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Será caso de anular a condenação do ex-presidente Lula?

Agenda 02/08/2020 às 13:42

O artigo discute sobre a possibilidade de anulação de condenação criminal de ex-presidente da República.

Segundo Tiago Angelo, em artigo publicado para o Consultor Jurídico, em 2 de julho de 2020, a defesa do ex-presidente Lula pediu que o ministro Luiz Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, compartilhe a cópia das mensagens trocadas entre procuradores de Curitiba sobre o caso do apartamento no Guarujá. A solicitação foi feita no curso do processo que analisa a suspeição de integrantes do Ministério Público Federal no Paraná. 

"Os novos diálogos desnudados sufragam a necessidade de compartilhamento de prova outrora formulado em sede regimental, eis que, em reforço a tudo o quanto fora descrito e provado na inicial do writ, o material poderá revelar a extensão da atuação ilegal dos procuradores da República nos atos de persecução realizados contra o paciente", afirmam os advogados. 

Tiago Angelo ainda relatou que o pedido para declarar os procuradores suspeitos e anular a condenação de Lula no caso do apartamento do Guarujá tramita no STF desde agosto de 2019. No mesmo mês, Fachin negou a solicitação, em decisão liminar, afirmando que as mensagens estão em poder de outro ministro. Também disse que o HC não é ferramenta correta para a produção de provas. 

Em setembro de 2019, a defesa de Lula interpôs agravo regimental, afirmando que, ao contrário do que afirmou o ministro, não se trata de produção de provas, "mas sim de um empréstimo de provas já constituídas e acauteladas em sigilo em outros processos" que tramitam no STF. 

Para os advogados, a troca de mensagens entre os procuradores e o ex-juiz Sergio Moro reforçam a suspeição deles no caso. Os advogados listaram pontos das reportagens que mostram mensagens de procuradores tratando Lula como inimigo político, e não réu ou investigado; construindo uma acusação sem vínculo real e ironizando sua defesa.

Há quem entenda que não é caso de nulidade por suspeição, pois se trata de prova ilícita.

Em artigo para o Globo, em 31 de julho do corrente ano, disse Merval Pereira:

“Diversas forças se encontraram nos últimos dias para atacar a Operação Lava-Jato, estimuladas pelas críticas recentes de Augusto Aras ao próprio Ministerio Público que deveria representar. Em uma live para advogados que na maioria defendem condenados ou investigados pela Operação Lava-Jato retransmitida pela TVPT, o Procurador-Geral da República deu um tiro no próprio pé.
 Uma Comissão Parlamentar de Inquérito foi ressuscitada na Câmara para investigar as trocas de mensagens divulgadas pelo site Intercept Brasil entre os procuradores de Curitiba e o ex-juiz Sérgio Moro. Além de não terem provado nenhuma ilegalidade na condução dos trabalhos da força-tarefa de Curitiba, as mensagens não poderiam ser utilizadas como base para uma investigação pois são ilegais, fruto de invasão de hackers em celulares de autoridades públicas.”

Será dito que se trata de prova ilícita e, por isso, emprestáveis para utilização em juízo.

Vedam-se provas obtidas por meios ilícitos (princípio da inadmissibilidade de provas obtidas por meios ilícitos), algo inerente ao Estado Democrático de Direito que não admite a condenação obtida pelo Estado a qualquer preço.

A proibição da prova ilícita surgiu na Suprema Corte americana. Ao interpretar essa proibição, a Corte delimitou o sentido e o alcance da norma, para estabelecer exceções às regras de exclusão, como a da admissibilidade da prova ilicitamente obtida por particular, a da boa-fé do agente público e a da causalidade atenuada.

Na Alemanha essa proibição foi objeto de preocupação do Tribunal Federal Constitucional da Alemanha. Ali fixou-se a chamada teoria das três esferas, que gradua a privacidade e qualifica juridicamente as investidas estatais contra elas para fins de produção da prova. Por ela, apenas a prova produzida com invasão das estruturas mais íntimas da vida privada, como o monólogo, seriam inaproveitáveis; as provas produzidas com invasão das camadas menos profundas da intimidade podem ser aproveitadas, se a intensidade da invasão for proporcional à gravidade do crime investigado.

No Brasil, a Constituição de 1988 prevê, entre as garantias fundamentais, que são inadmissíveis as provas obtidas por meios ilícitos. Mas a inadmissibilidade da prova ilícita não exige que ela seja interpretada como garantia absoluta, nem afasta que seja submetida a testes de proporcionalidade. Aliás, a prova ilícita que favoreça o réu é admissível. A reforma processual de 2008, nessa linha de entendimento, permite o aproveitamento da prova ilicitamente obtida quando corroborada por fonte independente ou quando sua descoberta inevitavelmente ocorreria.

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Há uma corrente de criminalistas que entende que as provas ilegais podem ser usadas para defender o réu. Se elas demonstram a parcialidade do julgador, podem ajudar a absolver aquele que foi condenado, que é o que querem para o ex-presidente Lula.

A doutrina, na linha de Andrey Borges de Mendonça(Nova Reforma do Código de Processo Penal. Primeira Edição. Ed. Método, 2008. P. 172) abarca a possibilidade de utilização da prova ilícita em favor do acusado e, majoritariamente, aponta para a possibilidade de sua utilização, mesmo se obtida por meio de violação legal ou constitucional, na hipótese de ser ela o único meio de prova da ilegalidade cometida contra o acusado.

Antônio Scarance Fernandes(Processo Penal Constitucional. Sexta Edição. Editora RT. P. 83-84) defende a possibilidade da prova ilícita pro reo com fundamento no princípio da proporcionalidade. No mesmo sentido, se posicionam Rubens Casara e Antonio Pedro Melchior, invocando a teoria do sacrifício, segundo qual, no conflito entre a garantia processual e o direito à liberdade, esse deveria prevalecer.

Como as mensagens divulgadas pelo The Intercept parecem ter sido obtidas ilegalmente pela fonte do material, é improvável que sejam aceitas pela Justiça como prova de que Moro e Dallagnoll tenham cometido alguma ilegalidade, a menos que haja o que se chama de encontro fortuito de provas, a proteger essas provas como instrumento de apuração. Os danos causados à credibilidade que eles construíram, porém, parecem significativos.

Some-se a isso os recentes pronunciamentos que colocam em dúvida a imparcialidade daquela operação. 

Sendo assim é perfeitamente possível utilizar-se a chamada “prova ilícita” pro reo, em homenagem ao direito à liberdade, um verdadeiro princípio fundamental.

É impraticável para o sistema jurídico a convivência com decisões judiciais que se atrelem a parcialidade do magistrado. Mesmo com o trânsito em julgado, há a ação de revisão criminal a ser adotada como remédio, em qualquer tempo, independente do ressarcimento dos prejuízos trazidos.

Aguarda-se o voto do ministro Gilmar Mendes e ainda do ministro Celso de Mello, que deve se aposentar compulsoriamente, ao atingir 75 anos de idade, no mês de novembro de 2020. Já há dois votos favoráveis a não anulação da decisão de Moro, enquanto juiz federal, que condenou o ex-presidente Lula, e que, por efeito recursal substitutivo, foi objeto de confirmação pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região. 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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