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"Pau que dá em Chico, dá em Francisco". O Acordo de Não Persecução Penal, inovação da Lei n.º 13.964/19. Via para excessos pelo Ministério Público?

A parcial e incipiente inconstitucionalidade do acordo de não persecução penal (ANPP) estruturado pela reforma parcial do Código de Processo Penal.

Agenda 29/07/2020 às 18:27

O dispositivo do artigo 28-A do Código de Processo Penal, ao prever critério subjetivo para o Representante do Parquet ofertar o acordo de não persecução penal, está sendo inconstitucional?

 

A introdução da Lei n.º 13.964/2019 no ordenamento jurídico brasileiro, além do juiz de garantias, introduziu por meio de seu artigo 3º o denominado “acordo de não persecução penal” (ANPP), que assim alterou a redação do Código de Processo Penal, criando o artigo 28-A e incisos, passando a prever:

“Art. 28-A. Não sendo caso de arquivamento e tendo o investigado confessado formal e circunstancialmente a prática de infração penal sem violência ou grave ameaça e com pena mínima inferior a 4 (quatro) anos, o Ministério Público poderá propor acordo de não persecução penal, desde que necessário e suficiente para reprovação e prevenção do crime, mediante as seguintes condições ajustadas cumulativa e alternativamente:
 I - reparar o dano ou restituir a coisa à vítima, exceto na impossibilidade de fazê-lo;
 II - renunciar voluntariamente a bens e direitos indicados pelo Ministério Público como instrumentos, produto ou proveito do crime;
 III - prestar serviço à comunidade ou a entidades públicas por período correspondente à pena mínima cominada ao delito diminuída de um a dois terços, em local a ser indicado pelo juízo da execução, na forma do art. 46 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal);
 IV - pagar prestação pecuniária, a ser estipulada nos termos do art. 45 do Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940 (Código Penal), a entidade pública ou de interesse social, a ser indicada pelo juízo da execução, que tenha, preferencialmente, como função proteger bens jurídicos iguais ou semelhantes aos aparentemente lesados pelo delito; ou
 V - cumprir, por prazo determinado, outra condição indicada pelo Ministério Público, desde que proporcional e compatível com a infração penal imputada.
 § 1º Para aferição da pena mínima cominada ao delito a que se refere o caput deste artigo, serão consideradas as causas de aumento e diminuição aplicáveis ao caso concreto.
 § 2º O disposto no caput deste artigo não se aplica nas seguintes hipóteses:
 I - se for cabível transação penal de competência dos Juizados Especiais Criminais, nos termos da lei;
 II - se o investigado for reincidente ou se houver elementos probatórios que indiquem conduta criminal habitual, reiterada ou profissional, exceto se insignificantes as infrações penais pretéritas;
 III - ter sido o agente beneficiado nos 5 (cinco) anos anteriores ao cometimento da infração, em acordo de não persecução penal, transação penal ou suspensão condicional do processo; e
 IV - nos crimes praticados no âmbito de violência doméstica ou familiar, ou praticados contra a mulher por razões da condição de sexo feminino, em favor do agressor.
 § 3º O acordo de não persecução penal será formalizado por escrito e será firmado pelo membro do Ministério Público, pelo investigado e por seu defensor.
 § 4º Para a homologação do acordo de não persecução penal, será realizada audiência na qual o juiz deverá verificar a sua voluntariedade, por meio da oitiva do investigado na presença do seu defensor, e sua legalidade.
 § 5º Se o juiz considerar inadequadas, insuficientes ou abusivas as condições dispostas no acordo de não persecução penal, devolverá os autos ao Ministério Público para que seja reformulada a proposta de acordo, com concordância do investigado e seu defensor.
 § 6º Homologado judicialmente o acordo de não persecução penal, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para que inicie sua execução perante o juízo de execução penal.
 § 7º O juiz poderá recusar homologação à proposta que não atender aos requisitos legais ou quando não for realizada a adequação a que se refere o § 5º deste artigo.
 § 8º Recusada a homologação, o juiz devolverá os autos ao Ministério Público para a análise da necessidade de complementação das investigações ou o oferecimento da denúncia.
 § 9º A vítima será intimada da homologação do acordo de não persecução penal e de seu descumprimento.
 § 10. Descumpridas quaisquer das condições estipuladas no acordo de não persecução penal, o Ministério Público deverá comunicar ao juízo, para fins de sua rescisão e posterior oferecimento de denúncia.
 § 11. O descumprimento do acordo de não persecução penal pelo investigado também poderá ser utilizado pelo Ministério Público como justificativa para o eventual não oferecimento de suspensão condicional do processo.
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 § 12. A celebração e o cumprimento do acordo de não persecução penal não constarão de certidão de antecedentes criminais, exceto para os fins previstos no inciso III do § 2º deste artigo.
 § 13. Cumprido integralmente o acordo de não persecução penal, o juízo competente decretará a extinção de punibilidade.
 § 14. No caso de recusa, por parte do Ministério Público, em propor o acordo de não persecução penal, o investigado poderá requerer a remessa dos autos a órgão superior, na forma do art. 28 deste Código.” (grifo nosso).
 
