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O Traficante de Tóxico e seu Regime Penitenciário

Agenda 04/08/2020 às 11:00

Breves considerações a respeito do flagelo das drogas e do regime prisional do condenado por tráfico. Até o mais vil dos criminosos tem jus à proteção da Lei!

O Traficante de Tóxico e seu Regime Penitenciário

 

I –       Verdadeiro flagelo da Humanidade (que lhe move, com assaz de razão, guerra implacável), o comércio das drogas ilícitas é severamente punido por todas as legislações penais. Entre nós, está sujeito o traficante à pena de 5 a 15 anos de reclusão (art. 33 da Lei nº 11.343/2006), a qual, posto já acerbíssima, têm-na todavia muitos ainda por excessivamente benigna, em comparação da gravidade do mal que provoca: em certos casos, não menos que a morte.

            Alguns povos, por isso, persuadidos de que a propagação das substâncias entorpecentes entre os jovens era a causa de se lhes quebrantarem as potências do corpo e do espírito (e contra isso não há que se diga), reservaram aos mercadores da desgraça castigos da última rigidez, como o Irã, onde o crime de tráfico de tóxicos é punido com a pena capital([1]).

            E parece bem que a sociedade humana, em atitude legítima de autodefesa, arme-se fortemente contra essa hidra abominável!

II –     O legislador pátrio, em prova de seu formal repúdio a essa oitava praga que não caiu no Egito, equiparou o tráfico ilícito de entorpecentes aos crimes hediondos (cf. art. 2º da Lei nº 8.072, de 25.7.90), inspirado talvez nos rudimentos do método hipocrático: Para os males extremos somente são eficazes os remédios intensos.

            Contudo, mesmo quando apontasse generosamente no alvo da incolumidade pública, tal lei, na parte em que prescreveu (para os diversos tipos delituosos de que trata) o cumprimento integral da pena em regime fechado, estamos que ofendeu de frente a ordem jurídica. É que rompeu com os princípios que entendem com a sanção penal.

            Juristas houve, com efeito, e esses de autoridade indeclinável, que não se correram de fulminar censuras à Lei dos Crimes Hediondos, ou porque a tivessem por inconstitucional, ou porque a concebera o legislador sob a influência de maus astros.

            Assim, quanto ao seu art. 2º, § 1º (“a pena por crime previsto neste artigo será cumprida integralmente em regime fechado”), não hesitou o Min. Luiz Vicente Cernicchiaro em afirmar: “O comando é, sem dúvida, inconstitucional”([2]), visto não meteu em conta a função social da pena, vale dizer, “a reinserção do condenado na vida em liberdade” (ibidem). Alberto Silva Franco, do mesmo passo, em seus preciosos e eruditos comentários à Lei nº 8.072/90, escreveu estas palavras não menos verdadeiras que eloquentes: “A opção feita pelo legislador no sentido de agravar a execução da pena foi, no mínimo, desarrazoada, infeliz. Nada pior, num estabelecimento penitenciário, do que um condenado sem nenhuma perspectiva de ser libertado ou, ao menos, de receber regime penitenciário mais favorável, antes do término de uma pena privativa de liberdade, de longa duração”([3]).

III –    Foi, portanto, o princípio mesmo da individualização da pena, assegurado pela Constituição Federal([4]), que a Lei dos Crimes Hediondos violou, ao negar a cada preso, no momento executório de sua pena, “as oportunidades e elementos necessários para lograr a sua reinserção social”([5]). Diferentes que são os condenados, a execução de suas penas não terá, por força, o caráter de homogeneidade; haverá de atender, ao revés, às condições pessoais de cada um, que nisto precisamente consiste a individualização da pena.

            Pelo que, a despeito da suma hediondez de seu delito, cumpria não excluir o traficante de entorpecente do benefício da progressão no regime prisional([6]); que isto fora contravir a mandamento expresso de nossa Carta Magna e juntamente dar em terra com o sonho da recuperação do infrator, ideal sagrado a que atiram seus esforços e diligências todos os penitenciaristas([7]).

            Por fim, em pontos de castigos e penas, vêm a propósito estas palavras de alto sujeito: Discreta mansidão deve temperar o modo e rigor da justiça([8]).

Notas

 


([1])        Cf. Valdir Sznick, Entorpecentes, 1a. ed., p. 134.

([2])        Processo Penal e Constituição Federal, 1993, p. 117.

([3])        Crimes Hediondos, 2a. ed., p. 111.

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([4])        “A lei regulará a individualização da pena” (art. 5º, nº XLIV).

([5])        Júlio Fabbrini Mirabete, Execução Penal, 5a. ed., p. 56.

([6])        É sem dúvida que o crime de tráfico de drogas praticado antes do advento da Lei nº 8.072, de 25.7.90, não cai sob o disposto em seu art. 2º, § 1º (que veda a progressão no regime prisional): “A Lei nº 8.072/90, na parte em que obriga o cumprimento da pena, no seu todo, em regime fechado, aos condenados por tráfico de tóxicos, sendo de caráter penal, não pode aplicar-se retroativamente, a dano do agravado” (TJSP; RA nº 101.543-3; rel. Djalma Lofrano; apud Alberto Silva Franco, op. cit., p. 123).

Para o crime de tráfico de entorpecentes, da classe dos hediondos, o regime fechado era de rigor, conforme o preceito do art. 1º, ns. V e VI, e art. 2º, § 1º, da Lei nº 8.072/90. A Lei nº 11.464, de 28.3.90, introduziu porém modificação na Lei dos Crimes Hediondos (Lei nº 8.072/90), possibilitando a progressão no regime prisional de cumprimento de pena. Se o sentenciado primário tiver dela descontado já 2/5 — ou 3/5, se reincidente — e conspiram os mais requisitos legais, fará jus ao benefício (art. 2º, § 2º).

([7])        “Destina-se a pena a exercer sobre o condenado uma individualizada ação educativa, no sentido de sua recuperação social” (Manoel Pedro Pimentel, Prisões Fechadas, Prisões Abertas, 1978, p. 15); “Voltaire, no seu comentário sobre Beccaria, repete muitas vezes que as Penas devem ser proveitosas: um homem enforcado, diz ele, não serve para nada” (Jeremias Bentham, Teoria das Penas Legais, p. 34).

([8])        Francisco Rodrigues Lobo, Cartas dos Grandes do Mundo, 1934, p. 2.

 

Sobre o autor
Carlos Biasotti

Desembargador aposentado do TJSP e ex-presidente da Acrimesp

Informações sobre o texto

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