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(In)Eficácia das Medidas Protetivas da Lei nº 11.340/2006 na prevenção do feminicídio

Agenda 21/07/2020 às 21:11

O presente artigo analisa as medidas protetivas da Lei nº 11.340/06, seu histórico, conceito, as espécies previstas na lei, características,e as que são mais comumente utilizadas.Questiona a eficácia de tais medidas na prevenção dos crimes de feminicídio.

RESUMO

           O presente artigo analisa as medidas protetivas da Lei nº 11.340/2006, seu histórico, conceito, as espécies previstas na lei, características, e as que são mais comumente utilizadas. Questiona a eficácia de tais medidas na prevenção dos crimes de feminicídio. Para isso, colhese a opinião de operadores do Direito a respeito do assunto, a fim de se concluir pela eficácia das medidas protetivas. 

Palavras-chave: Artigo Científico. Medida protetiva. Eficácia. Feminicídio.

SUMÁRIO

Introdução. 1 Medida protetiva 1.1 Origem 1.2 Conceito 1.3 Espécies de medidas protetivas 1.3 Medidas protetivas mais comuns 2 Medida protetiva tem sido eficaz para inibir os crimes de feminicídio? 2.1 Opiniões dos operadores entrevistados 2.1.1 Pontos de dissenso 2.1.2 Pontos de consenso 3 As deficiências e funcionalidades das medidas 4 Aprimoramento das medidas Considerações Finais Referências

INTRODUÇÃO

           O feminicídio, caracterizado como homicídio praticado contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, previsto no artigo 121, § 2°, inciso VI, do Código Penal, é tema que tem ganhado repercussão nos dias atuais, em razão de frequente ocorrência no cenário brasileiro noticiada pela mídia.

           Diante de tais fatos, é gerado um questionamento acerca da eficiência da Lei Maria da Penha (Lei nº 11.340/2006), vigente no país, criada com o intuito de impedir e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher - sendo esta uma das hipóteses do crime de feminicídio, conforme artigo 121, § 2º-A, inciso I, do Código Penal - mais especificamente, acerca da eficiência das medidas protetivas trazidas pela mencionada Lei, tais como se as mulheres estão sendo verdadeiramente protegidas, e onde reside o problema, se presente na Lei 4 nº 11.340/2006, se reside na aplicação deficiente da Lei, ou se os mecanismos existentes para combater tais condutas não mais se revelam suficientes, sendo necessário buscar novas soluções, para além do Direito.

           Assim, para melhor compreender acerca das medidas protetivas, o primeiro capítulo deste artigo realiza um breve histórico a respeito da Lei nº 11.340/2006, que é o diploma legal que prevê as medidas protetivas, e traz o conceito, as espécies existentes e quais são as mais comuns.

          No segundo capítulo são apresentadas as opiniões de operadores jurídicos que atuam no âmbito do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher e na Vara do Tribunal do Júri em relação a eficiência das medidas protetivas no combate ao crime de feminicídio, analisados os pontos de dissenso e consenso entre as opiniões.

          O terceiro capítulo aborda as deficiências e funcionalidades das medidas protetivas, tais como a aproximação da vítima com o agressor durante a vigência destas ou a revogação devido ao chamado ciclo da violência, a estrutura de atendimento às vítimas ser insuficiente para a demanda etc.

            E por fim, no quarto capítulo são apresentadas maneiras de aprimorar as medidas protetivas, tais como o investimento na educação de crianças, para que estas aprendam desde cedo a equidade de gênero entre homens e mulheres, e esse ensinamento seja repassado de geração em geração; educação das famílias, através de campanhas simples e rápidas transmitidas por meio de redes sociais muito utilizadas no cotidiano, ou até mesmo, como pano de fundo de novelas, que possuem alta audiência etc.

           A metodologia adotada quanto ao tipo de pesquisa do presente artigo é bibliográfica, haja vista a utilização de doutrina, legislação e jurisprudência e ainda, há pesquisa de campo, em que há entrevista a 3 operadores jurídicos atuantes nas temáticas de violência doméstica e feminicídio. 

1 MEDIDA PROTETIVA

        As medidas protetivas, disciplinadas na Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, constituem um meio para prevenção e impedimento da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, conforme o artigo 1º, da Lei nº 11.340/2006.

         As medidas protetivas de urgência, previstas nos artigos 18 a 24 da Lei nº 11.340/2006, e a criação dos juizados especializados de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher são considerados as principais inovações da Lei Maria da Penha, tendo em vista que anteriormente à entrada da Lei nº 11.340/2006, o magistrado encontrava-se muito limitado em sua tentativa de proteção da mulher,2 em razão da maioria dos atos de violência praticados contra esta, tais como ameaças, lesões corporais, perturbação da tranquilidade dentre outros, serem de competência dos Juizados Especiais Criminais, onde aplica-se a Lei nº 9.099/1995, que traz em seu bojo o objetivo da conciliação, a qual dificulta o atendimento da mulher em suas necessidades psicossociais.

         Além disso, a Lei nº 9.099/1995 praticamente impedia a prisão em flagrante do agressor, enquanto a Lei Maria da Penha fortaleceu a possibilidade da prisão preventiva, independentemente dos motivos gerais previstos no Código de Processo Penal (CPP), inclusive para assegurar a eficácia das medidas protetivas de urgência.

       As medidas protetivas possibilitaram ampliar o alcance de proteção da mulher, expandindo o sistema de prevenção e combate à violência, e fornecer ao juiz uma margem de atuação para que possa decidir por uma ou outra medida protetiva, conforme a necessidade exigida pela situação. Além disso, foi assegurado ao magistrado utilizar-se de dispositivos de variadas áreas do Direito, uma vez que a Lei contempla, na parte referente às medidas protetivas de urgência, instrumentos de caráter civil, trabalhista, previdenciário, administrativo, penal e processual. Por essa razão, diz-se que a Lei Maria da Penha é heterotópica, ou seja, prevê em seu bojo dispositivos de diversas naturezas jurídicas.

           As principais características das medidas protetivas de urgência encontram-se nos artigos 18 a 20 da Lei nº 11.340/2006. Além disso, dividem-se em duas espécies, quais sejam: as que obrigam o autor da agressão, previstas no artigo 22 e as que são dirigidas à proteção da vítima e seus dependentes, previstas nos artigos 23 e 24.

1.1 Origem

        As mortes violentas de mulheres por razões de gênero, hoje denominadas como feminicídios, representam um fenômeno global, sendo toleradas por parte de governos e da própria sociedade, cujos costumes e tradições consideram natural, sob a justificativa de constituírem práticas pedagógicas atribuídas aos homens de punição das mulheres da família ou o tratamento das mulheres como objetos sexuais e descartáveis.

        Segundo Diana Russel, socióloga e feminista anglo-saxã, a dominação patriarcal configura-se como o panorama capaz de explicar a situação estrutural de desigualdade que inferioriza e subordina as mulheres aos homens, nutre os sentimentos de controle e posse sobre o corpo feminino, e justifica o sentimento de menosprezo pela condição social feminina, sendo tais sentimentos a causa dessas mortes.

             Foi a atuação de movimentos de mulheres e feministas, em contextos nacionais e internacional, a partir dos anos 1980, que contribuiu para que o tema da violência contra as mulheres fosse discutido no âmbito do direito internacional dos direitos humanos. A partir desse momento, as diferentes formas de expressão da violência baseada no gênero ganharam visibilidade, sendo tratadas como problema social e violação aos direitos humanos. Apesar de terem sido registrados significativos avanços nas décadas seguintes nos campos político, legal e social, as mudanças necessárias para uma vivência das mulheres sem violência ainda ocorrem de forma lenta.

         No Brasil, na década de 1980, com a ocorrência de homicídios de mulheres, estes tornaram-se modelo da violência contra elas e ao mesmo tempo a bandeira de luta dos movimentos de mulheres e feministas. As primeiras denúncias realizadas referiam-se ao fato de órgãos de justiça e da sociedade tolerarem crimes que envolviam casais, nomeados como ‘crimes passionais’ e beneficiarem os autores, sob o fundamento de “legítima defesa da honra”.

          A título de exemplo, existe um caso emblemático de crime envolvendo relação íntima de afeto, ocorrido em 30 de dezembro de 1976, na cidade de Búzios, no litoral do Rio de Janeiro, ocasião em que Doca Street assassinou Ângela Diniz, gerando o término de um relacionamento de quatro meses. Segundo depoimentos que foram colhidos à época, Doca era sustentado financeiramente por Ângela e as discussões entre o casal eram frequentes.

