SOBRE AS NOTICIAS FALSAS
Rogério Tadeu Romano
Nas redes sociais seguem ataques à honra das pessoas em uma onda que traz sérias preocupações contra as suas consequências.
As fake news são uma triste realidade.
Como acentuou Demétrio Magnoli, em artigo publicado na Folha, em 15 de fevereiro do corrente ano, no início, mais de uma década atrás, tudo se resumia a blogueiros de aluguel recrutados por partidos políticos para o trabalho sujo na rede. A imprensa, ainda soberana, decidiu ignorar o ruído periférico. Hoje, o panorama inverteu-se: a verdade factual sucumbe, soterrada pela difusão globalizada de fake news.
Prosseguiu Demétrio Magnoli ao dizer que os jornais converteram-se em anões na terra dos gigantes da internet. Nos EUA, entre 2007 e 2016, a renda publicitária obtida pelos jornais tombou de US$ 45,4 bilhões para US$ 18,3 bilhões. Em 2016, o Google abocanhava cerca de quatro vezes mais em publicidade que toda a imprensa impressa americana —e isso sem produzir uma única linha de conteúdo jornalístico original.
O novo sistema, baseado na elevada rentabilidade da fraude, descortinou o caminho para a abolição da verdade factual na esfera do debate público.
A fabricação de fake news tornou-se parte crucial das estratégias de Estados, governos, organizações terroristas e supremacistas. A China, que prioriza o público interno, e a Rússia, que se dirige principalmente à opinião pública europeia e americana, são atores centrais nesse palco.
Não há limites.
Autoridades, antagonistas ao atual governo, são vítimas diuturnas de agressões, visualizadas por milhões de pessoas.
A pluralidade do debate público é transformado em um “substantivo abstrato”.
Observe-se, daí, a gravidade do fato, que deu azo à investigação por CPMI.
Na matéria, ainda aplicam-se os chamados crimes contra a honra objeto de definição no Código Penal de 1940.
Conhecida é a lição de Antolisei, citada por Heleno Cláudio Fragoso(Lições de direito penal, parte especial, 7º edição, pág. 179), de que “a manifestação ofensiva tem um significado que, embora relacionado com as palavras pronunciadas ou escritas, ou com os gestos realizados, nem sempre é idêntico para todas as pessoas. O que decide é o significado objetivo, ou seja, o sentido que a expressão tem no ambiente em que o fato se desenvolve, segundo a opinião da generalidade das pessoas. Como bem esclarece o antigo professor da Universidade de Turim, o mesmo critério deve ser seguido, em relação ao valor ofensivo da palavra ou do ato, não se considerando a especial suscetibilidade da pessoa atingida. Isto, porém, não significa que não seja muitas vezes relativo o valor ofensivo de uma expressão, dependendo das circunstâncias, do tempo e do lugar, bem como do estado e da posição social da pessoa visada, e, sobretudo, da direção da vontade(animus injuriandi).”
Diverge a calúnia da difamação e da injúria.
Na difamação, a ação consiste em atribuir a alguém a prática de determinado fato, que lhe ofende a reputação ou o bom nome. A reputação é a estima que se goza na sociedade, em virtude do próprio trabalho ou de qualidades morais, da habilidade em uma arte, profissão ou disciplina, algo mais do que a consideração e menos do que o renome e a fama.
Por sua vez, a injúria refere-se à dignidade e ao decoro, que a doutrina interpreta no sentido de honra subjetiva.
As injúrias podem ser praticadas pelas mais variadas formas, por gestos, palavras, símbolos, atitudes, figuras etc, consumando-se desde que chegue a conhecimento do ofendido ou de qualquer outra pessoa.
Na calúnia, a ação incriminada consiste em imputar a alguém falsamente a prática de um crime.
O fato atribuído, na calúnia, deve ser um crime, isto é, uma conduta penal vigente definida como crime. Assim, a imputação de contravenção pode se caracterizar em difamação. Nas mesmas penas do crime de calúnia incorre quem, sabendo falsa a imputação, a propala e divulga. Na redação do Anteprojeto, há que segue, no artigo 136,§ 1º: ¨Na mesma pena incorre quem, sabendo falsa a imputação, a divulga."
