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O direito penal e os crimes virtuais na atualidade

Agenda 05/08/2020 às 12:50

Artigo voltado a abordar os crimes típicos do meio eletrônico na atualidade.

1 INTRODUÇÃO

O Direito Penal é visto como a ultima ratio, ou seja, deve-se buscar todos os outros meios para depois recorrer a esse ramo. Nesse sentido, diante das transformações sociais, os crimes virtuais têm se mostrado cada vez mais frequentes, causando algumas dúvidas quando surgem.

Nessa perspectiva, a importância em compreender como o direito penal se aplica diante dos crimes virtuais é de muita relevância, tendo em vista que a lei precisa ter eficácia, ou seja, de nada vale estar tipificado se não há aplicabilidade da norma penal, o que em muitos casos acaba ocorrendo a revogação tácita da normatização.

Diante de noticiais divulgadas nos meios de comunicação como por exemplo, casos de revenge porn (pornografia da vingança) e sequestro de dados eletrônicos (ransoware), surge na comunidade jurídica uma indagação quanto a tipificação e aplicabilidade do direito penal, tendo em vista que frente a essas figuras típicas é importante se atentar à anterioridade da lei penal e à reserva legal, entre outras premissas basilares deste ramo. Surgindo, portanto, a seguinte problemática: Como aplicar o direito penal diante dos casos de crimes virtuais?

O objetivo geral consistiu em compreender a aplicação do direito penal diante dos casos de crimes virtuais. Os objetivos específicos e contextualizar o direito penal, bem como estudar os principais crimes virtuais que surgiram com o advento da internet e compreender a importância da devida aplicação do direito penal positivado frente aos crimes virtuais.

A metodologia se deu a partir de uma pesquisa bibliográfica, por meio da revisão da literatura, bem como se classificou como uma pesquisa qualitativa e descritiva, de trabalhos publicados nos últimos vinte e cinco anos. Foram pesquisados materiais como livros, artigos científicos, teses de doutorado e dissertações de mestrado junto a livros, sites de bancos de dados de trabalhos científicos (Scielo, por exemplo) e revistas científicas que publicam sobre a temática.

2 O DIREITO PENAL: CONCEITOS, CARACTERÍSTICAS E HISTÓRIA

O Direito Penal é um dos principais ramos do direito e possui uma gama de conceituações, devido à impossibilidade de primeiramente poder conceituar o que vem a ser direito em si.

A priori, insta salientar o posicionamento de Costa Júnior (2010), o qual preleciona que: “não há sociedade sem direito; não há direito sem sociedade. Ubi societas ibi jus”, bem como conceitua-o como um sistema que impõe limites ao cidadão, assumindo um caráter organizador e criador.

Destarte, de modo amplo, pode ser entendido como um instituto que visa regular a vida em sociedade, procurando estabelecer a paz social e o bem comum, evitando o caos. Em outros termos, é um mecanismo que ao mesmo tempo protege e regula/obriga por meio do ordenamento jurídico.

Segundo preleciona Gonçalves (2015), o Direito Penal na antiguidade (da invenção da escrita 4.000 A.C. até o declínio do Império Romano 500 d. C.) era um período no qual a pena não tinha o caráter educativo-preventido, sendo considerada e imposta como uma vingança, sendo dividido, portanto, em três fases:

a) Vingança Divina: Compreendeu o momento em que a sociedade acreditava que a omissão de penalidade poderia gerar ira divina, então poderia acontecer os fenômenos naturais devastadores.

b) Vingança Privada: Consistia no fazer justiça com as próprias mãos em que ao ocorrer um crime, o indivíduo acirrava sangrentas batalhas com o autor, sua família ou até mesmo sua tribo, ocorrendo mortes exacerbadas.

Surgiu a necessidade de controlar o caos fazendo com que surgisse a primeira lei para repreender isso e foi conhecida com a Lei de Talião – do latim lex: lei e talis: idêntico – consistia no castigo/punição na mesma medida do mal causado, consolidando a famosa sentença do “olho por olho, dente por dente”, fundamentando posteriores códigos como o de Hamurábi e a Lei das XII Tábuas. 

c) Vingança Pública: Momento de aplicação de penas cruéis – morte na fogueira, esquartejamento, mutilação, sepultamento em vida, entre outros – Nesse período o poder do Estado, através de seu representante (rei, príncipe, regente) tido como autoridade pública, procurava, em tese, atender aos interesses da sociedade.

