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A natureza do § 2º-B do artigo 157 do Código Penal - qualificadora ou causa de aumento/majorante do crime de roubo – e a abrangência do termo “arma de fogo de uso restrito ou proibido” do dispositivo, inserido pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime).

Agenda 22/07/2020 às 16:24

Estuda-se o § 2º-B do artigo 157 do Código Penal, especialmente quanto à sua natureza jurídica, à luz dos princípios regentes do Direito Penal e Processual Penal, bem como a abrangência do termo "arma de fogo de uso restrito ou proibido" do dispositivo.

A Lei Federal n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, também conhecida como “Pacote Anticrime”, que entrou em vigor em 23 de janeiro de 2020, trouxe diversas inovações e alterações na legislação criminal, com o escopo principal de recrudescer a resposta estatal à crescente criminalidade.

Com efeito, referida lei efetuou, por exemplo, diversas mudanças no tocante ao crime de roubo, que, aliás, exigem do aplicador do Direito uma especial atenção em virtude das sequenciais alterações legislativas pelas quais o tipo passou nos últimos tempos, mormente em relação ao emprego de arma, branca e de fogo.

A princípio, o inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal majorava a pena de um terço até metade se a violência ou ameaça fosse exercida com emprego de “arma”. Era tranquilo que o termo “arma” abrangia tanto arma de fogo quanto arma branca. Vejamos a redação do mencionado dispositivo:

 

Art. 157 (…).

(…).

§ 2º. A pena aumenta-se de um terço até metade:

I - se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma;

(…).

 

Posteriormente, a Lei Federal n. 13.654, de 23 de abril de 2018, que entrou em vigor na data de sua publicação (24/04/2018), revogou o citado inciso I do § 2º do art. 157 do Código Penal, ao tempo em que incluiu o § 2º-A no aludido artigo, que, em seu inciso I, aumentava a pena em 2/3 (dois terços) se a violência ou ameaça fosse exercida com o emprego de “arma de fogo”, excluindo, portanto, do alcance da causa de aumento o emprego de “arma branca”. In verbis:

 

Art. 157. (…).

(…).

§ 2º. A pena aumenta-se de 1/3 (um terço) até metade:

I – (revogado); (Redação dada pela Lei nº 13.654, de 2018)

(…).

§ 2º-A. A pena aumenta-se de 2/3 (dois terços): (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

I – se a violência ou ameaça é exercida com emprego de arma de fogo; (Incluído pela Lei nº 13.654, de 2018)

(…).

 

Essa alteração gerou diversas discussões. Havia quem afirmasse a inconstitucionalidade formal da supressão do inciso I do §2º do art. 157 do Código Penal, realizada pela Lei Federal n. 13.654/18, por afronta ao devido processo legislativo, com o que inclusive concordou a 4ª Câmara de Direito Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, no julgamento da Apelação Criminal n. 0022570-34.2017.8.26.0050, ocorrido no dia 08 de maio de 2018.

Tal supressão também era questionada sob o aspecto da constitucionalidade material, por violação ao princípio da proporcionalidade e por ensejar a proteção penal insuficiente (imperativo de tutela/garantismo positivo).

Nesse contexto, o reconhecimento da inconstitucionalidade, formal ou material, geraria efeito repristinatório automático da revogada majorante do emprego de arma branca no crime de roubo.

O Superior Tribunal de Justiça, sem deliberar sobre a constitucionalidade formal ou material da alteração, chegou a decidir que havia ocorrido a abolitio criminis da majorante do emprego de arma branca no roubo, e, tendo em vista o disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, era de rigor a aplicação da novatio legis in mellius, excluindo-se dita causa de aumento da “arma branca” do cálculo dosimétrico. Nesse sentido é o REsp 1519860/RJ, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 17/05/2018, DJe 25/05/2018.

Não obstante, antes que o Supremo Tribunal Federal apreciasse a questão, sobreveio a citada Lei Federal n. 13.964, de 24 de dezembro de 2019, conhecida como “Pacote Anticrime”.

Como dito, a aludida lei teve como escopo principal recrudescer a resposta estatal à crescente criminalidade e efetuou mudanças no tocante ao crime de roubo, que exigem o estudo do direito intertemporal, ante o aparente conflito de normas penais no tempo.

Pois bem, uma das mudanças foi justamente para prever expressamente como causa de aumento de pena do crime de roubo, de 1/3 (um terço) até metade, o emprego de arma branca (CP, art. 157, § 2º, inciso VII). A prevalecer a tese da abolitio criminis promovida anteriormente pela Lei Federal n. 13.654/18 no tocante à arma branca, evidentemente que a alteração prevista pelo “Pacote Anticrime”, nesse particular, é irretroativa, por ser mais gravosa ao réu (lex gravior)

Outra inovação relevante promovida pela Lei Federal n. 13.964/2019, e que é objeto deste artigo, ocorreu com a inclusão do § 2º-B no artigo 157 do Código Penal, que reza:

 

Art. 157 (…).

