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A GESTÃO DA INSOLVÊNCIA EM TEMPOS DE CRISE

A busca pelo binômio perfeito

Com a instabilidade em diversos setores econômicos, a condução dos processos voltados ao socorro das empresas viáveis deverá pautar-se em bases sólidas de transparência, boa-fé e diálogo, sendo decisivo o papel desempenhado pelo Administrador Judicial

Eventos sociais e econômicos da pandemia do COVID-19 cominaram na necessidade de readequação das sistemáticas de Recuperação Judicial e Falência por todo o território nacional.

O Banco Mundial[1] estima queda brusca no Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro para o corrente ano de 2020, com retomada tímida para os exercícios vindouros, fator a representar o encadeamento não apenas a momentâneo, como a futura dificuldade financeiras no país.

Tal constatação implica na desaceleração da economia, colocando em risco direto a subsistência de pequenos, médios e grandes negócios, condição que acarreta – consequentemente – no aumento das demandas de insolvência dentro do ecossistema jurídico brasileiro.

Considerado o paralelo entre o caráter emergencial das demandas de insolvência e a ausência de legislação em vigor que dê guarida às empresas que vêm enfrentando dificuldades financeiras, advém a necessidade de consolidar-se empiricamente e com fundamento na jurisprudências dos Tribunais pátrios métodos alternativos para o alcance de situação justa e benéfica à devedores e credores, buscando-se amenizar os efeitos da crise.

Nesse sentido, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) promulgou a Recomendação Nº 63[2] de 31.03.2020, contendo em seus dispositivos diretrizes que buscam tanto assegurar o isolamento social, preservando-se o bem maior da vida, quanto a disponibilização de recursos e flexibilização de prazos para o adimplemento das obrigações constituídas no bojo da Recuperação Judicial.

Ainda nesse propósito, o Projeto de Lei 1397/20, de relatoria do Deputado Hugo Leal, apresentado em 01.04.2020 e aprovado em 21.05.2020, pendente de análise pelo Senado Federal.

Referido instrumento traz, dentre outras diretivas, a proteção para empresas em Recuperação Judicial no que se refere à convolação em falência, despejo, resolução de contratos e incidência de multas, em caráter transitório, com vigência prevista até o encerramento do corrente ano.

Destaca-se do texto legislativo o parágrafo único do artigo 4º, que dispõe sobre a orientação de negociação direta dos devedores com seus credores, circunstância a ser mantida após a propositura da demanda, que nos termos do artigo consecutivo, passarão a contar com a supervisão judicial.

Nesta linha de preocupação, recentemente, em 13.07.2020, a Corregedoria Geral da Justiça do Estado de São Paulo publicou o Provimento 19/20 que dispõe sobre a criação de projeto-piloto de mediação pré-processual para apoio à renegociação de obrigações relacionadas aos empresários e sociedades empresárias, incluindo as individuais, de micro, pequeno e médio porte (MEI, ME e EPP) decorrentes dos efeitos da Covid-19.

O referido provimento, dentre outros fatores, teve como fundamento basilar a “importância de se estabelecer tratamento adequado e preventivo aos conflitos que poderão surgir na área concursal diante do momento atual, sobretudo em razão da queda de receitas e da crise sistêmica instalada, estimulando ferramentas que apoiem as partes na renegociação de contratos e de dívidas, conforme disposição do artigo 3º, §3º do Código de Processo Civil e a Política Nacional de tratamento adequado dos conflitos de interesses implementada pelo Conselho Nacional de Justiça, a partir da edição da Resolução nº 125/2010, com adaptação ao perfil específico de apoio à renegociação de obrigações relacionadas aos empresários e sociedades empresárias, incluindo as individuais, de micro, pequeno e médio porte (MEI, ME e EPP) e de funcionamento integralmente remoto”.

Espera-se com o projeto a homologação de acordos de mediação no tempo exíguo de aproximadamente 45 (quarenta e cinco) dias, revelando a importância desta iniciativa como medida de enfrentamento da crise causada pela pandemia do COVID-19.

Nota-se, portanto, a movimentação de órgãos do Poder Judiciário e do Poder Legislativo, aquele com maior efetividade comparado ao segundo, na implementação de medidas para minimização dos impactos negativos esperados com o cenário atual de crise econômica global.