Urge também trazer uma outra classificação abordada por Gonçalves (2015), o qual surgiu do iluminismo: O período humanitário que ocorreu durante 1750 e 1850, período intimamente ligado a corrente humanista e ao movimento iluminista, contestando os ideais absolutistas até então vigentes, buscando uma mudança da lei e uma reforma no sistema penal ao se indignarem com as penas bárbaras, com escopo de proporcionar uma condenação mais piedosa e que tivesse compaixão com o ser humano.

Visava a aplicação de uma lei com clareza, simples e buscando o mínimo de severidade, tornando o processo mais veloz e eficiente. Foi nesse contexto que surgiu a obra de César de Bonesana, popularmente conhecido como o marquês de Beccaria, por meio do trabalho intitulado “Dos delitos e das penas”, publicado em 1764. Beccaria traz o primeiro de uma gama de problemas no sistema penal da época: a questão da aplicação da lei a apenas uma parcela mínima da sociedade, a qual consegue acumular renda e privilégios enquanto esses menos favorecidos sofriam com a miséria e com o descaso.

O que não é muito diferente do que ocorre no cenário brasileiro atualmente, tendo em vista que os presídios estão abarrotados de pessoas em que na sua maioria são de pessoas de baixa renda, ao passo que uma minoria da sociedade – políticos e empresários, por exemplo – é beneficiada com esquemas de corrupção e têm a sensação de impunidade, pois dificilmente vão presos e, enquanto esses a cada vez mais acumulam riqueza, os presídios demonstram-se como “latas de sardinha” cada vez mais entulhando pessoas.

Voltando ao pensamento de Beccaria, posteriormente o mesmo indaga a respeito das falhas do processo penal e a aplicação das penas. O autor se embasa no pensamento do Contrato Social de Jean-Jacques Rosseau, em que o sujeito abdica de sua liberdade para a concretização da expressão da vontade geral. Assim, o soberano detém desse direito do indivíduo e em resposta disso deve garantir segurança e o bem comum. Surgindo a prerrogativa do Estado-Juiz em punir aqueles que abalam o sossego e o bom convívio, porém defende que a punição não deva ultrapassar a liberdade depositada.

[...] A reunião de todas essas pequenas porções de liberdade constitui o fundamento do direito de punir. Todo exercício de poder que deste fundamento se afastar constitui abuso e não justiça; é um poder de fato e não de direito; constitui usurpação e jamais um poder legítimo (BECCARIA, 2006, p. 19).

Adiante, urge destacar as escolas penais que são, segundo Bruno (1967),corpos de doutrinas mais ou menos coerentes sobre os problemas em relação com o fenômeno do crime e, em particular, sobre os fundamentos e objetos do sistema penal”. Gonçalves (2015) destaca as seguintes escolas:

a) Escola Clássica: Esta escola fundou-se com escopo nos ideais iluministas, tendo como forte influência os ideais humanitários e liberais, revelando-se como um importante basilar na luta contra o Estado soberano. Destacando-se como expoentes dessa corrente: Cesare Beccaria, Francesco Carrara e Enrico Pessina.

Para esta vertente, a pena nada mais é do que uma forma de castigar um sujeito que cometeu uma falta considerada como crime, atuando de forma livre e consciente, tendo a penalização a finalidade de restabelecer a ordem na sociedade. Para tanto, a mesma dividiu-se em dois eminentes períodos: o filosófico ou teórico e o jurídico ou prático.

No que concerne ao período, um de seus maiores expoentes foi o Marquês de Beccaria, defendendo, conforme já exposto, uma limitação legal no arbítrio do soberano. Ao passo que no período jurídico, Francesco Carrara foi seu destaque. Carrara citado por Gonçalves (2015) considerou estudar as particulares do crime em si, sem se preocupar com a imagem do criminoso. Este acreditava que o crime era uma infração legal, dividindo-o em duas forças: a física que entendia ser uma movimentação corporal para produzir um resultado, bem como moral, na qual versando sobre o caráter volitivo consciente e liberatório ao praticar o crime.

De modo a trazer uma discussão para a esfera atual, isso nada mais é do que separar o direito penal do autor e o direito penal do fato, ou seja, se ao processar e julgar alguém ele deva ser condenado pelo que ele é ou com base no que ele fez, respectivamente.

