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A regulação da saúde no Brasil:

O controle externo do Tribunal de Contas da União nas unidades do SUS geridas por instituições privadas.

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A estrutura do trabalho se apropria da regulação para fixar seu eixo teórico e tem o SUS como recorte do objeto delimitado em relação ao órgão de controle.

SUMÁRIO: Introdução; 2. Regulação; 3. A regulação da saúde; 4. Os Reguladores e a Natureza do Controle; 4.1 O SUS e a política nacional de regulação; 4.2 O controle externo do Tribunal de Contas da União; 5. Considerações Finais; Referências.

RESUMO

A pesquisa que apresentamos diz respeito a discussão contemporânea do direito administrativo brasileiro que refere o controle da administração pública, observando a produção do plenário do TCU no exercício 2018. A estrutura do trabalho se apropria da regulação para fixar seu eixo teórico e tem o SUS como recorte do objeto delimitado em relação ao órgão de controle. O método hipotético-dedutivo é a raiz do processo analítico que resguarda conclusões de uma incursão qualitativa na observação dos acórdãos relativos à atuação de instituições privadas contratadas pelo Poder Público para gestão de unidades de saúde, as quais se ocupam da condução de sua infraestrutura e/ou da prestação do serviço de saúde.

Palavras-chave: Regulação, SUS, Controle externo, TCU.

ABSTRACT

 The research we present concerns the contemporary discussion of Brazilian administrative law that refers to the control of public administration, observing the production of the TCU plenary in 2018. The work structure appropriates the regulation to establish its theoretical axis and has the SUS as cut of the object delimited in relation to the control organ. The hypothetical-deductive method is the root of the analytical process that preserves conclusions of a qualitative incursion in the observation of the judgments related to the performance of private institutions contracted by the Public Power for the management of health units, which are in charge of the conduction of its infrastructure and / or the provision of the health service.  

Key words: Regulation, SUS, External control, TCU.

 

 1 INTRODUÇÃO

Trata-se de pesquisa sobre regulação da saúde no Brasil, a qual apresenta breve descrição desse fenômeno, identificando a distintos processos regulatórios quanto a matéria, considerando a posição do Estado de regulador do serviço público e da saúde suplementar.

O primeiro recorte da pesquisa concentra a abordagem na regulação da saúde pública, ou seja, considera a oferta dos serviços do SUS, especificando a indicação dos seus polos reguladores, concernentes ao controle interno e externo da administração pública.

Na apresentação do controle externo, a pesquisa faz recorte na atuação do Tribunal de Contas da União, assumindo uma postura analítica com a definição de amostra quantitativa de acórdãos do TCU, que servem de referência a uma segunda delimitação da amostra, a qual se constituirá, em definitivo, como fonte de análise.

O terceiro corte da pesquisa é espacial e temporal, na medida em que são listados os acórdãos do plenário do Tribunal de Contas da União, em 2018; entretanto, como o objetivo da pesquisa é analisar decisões do TCU, quanto à realização de ações administrativas e de prestação de serviços de saúde do SUS, conduzidas por instituições privadas.

A escolha por julgados, referentes a unidades do SUS geridas por instituições privadas, decorre do avanço da desestatização da execução do serviço público na saúde, bem como em todas as demais matérias de atuação prestacional do Estado. É possível que o TCU seja provocado de forma mais recorrente a avaliar processos em que o Terceiro Setor gere a unidade de saúde e/ou oferta o serviço público.

Com base nessa premissa, propomo-nos a realização de pesquisa voltada a observar a regulação do Tribunal de Contas da União no SUS, examinando as decisões da corte administrativa realizadas em plenário, de acordo com a seguinte delimitação exposta no “site” da instituição: todas as decisões do plenário, emitidas em 2018.[1], sobre a matéria “controle externo do Sistema Único de Saúde”.

Adotamos o problema de pesquisa aberto para evitar recursos metodológicos que poderiam frustrar adaptações, por vezes necessárias, pois o objeto foi coletado e apurado em 2018, mas só em 2019 foi possível concluir a investigação diante da certeza do fechamento da amostra.

Passemos então a formulação da hipótese, qual seja: a concorrência pelo dinheiro do SUS ocorre em relação aos recursos do Ministério da Saúde, por isso uma das formas das organizações sem fins lucrativos, que contratualizam com a saúde para manterem-se competitivas, é necessário arrumar a política de governança corporativa com compliance[2] refinado, a fim de manter saúde regulatória e evitar sanções que impeçam a entidade de participar de chamamentos públicos, ou reduzam parâmetros de idoneidade, plantando óbices no processo de habilitação durante a realização do chamamento público, ou ainda minimizar o risco de averiguação de irregularidades durante a execução do pacto com a administração pública (GRAZZIOLI; PAES, 2018); (RIBEIRO; DINIZ, 2015).

2 A REGULAÇÃO NO DIREITO ADMINISTRATIVO

A regulação é um conceito fundamental para o direito administrativo, que se apresenta pela primeira vez no Brasil com a Constituição de 1937, quando o Estado passa a ter a regulação da atividade econômica, desenvolvida pelo setor privado, como função administrativa específica.

Desde então, a noção de regulação, no direito público, tem sido associada à atuação do Estado como tutor da economia, o que se observa, inclusive, no artigo 174 da Constituição Federal de 1988; nesta, a noção “atividade regulatória da Administração Pública” exaure-se com uma engrenagem do poder de política do Estado, nas dimensões planejamento, fomento e fiscalização da atividade econômica conduzida pelo mercado.