Conforme se constata e verifica, o dispositivo prevê pré requisitos para entabulamento do acordo de não persecução penal (ANPP), trata-se de uma norma legal, ao ver deste autor, insuficientemente discutida no Congresso Nacional, possuindo equivocado parâmetro de proposição exclusiva pelo Ministério Público, inclusive, com brechas legais claras, para que possa propor tal benesse com base em critérios claramente subjetivos e não isonômicos, nesse sentido, vide por exemplo, o termo “poderá”, assinalado no caput do artigo 28-A, o que em tese, é inconstitucional à luz do fato que o artigo 5º, incisos I, VIII, XXXV, XXXVI e XXXVII da CF/88, assinalam:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximir-se de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir prestação alternativa, fixada em lei;
XXXV - a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito;
XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;
XXXVII - não haverá juízo ou tribunal de exceção;
 

Claramente se tem a partir da análise de tais dispositivos constitucionais, a dissonância da inovação legal para fins de requisitos quanto à sua concepção no caso concreto; em tese, permitindo que o parquet, literalmente só venha a propor o acordo quando lhe competir (temerário critério subjetivo), e não de forma isonômica e compulsória, quando demonstrado pelo defensor e acusado, a presença dos requisitos objetivos constantes na primeira parte do caput do artigo 28-A e seus § 1º e § 2º do Código de Processo Penal.

Não pode por clara afronta ao arcabouço jurídico, conceber tal concentração de poder a um agente do Direito, para que tenha toda a liberdade de decidir SOZINHO pelo prosseguimento do processo penal, não obstante, se trate formalmente de seu titular; pois na questão, está em análise a possibilidade de um cidadão ter a sua liberdade cerceada mais adiante.

Apenas o Estado é exclusivo e hábil a resolver os litígios, sendo vedado aos particulares resolvê-los por si só tal como se fazia pela Lei de Talião. O Estado tem o poder-dever de exercer a jurisdição sempre que provocado, não podendo se eximir desta importante tarefa para a pacificação social, ele é o titular supremo do ius puniendi.

Mediante a necessária ressalva à ação penal privada e à figura do assistente de acusação, no processo penal, o autor da ação, normalmente o Ministério Público, não exerce qualquer direito face ao Estado, mas apenas exerce o dever resultante da concretização de fato tipicamente descrito em lei, sendo o Parquet único legitimado para a persecução penal.