           No dia do crime, após uma dessas discussões, Ângela teria exigido que Doca fosse embora de sua casa, fato este gerou inconformismo dele, logo, regressou ao local e a matou. Em outubro de 1979, no julgamento do acusado pelo Tribunal do Júri, a Defesa utilizou o argumento da legítima defesa da honra, sob o fundamento de que o acusado teria sido ultrajado por Ângela, que teria um relacionamento homossexual, hipótese esta que jamais chegou a ser comprovada. Os jurados acolheram o argumento da Defesa e o acusado foi condenado a uma pena de 2 anos de reclusão, com direito ao benefício da suspensão condicional da pena.

          Diante de tal decisão, o Ministério Público e o assistente de acusação quedaram-se inconformados e recorreram, contando com o apoio do movimento de mulheres, que realizou protestos e manifestação na frente do Fórum durante julgamento. Em novembro de 1981, Doca Street foi novamente levado a Júri. A Defesa se utilizou do mesmo argumento da legítima defesa da honra, entretanto a tese da acusação foi acolhida dessa vez pelos jurados e Doca Street foi condenado à pena de 15 anos de reclusão.

          O argumento da “legítima defesa da honra” é exemplo da conivência social e da justiça com esses crimes, que detém sentimento conservador de proteção da família e do casamento, caracterizando o comportando violento como atos isolados na vida do acusado, tendo em vista que geralmente é um homem de caráter ilibado e portador dos melhores atributos na vida privada - é um bom pai, um bom filho etc. - e na vida pública - é trabalhador etc. Consequentemente, o crime era tratado como de natureza íntima, episódico, encerrado no espaço privado, sem representar um perigo para a ordem social, dificultando as tentativas de criminalização e intervenção da justiça.

       Posteriormente, seguindo o movimento internacional, foi registrada significativa mudança na conscientização da sociedade sobre a gravidade dessas situações com crescente denúncia da violência contra as mulheres.

           Desde os anos 1980, e por pouco mais de duas décadas, as iniciativas governamentais objetivadas ao combate da violência contra as mulheres continuaram sendo desenvolvidas de forma segmentada e com baixa institucionalidade, tendo como resultado respostas pouco efetivas e eficazes para prevenção da violência e proteção das mulheres.

         Somente a partir da criação da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres da Presidência da República, em 2003, que o país passou a ter uma Política Nacional de Enfrentamento à Violência contra as Mulheres, com abordagem integral, intersetorial, multidisciplinar, transversal e capilarizada, desenvolvidas de forma articulada e colaborativa entre os poderes da República e os entes federativos.

       A Lei nº 11.340/2006, denominada Lei Maria da Penha, criada com a finalidade de cessar e prevenir a violência doméstica e familiar contra a mulher e sancionada em 7 de agosto de 2006, caracteriza mais um relevante progresso dessa década no que se refere aos direitos das mulheres e um marco das lutas feministas no Brasil, obtendo o reconhecimento das Nações Unidas como uma das legislações mais avançadas do mundo no tratamento dessa matéria.

          O Direito Internacional dos Direitos Humanos vem estabelecendo normas e padrões que inserem obrigações aos Estados de prevenir, investigar, punir e reparar as violações praticadas contra homens e mulheres. Com relação aos direitos humanos das mulheres, a CEDAW (1979) e a Convenção de Belém do Pará (1994) recomendam a incorporação de medidas que promovam os direitos das mulheres, dentre elas, as mudanças legislativas e o cumprimento estrito do dever de devida diligência, pelos Estados que assinaram e ratificaram as convenções.

         Entre 2007 e 2013, 14 países incorporaram mudanças legislativas para punir e coibir as mortes violentas de mulheres em razão de gênero, que segundo Vílchez, se distinguem em relação a: forma de nomear essas mortes – alguns países adotaram a expressão femicídio, enquanto outros utilizam feminicídio –, as condutas criminosas abrangidas pelas leis – alguns são considerados mais restritivos por tratarem apenas das mortes em âmbito de relações afetivas, os “femicídios íntimos”, outros tratam de forma ampla os crimes de ódio e menosprezo contra as mulheres ocorridos nos espaços público e privado –, e quanto à política criminal, uma vez que alguns países optaram por criar leis especiais, enquanto outros optaram pelas reformas nos códigos penais, sendo identificadas três modalidades de mudança: o femicídio/feminicídio como tipo autônomo, como agravante do homicídio simples ou a modificação do crime de parricídio.

       No Brasil, a mudança legislativa ocorreu em 9 de março de 2015, ocasião em que a então Presidenta da República, Dilma Rousseff, sancionou a Lei nº 13.104/2015, que altera o Código Penal Brasileiro, trazendo a previsão do feminicídio como uma das circunstâncias qualificadoras do homicídio, conforme disposto no artigo 121 do Código Penal (1940), além de incluir o feminicídio como crime hediondo, previsto no artigo 1º da Lei nº 8.072/1990.

         Com a nova legislação, o feminicídio é previsto no artigo 121, §2º, inciso VI, do Código Penal e se refere ao “crime praticado contra a mulher por razões da condição do sexo feminino”, assim considerados atos que envolvam “I - violência doméstica e familiar e II - por menosprezo ou discriminação à condição de mulher”, conforme inciso VI, § 2ºA, do mencionado artigo.

        O novo tipo penal também prevê o aumento de pena de um terço até a metade, se o crime for praticado sob uma das hipóteses do §7º, do artigo 121, do Código Penal, conforme redação dada pela Lei nº 13.771/2018.

1.2 Conceito

          Medidas protetivas são compreendidas como aquelas que visam garantir que a mulher possa atuar livremente ao optar pela procura de amparo estatal e jurisdicional, em desfavor de seu ofensor. Entretanto, para que o Estado possa agir e dar a concessão dessas medidas, se faz necessária a comprovação da prática de comportamento que importe violência contra a mulher, a partir das relações domésticas ou familiares dos envolvidos.

           Conforme jurisprudência do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT), as medidas protetivas são tutelas de urgência previstas na Lei nº 11.340/2006 com a finalidade de salvaguardar a integridade física, psicológica e patrimonial da vítima de violência doméstica.

          A título de exemplo, há jurisprudência do TJDFT no sentido de deferimento da prorrogação de medida protetiva, a pedido da vítima, que é genitora do reclamante, sob o fundamento de que houve a demonstração de fundados indícios de cometimento de ilícito penal bem como da grave situação de perigo causado pelo requerido no caso dos autos, uma vez que a vítima vive subjugada à vontade do reclamante, o ofensor, o qual frequentemente a agride, vive às suas expensas, obrigando-a a custear todas as suas despesas e, ainda, nos últimos anos, as referidas agressões se intensificaram em razão do uso constante de drogas. Por esse motivo, o juiz entendeu necessário a prorrogação da medida de afastamento do lar para que a vítima pudesse retornar à casa de sua propriedade sem a presença do reclamante. Ou seja, verificada a demonstração de risco iminente e perigo na demora, a medida protetiva foi deferida antes da oitiva do ofensor, para a proteção da vítima de violência doméstica.

       A Lei Maria da Penha, que prevê as medidas protetivas, requer como pressuposto para sua incidência, que a violência doméstica e familiar contra a mulher decorra de: (a) ação ou omissão baseada no gênero; (b) no âmbito da unidade doméstica, familiar ou relação de afeto; decorrendo daí (c) morte, lesão, sofrimento físico, sexual ou psicológico e dano moral ou patrimonial, cuja definição de gênero sobre o qual baseada a conduta, decorre do equivocado entendimento do sujeito ativo de possuir ‘direitos’ sobre a mulher ou de que ela lhe pertence, restando evidenciada a vulnerabilidade da vítima em razão da redução ou nulidade da autodeterminação, caracterizando-se, assim, conduta baseada no gênero para efeitos da Lei nº 11.340/2006, segundo jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ).

           No mesmo sentido, conforme jurisprudência do TJDFT, a Lei Maria da Penha não abrange toda e qualquer violência contra mulher, ainda que a conduta seja praticada no âmbito da unidade doméstica, da família ou em qualquer relação de afeto, é necessário que a conduta seja baseada no gênero, que a agressão expresse posição de dominação do homem, e subordinação da mulher, dessa forma será aplicável a norma do artigo 5º, inciso II, da Lei nº 11.340/2006.

1.3 Espécies de medidas protetivas

         As medidas protetivas estão dispostas nos artigos 11, 22, 23 e 24, todos da Lei nº 11.340/2006, possuindo natureza jurídica e iniciativas de cumprimento distintas.

a) Medidas a cargo da autoridade policial: estão dispostas no artigo 11, da referida Lei, são medidas de cunho administrativo, que devem adotadas no atendimento à mulher em situação de violência doméstica e familiar.