Há muitos fatores que influenciam a conexão entre a regulação e a tutela estatal da atividade do mercado, que derivam de tais ocorrências: da crise do petróleo nos anos 1970; da reordenação da posição do Estado frente à execução direta de serviços públicos, com um ciclo de reforma gerencial nas economias capitalistas do Ocidente; e da globalização de paradigmas – do modelo “agências reguladoras” –, ainda que as autoridades independentes fruam de prerrogativas muito variáveis em cada Estado nacional.

Contudo, o termo “regulação” vem tornando-se uma noção unificadora do direito administrativo contemporâneo, por isso não é mais um conceito restrito a uma função administrativa do Estado, nem é possível reduzi-lo à observação de uma síntese com base na gestão reordenada das atividades administrativas clássicas da administração pública, incluindo o poder de polícia e o serviço público (GUIMARÃES, 2017).

O conceito de “regulação” não tem origem no direito e apresenta múltiplas vertentes epistemológicas, não sendo possível propor-lhe uma definição agregadora, capaz de consubstanciar os conceitos em distintas áreas de conhecimento, inclusive fora das ciências sociais (LAUWE, 1977).

No âmbito do direito administrativo, o conceito de “regulação” muitas vezes foi associado a um aspecto mais estrito do poder normativo da administração pública, qual seja, à prerrogativa de regulamentar, conferida, em regra, aos chefes do Poder Executivo, secretários e ministros de governo, bem como aos colegiados de agências reguladoras e autarquias de atribuições análogas (MELO, 2015).

A reforma gerencial do Estado vai inibir associações equivocadas da terminologia e deflagrar significativa produção acadêmica sobre regulação, com ênfase para o gênero da intervenção do Estado na economia, o que é possível observar com toadas que afirmam e enaltecem a utilidade do Estado, visando-se à sua retirada da intervenção direta na economia, reordenando a sua posição frente ao mercado (SALOMÃO FILHO, 2001).

A regulação econômica apresenta-se com base na reunião de diversas funções que decorrem do quadro normativo da atividade regulatória, abarcando a concepção da norma e seus efeitos; por isso, a atividade econômica, regulada pelo Estado, submete-se à tutela da potestade pública, quando o centro de regulação edita a regra e, depois, quando assegura sua aplicação e reprime infrações (CATTANEO, 1999).

A conexão entre direito administrativo e regulação no direito brasileiro quase sempre remete à intervenção do Estado na economia, observando a imputação de tarefas ao Poder Público que reportam a intervenção específica em relação ao mercado; entretanto, é possível identificar uma tutela mais abrangente, quando a administração pública regula as instituições privadas que vendem bens e serviços a simples consumidores e ordena empresas privadas concessionárias de serviços públicos (ARAGÃO, 2006).

Na hipótese aludida, o serviço público diz respeito à prestação de utilidades ou a comodidades financiadas diretamente pelos usuários, por meio de tarifas; por isso, não estamos nos referindo à regulação de serviços sociais no Brasil, que, por força de lei, proíbe a tarifação de serviços públicos dessa natureza, tais como saúde, educação e assistência social.

Nesse sentido, vale destacar as conclusões alcançadas a respeito da relevância pública da saúde na Organização Pan-americana de Saúde que, segundo Dallari e Nunes Júnior (2010, p. 70-71):

I. A saúde é direito público subjetivo exigível contra o Estado e contra todos os que, mesmo que entes privados, sob a chancela deste, a garantam. II. A saúde é sempre assegurada através da atuação de uma função pública estatal, mesmo quando prestada por particulares, sendo que apenas as suas ‘ações e serviços’ não tem exercício exclusivo do Estado; por isso mesmo, são consideradas de relevância pública. III. Como função pública estatal, cabe ao Estado à direção da prestação de serviços e ações de saúde, devendo fixar as diretrizes e parâmetros para o exercício destes; com isso, pode-se dizer, que é limitada a liberdade dos prestadores privados. IV. As desconformidades nos serviços e ações permitem que o Estado exerça todo seu múnus, inclusive com a utilização do instrumento da desapropriação. V. Como direito público subjetivo, a saúde cria uma série de interesses na sua materialização, interesses esses que ora são tipicamente públicos, ora difusos, ora coletivos, individuais homogêneos ou individuais simples. VI. Tais interesses, quando contrariados, dão legitimidade a uma série de sujeitos, públicos e privados, para buscarem, judicialmente, sua proteção.

A regulação do serviço público social não se enquadra nos moldes tradicionais aplicados à matéria, de acordo com o artigo 175 da Constituição Federal de 1988, pois, conforme observa Alexandre Santos Aragão (2017), quando o Poder Público não se vale da execução direta realizada pela própria administração pública, o Estado faz uso de formas de delegação de serviço público ao setor privado, cujo regime jurídico diverge das hipóteses clássicas de concessão e permissão disciplinadas pelas Leis 8.987/1995 e 11.079/2004.

A regulação dos serviços públicos de saúde insere-se nesse contexto, apresentando especificidades regulatórias que dependem da posição do Estado diante da produção do serviço de saúde, pois a administração pública faz uma regulação unificada da saúde, enquanto serviço público, por meio do Sistema Único de Saúde – SUS. Nesse sentido, o Poder Público pode assumir posições variáveis, se constituindo como o agente regulado – o tutor de um contrato onde o Estado participa da construção e amplia a política pública –, ou o agente de fomento de uma política pública construída pela sociedade civil (ARAGÃO, 2017).

 Tabela 1–Posição regulatória do Estado com base no agente responsável pela execução do serviço público.