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O ordenamento pátrio adotou a corrente do direito penal do fato, como critério de absolvição ou condenação, sendo que por pior que seja a pessoa, se não tiver praticado uma conduta previamente tipificada como crime, não poderá ser considerado culpado (ROBALDO, 2009).

Contudo, ao voltarmos nosso olhar à dosimetria da pena é possível constatar que o mesmo utiliza o direito penal do autor. O artigo 59, do Código Penal considera que o juiz deverá levar em conta a “culpabilidade, aos antecedentes, à conduta social, à personalidade do agente, aos motivos, às circunstâncias e consequências do crime” como critérios de fixação da pena base, ao passo que nas agravantes – reincidência - e atenuantes – menor de 21 anos e maiores de 70 na data da sentença.

Diante do exposto, voltando à escola clássica seus principais fundamentos eram: o delito enquanto ente jurídico (infração ao direito), livre arbítrio (o ser humano é livre para escolher suas atitudes e com base nelas ser responsabilizado), pena retributiva (uma resposta a ofensa legal) e método dedutivo (considerando o direito, enquanto ciência jurídica).

b) Escola Positivista: Os grandes expoentes dessa escola foram Cesare Lombroso, Enrico Ferri e Rafael Garofalo, respectivamente nas fases antropológica, sociológica e jurídica (GONÇALVES, 2015). 

Na fase antropológica, o delito passou a ser vislumbrado a partir de um viés biológico – iniciado por Cesare Lombroso, o qual considerava que o indivíduo já nasce com predisposição para o crime, sendo que as influências sociais não seriam de grande importância.

Consoante Gonçalves (2015), Enrico Ferri é considerado o pai da sociologia criminal e este considera o crime como um fenômeno natural e social que está propenso às influências do meio, atuando a pena como uma forma de recuperar o agente ou neutralizar suas ações. Apesar de propor essa outra visão, também acreditava no determinismo, ou seja, a crença de que algumas pessoas nascem com predisposição para a prática de delitos.

Por fim, Garofalo citado por Gonçalves (2015) considera que a vontade de praticar crimes é decorrente de desvios psicológicos da pessoa afrontando sentimentos de piedade e probidade, sendo um “deficit moral”. Confrontando, assim, a posição antropológica, tendo em vista que considera a criminalidade algo orgânico.

Destarte, esta escola teve como fundamentos: o método indutivo, crime enquanto fenômeno social e natural proveniente de características físicas e comportamentais, a responsabilidade social e a sanção como tutela jurídica para se alcançar a defesa social.

c) Escolas mistas ou ecléticas: Buscava unir as duas correntes anteriores, dividindo-se em: terceira escola, escola moderna alemã e a escola da defesa social, não trazendo pontuações originais, tendo em vista ser uma reunião daquelas, mas inova ao discutir sobre livre-arbítrio, finalidade da pena e da administração penal, bem como as garantias do sujeito e prerrogativa da ordem social (GONÇALVES, 2015).

Na concepção da Terceira Escola, segundo Gonçalves (2015), o crime é “produto de uma pluralidade de fatores individuais e exógenos”, ou seja, é ente jurídico e um fenômeno natural. Ao passo que a Escola Moderna Alemã, representada por Franz von Liszt, acredita que a principal função da sanção é prevenir o delito.

Por fim, a Escola da defesa social e da nova defesa social baseou-se nas concepções de Enrico Ferri defendendo que a pena não deve ter um caráter vingativa (retribuição do mal com o mal), mas sim a proteção social.

d) Escola Técnico-Jurídica: Seu primeiro representante foi Arturo Rocco, teve como escopo defender a autonomia do ordenamento penal, como titular de objeto e métodos próprios, em outros termos, viu como uma ciência una – não devendo ser vista como fusão entre antropologia, sociologia, psicologia, entre outras – e com aspecto desorganizado. Rocco disciplinou por uma reorganização do estudo para apenas o direito positivo da época.

Posto isto, os principais fundamentos foram: o crime como relação jurídica; a pena com resposta e consequência do delito, com função de prevenção aos imputáveis e medida de segurança aos inimputáveis; é uma vontade livre (responsabilidade); método técnico-jurídico (o direito penal é aquele expresso na lei vigente); Contrário a aplicação da filosofia no âmbito penalista.