           Guilherme Nucci realiza críticas acerca do mencionado dispositivo, no sentido de que não restam dúvidas de que o rol exposto nos incisos I a V do artigo 11, da Lei nº 11.340/2006 tem por finalidade alcançar a melhor proteção possível à mulher vítima da violência doméstica ou familiar, entretanto, diante de determinadas situações, a lei editada serve somente de modelo do que seria o ideal, uma vez que na prática, se encontra distante da realidade.

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        Com relação ao inciso I, do referido artigo, configura medida a cargo da autoridade policial, quando necessário – e muitas vezes tal situação ocorre – garantir proteção policial à mulher vítima de violência doméstica ou familiar. Entretanto, segundo Nucci, ocorre que não há agentes policiais suficientes nem mesmo para o patrulhamento de ruas, para a escolta de presos, para a proteção de prédios públicos ou de autoridades ameaçadas, nesse sentido, como se pretende garantir à mulher vítima de violência uma proteção policial eficiente, pessoal, direta e contínua, tendo em vista a falta de estrutura do Estado em sustentar os programas de proteção?

        Essa impressão de ruptura entre lei e fato gera, lamentavelmente, o sentimento comum na sociedade brasileira de que leis não servem para nada, brotando, assim, a incômoda sensação de impunidade, fomentadora, muitas vezes, da prática de crimes. Logo, segundo Nucci, haveria o descumprimento ao disposto no art. 11, inciso I, da Lei nº 11.340/2006.

          Com relação ao inciso II, do mesmo artigo, o encaminhamento da ofendida ao hospital, posto de saúde e IML já é praxe, dessa forma, a Lei apenas repete o que já é evidente. Quanto ao fornecimento de transporte e abrigo, previsto no inciso III, do mesmo artigo, para a sua concessão é necessária a estrutura do Estado, novamente, uma vez que a autoridade policial não pode criar um lugar para inserir a família vitimizada, e o Estado nem mesmo criou Casas do Albergado, para condenados em regime aberto, quem dirá disponibilizar verbas para esse programa.

        Com relação ao inciso IV, do mesmo artigo, que prevê o acompanhamento policial da ofendida para a retirada de seus pertences do local da ocorrência ou do domicílio familiar, Nucci considera correto e, embora pareça, pela interpretação literal do dispositivo, ser obrigação pessoal da autoridade policial, o delegado de polícia, tal medida é naturalmente delegável aos agentes de polícia, quais sejam, investigadores, detetives e policiais militares.

           Finalmente, com relação ao inciso V, a informação à ofendida de seus direitos conferidos por esta Lei é positivo e independe de verba orçamentária, devendo, portanto, ser implementado sem qualquer óbice.

b) Medidas protetivas de urgência: podem ser concedidas pelo juiz, a requerimento do Ministério Público ou a pedido da ofendida, conforme artigo 19, da Lei nº 11.340/2006.

         Guilherme Nucci destaca uma importante observação, qual seja, a de que a Lei Maria da Penha não traz a possibilidade de o juiz decretar medidas de urgência de ofício, conforme o caso e de acordo com a finalidade da proteção. Nucci acredita que tal situação pode ser sanada pelo poder geral de cautela do juiz, ou seja, conforme a situação concreta, contornando-se a omissão legislativa.

       Há jurisprudência do Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais (TJMG) nesse sentido, afirmando que para se requerer quaisquer das medidas protetivas no âmbito de violência doméstica, uma simples representação da vítima, do Ministério Público ou da Autoridade Policial é suficiente, nos termos do artigo 19 da Lei nº 11.340/2006. Entretanto, isso não significa que o deferimento do pleito será imediato, automático, ou muito menos sem um prazo de vigência, devendo diante da omissão do legislador ser adotado o prazo decadencial previsto no artigo 38 do CPP, somente quando inexistir qualquer procedimento criminal correlato. Se não ficar demonstrado nos autos que a suposta vítima de violência doméstica/familiar esteja correndo risco físico, moral ou material, a decisão que deferiu a aplicação de medidas protetivas previstas na Lei Maria da Penha deve ser reformada.

      As medidas protetivas de urgência subdividem-se entre aquelas destinadas ao agressor e as destinadas à ofendida.

b.1) Medidas protetivas destinadas ao agressor: estão dispostas no artigo 22 da Lei nº 11.340/2006, o qual prevê que se for constatada a prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, o juiz poderá aplicar, de imediato, ao agressor, em conjunto ou separadamente, determinadas medidas protetivas de urgência, entre outras.

           Segundo a jurisprudência do STJ, as medidas protetivas previstas no art. 22, incisos I, II e III, da Lei nº 11.340/2006 são de natureza penal, em razão disso, deve ser aplicado o procedimento previsto no Código de Processo Penal. Esse entendimento adveio de determinada situação concreta onde a imposição das medidas protetivas originou-se em requerimento elaborado em procedimento policial em que se apurava a prática de violência doméstica, o que evidencia a natureza criminal.

        Por sua vez, as medidas protetivas previstas nos incisos IV e V, possuem natureza civil, relacionam-se, especificamente, com o direito de família, podendo ser requeridas pela ofendida, por intermédio de advogado.

         Para Guilherme Nucci, a Lei nº 11.340/2006 prevê medidas inéditas, positivas e que poderiam, inclusive, ser estendidas ao processo penal comum, cuja vítima não fosse somente a mulher.

         Em seu ver, a suspensão da posse ou porte de arma de fogo do agressor é válida, uma vez que pode evitar que haja uma tragédia maior, como por exemplo, se o marido agride a esposa, causando-lhe lesão corporal, e possui arma de fogo, há probabilidade de que a conduta progrida para o homicídio.

        Ainda segundo Nucci, o afastamento do lar também é positivo, tendo em vista que seria uma medida de separação de corpos resultante de crime e não de questões de conteúdo exclusivamente civil. A proibição de aproximação é igualmente correta, entretanto, deveria haver previsão na Lei nº 11.340/2006, do limite mínimo exato de distância, o que evitaria discussões acirradas nos processos. Por sua vez, a proibição de contato, podendo este ser realizado por meio de diversas formas, tais como e-mail, telefone, carta etc., também foi positiva. Quanto à frequentação de determinados lugares, não vislumbra nenhum empecilho.

          Finalmente, com relação às medidas de caráter civil, de restrição ou suspensão do direito de visitas aos filhos menores e a prestação de alimentos, Nucci entende que tais medidas tão somente melhoram a eficiência da aplicação da lei, visto que, desde logo, o juiz criminal, possuindo competência cumulativa, toma a decisão.

        Importante destacar que as medidas protetivas de urgência dispostas na Lei nº 11.340/2006 possuem natureza jurídica de medida cautelar satisfativa. Dessa forma, não possuem prazo previsto para término e nem tampouco exigem propositura de ação penal ou cível para regularização das relações resultantes da concessão das medidas.

b.2) Medidas protetivas destinadas à ofendida: classificam-se entre medidas de caráter pessoal, dispostas no artigo 23 e medidas de caráter patrimonial, dispostas no artigo 24.

        O artigo 23, incisos I e II, refere-se a medidas de cunho administrativo. Embora tenha sido atribuída ao juiz a respectiva determinação, é conferido ao Ministério Público a faculdade de providenciar diretamente as mencionadas medidas, nos termos do artigo 26, incisos I e II.

           Enquanto o art. 23, incisos III e IV, que refere-se a medidas que envolvem o direito de família, bem como o artigo 24, que refere-se a medidas de cunho patrimonial, devem ser solicitadas pela ofendida ao Poder Judiciário, por intermédio de advogado.

         Ressalte-se que o delegado de polícia detém legitimidade para estabelecer e aplicar medidas protetivas de urgência destinadas a mulheres vítimas de violência doméstica, conforme 12-C, inciso II, da Lei nº 11.340/2006.

          Na hipótese de descumprimento de decisão judicial que decreta medidas protetivas de urgência previstas na Lei Maria da Penha, conforme artigo 24-A da Lei nº 11.340/2006, configura crime, punido com detenção de três meses a dois anos, sendo irrelevante a competência cível ou criminal do juiz que impôs as restrições, disposto no § 1º, do mesmo artigo. E na hipótese de prisão em flagrante do ofensor, apenas o juiz poderá conceder fiança, nos termos do § 2º, do mesmo artigo.