Estado

Posição regulatória principal

Execução do Serviço Público

Marco Legal

Execução direta do serviço

Regulado

Administração Direta e Indireta

Decreto Lei 200/1967

Fomento dirigido

Regulador

OS

OSCIP

CEBAS

Lei 9.637/1998

Lei 9.790/1999

Lei 12.101/2011

Fomento induzido

Regulador

OSC

Lei 13.019/2014

Fonte: Autor, 2018.

         As hipóteses de regulação da saúde sugeridas podem ser observadas a partir dos seguintes exemplos: a) Estado regulado – execução direta de serviço público – ocorre quando o serviço de saúde é executado por órgão da administração direta ou entidade da administração indireta como autarquias e fundações sem contrato com Organizações do Terceiro Setor; b) Estado regulador – fomento dirigido – ocorre quando a política pública de saúde é transferida, em partes inseridas em programas de trabalho, para Organizações da Sociedade Civil que sucumbem diante de plano de ação formulado pelo Poder Público; c) Estado Regulador – fomento induzido – ocorre quando a administração pública realiza chamamento público atrair Organizações da Sociedade Civil à promoção de atividades que impactam positivamente na saúde, mas o trabalho esperado ainda não é uma política pública porque fomenta uma iniciativa ainda não conduzida pelo governo ou é fruto de uma necessidade diagnosticada pela sociedade civil.

         Nas hipóteses descritas no quadro, consideramos especificamente a regulação da saúde no âmbito do SUS, mas não podemos deixar de destacar que a Administração Pública também atua como reguladora da saúde ofertada fora do serviço público, a título de saúde suplementar pelo setor privado.

         Nesse sentido, dados do Relatório “Aspectos Fiscais da Saúde no Brasil”, publicado pelo Banco Mundial no final de 2018 (apesar dos dados fazerem referência ao ano de 2015) apontam que mesmo o Brasil tendo um sistema de saúde público universal, o gasto privado em saúde no Brasil é superior ao gasto público. Atualmente, o Gasto Total em Saúde no Brasil é de cerca de 8% do PIB; 4,4% do PIB são de gastos privados (55% do total) e 3,8% PIB de gastos públicos (45% do total) (TESOURO NACIONAL, 2018).

3 A REGULAÇÃO DA SAÚDE

         A regulação estatal da saúde é a atividade desenvolvida pelo Estado para garantir a produção de bens e serviços de saúde, desenvolvida no âmbito da ação compartilhada entre as atribuições da União, dos Estados-membros e dos Municípios que se debruçam sobre a regulamentação das leis, a definição de protocolos contratuais de trabalho (no setor privado), a avaliação e o controle, por meio de monitoramento, as auditorias e as providências sancionatórias.

         De acordo com a organização pan-americana de saúde e o Ministério as Saúde – OPAS/OMS –, a regulação de saúde pode ser dividida em dois tipos, considerando o receptor da atividade regulatória; por isso, o Estado é regulador quando cuida da definição e articulação do sistema SUS, indicando os protocolos em níveis de complexidade (baixa, media, alta) ambulatorial/hospitalar, para dirigir a atividade dos gestores de saúde, mas também é regulador quando desenvolve ações voltadas diretamente para a produção, em relação aos prestadores de serviço público (SCHILLING; REIS; MORAES, 2006).

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A regulação da saúde no Brasil apresenta significativa complexidade, pois o SUS é o sistema de saúde pública que diz respeito à regulação da saúde como serviço público[3] e caminha, de forma paralela, junto ao sistema inserido pela administração pública brasileira na regulação da saúde, ofertada como produto da economia pela iniciativa privada.

A proteção do direito à saúde não pode ser compreendida como um dever do Estado de prover todas as necessidades básicas da universalidade dos cidadãos, pois as ações do governo dependem de decisões políticas dos governos eleitos a partir dos recursos existentes. Logo, estes terão de optar pelos mecanismos que melhor atendam estas necessidades da população, buscando ampliar, de forma gradativa, o direito que se pretende universal. (APPIO, 2004).

         Nesse cenário a saúde suplementar e se desenvolve no Brasil como reflexo do crescimento dos planos de saúde, nos anos 1990, sobretudo aque2es baseados em preços mais populares para as classes C, D, e E[4] da economia, as quais já viviam fragilizadas pela apoucada universalidade e eficiência do SUS (VILARINS; SHIMIZU; GUTIERREZ, 2012).

         A Lei 9.656/1998 introduz um sistema de regulação voltado para proteger os consumidores de saúde privada, propondo parâmetros para a concepção de contratos e planos de saúde e seguros e assistência privada à saúde, tendo em vista aumentar sua cobertura assistencial com a indicação de função regulatória imputada ao Ministério da Saúde, o que culminou na criação de duas agências reguladoras: Agência Nacional de Vigilância Sanitária – ANVISA – e Agência Nacional de Saúde Suplementar – ANS (VITALES, 2016).

         Desse modo é possível identificar dois modelos de regulação da saúde que convivem paralelamente no Brasil, onde a Administração Pública determina as diretrizes para o funcionamento do serviço público de saúde da rede descentralizada tanto política quanto administrativamente no âmbito do SUS e a proteção ao consumidor de serviços privados de saúde, que estão submetidos à tutela regulatória das agências reguladoras referidas.

         A pesquisa que passamos a apresentar cuida especificamente da regulação do serviço público[5], seja ele desenvolvido diretamente por unidades de saúde no âmbito da administração pública, seja ele contratado junto a organizações da sociedade civil. Desse modo, estabelecemos corte epistemológico específico no SUS, considerando a hipótese levantada na introdução.