(…).

§ 2º-B. Se a violência ou grave ameaça é exercida com emprego de arma de fogo de uso restrito ou proibido, aplica-se em dobro a pena prevista no caput deste artigo. (Incluído pela Lei nº 13.964, de 2019)

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(…).

 

Assim, foi mantida inalterada a majorante de 2/3 (dois terços) prevista no inciso I do § 2º-A do art. 157 do Código Penal, inserida pela Lei Federal n. 13.654/2018, relativamente ao emprego de arma de fogo no crime de roubo, porém o citado § 2º-B do mesmo artigo agravou a situação do agente que, no roubo, praticar a violência ou grave ameaça com arma de fogo “de uso restrito ou proibido”, porquanto neste caso a pena deve ser aplicada em dobro.

Procurou o legislador, com isso, em homenagem aos princípios da proporcionalidade e isonomia, punir mais gravemente o agente que, no crime de roubo, fizer uso de arma de fogo com maior potencialidade lesiva e também com pior desvalor da conduta.

Dito isso, pergunta-se: o § 2º-B do artigo 157 do Código Penal é uma qualificadora ou causa de aumento/majorante do roubo?

A despeito da atecnia do legislador, que tornou obscura tal questão, há exemplos históricos que ajudam a esclarecer o problema, a exemplo da majorante do repouso noturno no delito de furto (CP, art. 155, § 1º), outrora considerada qualificadora em virtude de sua redação, porquanto o aumento é fixo em 1/3 (um terço), bem como por conta de sua posição topográfica. De há muito, porém, que se considera o repouso noturno como causa de aumento de pena no furto, seja na forma simples, seja na forma qualificada.

Ou seja, reputou-se irrelevante tanto a ausência de margem entre um mínimo e um máximo da sobredita majorante, que é fixa em 1/3 (um terço), bem como sua posição topográfica, que antecede as formas qualificadas do furto, todas previstas a partir do § 4º do art. 155 do Código Penal.

Com base na máxima do direito segundo a qual onde há a mesma razão aplica-se o mesmo direito (ubi eadem ratio ibi idem jus), esse exemplo histórico já é um forte indicativo de que o § 2º-B do artigo 157 do Código Penal é, de fato, uma causa de aumento de pena do roubo, e não uma qualificadora, embora a majorante seja fixa (“dobro”) e situada em posição topográfica pouco ortodoxa.

Mas não é só.

É cediço que o crime de roubo está inserido no Título II da Parte Especial do Código Penal, que arrola os “crimes contra o patrimônio”, bem jurídico relevante, sem dúvida, para todos em sociedade, mas não mais que a vida, tampouco do que a dignidade sexual em diversos casos etc.

Não obstante, se o § 2º-B do artigo 157 do Código Penal fosse considerada uma qualificadora, a pena-base do réu já partiria do mínimo de 08 ao máximo de 20 anos de reclusão, ou seja, de forma mais severa do que os crimes de homicídio simples (pena de 06 a 20 anos) e estupro de vulnerável (pena de 08 a 15 anos), sem prejuízo de ainda ser majorada por outras causas de aumento previstas ao longo do artigo 157 do Código Penal, podendo inclusive atingir, ao fim, uma pena mais severa do que a estabelecida para o homicídio qualificado (pena de 12 a 30 anos de reclusão).

Seria clara a violação do princípio da proporcionalidade, pelo aspecto da proibição do excesso (garantismo negativo), visto que o roubo qualificado em questão teria pena-base desproporcional a outros tipos penais que tutelam bens jurídicos mais relevantes.

E mais: por razões de política criminal, à guisa de se evitar penas de longuíssima duração pelo concurso de causas de aumento de pena previstas na parte especial, o legislador previu no parágrafo único do art. 68 do Código Penal um benefício ao réu, a saber:

 

Art. 68 - A pena-base será fixada atendendo-se ao critério do art. 59 deste Código; em seguida serão consideradas as circunstâncias atenuantes e agravantes; por último, as causas de diminuição e de aumento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)

Parágrafo único - No concurso de causas de aumento ou de diminuição previstas na parte especial, pode o juiz limitar-se a um só aumento ou a uma só diminuição, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente ou diminua.

 

Com efeito, em havendo várias causas de aumento de pena previstas na parte especial do Código Penal, pode o juiz limitar-se a um só aumento, prevalecendo, todavia, a causa que mais aumente, o que fará de forma fundamentada e à luz dos princípios e finalidades da pena.

Nesse contexto, também em homenagem ao princípio do favor rei, segundo o qual diante da existência de duas interpretações antagônicas, deve-se escolher aquela que se apresenta mais favorável ao acusado, mais uma razão exsurge para considerar que o § 2º-B do artigo 157 do Código Penal deve ser reputado como causa de aumento de pena/majorante, e não como qualificadora do crime de roubo.

