de território ainda mais recentes à ex-Jugoslávia.
A pertinência ou não de determinado território à República Italiana no momento da imigração é, evidentemente, fator com reflexos imediatos na cidadania do imigrante e, por conseqüência, de sua descendência.
Assim, caso a imigração tenha se verificado anteriormente à anexação da determinado território, em princípio não haveria que se falar em cidadania italiana, vez que as populações de tais territórios estariam vinculadas juridicamente a outros Estados, e não ao italiano – poder-se-ia, eventualmente, possuir outra cidadania -.
Este é o caso dos territórios pertencentes ao antigo Império Áustro-Húngaro, especialmente os da atual Região do Vêneto, no norte da Itália, anexados somente em 22.10.1866, e os da atual Região de Trentino-Alto Ádige, também do norte, anexados ainda mais recentemente, em 10.09.1919.
Assim, pelo regime da legislação precedente e, inclusive, da vigente normativa da cidadania, a pluricitada Lei n. 91/92, os indivíduos que tenham emigrado de tais territórios antes de sua anexação à Itália não possuiriam a cidadania italiana. Por conseguinte, como decorrência lógica de tal fato, seus descendentes não teriam recebido a cidadania, não havendo falar em cidadania italian jure sanguinis no caso.
Ocorre que a questão de fronteiras na Europa nunca foi simples, bem definida ou estável. Outrossim, como já visto, é comum, ainda hoje, minorias étnicas e linguísticas em quase todas as fronteiras: assim verifica-se a presença de minorias austríaca e alemã no Trentino-Alto Ádige, a presença de minoria francesa na Região do Piemonte, a minoria italiana na Suíça, e assim sucessivamente.
E, embora distingamos cidadania de nacionalidade, pelas razões expostas logo no início do presente ensaio, ambos afetam-se reciprocamente, encontrando-se intimamente relacionados.
Deste modo, a Lei nº 379, de 14.12.2000, que entrou em vigor em 20.12.2000, previu a possibilidade de descendentes das pessoas enquadradas na situação supra – residentes em territórios pertencentes ao Império Austo-húngaro emigradas antes da anexação com a Itália -, fazerem opção pela cidadania italiana, preenchidos os requisitos legais, dentre os quais, comprovação de pertinência ao tronco étnico-linguístico italiano.
Tal possibilidade de opção vigorou até 20.12.2005, eis que o referido diploma legal previu um prazo de cinco anos para a formalização da opção. A recente Lei n. 51, de 23.02.2006 prorrogou tal prazo pelo período de mais cinco (05) anos tal prazo, reabrindo a possibilidade de reconhecimento durante tal lapso.
2) Voluntárias: Naturalização até 16.08.1992.
Anteriormente à entrada em vigor da Lei n. 91/92, na República Italiana vigorava o Princípio da Unicidade da Cidadania, segundo o qual a aquisição voluntária de uma cidadania estrangeira implicava na perda automática da cidadania italiana 20.
Assim sendo, a eventual naturalização do imigrante, ou seus descendentes, implicava na perda da cidadania para o mesmo e, por conseqüência, para a prole superveniente.
E, eventualmente, era possível que a perda da cidadania pela naturalização atingisse mesmo a prole já concebida, devido ao Principio della dipendenza delle sorti della cittadinanza del figlio minorenne da quelle del padre, ou seja, princípio de dependência da cidadania do filho menor à do pai, segundo a qual a cidadania dos filhos menores seguia os rumos da cidadania do pai e, portanto, se este viesse a perder sua cidadania, os filhos menores, ainda que concebidos anteriormente à naturalização, no caso em exame, também a perderiam.
Mas filhos havidos anteriormente à naturalização mantém a cidadania em não sendo menores, ou em sendo emancipados quando da naturalização, ou ainda, em não residindo com o genitor exercente do poder familiar ou, por fim, quando não ostentassem outra cidadania (art. 12 da Lei n. 555/12).
Em não havendo naturalização – maioria dos casos -, não há falar em perda da cidadania e, por conseguinte, esta terá sido transmitida às gerações posteriores, ilimitadamente.
3) De gênero: descendentes de mulher italiana até 01.01.1948.
A Lei n. 555 de 1912, antiga lei orgânica da cidadania, previa que somente o varão era apto a transmiti-la (art. 1, item 1), sendo que a transmissão da cidadania pelo cônjuge virago somente verificava-se excepcionalmente (art. 1, item 2).
A Constituição Italiana de 1947 estabeleceu a igualdade jurídica e moral entre entre cônjuges (art. 29). Em 1983, os Tribunais de Menores de Florença e Milão suscitaram incidentes de inconstitucionalidade de determinados dispositivos legais, em particular daqueles que restringiam a transmissão da cidadania italiana aos pais, por violadores do preceito constitucional retro-mencionado.
A Corte Constitucional, ao julgar a argüição, declarou a inconstitucionalidade dos dispositivos discriminatórios, especialmente do art. 1, item 1, da Lei n. 555/1912, através da Sentença n. 30, de 28.01.1983. Não se pronunciou, no entanto, sobre o momento a partir do qual a norma tornara-se inconstitucional.
A Corte de Cassação, órgão jurisdicional cuja competência é, dentre outras, aquela de uniformização jurisprudencial na República Italiana, instada sobre o tema, pronunciou-se no sentido de que a norma insculpida no art. 1, item 1, da Lei n. 555/12 somente era inconstitucional – ou seja, reputava-se não-recepcionada - a partir da entrada em vigor da nova Carta Constitucional, ou seja, 01.01.1948 (Sentença n. 12.091 de 1998).
Assim sendo, decidiu expressamente que as situações jurídicas consolidadas anteriormente deveriam continuar a reger-se pelo direito anterior. Vale dizer: os filhos nascidos apenas de mãe italiana, e de pai de outra nacionalidade, até 31.12.1947 não ostentariam a cidadania italiana 21.
Deste modo, a perplexidade tomou conta dos envolvidos: com efeito, diversas famílias possuíam, entre irmãos, alguns que ostentavam a cidadania, e outros que não a ostentavam, apenas com base no fato, aleatório, de suas datas de nascimento.
Os efeitos de tal decisão verificam-se na atualidade, sendo que, entre descendentes de uma mesma união e de um tronco comum, alguns possuem a cidadania 22, outros não, fruto de um direito discriminatório dotado de ultratividade, razão que nos lança às reflexões expendidas no item sucessivo.