4   OS REGULADORES E A NATUREZA DO CONTROLE

4.1       O SUS e a política nacional de regulação

         O SUS – sistema único de saúde é sistema público ou sistema nacional de saúde referido pela Constituição Federal de 1988 e constitui como ”conjunto de ações e serviços de responsabilidade do Poder Público”, ou seja, dever imposto ao Estado, pelo seu artigo 196, e pela indicação da estratégia de gestão definida no artigo 198com base na regionalização, descentralização, integralidade e participação da comunidade (MÂNICA, 2017, p. 29).

         A Carta Cidadã, que serve de ponto de partida para o SUS, influencia o espírito da política pública marcada pela alta complexidade da gestão, cominada com os desafios do modelo federativo, de administração pública, mais descentralizado do ocidente. Por conseguinte, os resultados positivos do SUS, na atualidade, não são testemunhos de sua excelência, mas de uma construção difícil, assimétrica e muitas vezes ineficiente.

Com base nos dados da tabela a seguir, vejamos os marcadores do SUS em 2016.

 

Tabela 2 - Dados em 2016: 7.522 Hospitais brasileiros com 488.179 leitos.

Hospitais que atendem o SUS

5.536

(73,60%)

Leitos

333.988

(68,4%)

Aprovação R$ Procedimentos

R$ 18.764.250.981,09

Serviço de Atendimento Móvel de Urgência – SAMU

190

Centrais de Regulação

164.838.357

Pessoas Cobertas

Saúde da Família

5.382

Municípios atendidos

40.097

Equipes (62,63%)

24.383

Equipes de Saúde Bucal (43,30%)

Programa Nacional de Vitamina a Crianças

de 6 – 11 anos de idade.

61,90%

De crianças na faixa etária

Cobertura da triagem

30,37% 

Neonatal auditiva (teste da orelha)

83,57% 

Neonatal biológica (teste do pezinho)

Fonte: Marinho, 2017.

De fato, o SUS é um gigante de origem democrática, cujo desenvolvimento, turbulento e assimétrico, baseia-se na noção em um pilar da dignidade da pessoa humana, mas também marca a decisão da República Federativa do Brasil de edificar o sistema de saúde em um momento no qual as entidades filantrópicas de saúde, sobretudo as de origem estrangeira, avançavam substituindo, significantemente, o Estado, com base nos benefícios fiscais ofertados pelo Brasil (BARROS; AMARAL, 2017, p.40).

A Constituição Federal não define especificamente o papel de cada esfera de governo no SUS, de modo que foi sancionada a Lei Orgânica de Saúde (Lei nº 8.080/90), com a missão de regular as ações e serviços de saúde, executados isolada ou conjuntamente, em caráter permanente ou eventual, por pessoas naturais ou jurídicas de direito Público ou privado, atribuindo ao SUS à responsabilidade acerca das instituições públicas federais, estaduais e municipais de controle de qualidade, pesquisa e produção de insumos, medicamentos, inclusive de sangue e hemoderivados, e de equipamentos para saúde.

Barcellos (et al, 2017, p. 459) destaca que:

O crescimento permanente da demanda por serviços sanitários e a escassez de recursos exigem a fixação, ainda que preliminar, de prioridades. Que doenças ou que pessoas ou que prestações sanitárias serão atendidas, e em que extensão e profundidade, e quais não receberão recursos, ao menos em um determinado momento histórico? Quais serão as prioridades no que diz respeito às pesquisas científicas? Trata-se de escolhas dramáticas que estão sendo feitas, quer se dê atenção ao assunto, ou não.

Nesse cenário, destaca-se a forte indução do Governo Federal para a ampliação da Estratégia Saúde da Família nos sistemas locais de saúde através de incentivos sistemáticos de financiamento que, em 2013, corresponderam a 65,12% dos recursos transferidos para estados e municípios através do bloco de atenção básica (IPEA, 2015).

Logo, com o aprimoramento institucional da atenção básica, necessariamente no aprimoramento do sistema de referências e contrarreferência e da comunicação institucional do sistema, é possível obter resultados quanto à economia de recursos públicos e efetivação de políticas existentes.

É ressaltar que o aperfeiçoamento aqui defendido com fins a um atendimento hierarquizado, seguindo preceito do princípio da integralidade determina que o Estado deva fornecer, a partir de um planejamento governamental decorrente das políticas públicas, apenas os medicamentos necessários para a prevenção ou tratamento eficaz das doenças, sejam elas de alto ou baixo nível de complexidade.

Para tanto é instituída a 1.559/2008, que dispõe sobre o SUS em três esferas, quais sejam: nos sistemas de saúde, na atenção à saúde e no acesso aos serviços de saúde. De acordo com o guia de apoio à gestão estadual do SUS, é possível visualizar o objeto, os sujeitos e os objetivos da atividade regulatória, nos seguintes termos (CONASS, 2018):

Tabela 3 – [Dimensões] Esferas instituídas pela Política Nacional de Saúde

Dimensão

1. Regulação de Sistemas de Saúde

2. Regulação da Atenção à Saúde

3. Regulação do Acesso à Assistência (regulação do acesso ou regulação assistencial)

Objeto

Os sistemas de saúde municipais, estaduais e nacional

A adequada prestação de serviços à saúde

Acesso aos serviços de saúde

Sujeitos

Respectivos gestores públicos

Secretarias Estaduais e Municipais de Saúde

Seus respectivos gestores públicos

Objetivo

Definir, a partir dos princípios e diretrizes do SUS, macrodiretrizes para a Regulação da Atenção à Saúde e executar ações de monitoramento, controle, avaliação, auditoria e vigilância desses sistemas.