Sim, pois não raro concorrem várias causas de aumento de pena no crime de roubo, de modo que, caso se entenda que o § 2º-B do artigo 157 do Código Penal é uma qualificadora, a pena-base do réu, como dito, já partiria do mínimo de 08 ao máximo de 20 anos de reclusão, e ainda poderia ser majorada por outra ou outras causas de aumento de pena previstas na parte especial do Código Penal.

Tudo a corroborar a tese de que o § 2º-B do artigo 157 do Código Penal deve ser valorado como causa de aumento/majorante do crime de roubo, e não qualificadora.

Nos dizeres do Mestre Cesare Beccaria, autor da indelével obra “Dos delitos e das penas”, precursora do princípio da proporcionalidade no tocante à pena: “a certeza de um castigo, mesmo moderado, causará sempre impressão mais intensa que o temor de outro mais severo, aliado à esperança de impunidade”.

Dito isso, outra indagação surge a respeito do § 2º-B do artigo 157 do Código Penal, qual seja, qual a abrangência do termo “arma de fogo de uso restrito ou proibido” em tal dispositivo?

Pois bem, sabe-se que o § 1º art. 16 da Lei 10.826/03 (“Estatuto do Desarmamento”) equipara, para fins de pena, diversas condutas àquelas previstas no caput do referido artigo.

A partir de 27 de outubro de 2017, quando entrou em vigor a Lei Federal n. 13.497, de 26 de outubro de 2017, iniciou-se uma celeuma jurídica cuja conclusão esclarece a abrangência do termo “arma de fogo de uso restrito ou proibido”, inserto no § 2º-B do artigo 157 do Código Penal.

É que a Lei Federal n. 13.497/2017 mudou a redação do parágrafo único do art. 1º da Lei Federal n. 8.072/90 (“Lei dos Crimes Hediondos”), para estabelecer que também era hediondo o crime de posse ou porte ilegal de arma de fogo de uso restrito, previsto no art. 16 da Lei no 10.826, de 22 de dezembro de 2003, todos tentados ou consumados.

A celeuma era a seguinte: a hediondez abrangia todas as condutas do art. 16 da Lei 10.826/2003 ou só a forma básica, tipificada no caput? Isso porque várias condutas do § 1º do referido artigo eram passíveis de serem cometidas por meio de armas de fogo de uso permitido, cuja lesividade é menor do que aquelas concernentes às armas de fogo classificadas, a rigor, como de uso restrito ou proibido.

A conclusão prevalecente foi a de que a figura hedionda abrangia completamente o art. 16 da Lei 10.826/2003, ou seja, seu caput e as formas equiparadas, à míngua de distinção na Lei Federal n. 13.497/2017, que, portanto, não caberia ao intérprete fazer. Cita-se, nesse sentido, o HC 526.916/SP, julgado em 01/10/2019 pela Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça.

Destarte, reitera-se que a mesma razão autoriza o mesmo direito, de sorte que a abrangência do termo “arma de fogo de uso restrito ou proibido”, inserto no § 2º-B do artigo 157 do Código Penal, é ampla, abarcando, portanto, as condutas equiparadas do art. 16 da Lei 10.826/2003, e não só a forma básica, prevista em seu caput.

Por óbvio que, em virtude do disposto no art. 5º, XL, da Constituição Federal, segundo o qual “a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu”, o § 2º-B do artigo 157 do Código Penal é irretroativo.

Vale dizer, por fim, que a Lei Federal n. 13.964/2019 (“Pacote Anticrime”), por sua vez, incluiu no art. 1º, inciso II, alínea “b”, da Lei Federal n. 8.072/90, a figura hedionda do crime de roubo circunstanciado pelo emprego de arma de fogo (art. 157, § 2º-A, inciso I) ou pelo emprego de arma de fogo de uso proibido ou restrito (art. 157, § 2º-B), tornando inequívoco que as inovações e alterações na legislação criminal tiveram o escopo principal de recrudescer a resposta estatal à crescente criminalidade.

Sobre o autor
Tiago Quintanilha Nogueira

Promotor de Justiça no Estado do Maranhão. Graduado em 2009 em Direito pelo Centro Universitário Anhanguera de Campo Grande (Unaes). Aprovado em 2009 no exame da Ordem dos Advogados do Brasil. Pós-graduado em direito civil e direito processual civil pela Anhanguera Uniderp. Pós-graduado em direito tributário pela LFG em parceria com a Anhanguera Uniderp.

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Artigo elaborado para auxiliar os operadores do Direito a capitular e valorar adequadamente o § 2º-B do artigo 157 do Código Penal, inserido pela Lei n. 13.964/2019 (Pacote Anticrime).

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