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Processo Penal, Prova Emprestada e o Efetivo Contraditório

Por Caroline do Rêgo Barros

Agenda 24/07/2020 às 17:20

No âmbito do direito criminal tem-se admitido o uso da prova emprestada desde que respeitado o efetivo contraditório. Mas, afinal, o que é o contraditório efetivo? Como tem entendido a Jurisprudência e a doutrina sobre o tema?

1. Da prova emprestada

Prova emprestada ou compartilhada é a prova oriunda da importação de elementos de prova  não constituído nos autos a quem se atribuirá valor dentro de um contexto probatório diverso, em atenção a um direito de prova ou em vista a economia processual. (cf. Cf. ROSA, Alexandre de Morais da. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. Ed. Emais, 6ª ed. rev. atua e ampl. Pag, 673)

Ela tem sido admitida nos processos criminais, desde que respeitado o respectivo contraditório e possibilitado a ampla defesa (cf. STF, HC 78.749, Rel. Sepúlveda Pertence).

O Ministro Celso de Mello oportunamente já salientou que “a prova emprestada, quando produzida com transgressão ao princípio constitucional do contraditório, notadamente se utilizada em sede processual penal, mostra-se destituída de eficácia jurídica, não se revelando apta, por isso mesmo, a demonstrar, de forma idônea, os fatos a que ela se refere”  (cf. RHC 106.398/SP, Rel. Min. Celso de Mello, Segunda Turma, julgado em 04/10/2011, DJe 02/04/2012.)

2. Da Divergência jurisprudencial e doutrinária a respeito da efetividade do contraditório efetivo em sede de prova emprestada em matéria criminal.

Uma vez definido que os limites cognitivos da prova emprestada estão visceralmente atrelados a efetividade do contraditório, necessário estabelecer quando ele se faz presente. 

A doutrina e jurisprudência, contudo, não são uníssonas quanto ao tema. 

Isto porque, enquanto para uns a efetividade do contraditório só será efetivada quando houver identidade de partes entre o processo originário e de destino. Para outros, o uso da prova emprestada não poderia estar atrelado à identidade das partes vez que reduziria, consideravelmente o espectro de sua aplicação. 

O Superior Tribunal de Justiça, notadamente a partir de 2014, com o julgamento do ERESP 617.428 pela Corte Especial, tem seguido a segunda corrente, no sentido de que independentemente de haver identidade de partes seria possível o empréstimo de provas desde que respeitado o contraditório no processo de “destino”, pois ele seria “requisito primordial para o aproveitamento da prova emprestada”. 

Naquele julgado e nos termos da relatora, Ministra Nancy Andrighi. "assegurado às partes o contraditório sobre a prova, isto é, o direito de se insurgir contra a prova e de refutá-la adequadamente, afigura-se válido o empréstimo”. 

Dita compreensão vem sendo observada, em maior ou menor extensão, até hoje, pelas duas Turmas do Superior Tribunal de Justiça. 

Eis precedente da Quinta Turma: 

“[...] Conforme entendimento desta Corte Superior, uma vez garantido às partes do processo o contraditório e ampla defesa por meio de manifestação quanto ao teor da prova emprestada, como no caso dos autos, não há vedação para sua utilização, ainda que não exista identidade de partes com relação ao processo na qual foi produzida" (AgRg no AREsp 1.104.676/SP, Rel. Ministro JORGE MUSSI, QUINTA TURMA, julgado em 11/12/2018, DJe 01/02/2019).

Também da Sexta Turma: 

No processo penal, admite-se a prova emprestada, ainda que proveniente de ação penal com partes distintas, desde que assegurado o exercício do contraditório. (REsp 1561021/RJ, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, Rel. p/ Acórdão Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 03/12/2015, DJe 25/04/2016)

Em sentido diametralmente oposto à compreensão que majoritariamente que firmou no âmbito do Superior Tribunal de Justiça é a compreensão da doutrina nacional. 

Para a doutrina, mais garantistas e restritiva quanto ao uso da prova emprestada, a efetividade do contraditório está atrelada a interferência da parte na produção da prova. Com efeito, entendem que o empréstimo de prova é adstrito a processos/procedimentos com identidade de partes ou, ao menos, que a parte contra quem se pretende utilizar a prova participe de ambos dos procedimentos e que, neles seja respeito ao contraditório. 

Nesse sentido Ada Pellegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes  quando destacam que:

“[...] Aplicam-se à prova emprestada os princípios constitucionais que regem a prova em geral. Por isso mesmo, o primeiro requisito constitucional de admissibilidade da prova emprestada é o de ter sido produzida em processo formado entre as mesmas partes ou, ao menos, em processo em que tenha figurado como parte aquele contra quem se pretenda fazer valer a prova. Isso porque o princípio constitucional do contraditório exige que a prova emprestada somente possa ter valia se produzida, no primeiro processo, perante quem suportará seus efeitos no segundo, com a possibilidade de ter contado, naquele, com todos os meios possíveis de contrariá-la. [...]” (cf. Cf. As Nulidades no Processo Penal. 11ª ed., ver., atual. e ampl., São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2009, pág. 117)

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Ainda advogam nessa linha de raciocínio Júlio Fabbrini Mirabete (Cf. MIRABETE, Julio Fabbrini. Processo Penal. 16ª ed., São Paulo: Atlas S/A, 2004, pág. 282), José Nereu Giacomole  (Cf. GIACOMOLLI, Nereu José. O devido processo penal: abordagem conforme a Constituição Federal e o Pacto de São José da Costa Rica. São Paulo: Atlas, 2014, p.174) e Alexandre de Morais da Rosa (Cf. ROSA, Alexandre de Morais da. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. Ed. Emais, 6ª ed. rev. atua e ampl. Pag, 673), dentre tantos outros. 