Garantir, conforme pactuação estabelecida no Termo de Compromisso de Gestão do Pacto pela Saúde/Indicadores COAP, a prestação de ações e serviços de saúde.

Organizar os fluxos assistenciais no âmbito do SUS.

Fonte: Autor, 2018.

         A implantação da política nacional de regulação do SUS constitui uma estratégia do Ministério da Saúde, com o objetivo de conectar, numa política pública coesa, todas as ações regulatórias já desenvolvidas pelo Ministério da Saúde antes da portaria de 2008, mas levando em consideração um protocolo de articulação entre as seguintes ações (BRASIL, 2016):

a) Controle e avaliação: desenvolve como objeto principal o controle das ações diretas de saúde;

b) Auditoria: foco para a execução orçamentária e aplicação de recursos destinados à saúde, bem como exame analítico e perícia para a verificação da regularidade dos serviços;

c) Vigilância sanitária: fiscaliza a produção e comercialização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde;

d) Agência Nacional de Saúde – ANS: regulação do sistema de saúde suplementar.

De maneira genérica, a ação para a promoção de tais “objetos” nem sempre se deveu à forma articulada pelos distintos atores responsáveis. A tendência foi manter a separação, certa especialização, sobre cada objeto. O controle e a avaliação tiveram como objeto principal o controle da execução das ações diretas de saúde; a auditoria focou a execução orçamentária, a aplicação dos recursos destinados à saúde, além de verificar a regularidade dos serviços mediante o exame analítico e pericial; a vigilância sanitária fiscalizou a produção e a comercialização de serviços, produtos e substâncias de interesse para a saúde; à Agência Nacional de Saúde (ANS) cabia regular o sistema de saúde suplementar.

De forma paralela o sistema opera com certa confusão de sobreposição das competências, pois quase todas as instituições ocupadas do controle fizeram dos sistemas seu objeto: a auditoria propunha-se a analisar também a execução das ações diretas da saúde; a vigilância sanitária, igualmente, cadastrou e controlou estabelecimentos, objeto do controle e da avaliação; e estes também visavam à execução orçamentária, entre outras sobreposições.

As políticas de regulação vêm desenvolvendo-se em consonância com os princípios e as diretrizes do SUS para viabilizar o acesso equânime e oportuno à atenção integral e de qualidade, à universalidade e à garantia de direitos sociais. A Portaria GM/MS, nº 1.559, publicada em 1° de agosto de 2008, institui a Política Nacional de Regulação (PNR) a ser implantada em todas as unidades federadas, respeitadas as competências das três esferas de gestão como instrumento que possibilite a plenitude das responsabilidades sanitárias assumidas pelas esferas de governo.

A PNR prevê a alocação de recursos para a implantação e o custeio dos complexos reguladores, de forma tripartite, e dispõe sobre o desenvolvimento de instrumentos para operacionalizar as funções reguladoras, tais como protocolos de regulação do acesso, contendo critérios de encaminhamentos, fluxos de acesso aos serviços de saúde, classificação de risco e vulnerabilidade, priorização e o desenvolvimento de programas de capacitação permanente de trabalhadores da saúde.

A política de regulação aludida representa o controle interno no Sistema Único de Saúde e com base nos dados anteriores vem desenvolvendo atividades regulatórias sistemáticas ligadas ao núcleo estratégico do Poder Executivo. Trata-se de expediente técnico, mas com proximidade política do governo, que é realizado de forma independente do controle externo, no qual o protagonismo é dos tribunais de contas, especialmente para o Tribunal de Contas da União – TCU (PHILIP, 2016).

Depois da edição do regulamento que disciplina a política nacional de saúde, temos um cenário de variáveis, pois o apelo diante da noção de governança corporativa, articulada no SUS, ocorre justamente no momento em que o Brasil enfrenta o despontar de um tempo de crise para o financiamento de políticas públicas.

Nos últimos dez anos é importante observar que até 2017 os recursos executados pelo Sistema Único de Saúde apresentaram uma escala crescente de investimentos do governo federal no serviço público, justamente no período posterior à implantação da Política Nacional de Saúde.

Tabela 4 – Investimento no SUS desde 2008

Ano

Destinado (bilhões)

Executado (bilhões)

2018

R$ 121,70 b

R$ 92,63 

2017

R$ 120,36

R$ 102,71

2016

R$ 112,33

R$ 100,19

2015

R$ 113,01

R$ 93,86

2014

R$ 100,31

R$ 86,33

2013

Não consta

R$ 149,9

2012

Não consta

R$ 86,2

2011

R$ 78,5

R$ 71,46

2010

Não consta

R$ 61,9

2009

R$ 48,3

R$ 47,6

2008

R$ 42,497

R$ 44,497

Fonte: Autor, 2018

        

         A referência aos números que remetem ao investimento realizado pelo SUS é importante para evidenciar a altura das cifras que passam pelo seu controle, o interno e também o externo, sobretudo a atividade regulatória desenvolvida pelo Tribunal de Contas da União.

4.2 O controle externo do Tribunal de Contas da União

O Tribunal de Contas da União, órgão independente, sediado em Brasília, dispensa apresentações. Possui nove Ministros nomeados pelo Presidente da República e vem destacando-se em muitos pontos.

