A “adoção avoenga”, como é chamada a adoção feita pelos avós, é vedada pelo parágrafo 1º do Artigo 42 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Mesmo diante da vedação expressa, tal proibição nos parece, salvo melhor juízo, totalmente descolada da realidade praticada em muitas famílias brasileiras, embaladas em conceitos, princípios e institutos muito mais dinâmicos, tal como a “socioafetividade”.
O dinamismo com o qual as relações familiares tomam novas formas, no País, demonstra exatamente o contrário do apregoado pelo ECA. Em muitas das vezes, os avós assumem o papel de pais de fato de crianças e adolescentes sob a sua guarda, mesmo que sejam excluídos da possibilidade legal da adoção.
Todavia, mesmo diante dos limites impostos pela Lei, o Egrégio Superior Tribunal de Justiça adotou, em recente julgado, a permissão da mitigação, em casos excepcionais, em prol do melhor interesse da criança e do adolescente, reconhecendo, na decisão proferida, a procedência da pretensão da avó paterna e de seu companheiro, quanto à adoção de seu neto, com total concordância dos pais biológicos da criança.
Nesta decisão, o Eminente Ministro Luis Felipe Salomão, proferiu voto, na qualidade de relator do recurso, alinhando 0 seu entendimento à jurisprudência daquela Egrégia Corte: “Constata-se a existência de precedentes da Terceira Turma que mitigam sua incidência em hipóteses excepcionais envolvendo crianças e adolescentes, e desde que verificado, concretamente, que o deferimento da adoção consubstancia a medida que mais atende ao princípio do melhor interesse do menor, sobressaindo reais vantagens para o adotando.”
De fato, justifica-se a adoção da criança, pelos avós, diante do largo respaldo oferecido pelas estruturas familiares em constante mutação e evolução, muitas vezes, como in casu, não acompanhadas pela legislação pátria.
Dessa forma, vê-se a necessidade da aplicação de uma ação multidisciplinar sistêmica, levando-se em conta os aspectos individuais de cada caso concreto, bem como os direitos de terceira geração.
Segundo o entendimento doutrinário majoritário, deve-se manter a vedação legal da “adoção avoenga” pelos mais diversos motivos, dentre eles, para evitar fraudes no sistema previdenciário, e o afastamento de problemas futuros na herança.
Contudo, não devemos nos esquecer que os destinatários da proteção e atenção integral do Estado, são as crianças e os adolescentes, os quais devem, por meio de diversos mecanismos e instituições públicas, verem resguardados o seu melhor interesse, mesmo que para isso sejam afastadas algumas restrições legais, em situações excepcionais, como por exemplo, no caso tratado pelo Superior Tribunal de Justiça.
Em assim sendo, parece-nos que o intuito principal de tal proteção ao impedimento constante do Estatuto da Criança e do Adolescente, é o de privilegiar a relação patrimonial das famílias, indo de encontro com o entendimento constitucional, bem como do Código Civil, no tratamento das relações familiares. Tal atitude, exclui a aplicação de uma ótica que vise o melhor interesse do menor, através de soluções de cunho heterodoxo, como no caso da adoção realizada pelos seus avós.
O nosso Ordenamento Civil, outorga à família a necessária autonomia no tocante à decisão de sua destinação, donde se conclui que a vedação havida no ECA, não passa de uma gritante interferência ao pleno exercício desta prerrogativa na gestão da vida privada e familiar.
Assim, tomando-se o caso apreciado pelo Superior Tribunal de Justiça, vemos que a “adoção avoenga” mostrou-se como uma solução válida, em prol do interesse da criança ou do adolescente, conferindo-se lhe, assim, a devida e integral proteção aos direitos e interesses das pessoas em desenvolvimento, cuja vulnerabilidade e fragilidade justificam a sua aplicação para o pleno desenvolvimento de sua formação, como futuros cidadãos, e de suas famílias.