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Imprevisão. Contratos de execução continuada ou diferida. Contrato bilateral. Onerosidade Excessiva

Agenda 18/07/2020 às 16:09

A adoção da teoria da imprevisão no direito positivo e sua importância em razão da pandemia. Seu campo de atuação em razão das alterações da situação econômico ao tempo da contratação e sua execução. A interpretação que reclama se socorro à razoabilidade.

O individualismo que informou a sociedade romana não se preocupou com esse estado de coisas, e somente na Idade Média, por obra dos canonistas é que se formula a cláusula rebus sic stantibus, que se tinha como presente nos contratos de duração e de execução diferida visando temperar a força obrigatória dos contratos, que impõe o seu fiel cumprimento. O poder vinculante decorrente da força obrigatória do contrato (pacta sunt servanda) ficava subordinada à manutenção ou continuação do estado de fato vigente ao tempo da contratação. Se o estado de fato alterava-se, gerando situação imprevisível ao tempo da celebração, admitia-se a desvinculação, por parte daquele que fosse atingido, tornando o cumprimento da obrigação excessivamente majorada. Inicialmente veio baseada na presença de cláusula resolutiva implícita e na mudança do estado de fato que presidiu a formação do vínculo.

Houve evolução natural com a adição do elemento imprevisibilidade, a impossibilidade de se prever a mudança do ambiente econômico, do estado de fato que cercou o ajuste. Esse o caminho da teoria da imprevisão. O individualismo que continuou a grassar na sociedade humana e tão presente no Código Civil brasileiro de 1916 contribuiu para que a teoria fosse esquecida, retornado, no entanto no século XX.

A Primeira Guerra Mundial trouxe significativos desequilíbrios na economia dos contratos, alcançando a economia em geral, resultando dos reflexos na vida social, e “passado o esplendor individualista, que foi o século XIX, convenceu-se o jurista de que a economia do contrato não pode se confiada ao puro jogo das competições particulares.”. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições de Direito Civil (Contratos), v.3, pág. 161, nº 216. No mesmo sentido: Carlos Alberto Bittar, A Teoria da Imprevisão: evolução e contornos atuais, In Contornos Atuais da Teoria dos Contratos, pág. 100)

Nos dias que atuais, em que a pandemia atinge toda sociedade humana, nos diversos continentes, sem fazer distinção do grau de saúde das economias dos Estados, é de bom alvitre que o jurista debruce sobre o tema em razão dos reflexos significativos e imprevisíveis trazidos para o ambiente econômico, que afeta de perto o cumprimento dos contratos, e que passa a exigir do intérprete e aplicador da lei muita sensibilidade e dose de equidade, assentado na razoabilidade, tendo em vista o indivíduo situado, e não abstratamente considerado, um dos princípios que informa o direito obrigacional no direito pátrio. O princípio da concretude, que autoriza a solução para o caso concreto veio com o Projeto de Código Civil.  MIGUEL REALE, pondera que “não interessa ao jurista o indivíduo isolado, como pura abstração, mas sim, repito, o homem situado, o integrado na sua circunstância. O ensinamento de Ortega y Gasset, Eu sou eu e a minha circunstância, é válida, também, para o jurista”. (Estudos de Filosofia e Ciência do Direito, pág. 175)

O Código de Processo Civil de 2015, no art. 8º determina que o juiz na aplicação do ordenamento jurídico deve atender aos fins sociais e às exigências do bem comum, “resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência”.