No controle dos serviços públicos, o TCU destaca-se no controle pela diversidade das matérias reguladas que abarcam as áreas de energia elétrica, telecomunicações, serviços postais, portos, rodovias, ferrovias, transporte de passageiros, estações aduaneiras, portos, dentre outros (ZYMLER, 2015).

É fundamental ressaltar o papel central do órgão de controle externo nos serviços públicos diretos executados por instituições públicas, mas, sobretudo, no que diz respeito aos serviços públicos indiretos desenvolvidos por todos os segmentos da iniciativa privada, diante do movimento de desestatização que se expande desde o seu despontar, com a Lei 8.031/1990

De fato, a desestatização, iniciada nos anos de 1990, é um movimento de dimensão colossal que abrange os serviços públicos concedidos com base no artigo 175 da Constituição Federal de 1988, e também os serviços públicos não exclusivos desestatizados com os movimentos de expansão da contratualização do Estado com o Terceiro Setor, sobretudo com o advento das leis 9.637/1998 e 9.790/1999 (SOUTO, 2000).

O Tribunal de Contas da União é reconhecido como instituição que tem se notificado pelo controle ético das contratações públicas, sobretudo a partir dos anos 1990, inclusive com a perspectiva de aferição concreta da violação da moralidade administrativa na aplicação de recursos públicos (AGUIAR; ALBUQUERQUE; MEDEIROS, 2011, pp. 342-346).

Considerando o recorte dessa pesquisa que se reporta à regulação da saúde, vamos observar aspecto referente à regulação do TCU, em relação aos serviços públicos não exclusivos, partindo de premissa específica, qual seja, a hipótese de que o Tribunal de Contas da União possui status de agência reguladora no Brasil, sendo o estudo delimitado na jurisdição do referido órgão de controle (OLIVEIRA, 2017).

O status aludido decorre da independência do Tribunal de Contas que pode ser observada pela ausência de relação hierárquica om o Poder Executivo e o exercício de função reguladora, considerando a expedição de orientação, enunciados normativos e sanções (DI PIETRO,2003, p.35).  

Os acórdãos do TCU constituem-se como decisões administrativas que podem influenciar a construção de súmulas e outros enunciados do órgão jurisdicional, ou seja, normas vinculantes para as organizações do SUS, submetidas ao controle externo da instituição que atua por meio de três seções internas de julgamento, quais sejam: o plenário, a primeira câmara e a segunda câmara.

Nesse contexto e reiterando a hipótese da introdução, propomo-nos a realização de pesquisa voltada a observar a regulação do Tribunal de Contas da União no SUS, examinando as decisões da corte administrativa realizadas em plenário, de acordo com a seguinte delimitação exposta no “site” da instituição: todas as decisões do plenário, emitidas em 2018, sobre a matéria “controle externo do Sistema Único de Saúde”.

A amostra dessa etapa da pesquisa foi drenada com base em fatores objetivos, pois tanto o plenário como as câmaras do TCU possuem competência para deliberar sobre prestação de contas e tomada de contas especial, mas a competência do plenário é mais abrangente nestes pontos:

a)   Inabilitação de responsável por irregularidades para atuar como servidor público e inidoneidade de licitante;

b)   Representação de equipe de fiscalização;

c)   Encaminhamento de relatório de auditória operacional;

d)   Encaminhamento de relatório de fiscalização, realizada por solicitação do Congresso Nacional, de cada uma de suas casas e comissões;

e)   Recebimento de denúncia;

f)    Deliberação de recursos.

A pesquisa quantitativa foi realizada diante dos 105 acórdãos, deliberados em plenário e publicados em 2018, com o recorte nas decisões realizadas pelo controle externo no SUS para afastar os julgados vinculados à saúde suplementar, tendo em vista a manutenção do corte epistemológico pré-definido.

Na análise dos cento e cinco acórdãos, relativos à regulação do SUS, nove deles referiam-se à educação e ao turismo, ou seja, não reportavam a matéria relativa à prestação de serviço público de saúde, por isso a pesquisa quantitativa debruça-se sobre noventa e cinco acórdãos.

Na primeira etapa da pesquisa qualitativa, observamos que os noventa e cinco acórdãos, cujas matérias estão citadas na tabela acima, referiam decisões voltadas à regulação do SUS, mas setenta e nove decisões referiam-se a demandas julgadas no âmbito da administração pública, enquanto dezesseis acórdãos reportavam-se a decisões do TCU relativas à atuação de instituições privadas contratadas pelo Poder Público.

Passamos, então, à investigação do teor dos dezesseis acórdãos, com o objetivo de indicar o resultado dos julgamentos do Tribunal de Contas da União e realizar a análise teórica do mérito das decisões. Neste ponto, passemos, então, à análise da amostra da última represa de julgados do Tribunal de Contas da União, considerando as decisões do plenário proferidas em 2018.

 

 

  Acórdão 2697/2018: aplicação de providências administrativas indicadas em relação à associação civil, vinculada ao Fundo Municipal de Saúde por meio de convênio, considerando débitos apurados em relatório de auditoria do Denasus. Comunicação do município e do Tribunal de Contas municipal de que a transferência dos valores devidos teve origem equivocada, já que não cabia ao município devolver recursos que deveriam ter sido pagos pela associação civil, em função da destinação destes à promoção do interesse privado.

 

  Acórdão 2626/2018: Determina inspeção em município para concluir apuração de aplicação irregular de recursos para a compra de equipamentos a serem utilizados por associação privada beneficente por meio de convênio. Determina medidas para a assegurar a reversão dos valores relativos a aquisição irregular e bens e alerta para a hipótese de extinção do convênio.