        Verifica-se também que, com a modificação do artigo 121, § 7º, do Código Penal, pela Lei nº 13.771/2018, para estabelecer majorantes à qualificadora do feminicídio, houve a introdução da hipótese de homicídio praticado em descumprimento das medidas protetivas de urgência previstas no art. 22, incisos I, II e III, da Lei Maria da Penha, impondo, nestes casos, o aumento da pena de um terço até a metade.

          Guilherme Nucci faz uma crítica com relação ao artigo 23, da Lei nº 11.340/2006, no sentido de que para efetivar o cumprimento da medida de encaminhamento da vítima e seus dependentes a programa oficial ou comunitário de proteção e atendimento, como por exemplo, casas-abrigo, se faz necessária a existência efetiva de investimentos estatais na área.

           Segundo jurisprudência do TJDFT, a Lei Maria da Penha possui natureza híbrida, uma vez que é conferido ao juiz a possibilidade de adotar um conjunto de medidas protetivas de urgência de natureza criminal e também cível, a fim de resguardar a integridade física e mental da ofendida, dentre elas a prestação de alimentos provisionais ou provisórios, prevista no artigo 22, inciso V.

         A Lei Maria da Penha não prevê, de forma expressa, um prazo de duração para as medidas protetivas de urgência. Portanto, compete ao juiz, com observância aos critérios de proporcionalidade e de razoabilidade, examinar as peculiaridades de cada caso e definir um prazo suficiente à garantia da proteção da mulher em situação de vulnerabilidade, que não acarrete excesso que transgrida injustificadamente o direito de ir e vir do réu.

      Nesse sentido, a jurisprudência do TJDFT, afirma que o parâmetro concedido pela Lei nº 11.340/2006 para definir um prazo de duração para as medidas é a garantia de máxima efetividade dos direitos fundamentais, a saber, coibir e prevenir situações de violência no âmbito doméstico e familiar.

        No tocante a prisão preventiva do ofensor, prevê a Lei Maria da Penha, em seu artigo 20, que caberá a prisão preventiva do agressor, em qualquer fase do inquérito policial ou da instrução criminal, podendo ser decretada pelo juiz, de ofício, a requerimento do Ministério Público ou mediante representação da autoridade policial. Para isso, é necessária a presença de um dos fundamentos previstos no art. 312 do CPP, com exceção da garantia da ordem econômica, uma vez que este fundamento é incompatível com crimes que envolvem violência doméstica e familiar.

          Na mesma linha, o artigo 313, inciso III, do CPP, também prevê a prisão preventiva do ofensor na hipótese de crime que envolve violência doméstica e familiar contra a mulher para garantir a efetividade das medidas protetivas de urgência dispostas nos artigos 22, 23 e 24 da Lei nº 11.340/2006. Entretanto, é necessário demonstrar que, caso não seja decretada a prisão, tais medidas não se revelam eficazes para a proteção da vítima.

           Independentemente de existirem medidas protetivas pretéritas desrespeitadas, se houver premente risco à integridade física da ofendida e a necessidade de preservá-la da atuação nociva do agressor, nada impede a decretação da prisão preventiva com base no artigo 313, inciso III, do CPP, a fim de proteger a vítima, tendo em vista o caráter protetivo das disposições da Lei nº 11.340/2006, e em razão do artigo 20, da Lei Maria da Penha, que prevê a decretação da prisão preventiva a qualquer tempo, não fazendo referência sobre a necessidade do descumprimento de alguma medida protetiva aplicada.

       Polêmica questão refere-se ao fato de que artigo 20 da Lei nº 11.340/2006, não previu a legitimidade do querelante para requerer a prisão preventiva ao juiz, como ocorre com o artigo 311 do CPP, dessa forma, iniciou-se uma discussão a respeito da possibilidade de, nos delitos abrangidos pela Lei Maria da Penha, decretar a prisão quanto a crime de ação penal privada.

         Segundo Norberto Avena, é possível a decretação de prisão preventiva em crime de ação penal privada, tendo em vista a natureza eminentemente protetiva da Lei Maria da Penha.

1.4 Medidas protetivas mais comuns

           Na visão do promotor Marcelo Oliveira, que atua na Promotoria de Justiça do Tribunal do Júri de Brasília, para a visualização das medidas protetivas que tem sido mais comuns depende do tipo de violência que é praticada, uma vez que há violência verbal, física, psicológica, e tem aquelas que de maior notoriedade, quando a agressão pode aparentemente evoluir para o crime de homicídio. A depender do caso, as medidas protetivas vão se agravando. Afirma que medidas como o afastamento do lar e a proibição de contato com a vítima são bastante comuns. Atualmente, em razão da tecnologia, diz que tem se aplicado bastante a tornozeleira eletrônica, como uma forma de controlar o afastamento do agressor em relação à vítima. No que tange ao Tribunal do Júri, aplica-se com bastante frequência a medida de prisão cautelar.

       Para a Juíza Gislaine Carneiro Campos Reis, coordenadora do Núcleo Judicial da Mulher do TJDFT e titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar de Santa Maria, as medidas de afastamento do lar, proibição de contato e proibição de aproximação são disparadamente as mais comuns. A depender do local em que são requeridas, e se são advindas de uma classe social mais vulnerável ou não, geralmente existem outras. As pessoas que possuem um maior poder aquisitivo geralmente pedem suspensão de procuração. Diz que na cidade de Santa Maria, a medida de busca e apreensão de arma também é muito comum, em razão dos altos índices de violência nessa região.

           Por fim, a coordenadora jurídica e defensora da Fundação de Assistência Judiciária (FAJ), Núbia Bragança, confirma que as medidas protetivas mais comuns são o afastamento do lar, a proibição de contato do ofensor com a vítima por qualquer meio de comunicação, tais como redes sociais, WhatsApp, por telefone e a frequentação de determinados lugares, como o local de trabalho da vítima.

2 EFICÁCIA OU INEFICÁCIA DAS MEDIDAS PROTETIVAS DA LEI Nº 11.340/2006 NA PREVENÇÃO DO CRIME DE FEMINICÍDIO

          A fim de verificar a eficácia das medidas protetivas previstas na Lei nº 11.340/2006 na inibição do crime de feminicídio, preferível a opinião de operadores do Direito, que lidam rotineiramente em seu trabalho com tal temática, tendo sido escolhidos 3 operadores jurídicos, sendo um promotor do Promotoria de Justiça do Tribunal do Júri, uma defensora e uma juíza, ambas do Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher.

2.1 Opiniões dos operadores entrevistados

          O promotor Marcelo Oliveira, que atua no Tribunal do Júri do DF, acredita que tem sido eficaz. Em sua visão, em relação a tentativa de feminicídio, há a aplicação da medida de privação de liberdade, a saber a prisão, dessa forma, tem-se o afastamento do agressor em relação à sua possível vítima, consequentemente, impede a consumação do delito de feminicídio pelo ofensor. Portanto, vislumbra-se a eficácia da medida protetiva decretada ao ofensor.

         Entretanto, lamentavelmente, a grande parte dos casos de feminicídio que são encaminhados ao tribunal do Júri são de crimes consumados. Entende ser necessário encontrar a porta de entrada deste problema, normalmente, nas varas de violência doméstica, onde os juízes costumam decretar outras medidas distintas da prisão, tais como o afastamento do lar, por vezes até a tornozeleira eletrônica. Acredita que a rede de proteção que foi criada a partir da Lei Maria da Penha tem ajudado bastante.

         A coordenadora jurídica e defensora da Fundação de Assistência Judiciária (FAJ), Núbia Bragança, acredita que as medidas protetivas previstas na Lei nº 11.340/2006 são bastante eficazes na prevenção do crime de feminicídio, tendo em vista que, na hipótese de ausência de medidas protetivas, o índice de vítimas de feminicídio seria muito maior.

        Utiliza como referência o Juizado de Violência Doméstica e Familiar Contra Mulher de Santa Maria, que é o único a oferecer acompanhamento de advogado para as vítimas em todas as audiências, por meio da Fundação de Assistência Judiciária (FAJ), fazendo cumprir o disposto no artigo 27, da Lei nº 11.340/2006, o qual enuncia que em todos os atos processuais, cíveis e criminais, a mulher que se encontra em situação de violência doméstica e familiar deverá estar acompanhada de advogado, salvo quando pedir a concessão de medida protetiva.