Disciplina o artigo 41 da Lei de Contravencoes Penais:
Art. 41. Provocar alarma, anunciando desastre ou perigo inexistente, ou praticar qualquer ato capaz de produzir pânico ou tumulto:
Pena - prisão simples, de quinze dias a seis meses, ou multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis.
Trata-se de contravenção que diz respeito à paz pública.
Outro delito muito comum nessas condutas é o de ameaça, que é crime de ação penal pública condicionada à representação da vítima.
Determina o artigo 147 do Código Penal:
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
Trata-se de crime comum, formal, de forma livre, comisso e excepcionalmente comissivo por omissão.
Ameaça significa procurar intimidar alguém, anunciando-lhe um mal futuro, ainda que próximo. Por si só, o verbo fornece clara noção do que seja o crime: ameaçar.
O objeto jurídico do crime é a liberdade individual, a paz de espírito, a segurança da ordem jurídica.
Trata-se de crime subsidiário, pois a ameaça é absorvida quando for elemento ou meio de outro delito.
Trata-se de delito formal e instantâneo. Como tal cabe falar em ameaça feita por comunicação telefônica. Pode ainda ser feita por desenhos, mensagens em e-mails, aplicativos Telegram etc.
Como observou Agnes Cretella (A ameaça, RT 470/301) a ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura o crime do artigo 147 do Código Penal, ainda que o agente não tenha a intenção de praticar o mal prometido. A ameaça deve provir de ânimo calmo e refletido(RTJ 54/604). Não constitui a proferida em estado de embriaguez. Não configura o crime a ameaça condicional ou retributiva. Porém, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo(RT 723/593), entendeu que a ameaça condicional não exclui o crime.
É dispensável que a ameaça chegue a conhecimento da vítima (RT 752/605).
O tipo subjetivo é o dolo na forma específica, na vontade livre e consciente de intimidar, finalidade esta que os autores veem como elemento subjetivo do tipo.
Somente se pune a ameaça quando praticada dolosamente. Não existe a forma culposa e não se exige qualquer elemento subjetivo específico, embora seja necessário que o sujeito, ao proferir a ameaça, esteja consciente do que está fazendo. Em uma discussão, quando os ânimos estão alterados, é possível que as pessoas troquem ameaças sem qualquer concretude, isto é, sã palavras lançadas a esmo, como forma de desabafo ou bravata que não correspondem à vontade de preencher o tipo penal.
A ameaça pode se dar, via virtual, ou ainda fora das redes sociais, na presença ou na ausência da vítima.
Para o delito cabe:
- Conciliação(artigo 72 a 74 da Lei 9.099/95);
- Transação(artigo 76 da Lei 9.099/95);
- Suspensão condicional do processo(artigo 89 da Lei 9.099/95).
Sem prejuízo de responsabilidades civis, administrativas, podem ser responsabilizados criminalmente tanto quem divulga como quem compartilha a notícia falsa sem checar a fonte.
Na órbita civil são atos ilícitos que demandam reparação patrimonial.
No campo eleitoral, podem ser demonstração de abuso de poder político, econômico, em prol de uma candidatura.
A gravidade das fake news é objeto de severa apuração feita por CPMI no Congresso Nacional.
Os que produzem as Fake News procuram se agasalhar na temática fundamental das garantias trazidas pela Constituição de 1988.
A liberdade de opinião resume a própria liberdade de pensamento em suas várias formas de expressão. Daí que a doutrina a chama de liberdade primária e ponto de partida de outras, sendo a liberdade do indivíduo adotar a atitude intelectual de sua escolha, quer um pensamento íntimo, quer seja a tomada de uma posição pública; liberdade de pensar e dizer o que se creia verdadeiro, como dizia José Afonso da Silva (Direito Constitucional positivo, 5ª edição, pág. 215).