 

  Acórdão 2602/2018: Ratifica o conhecimento de denúncia sobre irregularidades em chamamento público realizado por secretaria estadual, tendo em vista a atribuição de gerenciamento, operacionalização e execução de ações e serviços de saúde à Organização Social.

   Acórdão 2582/2018: a aplicação de multa a servidor público (ex-chefe) de hospital universitário e inabilitação para o exercício de cargos e empregos públicos de outros sete servidores  decorre da aprovação de termo de referência com omissão de todos os custos unitários do serviço, com a chancela de definição imprecisa, insuficiente e falsa na caracterização dos profissionais implicados como recursos humanos da empresa privada contratada para a prestação de serviço de apoio em área técnica, onde a atividade é inerente as categorias funcionais do plano de cargos do hospital.

  Acórdão 1046/2018: representação conhecida pelo plenário e convertida em auto de tomada de contas especial devido à fraude em processo licitatório com ausência de projeto básico, utilização irregular de adesão à ata de registro de preço, que culmina na contratação direta de empresa privada por hospital público.

  Acórdão 2482/2018: declara a idoneidade de empresa privada pelo período de um ano; a fundação pública que contratou a empresa inidônea fica obrigada a apurar a responsabilidade administrativa de servidores (gerência ou administração na empresa privada).

  Acórdão 2454/2018: conhecimento de recurso de revisão aplica multa a ex-secretário de saúde, declarando à revelia de duas empresas privadas que apresentam conluio em fornecimento de medicamentos para uma prefeitura.

  Acórdão 2356/2018 referente à 2582/2018: mantém o teor do julgamento do acórdão 2582/2018. (Aplicação de sanção a gestor, multa em decorrência de sanção grave e inabilitação para o exercício de cargos públicos.)

  Acórdão 2351/2018 referente à 2356/2018: mantém o teor do julgamento do acórdão 2356/2018. (Aplicação de multa a ex-Secretário de Saúde e pregoeira de município com base em irregularidades verificadas em contrato do ente público com cooperativa de saúde.)

Acórdão 2259/2018: conhecimento parcial de revisão interposta por empresa privada em tomada de contas especial que exclui responsabilidade de gestores e reduz multa aplicada ao ente privado, com base em três acórdãos anteriores.

Acórdão 2023/2018: conhecimento de revisão e negação de provimento do recurso, com a manutenção de decisão do acórdão que refere ausência total de controle de ente público, de forma recorrente, quanto ao recebimento de insumos adquiridos junto à empresa privada, em que não é possível concluir se houve recebimento do objeto dos contratos.

  Acórdão 2019/2018 referente à 2259/2018: mantém o teor do julgamento do acórdão 2259/218. (Conhecimento parcial de revisão, interposta por empresa privada, em tomada de contas especial que exclui responsabilidade de gestores e reduz multa aplicada ao ente privado com base em três acórdãos anteriores).

 Acórdão 1858/2018 referente à 2073/2018: mantém o teor do julgamento do acórdão 2073/2018. (Conhecimento e provimento parcial de representação implicam a redução de multas realizadas com base em reexame interposto por parte dos agentes de empresas privadas sancionadas por acórdão do TCU).

           Acórdão 1836/2018 referente à 2023/2018: mantém o teor do julgamento do acórdão 2023/2018. (Conhecimento de revisão e negação de provimento do recurso, com a manutenção de decisão do acórdão que refere ausência total de controle de ente público, de forma recorrente, no recebimento de insumos adquiridos junto à empresa privada, em que não é possível concluir se houve recebimento do objeto dos contratos).

  Acórdão 1831/2018 referente à 2019/2018: teor do acórdão 2019/2018 difere do julgado original. (Anula o teor do acórdão 5954/2014 da 2ª Câmara do TCU, que dá origem ao acórdão 2259/2018 do plenário.)

  Acórdão 1684/2018 referente à 1863/2018: conhece os embargos de declaração interpostos por empresa privada e representante de uma das pessoas jurídicas, em face dos acórdãos 531/2018 e 469/2016 – ambos do plenário do TCU.

A observação do teor dos julgados, listados na amostra qualitativa, indica fraudes em processos de licitação, bem como a formalização e execução de contratos eivados de ilícitos, ora conduzidos pela assessoria direta do Poder Público, ora decorrentes da omissão de gestores, inclusive devido à falta de implantação de protocolo de controle decorrente de fatores múltiplos, e, ainda, diante de hipóteses em que os servidores da gestão atuaram de forma comissiva ou omissiva, mas desprovida de dolo ou culpa.

A análise dessa pesquisa não se propõe à observação da fraude constatada nos acórdãos do TCU, no que diz respeito à corrupção no âmbito interno da administração pública, pois visamos à perspectiva de um olhar específico sobre a corrupção no setor privado, incluindo empresas com fins lucrativos e organizações não lucrativas.

Partimos da premissa de que o grande expoente da política anticorrupção, aplicada em todos os órgãos de regulação no Brasil, recorre à promoção da responsabilidade das instituições da iniciativa privada, realizando uma ação pedagógica que pode mudar o desenho dos atores que contratam com a administração pública.