O Supremo Tribunal Federal mediante análise do RE n.º. 383.974/DF de relatoria da Eminente ex-Ministra Ellen Gracie, assinalou que embora o princípio do promotor natural seja de suma importância para o desenrolar de um processo penal onde se garanta ao réu a fixação do órgão de acusação previamente, sob critérios impessoais, tal princípio vem sendo negado pelo Supremo Tribunal Federal que entende ser este incompatível com a indivisibilidade do Ministério Público, ou seja, o Ministério Público, tem de fato a autonomia para se organizar e distribuir seus procedimentos como quiser, com a ressalva de observar, ele também, os preceitos constitucionais inerentes ao seu múnus no que se referir à persecução penal; agindo assim em consonância com o que prevê o caput do artigo 37 da Carta Magna:

Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:

 

O Ministério Público não deve ser considerado um órgão de acusação, mas sim um órgão legitimado para a acusação nas ações penais públicas, pois, não é por ser o titular desta e por estar ligado ao princípio da obrigatoriedade de oferecimento da denúncia que o parquet deve, fundamentalmente, fazê-lo.

Todavia, mediante a promulgação do artigo 28-A do CPP com a redação deveras obscura que se encontra, dar-se sim, margem para que o parquet com base em critérios pessoais e subjetivos opte por firmar ou não acordo de não persecução penal, e isto é péssimo para o Direito brasileiro, isto é atentatório à Constituição Federal, e não me surpreendo se já estiver em curso, ou na sua iminência, o trâmite de ADin perante o STF para discussão da questão.

Imagine-se a situação em que o promotor já recebeu várias denúncias anônimas contra determinado cidadão pela prática recorrente do crime de desmatamento configurado no artigo 50-A da Lei n.º 9.605/98, e mesmo no primeiro processo penal efetivamente instaurado contra o mesmo, disso sabendo, se recuse em firmar acordo de não persecução penal, tão somente por ser conhecedor de tais denúncias não apuradas em seu conjunto? Decerto, o cidadão em questão, talvez apenas uma vítima de calúnias, será prejudicado e possivelmente penalizado injustamente, ora, não é esse o papel da Justiça!

Enquanto órgão estatal, o Ministério Público não deve primar pela acusação, mas sim pelo respeito à ordem jurídica, mesmo que a norma assim o incite a não fazê-lo por obscura e temporária falha redacional. Posto que assim agindo, fará presumir pela sua imparcialidade na jurisdição penal, devendo ele, tão-somente, perquirir pelo efetivo respeito ao Direito, eis que na questão, até o magistrado está limitado.

Impende consignar, consoante assevera o brioso doutrinador Eugênio Pacelli de Oliveira1, que a obrigatoriedade de oferecimento da denúncia a qual está vinculado o parquet, está condicionada ao seu convencimento acerca dos fatos investigados, tanto isso é verdade que o Ministério Público pode requerer arquivamento de inquérito quando se depara com provas insubsistentes tal qual já o permite o artigo 28 do mesmo CPP, portanto, pode recorrer em favor do acusado, etc.. Ele possui inteira liberdade na apreciação dos fatos e do direito, ou seja, cabe ao Ministério Público tanto primar pela condenação do culpado quanto pela absolvição do inocente, e não apenas a primeira função.

A celeuma estabelecida com a obscura redação do artigo 28-A do CPP, reside tão somente quanto à temeridade que se mostra a permissão do MP poder com base em critérios subjetivos OPTAR pela realização ou não do ANPP. No humilde entender deste autor, o legislador foi infeliz, e apenas criou mais um módulo de burocracia judicial, esse apenas mais ressaltado pela possibilidade do acusado e seu defensor recorrer a “órgão superior” (§ 14 do art. 28-A e art. 28 ambos do CPP) em caso de negativa da propositura do ANPP pelo promotor — mais um abacaxi para advogados e magistrados.

Possivelmente, será esta a controvérsia a ser sanada pelo STF brevemente: PODE O MINISTÉRIO PÚBLICO RECURSAR-SE A PROPOR ACORDO DE NÃO PERSECUÇÃO PENAL, MESMO QUANDO PRESENTES TODOS OS REQUISITOS OBJETIVOS DO ARTIGO 28-A DO CPP E DEMAIS NORMAS LEGAIS CORRELATAS?

Sobre o autor
Rodrigo Reis Ribeiro

Advogado, sócio-gerente da firma de advocacia Costa e Reis Advogados e Associados com sede em Porto Velho-RO, professor, empresário, escritor.

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