De outro modo, a liberdade de manifestação de pensamento constitui um dos aspectos externos da liberdade de opinião. A Constituição Federal, no artigo 5º, IV, diz que é livre a manifestação de pensamento, vedado o anonimato, e o art. 220 dispõe que a manifestação do pensamento, sob qualquer forma, processo ou veiculação, não sofrerá qualquer restrição, observado o disposto nesta Constituição, vedada qualquer forma de censura de natureza política, ideológica e artística.
A liberdade de manifestação de pensamento que se dá entre interlocutores presentes ou ausentes, tem seu ônus, tal como o de o manifestante identificar-se, assumir, de forma clara, a autoria do produto do pensamento manifestado, para, em sendo o caso, responder por eventuais danos a terceiros.
Não se pode obter refúgio nas garantias individuais impostas pela Constituição-cidadã de 1988 para cometer crimes.
O potencial devastador e criminoso dessa rede que produz notícias falsas é impressionante.
É crucial para nosso modelo democrático uma moderna legislação que proteja a sociedade desses dolorosos perigos.
Como explicou Gustavo Binenbojm(O dilema das Fake news, in O Globo, em 29 de julho do corrente ano) “fake news são mensagens falsas, criadas por meios fraudulentos, com o objetivo de causar danos a pessoas ou instituições. À falta de tradução mais adequada, prefiro chamá-las de notícias fraudulentas, já que a falsidade é apenas um de seus elementos. O uso de perfis e contas falsas, mecanismos de inteligência artificial e robôs que impulsionam maciçamente mentiras deletérias deu escala e relevância ao fenômeno, capaz de comprometer a lisura das escolhas individuais e coletivas.”
No caso há a PL 2.630/2020.
O foco está na garantia da integridade dos sistemas informacionais e da pluralidade da esfera pública, bem como em deveres de transparência, informação e devido processo legal.
Estado e provedores de redes sociais e de serviços de mensageria privada devem promover esses valores, numa espécie de corregulação. A responsabilidade compartilhada entre os setores público e privado abre caminho para a autorregulação regulada: o Estado definirá os parâmetros gerais na lei e em códigos de conduta; as empresas digitais lhes darão concretude em normas privadas de boas práticas.
Quanto aos procedimentos de moderação, o PL promove uma processualização da relação entre provedores e usuários, assegurando o direito ao contraditório e a recursos contra a retirada de conteúdos. Para impedir o uso inadequado por meio do anonimato, vedado constitucionalmente, os provedores poderão exigir que os usuários confirmem a sua identificação, inclusive mediante apresentação da identidade. Os serviços de mensageria deverão adotar mecanismos tecnológicos que assegurem a preservação de sua natureza interpessoal, limitando o encaminhamento em massa de mensagens. Por fim, agentes públicos não poderão impedir o acesso de terceiros a suas contas oficiais nas redes sociais, como forma de garantir pluralidade no debate público.
Segundo a Agência Senado, Senado Notícias, o novo texto para o projeto de lei que visa combater notícias falsas (fake news) nas redes sociais (PL 2630/2020) deve conter uma determinação para recadastramento de todas as contas pré-pagas de celular do país, com verificação de identidade dos seus titulares.
Além disso, interessa-nos que há previsão de novos delitos, segundo o Senado Notícias.
O texto deverá conter a tipificação dos crimes contra a honra (calúnia, difamação e injúria) na internet, com punições maiores do que as previstas atualmente no Código Penal para essas práticas em ambientes não-virtuais. Essa medida deverá estender, também, a concessão do direito de resposta para que tenha o mesmo alcance da mensagem original.
O PL 2630 estabelece regras para o uso e a operação de redes sociais e serviços de mensagem privada via internet, com o objetivo de combater a disseminação de conteúdos falsos e manipulados.
A matéria está agora entregue à Câmara dos Deputados.
Sabe-se que há críticas do atual ocupante da presidência da República no que concerne à essa forma de entendimento, e, por lógica, há previsão de eventual veto ao texto se for encaminhado ao Executivo para sanção, se for o caso.
O assunto é de interesse de toda a sociedade de forma a impedir multitudinárias ofensas à dignidade das pessoas.