Repete o que se continha no art. 5º da Lei de Introdução ao Código Civil de 1916, e que consta do art. 5º da Lei de Introdução às Normas do Direito Privado Brasileiro, no que diz respeito aos fins sociais e às exigências do bem comum. É certo que o dispositivo em questão já contemplava o logos do razoável. LUIZ RECASENS SICHES advertiu que a lógica formal não esgota a totalidade do logos, da Razão, sendo apenas um setor ou província. E é nessas outras zonas ou regiões que se encontra o logos dos problemas humanos de conduta prática, que é o denominado logos do razoável. (Luiz Recasens Siches, apud Alípio Silveira, Hermenêutica Jurídica, vol. 1, pág. 168)

Por isso a lógica jurídica é a lógica do razoável, e ela conduz à decisão adequada ao caso concreto, não sendo possível dispensar o conteúdo existencial, porque ele se instaura em torno de um problema concreto. Em outras palavras: a solução se faz para o caso concreto.

Antes da Primeira Guerra Mundial que afetou as relações econômicas, em 1906, a Itália foi agitada pela questão das indenizações securitárias dos incêndios provocados pelo terremoto, em Messina e Reggio di Calabria. Em que pese a regra insculpida no art. 1.123, do Código Civil italiano de 1865, que estatuía a força obrigatória do contrato, não impediu que as seguradoras fossem eximidas do pagamento do prêmio no caso dos incêndios. E é na Itália que se tem o primeiro texto disciplinando objetivamente a questão (Decreto- lei n° 739, de 25 de maio de 1925) O art. 1º estatuía: “Para todos os efeitos do art. 1.226 do CC, a guerra é considerada como caso de força maior, para exonerar o devedor das responsabilidades decorreres dos contratos celebrados antes do decreto de mobilização geral, não só quando torne possível a prestação, mas também quando acarrete excessiva onerosidade”. O Código Civil de 1942, em que pese adotar o princípio da força obrigatória, no art. 1.372, permite a revisão no art. 1.467. (Francesco Messineo, Dottrina Generale del Contrato, pág. 501)

Na Inglaterra a questão levada aos tribunais envolveu a controvérsia dos “casos das localidades da coroação” – coronatio nat cases. A coroação de Eduardo VII levou à locação de balcões, janelas, terraços, etc. a preços altíssimos, de onde o locatário poderia assistir ao cortejo real. Com a doença do monarca a coroação foi adiada, o que levou à revisão dos contratos, concluindo os tribunais que  os locatários estavam dispensados do pagamento dos aluguéis, a despeito de terem os lugares ficado à sua disposição. (Darcy Bessone, Contratos cit., pág. 227)

A imprevisão mereceu repúdio inicialmente da Corte de Cassação na França. O art. 1.134 do Code Napoléon edita que “Las conventions  légalement formées tiennent lieu à ceux qui les ons faits..” O dispositivo revela a força obrigatória dos contratos, e o entendimento era no sentido da aplicação do contrato segundo ao vontade claramente exprimida pelas partes, partindo da al. 3 do art. 1.134, que fazia referência à boa-fé na execução do contrato. (Pierre Voirin, Manuel de Droit Civil, pág. 412, nº 859) O jurista observa que o legislador interveio e organizou a revisão das cláusulas dos contratos, buscando adaptar à situação econômica nova. (Manuel de Droit Civil, pág. 412, nº 859)

E na Alemanha, em que pese o silêncio do Código Civil, a tese revisionista passou a ser admitida com apoio na teoria da falta ou perda da base negocial. (Marco Aurelio S. Viana, Curso cit. (Contratos), pág. 127)

O Código Civil colombiano não consagrou de maneira direta e positiva a teoria da imprevisão e suas consequências. Muito ao contrário haveria obstáculo no art. 1.602 que dispõe ser o contrato legalmente celebrado lei para os contratantes e não pode ser invalidado senão por mútuo consentimento, ou por causas legais. Mas se tem pretendido que ela é admitida implicitamente, como se dá com o art. 1.603 do diploma civil, que determina que a boa-fé presida a execução dos contratos. Os juízes colombiano, alheios à construções teórica de alguns países estrangeiros e indiferentes às fórmulas de interpretação, têm negado a criar a figura da imprevisão por via jurisprudencial, e preferem seguir os rígidos modelos subjetivistas do art. 1.602. (Antonio da La Vela Vélez, Bases del Derecho de Obligaciones, pág. 204/2015)