3 PRINCIPAIS CRIMES VIRTUAIS DA ATUALIDADE

A tecnologia mudou significativamente a vida das pessoas em vários ramos sociais, sendo tem tomado proporções inimagináveis, sendo que um caso pode se propagar em menos de segundo por todo o mundo através da internet, fazendo com que o conhecimento em rede, torne a sociedade cada vez mais conectada. Ao observar-se essas modificações ocorridas no mundo com o advento das tecnologias virtuais, como o computador e a internet, percebe-se que isso também abriu a possibilidade para o surgimento de novas figuras típicas que assolam a população mundial.

As infrações praticadas por meio da internet que se enquadram no código penal. Quando se fala em crimes virtuais, não corresponde apenas aos hackers ou a segurança da pessoa no momento de realização de compras virtuais. Existe uma série de outros crimes e infrações que violam os ditames jurídicos do ordenamento jurídico brasileiro, ou seja, tudo o que é crime no mundo físico também é considerado um delito no meio virtual.

Considerando isso, a internet fez surgir novas formas de crimes e maneiras de executá-los. Esse capítulo se concretará em fazer uma breve analise acerca dos principais crimes eletrônicos que surgiram nos últimos anos no território brasileiro e a sua figura típica. 

Segundo Vidal (2015, p.05):

O desenvolvimento de novas tecnologias, interfaces de comunicação sem fios, e o uso integrado de dispositivos portáteis como notebooks, smartphones, tablets, dentre outros facilitou ainda mais esse processo de globalização, permitindo o acesso à internet e a troca imediata de informações. No entanto, ao separar as pessoas por uma interface e proporcionar o anonimato, a internet e o mundo virtual aumentaram a sensação de liberdade do ser humano. Essas mudanças, impulsionadas pelos avanços tecnológicos e pelas mídias digitais, fizeram surgir novos paradigmas para a sociedade pós-moderna e para os sistemas que a organizam e regulam, como o Direito.

Nesse sentido, de acordo com a corrente majoritária, o conceito de crime segue a teoria analítica que o define como um fato típico, antijurídico e culpável. Assim, o fato típico consiste na tipicidade, na conduta, no resultado e o nexo causal, sendo elementos fundamentais do fato típico (CAPEZ, 2018).

De acordo com Vidal (2015, p.07): “Através do conceito analítico finalista de crime, pode se chegar à conclusão e que crimes virtuais são todas as condutas típicas, antijurídicas e culpáveis praticadas contra ou com a utilização dos sistemas de informática”.

De igual forma, Roque (2007, p.12) conceitua como “toda conduta defina em lei como crime, em que o computador tiver sido utilizado como instrumento de sua perpetração ou consistir em seu objeto material”.

Sob esse prisma, verifica-se que esses crimes, considerados como virtuais podem ocorrer de duas formas: na modalidade própria e na imprópria. São delitos virtuais considerados como próprios aqueles que são praticados exclusivamente no ambiente virtual, sendo eles:

Os principais crimes virtuais próprios são: a) acesso e uso não-autorizados, ou seja, a utilização do sistema sem ser autorizado; b) Alteração e destruição de dados, ou seja, uso intencional de programas ilegais e destrutivos para alterar ou destruir dados. Os exemplos mais comuns desse tipo de programas são os vírus que, quando carregados em um computador, podem destruir dados, interromper ou provocar erros no processamento. Também é conhecido como fraude virtual, pois o agente pratica uma conduta de invasão, alteração ou modificação, pagamento ou supressão de dados eletrônicos ou programas, ou qualquer outra adulteração em um sistema de processamento de dados (VIDAL, 2015, p.16).

Nesse sentido, dentre as principais formas de invasão de computadores ou de sistema de informática, destacam-se os Spamming, Cookies, Spywares, Hoaxes, Sniffers, Trojan e Keyloggers. O Spamming, popularmente conhecido como Spam, é oriundo da palavra inglesa Sending and Posting Advertisement in Mass, consiste em uma conduta de enviar mensagens com publicidade para uma considerável parcela de usuários. Os Cookies correspondem a arquivos de textos enviados para o computador do usuário toda a vez que ele visita um site, de modo que grava informações deste para que seja possível identifica-lo nas próximas ocasiões em que ele visitar o endereço eletrônico (VIDAL, 2015).

De igual forma, os Spywares é um código ou programa considerado como espião, ele reúne informações sobre o usuário e suas preferências na internet, transmitindo a alguma entidade externa à internet (desconhecidos), sem que haja o prévio consentimento do usuário. Esses softwares geralmente podem se classificar de duas maneiras, como Adwares (publicidade de empresas, sem que o usuário tenha visitado essas páginas) ou como Ransomware (programa malicioso que sequestra dados e exigem resgate.