Por isso, as sanções do Tribunal de Contas da União, aliadas às penas indicadas na lei de improbidade empresarial e na esfera criminal, podem desaconselhar a iniciativa privada, a manutenção da performance padrão de sucesso empresarial realizada no Brasil, na medida em que a governança pode ser o principal cartão de visita, fonte de atestados de boas práticas, que serão observados na habilitação dos processos de licitação e monitoramento de contratos públicos

Durante a coleta dos dados da amostra as conexões apontadas nas decisões do plenário do TCU sugerem o uso de ferramentas robóticas, descortinadas quando a pesquisa já chegava ao tempo de suas reflexões de conclusivas. Assim foi possível reconhecer o trabalho de cruzamento de informações decorrentes da utilização de ferramentas específicas de tecnologia da informação através da utilização de robôs: ALICE, MONICA e SOFIA[8].

De acordo com Thiago Marrara (2014, p.43) esta tendência relativa o uso de tecnologias pela administração pública vem sendo defendida como verdadeira “arma” para o suprimento de inúmeras deficiências na execução de tarefas estatais, o que se observa, especificamente no caso do controle do SUS pelo Tribunal de Contas da União, com o cruzamento de dados propiciado pelo uso de inteligência artificial.

      

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

        

         A investigação sobre regulação da saúde é um campo rico de problemática e capaz de abrir inúmeras hipóteses de análise, mas as considerações finais dessa incursão referem o Sistema único de Saúde como espaço de regulação e o Tribunal de Contas da União como regulador de recursos destinados ao SUS, considerando os acórdãos julgados em 2018.

         A revisão bibliográfica da teoria que sustenta a descrição e caracterização dos institutos é ponte para trabalho analítico de vistoria e reflexão em amostra de julgados do TCU bem delimitada, pois sabíamos que ao final da pesquisa não seria possível fazer um mapeamento das fraudes conectadas ao SUS sem um recorte temporal.

         Quando a investigação foi iniciada uma das premissas levantadas apontava para maior quantidade de processos do TCU investigando, auditando e condenando instituições privadas vinculadas à gestão e prestação de serviços de saúde em unidades do SUS. Numa amostra de 95 decisões do plenário da corte federal de contas, apenas dezesseis matérias apontavam expedientes realizados em parcerias com entidades do Terceiro Setor.

         Esse dado não é suficiente para alçar conclusão no sentido de que há mais corrupção endógena em relação a corrupção exógena, pois o ambiente embaraçado pela fraude é no mínimo bilateral, sendo quase sempre multilateral, pois a fraudes tanto se apresentam na gestão direta do serviço público quanto na sua gestão indireta.

As hipóteses de fraude são esperadas na administração pública e decorrem de uma síntese consagrada na visão de Alejandro Nieto (2010): “a corrupção é inerente à administração pública”, mas as expetativas de que as contratações junto ao Terceiro Setor abarcariam hipóteses de corrupção mais recorrentes não se apresentam no contexto de tempo e espaço recortado na pesquisa.

         Então vejamos as possíveis reflexões no ultimo funil da nossa amostra: há duas hipóteses em que a fraude decorre de ausência de controle do ente público e em quatro decisões não são aplicadas apenas aos entes privados, pois agentes públicos se submetem a sanção grave e inabilitação para o exercício de cargos públicos.

         Quando a condenação do plenário do TCU se dirige especificamente a entidades gestoras do SUS, a fraude está quase sempre associada a licitações e contratos que resultaram na compra de equipamento, fármacos, e terceirização de recursos humanos. Parte fundamental dos episódios de fraude resulta da apuração do sobrepreço.

         Com o avanço da profilaxia regulatória do TCU e demais órgãos de controle é possível confirmar pelo menos em parte a hipótese de que instituições privadas voltadas a promoção da complementariedade da saúde necessitam de política de integridade cada vez mais refinada para manter relações contratuais com o Poder Público.

O uso sistemático de ferramentas de pesquisa no site e a leitura do inteiro teor das decisões do TCU, inseridas no recorte dessa investigação, apontam para a existência de um sistema de informação onde a inteligência artificial agregou muito valor ao controle, sobretudo na amarração entre julgados conexos e jurisprudência da corte.

         Considerando a análise específica desse artigo, pode-se afirmar que a agenda regulatória do TCU articula elementos de governança destacados na gestão de riscos, controle interno, monitoramento e avaliação, sinalizando um tempo de administração pública pós-gerencial.

         Três pontos se destacam ao final da pesquisa, quais sejam: 1. A amostra não apresenta irregularidade que ateste a ineficiência do SUS, enquanto atividade prestacional, ou seja, não é possível atestar baixa quantidade e/ou qualidade no atendimento dos utentes que procuraram o serviço público de saúde; 2. O TCU atua no controle eterno de serviços públicos de saúde com ferramentas capazes de identificar fraudes na aplicação de recursos públicos destinados ao SUS; 3. Ferramentas de inteligência artificial favorecem a realização do controle, na medida em que refinam dados do monitoramento, fornecendo ferramentas de trabalho produtivas para a investigação de fraudes contra o patrimônio público.

 

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Sobre a autora
Theresa Christine de Albuquerque Nóbrega

Mestre e Doutora pela Universidade Federal Pernambuco - UFPE, Pós doutoranda pela Externado de Bogotá, Professora do Curso de Especialização de Direito Administrativo na UFPE, Professora e coordenadora da Disciplina de Direito Administrativo e Assessora de Avaliação do Curso de Direito da Universidade Católica de Pernambuco – UNICAP, membro do Núcleo Docente Estruturante – NDE no âmbito da gestão acadêmica do Curso de Direito, na UNICAP. É Presidente da Subcomissão de Direito do Terceiro Setor da OAB-PE, atua como Gestora e Advogada do Escritório Theresa Nóbrega Advocacia.

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