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No direito argentino a redação do art. 1198, do Código Civil, permite a resolução de contrato bilateral, comutativo e unilaterais onerosos e comutativos de execução diferida ou continuada, se a prestação a cargo de uma das partes se torna excessivamente onerosa, em razão de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. O mesmo princípio tem aplicação aos contratos aleatórios quando a excessiva onerosidade é produto de causas estranhas ao risco próprio do contrato. A doutrina aponta que a excessiva onerosidade deve ser derivada de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis, e exemplifica com uma guerra, uma revolução, una inflação não se tinha como prever.  E adverte que o prejudicado não pode ter obrado com culpa ou estar em mora, porque o acontecimento, que produz o desequilíbrio de contraprestações foi posterior à mora do devedor, ele não pode pretender se eximir de um prejuízo que não sofreria se houvesse cumprido cabalmente suas obrigações. (Guillermo A. Borda, Manual de Obligaciones, pág. 95/96)

O Código Civil português permite a resolução ou modificação o contrato por alteração das circunstâncias. O art. 437º, 1,  cuida das condições de admissibilidade dispondo que “se as circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar tiverem sofrido uma alteração anormal, tem a parte lesada direito à resolução do contrato, ou à modificação dele segundo juízos de equidade, desde que a exigência das obrigações pro ela assumidas afecte gravemente os princípios da boa-fé e não esteja coberta pelos riscos próprios do contrato”. A doutrina entende que “haja alteração anormal das circunstâncias em que as partes tenham fundado a decisão de contratar”. Esclarece, ainda, que a lei não exige que a alteração seja imprevisível, ao contrário do que faz o Código italiano, mas que “o requisito da anormalidade conduzirá praticamente quase ao mesmo resultado (cfr. a ano. de Vaz Serra ao acórdão do S.T.J, de 17 de fevereiro de 1980, na Ver. De Leg. E de Jur., ano 113º, págs. 306 e segs.)”. (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, pág. 412)

O exame do direito comparado permite concluir que alguns Códigos adotam a teoria da imprevisão, outros não o fazem, mas legislação ordinária permite sua incidência nas relações que disciplina, e que a jurisprudência caminhou nesse sentido em vários países.

O Código Civil de 1916 não acolheu a revisão, o que se explica pelo cunho individualista que o alimentou. Havia divergência doutrinária a respeito do tema. Em estudo a respeito do contrato de construção apontei esse ponto no que dizia respeito à sua aplicação fora da incorporação imobiliária. Uma corrente admitia sua incidência, como está em HELY LOPES MEIRELLES, SILVIO RODRIGUES, CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA, SERPA LOPES. (Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias, pág. 114) Outros doutrinadores não a acolhiam, como CARVALHO DE MENDONÇA, WASHINGTONDE BARROS MONTEIRO e RUBENS AGUIAR MAGALHÃES. No território das incorporações imobiliárias CAIO MARIO DA SILVA PEREIRA não a admitia fora de acordo expresso, entendimento esposado por ZOLA FLOREZANO. (Marco Aurelio S. Viana, Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias, pág. 114)

A jurisprudência admitia a aplicação da cláusula rebus sic stantibus nos contratos de construção, exceção feita àqueles pertinentes às incorporações imobiliárias e às empreitadas a prazo breve. (RE 75.111, rel. Min. Aliomar Baleeiro) Esse entendimento era seguido pelos tribunais regionais. (Marco Aurelio S. Viana, A Empreitada de Construção nas Decisões dos Tribunais, pág. 78, nº 12)