Sobre o Ransomware, Saisse (2016, p. 01) salienta que:

Ransomwares são softwares do tipo malware criados com o objetivo de infiltrar-se em sistemas sem a percepção de seu titular. Possui por diretriz criptografar ou compactar dados com senhas e assim bloqueando o acesso aos mesmos e, em muitos casos, inutilizando o dispositivo infectado. Posteriormente é iniciado um mecanismo de exibição de imagens/mensagens informando sobre como realizar o resgate dos dados mediante um pagamento. Estas solicitações são normalmente valoradas em bitcoins, devido ao extremo anonimato sobre as transações realizadas nesse sistema de pagamentos.

Como se pode extrair o ransomware consiste em uma forma de sequestro de dados fundamentais de determinada pessoa, em que o acesso do usuário é bloqueado e a devolução dos mesmos só se efetuam por meio do pagamento de um resgate, o qual pode ser pago com bitcoins (moedas digitais), a fim de que seja assegurado o anonimato desse “sequestrador” e a execução do crime seja realizada de modo que esse não possa ser identificado pela polícia.

Além disso, também existem os Hoaxes que se referem a e-mails com mensagens falsas, geralmente se fazendo passar por grandes empresas, com a finalidade de fazer com que o usuário tome atitudes prejudiciais a ele mesmo. Um exemplo dessa prática, seria o ato de enviar e-mails como se fosse um banco, para que o cliente realize a atualização do seu cadastro em um site falso, fazendo com que o indivíduo passe suas informações pessoais a desconhecidos. No que tange a Sniffers, também são programas espiões, sendo introduzidos no disco rígido, tendo como função interceptar e registrar o tráfego de pacotes na rede.

O Trojan Horse, ou como popularmente conhecido Cavalo de Tróia, é um vírus que funciona como uma porta de acesso para o computador para a sua invasão, podendo fazer com que o hacker tenha acesso aos arquivos, senhas, instalar novos programas, formatar, tenha acesso ao microfone, webcam e outras funcionalidades. E, por fim, os Keyloggers tem acesso a cada batida no teclado ou atividade do sistema, podem ter acesso ao número de cartões, senhas e dados importantes e transmitir a terceiros.

Desta forma, verifica-se que essas formas de invasões aos sistemas de outros usuários podem se amoldar à figura típica prevista no artigo 154-A, do Código Penal:

Art. 154-A. Invadir dispositivo informático alheio, conectado ou não à rede de computadores, mediante violação indevida de mecanismo de segurança e com o fim de obter, adulterar ou destruir dados ou informações sem autorização expressa ou tácita do titular do dispositivo ou instalar vulnerabilidades para obter vantagem ilícita:

Pena - detenção, de 3 (três) meses a 1 (um) ano, e multa.

Nas mesmas penas incorre quem realiza a produção, oferece ou distribui, vende ou difunde dispositivos ou programas dessa natureza, com a finalidade de permitir as condutas previstas nesse artigo. Além disso, existe causa de aumento de pena de um sexto se a invasão resultar em algum prejuízo econômico para a vítima.

Ademais, também há uma qualificadora para esse delito, a qual prevê que:

§ 3º Se da invasão resultar a obtenção de conteúdo de comunicações eletrônicas privadas, segredos comerciais ou industriais, informações sigilosas, assim definidas em lei, ou o controle remoto não autorizado do dispositivo invadido: (Incluído pela Lei nº 12.737, de 2012) Vigência Pena - reclusão, de 6 (seis) meses a 2 (dois) anos, e multa, se a conduta não constitui crime mais grave.

§ 4º Na hipótese do § 3o, aumenta-se a pena de um a dois terços se houver divulgação, comercialização ou transmissão a terceiro, a qualquer título, dos dados ou informações obtidas.

§ 5º Aumenta-se a pena de um terço à metade se o crime for praticado contra:

- Presidente da República, governadores e prefeitos;

II - Presidente do Supremo Tribunal Federal;

III - Presidente da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, de Assembleia Legislativa de Estado, da Câmara Legislativa do Distrito Federal ou de Câmara Municipal; ou

IV - dirigente máximo da administração direta e indireta federal, estadual, municipal ou do Distrito Federal.