      Por exemplo, se a vítima tem uma audiência marcada para uma segunda-feira, o defensor comparece, se apresenta, e realiza perguntas a respeito do efetivo cumprimento das medidas protetivas pelo ofensor, sobre o desejo de continuidade ou não das medidas protetivas, sobre a existência de alguma demanda como a dissolução de união estável, guarda, regulamentação de visita. O defensor colhe os dados de identificação da vítima, e agenda uma data para a entrega da documentação necessária para ajuizamento da demanda. Em poucos dias depois, por exemplo numa quinta-feira, a peça processual já está pronta, assim, a vítima comparece na FAJ, exerce o direito a leitura da peça processual formulada para atender sua demanda, após a ação pretendida é ajuizada.

          Diz ainda que já houve casos em que foi ajuizado o pedido de divórcio às 14:00, e logo às 19:00 foi proferida sentença deferindo o pleito da vítima, sendo, dessa forma, muito rápida a concessão da tutela jurisdicional.

          Ressalta que se a vítima de violência doméstica não obtiver essa tutela jurisdicional de conceder alimentos, partilha dos bens, divórcio, guarda das crianças, ela finda retornando o relacionamento com o agressor, porque ela não tem condições de dar continuidade sozinha.

        Afirma que há o serviço psicossocial, de capacitação que ministra cursos que ensinam alguma atividade lucrativa, pois as vítimas necessitam de renda, muitas das vezes, para não dependerem financeiramente do ofensor e acabarem se reaproximando.

         A defensora Núbia acrescenta que quando a vítima se dirige à delegacia e registra o boletim de ocorrência, no período de 30 minutos é realizado o encaminhamento do documento para a juíza, por meio do Processo Judicial eletrônico (PJe). A juíza avalia a necessidade e urgência da medida. Se concedida, a medida fica pronta no período de 15 minutos. Após, novamente no prazo de 15 minutos, tem-se o encaminhamento desta para o oficial de justiça, que se dirige ao domicílio do agressor para sua devida citação.

          Informa que na cidade de Santa Maria existe o Policiamento de Prevenção Orientada à Violência Doméstica da Polícia Militar do Distrito Federal (PROVID/PMDF), em que no momento em que é concedida a medida protetiva, o PROVID é acionado e se dirige até o domicílio da vítima, a fim de avisá-la sobre o deferimento da medida protetiva e informar o telefone para contato, em caso de necessidade. E também se dirigem até a residência do agressor, a fim de notificá-lo sobre a decretação de medida protetiva.

        Assim, acredita que a Lei Maria da Penha é eficaz porque o agressor percebe que com a decretação de medida protetiva, a polícia se dirigiu até sua residência para notificá-lo a respeito, então diante de disso, irá realmente evitar de se aproximar da vítima. Portanto, consegue-se evitar o feminicídio e diz que, desde os 5 anos em que trabalha na Fundação de Assistência Jurídica, dentro do Juizado de Violência Doméstica, ocorreram apenas 3 feminicídios, o que representa um percentual pequeno em relação aos outros lugares. Em um deles, a vítima retirou a medida protetiva em audiência, e reiterou posteriormente. Em outros casos, a vítima estava entrando em contato com o agressor.

          Assim, a defensora Núbia conclui que quando a vítima respeita a medida protetiva, na maioria das vezes é eficaz. Destaca que há também casos de feminicídio em que o agressor já possui histórico de crimes, ou vício em drogas. O Judiciário tenta de todas as formas dar essa proteção, concedendo a medida, e consequentemente impondo um protocolo a ser seguido pela vítima, que deve aderir a medida e não tentar reaproximação, e pelo ofensor, que deve se afastar da vítima. Entretanto, esse tipo de situação foge da cautela do juiz, promotor, defensor e da polícia. Além disso, não há policiais cuidando durante 24 horas da vítima, nem mesmo a sociedade tem.

           A juíza Gislaine Carneiro Campos Reis, coordenadora do Núcleo Judicial da Mulher do TJDFT e titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar de Santa Maria, também acredita que a medida protetiva é muito eficaz. Em seu ver, as pessoas não têm ideia da quantidade de vítimas que são salvas, são efetivamente protegidas por conta da medida protetiva.

          A juíza utiliza como embasamento os seguintes dados: o número de medidas protetivas feitas no ano de 2018, de janeiro a dezembro, foi de 15.000. Teve 28 feminicídios, sendo que na maioria deles desde 2015 - quando entrou em vigor a Lei que incluiu o feminicídio - até hoje, a vítima nunca registrou uma ocorrência. E das que registraram, só 20% tinha medida protetiva. Então, é um número considerável de eficácia. Em São Paulo, no ano de 2017, foi feito também um grande estudo de feminicídio, onde constatou-se que 97% dos casos não tinha medida protetiva, com relação aos casos que tinha medida protetiva, faleceram 3%.

           Segundo a juíza, percentualmente, verifica-se que tem uma grande eficácia. Afirma que a maioria dos ofensores não descumpre, e a maioria dos casos em que ocorre os crimes mais graves, como o feminicídio, não foi dada a possibilidade de intervenção do sistema de justiça, do sistema protetivo, pois isso nem sequer foi noticiado, então há uma subnotificação da violência.

          Acrescenta que para além de evitar o feminicídio, que não constitui o único objetivo do sistema de justiça, procura-se evitar todas as violências que possam ocorrer no âmbito doméstico e familiar, inclusive aquelas que as crianças estão assistindo. A medida protetiva tem um papel muito importante na quebra do ciclo de violência. Ao ingressar com a medida protetiva, tem-se a intervenção judicial, acompanhamentos psicossociais, sistema de monitoramento, que faz com o ofensor se afaste e também a violência que a criança que está assistindo é interrompida.

        Fabriziane Stellet Zapata, juíza titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Circunscrição do Riacho Fundo e coordenadora do Núcleo Judicial da Mulher, no mesmo sentido, acredita que a Lei Maria da Penha configura um instrumento efetivo no enfrentamento a este tipo de violência, sobretudo ao serem analisados os números de requerimentos de medidas protetivas de urgência; as medidas protetivas deferidas pelo Poder Judiciário; as políticas de proteção realizadas com base na lei e a quantidade de feminicídios consumados, ainda grande e indesejável, entretanto, revela-se proporcionalmente pequena se comparada a quantidade total de casos de violência doméstica e familiar contra a mulher.

        Acrescenta que as medidas têm sido bastante eficazes no enfrentamento à violência contra a mulher, pois não se caracterizam como uma simples folha de papel, configuram uma decisão judicial que determina ao ofensor o afastamento do lar, a proibição de aproximação e contato com vítima e/ou familiares, entre outras condutas, que em caso de descumprimento, o agressor fica sujeito à pena de prisão preventiva. A partir dessa decisão, os ofensores são intimados por oficial de justiça e ficam cientes das consequências do seu descumprimento.

          Por fim, Fabriziane diz que, o fato de a mulher conseguir sair de sua casa e procurar auxílio na delegacia de polícia ou acionar a polícia militar representa uma clara mensagem ao ofensor de que deseja romper a situação de subordinação e subjugação em que vive. Tal fato significa o início do rompimento do ciclo de violência, através de sinal claro por parte da vítima de busca por auxílio e proteção e ainda configura uma mensagem ao ofensor de limitação de sua conduta violenta.

2.1.1 Pontos de dissenso

         A defensora Núbia acredita na educação como política pública de proteção da mulher, uma vez que esta constitui uma forma de conscientização, de construção de crenças e valores que nortearão a vida do ser humano. É no ambiente escolar que se permite obter os instrumentos essenciais para administrar as mudanças de pensamentos ruins, realizar objetivos e viver na sociedade de forma responsável, e consequentemente, agindo de forma respeitosa com a mulher, abandonando a ideia machista de posse sobre a mulher. 

           É na escola que se pode agir na construção do futuro, ensinando o respeito à mulher e fazendo-as abandonar a tradição machista arraigada na atual sociedade que se configura como causa de diversos feminicídios atualmente. É através da educação que se consegue garantir o traço de reflexão nas pessoas. Segundo Paulo Freire, a educação tem o condão de modificar as pessoas, que consequentemente, transformam o mundo.

        Por sua vez, a juíza Gislaine acredita que já existem diversas políticas protetivas, atuando em vários eixos, tais como política pública de proteção judicial, policial, psicossocial, política pública de trabalho e renda, de apoio para as crianças, de prevenção, de capacitação, de aperfeiçoamento, de informação, na saúde e na educação, entretanto, as pessoas não têm conhecimento de todas, e não há muito espaço midiático de informação, porque o espaço existente é muito tomado pelas notícias tristes. Em seu ver, deveria existir mais espaço na mídia para as notícias informativas de proteção, de que a mulher que venha a ser vítima de violência doméstica deve denunciar, não deve considerar como algo normal e informar sobre quais são seus direitos e a forma de exercê-los.