No entanto, o aumento expressivo dos pedidos de recuperação judicial será inevitável, cujo crescimento exponencial já foi evidenciado nas pesquisas do Serviço Central de Proteção ao Crédito (SCPC) que destacam aumento de 82,2% dos pedidos apenas na variação entre os meses de maio e junho de 2020[3].

Nesse panorama de absoluta instabilidade em diversos setores econômicos, a condução dos processos voltados ao socorro das empresas viáveis deverá pautar-se em bases sólidas de transparência, boa-fé e diálogo, sendo o papel desempenhado pelo Administrador Judicial no gerenciamento do procedimento elemento decisivo neste alcance.

Da mesma forma que determinados seguimentos de mercados reagirão à crise em razoável curto período, haverá setores que enfrentarão dificuldade na geração de caixa de maneira perene.

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Assim, incumbe ao Administrador Judicial estar muito atento às variações de resultado das empresas na fiscalização mensal das atividades e compará-las àquelas incorridas nas demais empresas do mesmo seguimento, de modo a validar eventual nefasto efeito desencadeado pela pandemia ou a refutar possível prática fraudulenta de manipulação de dados financeiros, contábeis ou econômicos.

A almeja manutenção da empresa, especialmente em tempos de crise mundial, está intimamente atrelada à assertividade das informações publicitadas pelo Administrador Judicial, de modo a garantir aos credores segurança na tomada de decisão, evitando que estes se tornem os futuros devedores.

O plano de recuperação judicial deve mostrar-se factível com a real capacidade de cumprimento, o que deve ser validado pelos credores com base nos dados apurados na fiscalização das atividades pelo auxiliar da Justiça.

Deste modo, para as empresas que se socorreram do procedimento recuperacional em decorrência do atual cenário econômico, caberá ao administrador judicial além de avaliar os índices de seu desempenho sopesar a respeito da oportunidade e conveniência da deliberação pelos credores sobre os planos de recuperação judicial nos prazos ordinários previsto na Lei 11.101/2005 ou sugerir a postecipação da deliberação para momento de maior estabilidade e previsibilidade econômico-financeira.

Na mesma linha, para as empresas que já processavam sua recuperação judicial, porém cujas premissas econômicas e financeiras que basearam as previsões dos planos de recuperação judicial sofreram substancial modificação, competirá ao Colaborador da Justiça pronunciar-se com precisão sobre o real impacto da crise no fluxo de caixa realizado pelas atividades e eventual prejudicialidade ao fluxo projetado no plano em vigor.

A presente reflexão em relação aos processos de recuperação judicial em curso desde o período pré-pandêmico não distingue se a tomada de decisão cabe exclusivamente aos credores ou se o próprio Judiciário pode deliberar, ante o caráter emergencial, pedidos de cunho eminentemente negocial, como a suspensão de pagamentos.

Seja como for, fato é que a tomada de decisão deve ser subsidiada por dados apurados pela Administração Judicial sobre os reflexos nefastos, ou não, da pandemia, competindo-lhe no dever de fiscalizar as atividades, também o de investigar pontual má-fé processual ou abuso da personalidade jurídica.

Assim, busca pelo binômio perfeito entre o fluxo de caixa identificado no acompanhamento mensal das atividades e as projeções contidas no plano de recuperação judicial, desponta como objetivo a ser perseguido afim de garantir segurança e confiabilidade aos procedimentos de recuperação judicial, cabendo ao Administrador Judicial, no desempenho das suas atividades, o dever de efetuar análise crítica do caso concreto.

 


[1] Fonte: https://data.worldbank.org/country/brazil?locale=pt

[2] Veja-se em: https://atos.cnj.jus.br/atos/detalhar/3261

[3][3] Fonte: https://www.boavistaservicos.com.br/noticias/pedidos-de-falencia-sobem-289-em-junho/

Sobre os autores
Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial

O Centro de Mulheres na Reestruturação Empresarial visa a promover eventos, discussões e conteúdo jurídico de qualidade vinculados à área de reestruturação de empresas.

Beatriz Faneca

Advogada especializada em Rastreio e Recuperação de Ativos. Sócia do Faneca Advogados. Diretora Presidente do IWIRC Brazil.

Carolina Merizio

Advogada, sócia na Capital Administradora Judicial, Vice-Presidente do IRB e Diretora de Projetos do IWIRC Brazil

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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