Por outro lado, os crimes virtuais também podem ocorrer na modalidade imprópria, em que consiste em condutas tipificadas no ordenamento jurídico como passíveis de serem realizadas em qualquer contexto, mas que encontram no meio digital, uma forma para praticá-los. Dentre os principais exemplos dessa modalidade, destaca-se o estelionato, crimes contra honra, divulgação de segredo, discriminação, favorecimento da prostituição, incitação e apologia ao crime, falsa identidade, pedofilia, pirataria e outros.

Considerando esses crimes apontados, alguns merecem um melhor enfoque, como é o caso dos crimes contra a honra, ou seja, a prática de calúnia (artigo 138, do Código Penal, difamação (artigo 139, do Código Penal) e injúria (artigo 140, do Código Penal), em que muitas pessoas se valem da ferramenta digital como uma forma de manter o anonimato e denegrir a imagem de muitas pessoas. Alguns denominam essa prática de desqualificar alguém no âmbito virtual como um Ciberbullying, termo este que não tem tipificação jurídica, mas que enquadra quem o pratica em um dos crimes existentes na legislação penal brasileira.

O Cyberbullying é um fenômeno que surgiu com o aparecimento da Internet e a popularização das redes sociais. Trata-se da migração para o meio virtual da conduta chamada em inglês “bullying” que corresponde a um conjunto de atitudes de violência física e/ou psicológica, de caráter intencional e repetitivo, praticado por um ou mais agressores contra uma ou mais vítimas que se encontram impossibilitadas de se defender. [...] O cyberbullying ocorre geralmente por meio da criação de um perfil falso da vítima em rede social vinculando-a a situações vexatórias, como por exemplo, apresentando a vítima como garota de programa ou tornando esse perfil “fake” amigo de perfis declaradamente pertencentes a pedófilos ou criminosos, mesmo que também sejam perfis falsos. (MPF, 2013)

Desta forma, pode se verificar ao longo deste capítulo que, apesar dos benefícios que a internet e as novas formas de tecnologia trouxeram, isso também permitiu que surgisse novas formas de delitos, assim como a execução desses crimes foi ampliada, fazendo com que o ordenamento jurídico tivesse que acompanhar essas transformações.

4 A APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO CONTEXTO DAS INFRAÇÕES NO ESPAÇO VIRTUAL

A aplicabilidade da lei penal deve ter como escopo solucionar conflitos sociais. O direito deve acompanhar e se adaptar às novas demandas que surgem em sociedade, em que as modificações que se mostram como cada vez mais rápidas. Sobre isso, o artigo 5º, inciso XXXIX, da Constituição Federal/88 prevê que “não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem a prévia cominação legal” (BRASIL, 1988).

Nesse sentido, A dificuldade na aplicação da lei penal se concreta em muitas das vezes em definir a autoria do delito. As pessoas gostam desse anonimato Medeiros (2017, p. 25):

Existem atores ávidos para estimular crenças radicais, cultivar preconceitos e posições extremas que são abraçadas com fervor, principalmente nas redes, onde os haters, trollers, portais fakes ou páginas especializadas em boatos, se proliferam. Sem falar que muitos ainda gozam do anonimato.

Assim, extrai-se que é muito difícil que os indivíduos que pratiquem esses crimes virtuais utilizem seus verdadeiros nomes, se valendo de mecanismos que limpem os rastros deixados. No espaço virtual, é quase que impossível identificar os usuários por seus documentos pessoais, sendo que a forma mais usual de se realizar essa identificação é por meio do número do IP da máquina utilizada, que funcionam a uma espécie de “RG” das máquinas.

De acordo com Greco (2009, p.117) a identificação do agente infrator é dificultada, também, pela utilização de serviços de funcionam como máscaras para os seus usuários, os quais são denominados de proxys de anonimato. Inclusive, muitos desses indivíduos utilizam cadeias de proxys, a fim de tornar a identificação do computador sem possibilidade de rastrear. 

Para se proceder à interceptação dos dados telemáticos, a fim de que a autoridade investigatória conheça todas as movimentações que o investigado utilizou no âmbito virtual, se equipara aos mecanismos utilizados pela Lei 9.296/96, para interceptação de dados telefônicos.

Nesse sentido, a Lei de Interceptação Telefônica, estabelece que a: “análise dos dados constantes dos cadastros de clientes dos provedores de acesso não caracteriza interceptação do fluxo de comunicações em sistemas de informática, sendo certo que a requisição judicial não é necessária” (INELAS, 2009, p.25).