      Destaca ainda que há quantidade insuficiente de profissionais dentro das políticas públicas governamentais, tais como serviços de saúde, educação, prevenção, psicossocial, advocacia e assistência jurídica, para o atendimento de todas vítimas, dessa forma, gera fila para conseguir o acesso ao serviço, consequentemente, não haverá adesão da vítima, então a tendência é que ela retorne o relacionamento com o ofensor. E essa prevenção é que gera toda a mudança na estrutura existente. Portanto, a juíza entende que a violência doméstica já está prevista em várias políticas públicas, o que precisa é que elas sejam efetivadas por meio de investimentos públicos, dado o seu caráter urgente. 

          Por fim, o promotor Marcelo acredita que as políticas públicas que enxerga como necessárias já estão sendo realizadas, uma vez que o Estado já trouxe a figura do feminicídio para a legislação penal que até então não existia, já foi criada uma rede de proteção, passando pelo hospital, órgãos de segurança e acompanhamento psicológico. 

2.1.2 Pontos de consenso

        Pode-se observar que os 3 operadores do Direito entendem ser eficazes as medidas protetivas, tendo em vista que caso estas não houvessem, haveria um número muito maior de feminicídios, e que o problema reside na falha de aplicação da Lei Maria da Penha, por meio da falta de investimentos públicos para garantir efetividade da norma criada, ou na ausência de aderência da mulher à medida protetiva que lhe foi deferida, que se reaproxima do ofensor e revoga a medida mesmo estando diante de situação de risco.

         Entretanto, diante do alto número de feminicídios que estão ocorrendo na atualidade, apesar da existência de lei com natureza protetiva, que é a Lei nº 11.340/2006 e a previsão da conduta de homicídio cometido contra mulher motivado por violência doméstica ou discriminação de gênero como crime, tipificado no Código Penal, afirmar a eficácia de medidas protetivas concedidas judicialmente, significaria dizer que não há necessidade de melhorar as leis, de buscar novas soluções para o expressivo número de feminicídios que estão ocorrendo na atualidade ou que está se normalizando o alto número de feminicídios.

           Também há o consentimento de que há um ciclo de violência, no qual a vítima sofre, e acaba por revogar as medidas, porque acha que o ofensor vai mudar. Devem ser feitas campanhas de conscientização acerca dos riscos que a vítima corre em revogar as medidas, uma vez que se ela revoga, retira a proteção a ela conferida judicialmente, dando carta aberta para o agressor voltar a praticar as agressões. E retornando as agressões, se a vítima novamente quiser pedir medidas protetivas, o agressor irá acreditar que tendo em vista que a vítima já revogou uma vez, se ele pressioná-la e realizar o mesmo discurso que fez anteriormente a ela influenciando a revogação, ela novamente irá revogar, dessa forma, gera um ciclo de violência, que prejudica a busca de solução. 

3 AS DEFICIÊNCIAS E FUNCIONALIDADES DAS MEDIDAS

           Tem-se como fator que impede a eficácia da medida protetiva o fato de que muitas mulheres não respeitam as medidas protetivas e acabam se aproximando do ofensor durante a vigência destas ou revogam as medidas mesmo estando sob risco, cuja situação de risco são ignoradas ou elas não possuem noção, por acharem normal ou banalizarem a violência sofrida. Tal situação pode ser explicada pela existência do chamado “Ciclo de violência”, onde ocorre a evolução gradual da violência, a qual se inicia com agressões verbais, provocações e discussões e vai até incidentes de agressões físicas leves.

         Depois, a tensão vai aumentando até ocasionar uma agressão física grave, praticada num momento de ataque de fúria. Após, o agressor, arrependido, passa a ter um comportamento extremamente amoroso e gentil, na tentativa de compensar a vítima pela agressão praticada.

       Entretanto, o comportamento calmo e amoroso adotado pelo ofensor se transforma, após um determinado período, em novos pequenos incidentes de agressão, e com isso, gera um novo ciclo de violência. Com o passar do tempo, a cada retomada do ciclo, o pico de violência aumenta, que consequentemente pode levar a prática do crime de feminicídio, caso não seja interrompido esse ciclo.

           A juíza Gislaine, inclusive publicou uma matéria no jornal Correio Braziliense, na seção Direito e Justiça, em 19 de agosto de 2019, a respeito do ciclo de violência, onde mostra que em uma audiência que iria ser realizada, uma testemunha chamada para um caso de agressão física e ameaça envolvendo um casal que há muito conhece, já adentra a sala reclamando sobre ter que comparecer em juízo sendo que a vítima já reatou o relacionamento com o agressor. A juíza então, interrompe a audiência para explicar como funciona o ciclo da violência e buscar gerar nela reflexão, mudança de pensamento no sentido de que deve ajudar a vítima caso ela se encontre nessa situação, deve fazer sua parte acionando a polícia no 190, ou ligar para o Disque 180, podendo ser feita uma chamada anônima, ou realizar um registro no conselho tutelar diante do choro das crianças.

       Verifica-se que geralmente, o agressor é companheiro da vítima, e pai de seus filhos, vindo a dificultar o rompimento da relação afetiva, mesmo estando a vítima em um contexto de violência. Por isso, em muitos casos, há uma tendência de a vítima não tomar qualquer atitude contra o agressor, devido a sentimento de culpa pela violência sofrida, por achar que o comportamento violento irá cessar, ou, ainda, por possuir temor a sua integridade física ou de seus filhos. 

          Além disso, apesar do avanço representado pela Lei nº 11.340/2006 para o país, sua aplicação não tem sido feita de forma igualitária pela União, estados e municípios, mas sim, ocorrida em contextos sociais e políticos adversos, o que significa que ainda permanecem muitos obstáculos para o acesso das mulheres à justiça.

       Outra deficiência, identificada pela Comissão Parlamentar Mista de Inquérito sobre Violência contra a Mulher (CPMI), em julho de 2013, ao retratar o cenário da implementação da Lei Maria da Penha no Brasil, foi o módico número de serviços e sua concentração nas capitais, recursos humanos insuficientes para o volume de atendimentos e procedimentos realizados nos espaços oferecidos, informação esta confirmada pela juíza Gislaine, somados à deficiência na qualificação dos profissionais e à carência de sistemas de informações para o monitoramento e avaliação das respostas institucionais e sua eficácia no enfrentamento à violência contra as mulheres.

          O documento elaborado pela CPMI concluiu ainda que a Lei Maria da Penha ainda é aplicada de maneira parcial e prevê recomendação aos governos estaduais, ministérios públicos, defensorias públicas e tribunais de justiça no sentido de que devem ser realizados mais investimentos financeiros, técnicos e materiais para que haja melhor implementação e aplicação da Lei Maria da Penha, além de outras iniciativas objetivando o enfrentamento à violência contra as mulheres.

        Há também o fato de que se o Estado não responsabilizar os autores de atos de violência e a sociedade tolerar tais comportamentos violentos, seja expressa ou tacitamente, a impunidade pela violência contra a mulher estimula a prática de novos abusos, como também transmite a mensagem de que a violência masculina contra a mulher é aceitável, ou normal e obtém como resultado a denegação da justiça às diferentes vítimas/sobreviventes, mas também no fortalecimento das relações de gênero reinantes.

         Verificam-se algumas dificuldades para garantia de eficácia das medidas protetivas, tais como o próprio réu, que busca dificultar a atuação da polícia; falta de interação entre o Ministério Público e o Poder Judiciário; falta de sensibilidade do juiz competente na análise dos elementos para concessão da medida protetiva.

      Tem-se como funcionalidades das medidas a rápida concessão das medidas protetivas pelo Judiciário, informada pela defensora entrevistada; a rede de proteção criada pela Lei Maria da Penha através do oferecimento de serviço judicial, psicossocial etc. informada pela juíza entrevistada; a rápida intimação do ofensor após ser concedida a medida protetiva.

4 APRIMORAMENTO DAS MEDIDAS

          A análise da medida protetiva deveria ser realizada com a apreciação dos elementos que podem ser encontrados na situação em concreto, de forma livre de preconceitos e estereótipos de gênero arraigados na sociedade.

        Para que haja eficácia no enfrentamento à violência contra a mulher que culmine no crime de feminicídio, deve ser realizada uma mudança no olhar da sociedade, que trata a violência praticada contra a mulher no interior do lar apenas como uma questão privada e de foro íntimo, sendo necessário, de forma urgente, um movimento consciente de homens e mulheres visando a educação de meninos e meninas, que ensinem e mostrem, diariamente, que têm os mesmos direitos e oportunidades, denominada equidade de gênero e que merecem respeito. 