Naquela oportunidade refutei o entendimento que não admitia a aplicação na empreitada a preço fixo, na órbita da incorporação imobiliária, também, ao argumento segundo o qual em regime de estável não se justificava que o construtor assumisse sozinho os efeitos da presença de fatos imprevisíveis, no momento da celebração do contrato, quando a imprevisão era admitida fora do território da lei especial.  Sustentei que cabia ao juiz, no exame do caso concreto, apurar a ocorrência de elementos que levassem a concluir que a onerosidade era fruto de fatos imprevisíveis, extraordinários, que o construtor não tinha como prever no momento da contratação, sob pena de ofensa a equidade. (Marco Aurelio S. Viana, A Empreitada de Construção cit., pág. 86)

Em que pese a divergência doutrinária e a distinção levada a efeito pela jurisprudência, fato é que a legislação extravagante acolhia a imprevisão, o que se apura com a crise econômica dos ano de 1930. Surgem medidas de emergência para atender ao panorama criado pela crise citada. É o que se apura como Decreto nº 19.573/31, que se refere à cláusula rebus sic stantibus na sua exposição de motivos. Permitiu-se, então, a rescisão de locação de funcionário público ou militar, no caso de remoção ou redução dos seus vencimentos; a Lei de luvas, Decreto nº 24.150/34, que acolhe a teoria da imprevisão no art. 31. (Darcy Bessone, Do Contrato cit., pág. 286) No território das relações de consumo, a Lei nº 8.078/1990, o denominado Código de Defesa do Consumidor admite a revisão contratual, dizendo no inciso V, do art. 6º, que “a modificação das cláusulas contratuais que estabeleçam prestações desproporcionais ou sua revisão em razão de fatos supervenientes que as tornem excessivamente onerosas”.

Na jurisprudência a resistência dos tribunais é vencida pelo então juiz Nelson Hungria, em julgado de 1930 (RF 100/178), que admitiu e reconheceu a interrupção do contrato por motivo superveniente. A jurisprudência constrói-se a partir da primeira instância, e a cultura do juiz é fundamental para a evolução. Em seguida, as Súmulas 324, 490 e 562 do Supremo Tribunal Federal acolhem a teoria. A jurisprudência, como regra, admite a imprevisão. (Arnoldo Wald, Obrigações e contratos, pág. 210)

O Anteprojeto de Código de Obrigações, de 1941, da lavra de Orosimbo Nonato, Philadelpho Azevedo e Hahnemann Guimarães, contemplava, no art. 322, da teoria da imprevisão. Também naquele apresentado por Caio Mário da Silva Pereira, em 1963, nos arts. 358 a 361, presente o instituto, que se aplicaria aos contratos de execução diferida ou sucessiva. O Projeto de Código Civil de 1977  acolheu a matéria nos artigos 477 a 479.

No plano interno o caminho estava sedimentado e propício para que a teoria fosse contemplada em texto legal, o que efetivamente se deu com o Código Civil de 2002, arts. 478 a 479.  A adoção tem inspiração na equidade e permite que se estabeleça justo equilíbrio entre os contratantes. (Filadelfo Azevedo , In RT, 307/179)

O Código Civil, arts. 478 a 480 disciplina a resolução do contrato por onerosidade excessiva.

A resolução é admitida nos contratos de execução continuada ou diferida. No direito português, o Código Civil não faz a distinção. (art. 437, I) A doutrina, na interpretação do dispositivo legal, admite a incidência em qualquer espécie contratual. Dentro dessa linha não se exige que as prestações sejam correspectivas, admitindo-se que o contrato unilateral esteja entre aqueles aos quais se aplica a teoria da imprevisão. (Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil cit., pág. 413; Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, pág. 271)

No mesmo sentido o direito argentino, art. 1.198 do Código Civil.

A meu ver a equidade permite que, no caso concreto, a aplicação se faça sempre e independentemente da espécie de contrato, desde que não seja de execução imediata, e alguma das prestações deva ser realizada no futuro. Na verdade o que justifica a incidência da norma é o desequilíbrio na economia do contrato que pode alcançar contrato bilateral, por exemplo, quando a prestação de uma das partes é para ser cumprida no futuro, e isso se dá em momento ela se torna excessivamente onerosa em razão de fato extraordinário e imprevisível, como se dá, atualmente, com os efeitos da pandemia.