No STJ, ainda, encontramos uma corrente minoritária apontando a imprescindibilidade de que a parte contra quem se pretenda usar a prova emprestada haja participado do processo originário e, com efeito, exercido o contraditório em sua formação. 

[…] A jurisprudência é firme na compreensão de que admite-se, como elemento de convicção, a prova produzida em outro processo, desde que a parte a quem a prova desfavorece houver participado do processo em que ela foi produzida, resguardando-se, assim, o contraditório, e, por consequência, o devido processo legal substancial. Assim, produzida e realizada a prova em consonância com os preceitos legais, não há falar em decreto de nulidade.(AgRg no HC 289.078/PB, Rel. Ministro ANTONIO SALDANHA PALHEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 15/12/2016, DJe 15/02/2017).

3. Do contraditório efetivo na prova emprestada

Certo, porém, que a despeito da divergência a respeito do tema, a efetividade do contraditório está umbilicalmente atrelada a possibilidade de a parte participar efetivamente da produção da prova, lhe oportunizando influir diretamente no meio de prova, interferência direta, intitulada por Alexandre de Morais da Rosa de direito ao embate (cf. ROSA, Alexandre de Morais da. Guia do Processo Penal conforme a teoria dos jogos. Ed. Emais, 6ª ed. rev. atua e ampl. Pag, 673).

É que, nos termos da mais abalizada doutrina de Aury Lopes Jr, o contraditório é um método de confronto da prova  e, como tal, deve ser assegurado à parte, não apenas informação a respeito do seu conteúdo, mas, também, e principalmente, a possibilidade de contradizê-lo em paridade de armas. (cf. Cf. LOPES JR, Aury. Direito Processual Penal. 15ª ed. São Paulo: Saraiva, pag. 97)

Ora, a produção da prova, para assegurar o contraditório, impõe que a parte tenha sobre ela poder de interferência narrativa. É dizer, que a parte possa realizar requerimentos ou questionamentos à luz da narrativa por ele escolhida. 

Nesse sentido, é o lapidar voto do Ministro Sebastião Reis nos autos do 1.561.021/RJ que, embora vencido, traz justamente a perspectiva penal do efetivo contraditório fugindo do sentimento punitivista e que “tudo vale” que vem se instaurando nas Cortes do país. No caso, defendeu o i. Ministro do STJ que: 

“[...] Em matéria probatória, o princípio do contraditório se expressa pelo contraditar provando e por meio de contraprovas. É o direito de participação das partes na atividade instrutória, entendido não como a mera presença, mas sim como a real possibilidade de influenciar o convencimento do magistrado.

Com efeito, é de se ter em mente que dada a necessidade de participar efetivamente da produção da prova, inquirindo a respeito de sua legitimidade, legalidade e autenticidade das informações nela consignadas é imprescindível que a parte contra quem vá se utilizar da prova tenha participado de ambos os processos.

"[...] O princípio constitucional do contraditório (audiatur et altera pars) exige que a prova somente tenha valia se produzida diante de quem suportará seus efeitos, com a possibilidade de contrariá-la por todos os meios admissíveis. Daí porque a prova emprestada somente poderá surtir efeitos se originariamente colhida em processo entre as mesmas partes ou no qual figura como parte quem por ela será atingido. Em hipótese alguma, por violar o princípio constitucional do contraditório, gerará efeitos contra quem não tenha figurado como uma das partes no processo originário [...]" (Cf. ARANHA, Adalberto José Camargo. Da Prova no Processo Penal. 2ª ed., São Paulo: Saraiva, 1987, pág. 189/190)

E nem se fale que a simples oportunização do contraditório no processo de “destino” é suficiente para a efetividade do contraditório, como tem apregoado a corrente majoritária do Superior Tribunal de Justiça. 

No que diz respeito a prova testemunhal, dúvidas não há de que a participação da parte na inquirição direta da testemunha é medida imprescindível, pois, apenas a partir de tal confronto é que será possível à parte realizar esclarecimentos sobre quaisquer dados e informações que possam lhe parecer desfavoráveis. O simples repasse de um testemunho a outro processo, impede a parte de esclarecer. Sendo certo, afirmar que apenas o direito de sobre ela se manifestar não garante a plenitude da defesa que, sempre, deve ser observada. 

Por outro lado, no que diz respeito a provas provenientes, por exemplo, de medidas cautelares, interceptações telefônicas e quebras de sigilo, faz parte do efetivo contraditório o questionamento à licitude das medidas, de sorte que, ao ser importada de outro processo em que já tenha sido validada, dificilmente o magistrado do outro procedimento irá refutar a sua licitude acarretando, com isso, prejuízo a defesa da parte. 

4. Das conclusões 

Embora a utilização da prova emprestada tenha por finalidade precípua a economia processual e, até mesmo, a efetivação do direito à prova, indispensável que ela seja utilizada à luz das garantias constitucionais da ampla defesa e do contraditório a partir da interferência direta da parte na produção e questionamento do meio de prova, de sorte que, qualquer forma de reduzir essa participação é um meio de burlar o direito  ampla defesa, algo que, não deve ser permitido no sistema penal de um estado democrático de direito. 

Sobre a autora
Caroline do Rêgo Barros

Advogada Criminalista. É Pós-Graduada em Ciências Criminais pelo Instituto Brasileiro de Ciências Jurídicas (IBCJUS). É Pós-Graduada em Direito Civil e Processo Civil pela Escola da Magistratura de Pernambuco (ESMAPE).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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