         Somente é possível mudar a cultura social machista através da educação, nas famílias, nas escolas, nos meios de comunicação, ou seja, por meios que promovem uma mudança de pensamento e comportamento nos indivíduos, segundo Fabriziane Zapata, juíza titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar contra a Mulher da Circunscrição do Riacho Fundo e coordenadora do Núcleo Judicial da Mulher.

         Entendemos que podem ser realizadas campanhas simples e rápidas, como por exemplo vídeos que para serem transmitidos através do Youtube, de mensagens instantâneas pelo WhatsApp, que é a rede social mais utilizada atualmente, presente no cotidiano de grande parcela população brasileira. Outra medida seria investir na educação das famílias, por meio de mensagens contra a violência doméstica e familiar no contexto das novelas, ou outros programas emitidos pela TV que possuam alta audiência, que impactem o telespectador.

           Deve-se informar as famílias, inclusive casais, acerca da importância do diálogo, e também sobre onde procurar apoio em momento de crise, como reagir diante de uma discussão, em razão da informação ser uma grande ferramenta para o aprimoramento da relação construída entre o casal, evitando-se assim, que a violência praticada ou sob o risco de ser praticada se agrave e transforme-se num feminicídio. 

         Podem ser realizadas sessões de terapias com profissionais especializados a casais, oferecidas pelo sistema de saúde público, direcionadas a aqueles que estejam enfrentando dificuldades, ou para que sejam ensinadas acerca de relações abusivas, como identificar quando não estão em uma relação saudável, objetivando evitar o ciclo da violência.

           Deve-se direcionar o olhar para a prevenção da violência contra a mulher, investigar as causas, os gatilhos que desencadeiam a violência, tais como, álcool, substâncias entorpecentes, na busca pela campanha da paz, da não violência.

        Apenas as soluções apresentadas pelo Direito Penal são insuficientes para conter a violência contra as mulheres em razão do gênero, a tipificação do feminicídio deve estar dentro de política mais abrangente para proteger e promover os direitos das mulheres, prevenindo a violação destes, especialmente o direito à vida, entendimento consentido entre especialistas.

         É sabida a responsabilidade da sociedade e do Estado de proteção das mulheres e promoção de seus direitos, sendo reforçada pelo termo “feminicídio’, previsto no Código Penal. Esse termo reforça ainda a necessidade de modificação da atuação do sistema de justiça criminal fundada em estereótipos de gênero e na discriminação contra as mulheres, tendo em vista que contribuem para a crença da sociedade na existência de impunidade e para que desacredite na justiça.

      Assim, deve haver modificação do olhar e das práticas dos(as) profissionais que atuam no processamento das medidas protetivas de modo a identificarem possíveis elementos que evidenciem que, em casos e circunstâncias particulares, as desigualdades de gênero influenciam no aumento da vulnerabilidade e risco para as mulheres. O conhecimento desses contextos e circunstâncias pelos operadores jurídicos é fundamental para que o Estado ofereça respostas mais adequadas para prevenir a prática do crime de feminicídio.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

         Ao longo deste trabalho, foi possível perceber a grande relevância da Lei nº 11.340/2006 como instrumento de combate a violência doméstica e familiar, sendo tal circunstância capaz de se agravar e transformar-se em um crime de feminicídio, previsto no artigo 121, §2º, inciso VI, do Código Penal, tendo sido crucial para que houvesse o reconhecimento dos direitos das mulheres, que ao longo dos tempos, sempre foi considerada inferior, tendo em vista que a violência sofrida era justificada sob o argumento de legítima defesa da honra, ou ainda considerada uma prática pedagógica legitimada pela sociedade a ser utilizada pelo companheiro da vítima, que geralmente é o agressor. 

          Verificou-se que somente a partir dos anos 1980, a violência sofrida pelas mulheres naquela época passou a ser tratada como violação aos direitos humanos e ser vista como um problema social, e não mais como um episódio isolado na vida do agressor, como um problema de natureza íntima entre o acusado e a vítima. Entretanto, as medidas governamentais criadas para combater a violência contra a mulher não obtiveram respostas eficazes para prevenção e proteção das mulheres. 

          Dessa forma, percebe-se o quanto as mulheres sofreram com esses atos de violência até o Estado realmente iniciar medidas visando combater tais situações, por iniciativa dos movimentos feministas, que muito lutaram até conseguirem chamar a atenção das autoridades internacionais. 

           A Lei nº 11.340/2006 prevê as medidas protetivas, que se caracterizam como a tutela demandada pela ofendida com o intuito de cessar ou evitar a prática de vários tipos de violência, tais como física, moral, psicológica etc., quando verificado que há risco iminente e for demonstrado perigo na demora assim, são deferidas pelo juiz antes da oitiva do agressor visando a proteção da vítima.

      As medidas protetivas podem ser divididas entre medidas de iniciativa de cumprimento da autoridade policial, previstas no artigo 11, da referida Lei, e medidas protetivas de urgência, sendo estas últimas subdivididas entre aquelas destinadas ao agressor e aquelas destinadas à vítima. Neste ponto, entendemos que deveria a Lei prever a possibilidade de o juiz decretar medidas protetivas de urgência de ofício, observado o caso em concreto, tendo em vista a natureza protetiva da Lei nº 11.340/2006.

          As medidas protetivas mais comuns são de afastamento do lar e proibição de contato. Acrescente-se ainda que podem variar conforme o local em que são requeridas e conforme o poder aquisitivo dos envolvidos.

         Há consenso entre os operadores do Direito entrevistados de que as medidas protetivas são eficazes na prevenção do crime de feminicídio, tendo em vista que é oferecida assistência judiciária à vítima, e que diante do número de vítimas que registraram ocorrência, poucas tinham pedido de medida protetiva. Há uma subnotificação do número de casos de violência doméstica e familiar, visto que nem todas as vítimas registram boletim de ocorrência, e pedem medida protetiva, devido ao chamado ciclo da violência, pois a violência começa de forma leve e vai se agravando, e a vítima acredita que o ofensor irá mudar seu comportamento; ou devido a dependência emocional, financeira para com o ofensor; entre outros fatores.

          Tendo em vista que o agressor, geralmente, é companheiro da vítima e pai de seus filhos, há uma maior dificuldade no rompimento da relação afetiva, mesmo diante de um contexto de violência. Por isso, ocorre em muitos casos, uma tendência de a vítima silenciar-se e não tomar qualquer atitude contra o agressor, diante de sentimento de culpa pela violência sofrida, ou sentimentos de temor pela sua integridade física e de seus filhos. 

          O fato de as vítimas não solicitarem medidas protetivas, ou revogarem estas, ou se reaproximarem do ofensor durante a vigência destas, ou ignorar o risco que estão correndo, devido as lesões sofridas se agravarem até se transformarem em um crime de feminicídio, e os homens continuarem a ter sentimentos de dominação para com a mulher, influenciam fortemente no aumento dos casos de feminicídio. 

         Tem-se ainda que, deve haver uma mudança no pensamento de homens e mulheres, quanto aos homens de que jamais devem se utilizar de violência contra mulher para solucionar conflitos matrimoniais, na maioria dos casos, e não devem nutrir sentimentos de posse, de domínio da mulher. Quanto a mulher, deve mudar o pensamento de que é normal, aceitável sofrer ameaças, lesões ou qualquer outro tipo de violência. A Justiça está à disposição para oferecer ajuda, tratamentos psicossociais, há uma rede de proteção criada para ajudar as mulheres por meio da Lei Maria da Penha e dispositivos inseridos no Código Penal.

       Deve-se quebrar a crença enraizada na sociedade de que violência doméstica e familiar é um problema de natureza privada, que “briga entre marido e mulher, não se mete a colher”, pois a prevenção a violência doméstica e familiar é a melhor solução para combater o crime de feminicídio. 

           Deve também haver maior investimento estatal nos programas criados para o combate a violência contra a mulher, para que possa atender a maior quantidade possível de vítimas, oferecer condições para que a ofendida possa seguir com as medidas tomadas contra o ofensor, e não retorne com o relacionamento tóxico, através das seguintes medidas: aumentar o número de serviços e recursos humanos e estender a todas as cidades, não só nas capitais; investir na qualificação dos profissionais e em sistemas de informações que permitam monitorar e avaliar se tais instrumentos estatais estão sendo eficazes no enfrentamento a violência doméstica e familiar, melhorando, assim, as deficiências encontradas.