A resolução é admitida quando a prestação se tornar excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra para a outra parte, e que isso decorra de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. (art. 478, do CC)

Não é bastante que a prestação se faça onerosa, mas que seja excessivamente onerosa. O excesso é que justifica a incidência da regra legal. É de se apurar o ambiente econômico ao tempo da contratação e promover a comparação com o que se apresenta no momento da execução.  Quando da vinculação o estado das coisas era um, e no momento da execução houve uma mudança nas circunstâncias de tal monta que a prestação se torne excessivamente onerosa sob o ponto de vista econômico, levando a uma prestação completamente distinta daquela originariamente pensada. (Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações cit., pág. 266)

Um dos contratantes experimenta empobrecimento em razão da onerosidade excessiva, o que permite uma vantagem para o outro, que se enriquece em razão do benefício exagerado, ferindo a economia do contrato.  É de se apurar a presença da excessiva onerosidade e a extrema vantagem, o que não significa que se deva exigir a ruína econômica de uma das partes, mas que o cumprimento da prestação, em decorrência da modificação quantitativa, faça-se tão vultosa que impõe sacrifício econômico para ser atendida. (Orlando Gomes, Contratos, nº20) A economia do contrato não reflete mais o equilíbrio necessário entre a posição das partes, que decorre do fato imprevisível. (Carlos Alberto Bittar, A Intervenção Estatal na Economia Contratual e a Teoria da Imprevisão, pág. 37)

Além da onerosidade excessiva mister a extrema vantagem para a outra parte. Em que pese ser a vantagem  regra em matéria negocial, ocorre uma quebra de equilíbrio, que se estabelecera originariamente e que não pode ser tolerada, porque torna penosa a situação da parte prejudicada, impondo-lhe sacrifício econômico e alterando de forma extrema o benefício perseguido pelo outro contratante, que escapa dos parâmetros de normalidade, que informaram as circunstâncias que cercaram a vontade dos contratantes. O justo para o caso concreto reclama a utilização da equidade, que ameniza o rigor da lei, levando à justiça ideal, impedindo que o rigor da lei se torne em atendado ao próprio direito: ”summum ius, summa iniuria”. (Caio Mário da Silva Pereira, Instituições cit.,, vol. I, pág.76, nº 13

A prestação de uma das partes se torna excessivamente onerosa, com extrema vantagem para a outra, como decorrência de acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. O Código Civil italiano fala, igualmente, em acontecimentos extraordinários e imprevisíveis. (art. 1.467) A doutrina ensina que acontecimento extraordinário é aquele que não é normal se verificar e que a parte não podia imaginar no momento da celebração do contrato, levando à imprevisibilidade do evento. (Messineo, Dotrrina Generale cit., pág. 503) No mesmo sentido, no direito pátrio, entende ORLANDO GOMES, que incidem circunstâncias extraordinárias que determinam radical alteração no estado de fato contemporâneo à celebração. (Contratos cit., nº 20)

O prejudicado não pode estar em mora, porque se o acontecimento, que produz o desequilíbrio de contraprestações foi posterior à mora do devedor, ele não é saudável pretender se eximir de um prejuízo que não sofreria se houvesse cumprido cabalmente suas obrigações. É o entendimento da doutrina no direito argentino, como ficou dito no estudo do direito comparado, que pode orientar a solução no direito pátrio.

O prejudicado deve ir ao Judiciário para obter a resolução do contrato, viabilizando sua liberação, não lhe sendo possível romper unilateralmente o ajuste. Aquilo que foi pago antes do ingresso em juízo, não é alcançado pela sentença, porque houve pagamento espontâneo. Somente o que foi recebido ou dado na pendência da lide será modificado na execução da sentença que acolher a pretensão relativa ao reconhecimento da onerosidade excessiva. Na parte final do art. 478, do CC, consta que “os efeitos da sentença que a decretar retroagirão à data da citação”.