          O tratamento no tocante a violência doméstica e familiar deve ser feito de forma igualitária pelos entes da federação, não podendo ocorrer a aplicação da Lei nº 11.340/2006 sob contextos sociais e políticos adversos, de modo que configure obstáculo para o acesso das mulheres à justiça.

           Difundir por todos os meios publicitários, como rádio, TV, jornal, campanhas de conscientização, apresentar os caminhos oferecidos pela Justiça para o combate a esse problema, visando instruir, ensinar o que deve ser feito e como pode ser feito, não só mostrar os casos de violência, mas também mostrar o que poderia ter sido feito para evitar.

           Podem ser realizadas campanhas através de vídeos ou mensagens curtas que gerem impacto e que causem reflexão naqueles que assistirem, para serem transmitidas através do Youtube, WhatsApp, que estão presentes no cotidiano de grande parte da população brasileira. E ainda, investir na educação de crianças, sobre a equidade de gênero, para que este ensinamento seja repassado de geração em geração.

          Portanto, a eficácia das medidas protetivas no combate ao crime de feminicídio depende da ação do Estado e da sociedade, entendendo-se que a solução deve ser a prevenção da prática de violência doméstica e familiar contra a mulher, porque evitando-se a prática de violência, consequentemente, evita-se a prática do crime de feminicídio. 

REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto. Processo penal, 11. ed., Rio de Janeiro: Forense, São Paulo: Método, 2019. 

BIANCHINI, Alice. Lei Maria da Penha: Lei n. 11.340/2006: aspectos assistenciais, protetivos e criminais da violência de gênero. 4. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2018.

BRASIL. Lei nº 11.340, de 07 de agosto de 2006. Lei Maria da Penha. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11340.htm. Acesso em: 26 abr. 2020.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (5. Turma). HC 349.851/SP. Penal e Processo Penal. Habeas Corpus substituto de Recurso Ordinário. Estupro de vulnerável. Crime praticado por padrasto contra enteada. Aplicabilidade da Lei Maria da Penha. Caracterização da ação baseada no gênero. Writ não conhecido. Relator: Ministro Ribeiro Dantas, data de julgamento: 28/11/2017, publicado no DJe: 04/12/2017. 

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. Turma). AgInt no AREsp 608061/PE. Processual Penal. Agravo regimental em Agravo em Recurso Especial. Violência doméstica. Lei n. 11.340/2006. Medidas protetivas de urgência previstas no artigo. 22, I, II e III, da Lei n. 34 11.340/2006. Caráter penal. Aplicação das regras previstas para os recursos criminais. Agravo oferecido fora do prazo legal de 5 dias. Intempestividade configurada. Ausência de fundamentos capazes de infirmar a decisão agravada. Relator: Ministro Sebastião Reis Júnior, data de julgamento: 17/05/2016, v.u.e AgRg no REsp n. 1.441.022/MS, Ministro Gurgel de Faria, Quinta Turma, DJe 2/2/2015.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e do Territórios (3. Turma Criminal). Acórdão n. 1074073. Processo Penal. Reclamação. Violência doméstica e familiar contra a mulher. Medidas protetivas deferidas antes de ouvir o ofensor. Risco iminente. Perigo na demora. Demonstrados. Possibilidade. Suspensão da medida protetiva de afastamento do lar por ausência de risco. Não configurada. Reclamação improcedente. Relator Des. Demetrius Gomes Cavalcanti, data de julgamento: 08/02/2018, publicado no DJe: 16/02/2018. 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (3. Turma Criminal). Acordão 1139536. Apelação Criminal. Lesão corporal. Violência doméstica. Preliminar de incompetência absoluta do juízo. Improcedência. Autoria e materialidade do crime de lesão corporal demonstradas. Palavra da vítima corroborada por outros elementos de prova. Absolvição. Impossível. Fixação de reparação dos danos morais à vítima. Legitimidade do Ministério Público. Reparação de dano moral na seara criminal. Possibilidade de acordo com julgado do STJ, Tema 983. Relator: Des. Demetrius Gomes Cavalcanti, data de julgamento: 22/11/2018, publicado no DJe: 29/11/2018.

BRASIL. Tribunal de Justiça do estado de Minas Gerais (7. Câmara criminal). Apelação Criminal 1.0024.16.069799-1/001-MG. Recurso Defensivo – Preliminar de nulidade – Ofensa aos princípios do devido processo legal, contraditório e ampla defesa - Procedimento próprio- Rejeição - Lei 11.340/06 – Medidas protetivas de urgência – Deferimento liminar e confirmação ao final – Atrito familiar – Imóvel ocupado pelos envolvidos – Moradias distintas em um mesmo terreno urbano – Procedimento criminal não requerido – Desconhecimento de tal providência – Não demonstração do “fumus boni iuris” e do “periculum in mora” – Natureza excepcional e cautelar – Lapso temporal já transcorrido – Principio da razoabilidade e da segurança jurídica – Impossibilidade de perpetuação das medidas - Revogação – Imperatividade. Relator: Des. Sálvio Chaves, data de julgamento: 13/09/2017, publicado no DJe: 22/09/2017. 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (2. Turma Criminal). Acórdão n. 1018057. Agravo de Instrumento. Lei 11.340/2006. Violência doméstica. Alimentos. Competência. Extinção da obrigação. Impossibilidade. Redução do valor. Cabimento. Relatora: Desª. Maria Ivatônia, data de julgamento: 18/5/2017, publicado no DJe: 22/5/2017.

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (1. Turma criminal). Acórdão n. 1083749. Reclamação. Violência doméstica. Medidas protetivas de urgência. Prazo. Parâmetro. Proteção dos direitos fundamentais. Situação de risco e vulnerabilidade. Reclamação parcialmente provida. Relator: Des. Carlos Pires Soares Neto, data de julgamento: 15/03/2018, publicado no DJe: 22/03/2018.

CAMPOS, Beatriz Araújo. Projeto: violência doméstica. 2019. Trabalho de Conclusão de Curso (Bacharelado em Direito) - Centro Universitário de Brasília, Brasília, 2019. Disponível em: https://repositorio.uniceub.br/jspui/handle/prefix/13353. Acesso em: 26 abr. 2020. 

DISTRITO FEDERAL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios. A grande causa da violência [contra a mulher] está no machismo estruturante da sociedade brasileira. 2019. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigosdiscursos-e-entrevistas/entrevistas/2019/a-grande-causa-da-violencia-contra-a-mulher-estano-machismo-estruturante-da-sociedade-brasileira. Acesso em: 26 abr. 2020.

Entrevista realizada pela autora deste trabalho com a coordenadora do Núcleo Judicial da Mulher do TJDFT e titular do Juizado de Violência Doméstica e Familiar de Santa Maria, juíza Gislaine Carneiro Campos Reis, na data 29/08/2019.

Entrevista realizada pela autora deste trabalho com a coordenadora jurídica e defensora da Fundação de Assistência Judiciária (FAJ), Núbia Bragança, na data 29/08/2019.

Entrevista realizada pela autora deste trabalho com o promotor do MPDFT, atuante no Tribunal do Júri, Marcelo Oliveira, na data 22/08/2019.

GHISI, Ana Silvia Serrano; OLIVEIRA, Ana Claudia Delfini Capistrano de; OLIVEIRA, Paulo Rogério de Melo. Políticas de enfrentamento à violência contra as mulheres no marco dos 11 anos de Lei Maria da Penha. Revista Brasileira de Tecnologias Sociais, v. 4, n. 2, 2018. Disponível em: http://dx.doi.org/10.14210/rbts.v4n2. 

INSTITUTO DE PESQUISA DATA SENADO. Aprofundando o olhar sobre o enfrentamento à violência contra as mulheres. Brasília: Senado Federal, Observatório da Mulher Contra a Violência, 2018. 

NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas, 12 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2019. v. 1. 

ONU MULHERES. Diretrizes nacionais feminicídio: investigar, processar e julgar com perspectiva de gênero as mortes violentas de mulheres. Brasília: Enap. 2016. Disponível em: https://exposicao.enap.gov.br/items/show/267. Acesso em: 26 abr. 2020.

ZAPATA, Fabriziane. Ser mulher é estar sob risco. TJDFT, 2019. Disponível em: https://www.tjdft.jus.br/institucional/imprensa/artigos-discursos-eentrevistas/artigos/2019/ser-mulher-e-estar-sob-risco-1. Acesso em: 26 abr. 2020.

Sobre a autora
Fernanda Bispo Torres

Advogada na OAB/DF formada no Centro Universitário de Brasília (UniCEUB).Busca aprimorar o conhecimento e adquirir experiência. Realizei estágio de Nível Superior em Direito, durante 2 anos, no Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).

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