O art. 479, do CC faculta ao réu oferecer modificação equitativa das condições do contrato para afastar a resolução. É o que se tem no direito português, como visto. Há um juízo de equidade, que se analisa objetivamente, permitindo que se recomponha o equilíbrio contratual. O réu demonstrará objetivamente que a modificação que é oferecida é realmente capaz de modificar equitativamente as condições do contrato. Se a proposta não for aceita, cabe ao juiz definir pela resolução, ou manter o contrato com as modificações propostas.

O art. 480, do CC dispõe a respeito de contrato em que as obrigações caibam a apenas uma das partes e assegura a ela pleitear redução ou  alterado o modo de executá-la, com o fim de evitar a onerosidade excessiva. PAULO NADER entende que a dicção do artigo em exame é aplicável aos contratos unilaterais. (Curso de Direito Civil (Contratos), v. 3, pág. 188)

Em razão da pandemia, que afeta profundamente a economia mundial, muitos contratos celebrados antes do evento, em ambiente econômico diferente do que atualmente se apresenta, ficarão sujeitos à resolução com fundamento na onerosidade excessiva. Não se pode negar que se cuida de acontecimento extraordinário e imprevisível, porque ninguém teria como supor que um fato dessa natureza e alcance se colocaria como ocorreu. Já os ajustes firmados durante a pandemia não podem gozar do mesmo tratamento porque foram concretizados em clima econômico já desgastado, sem nenhuma certeza ou possibilidade de solução em curto prazo.

Sempre a busca da conciliação é o melhor caminho, evitando-se a busca do Judiciário para dirimir o conflito de interesses.

Se não for possível a solução amigável a interpretação e aplicação das regras pertinentes à onerosidade excessiva passa a ser atribuição do juiz. É de atentar que a solução se faz para o caso concreto, em função do indivíduo situado, firme na equidade e na razoabilidade, o que se permite a teor do art. 8º, do CPC, e o art. 5º da Lei de Introdução às Normas de Direito Privado. (nº 1, supra)

As ferramentas legais que permitem adotar o caminho indicado existem e devem ser manejadas, porque somente assim se faz justiça para o caso concreto.

Bibliografia:

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BITTAR. Carlos Alberto. A Intervenção Estatal na Economia Contratual e a Teoria da Imprevisão, In Contornos Atuais da Teoria dos Contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, coord. Carlos Alberto Bittar.

BITTAR FILHO, Carlos Alberto. A Teoria da Imprevisão: Evolução e Contornos Atuais, Contornos Atuais da Teoria dos Contratos. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1993, coord. Carlos Alberto Bittar.

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WALD, Arnoldo. Obrigações e Contratos.  11ª. ed., São Paulo: Revista dos Tribunais.1994.

VÉLEZ, Antonio de la Veja. Bases del Derecho de Obligaciones. 3ª. Ed., Bogotá: Editorial Temis, 1978.

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_____________________A Empreitada de Construção nas Decisões dos Tribunais. São Paulo: Saraiva,1980.

_____________________Manual do Condomínio e das Incorporações Imobiliárias. 2ª. ed., São Paulo: Saraiva, 1982.

VOIRIN, Pierre. Manuel Droit Civil. 23ª. ed.. Paris:  L.G.D.J., 1991, par Gilles Goubeaux.

 

 

 

 

Sobre o autor
Marco Aurelio S. Viana

Doutor em Direito Civil pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Jurista com mais de 40 livros publicados sobre todos os temas do Direito Civil. Realiza palestras e conferências em todo o Brasil. Como advogado, atua no contencioso, bem como elaborando pareceres, consultas presenciais e virtuais, prestando assessoria e consultoria em todas as áreas do Direito Civil, com mais de quatro décadas de experiência.

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