Além disso, outro problema na investigação desses delitos é o tempo de armazenamento dos dados por parte dos provedores, tendo em vista que no ordenamento jurídico brasileiro não existe nenhum parâmetro ou legislação que estabeleça por quanto tempo deve ser mantido o armazenamento desses dados e informações.

No que tange à materialidade, verifica-se que na esfera virtual, essas podem ser facilmente apagadas ou perdidas, bem como o formato complexos, demandando uma análise incisiva e com peritos para auxiliar no processo penal, assim como sendo necessário se valer das possibilidades da interceptação de dados.

Por muito tempo no ordenamento jurídico brasileiro não havia previsão legal que amparasse a lei penal nos casos de crimes praticados em um contexto virtual, sendo que até o ano de 2012 as principais fontes normativas correspondiam ao Código Penal, ECA, Lei de Crimes de Software (Lei Antipirataria 9.609/98) e a Lei de Segurança Nacional (Lei n. 7.170/83).

O ponto de partida para a aplicação da lei penal se deu com o advento da Lei Carolina Dieckmann – Lei 12.735/2012 e 12.737/2012. Também houve a alteração do artigo 154-A que incluiu uma nova figura tipifica e 154-B sobre a ação penal desses crimes.

O Brasil possui alguns órgãos de repressão, de acordo com Monteiro (2010, p. 95) são eles: Divisão de Repressão aos Crimes de Alta Tecnologia (DICAT); Núcleo de Repressão a Crimes Eletrônicos (NURECCEL) da PC de ES; Divisão de Repressão aos Cibercrimes (DRC) da Delegacia Estadual de Investigações Criminais (DEIC) – GO; Delegacia Especializada de Repressão a Crimes contra a Informática e Fraudes Eletrônicas – DERCIFE – PC DE MG; Delegacia Virtual do Pará; Polícia Civil – Núcleo de Comete aos Cibercrimes (NUCIBER) da PC Paraná; Política Civil de Pernambuco – Delegacia interativa; Polícia Civil do Rio de Janeiro – Delegacia de Repressão aos Crimes de Informática (DRCI); Delegacia de Repressão aos Crimes Informáticos (DRCI) do RS; Polícia Civil de SP – 4ª Delegacia de Delitos Cometidos por meios Eletrônicos – DIG/DEIC.

O marco civil da internet também é um mecanismo que contribui na regulamentação das condutas que devem ser praticadas na web. Lei 12.965/2014, estabelecendo os princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da internet no Brasil.

Desta forma, a aplicabilidade da lei penal no caso dos crimes eletrônicos depende de uma série de condutas, sendo que a autoria muitas vezes se mostra como difícil de identificar, pois esses criminosos utilizam do anonimato para praticarem seus delitos, sendo que a materialidade também é de difícil coleta, pois muitas das provas são de difícil acesso e que podem se alterar facilmente.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No decorrer deste trabalho foi possível realizar uma significativa abordagem sobre os crimes virtuais presentes no cotidiano contemporâneo, sendo que em um primeiro momento foi dado enfoque para o direito penal em uma maneira geral, compreendo o seu conceito, características e alguns traços sobre a sua história.

Assim sendo, após esse panorama realizado, foi feito um apontamento sobre os principais crimes virtuais presentes na atualidade, os quais podem se dividir em crimes virtuais de natureza própria e imprópria, sendo que os primeiros são aqueles praticados exclusivamente no meio virtual, como o Ransomware ou Sequestro de Dados, bem como os delitos virtuais impróprios são aqueles que podem ocorrer em outros meios, como exemplo as ofensas contra a honra que são dão por via digital.

Por fim, foi dado enfoque a aplicação da lei penal no contexto dessas infrações penais cometidas no espaço virtual, abordando as principais dificuldades relativas à identificação da autoria e materialidade, bem como outros recursos para efetivamente aplicar a lei nesses casos.

REFERÊNCIAS

BRASIL. Código Penal. Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. 

BRASIL. Constituição Federal da República Federativa do Brasil. Senado Federal, 1988.

BRASIL. Ministério Público Federal. Procuradoria Geral da República. Roteiro de atuação sobre crimes cibernéticos.  Disponível em: http://www.mpf.mp.br/atuacao-tematica/ccr2/publicacoes/roteiro-atuacoes/docs-cartilhas/crimes_ciberneticos_web.pdf. Acesso em: 25 out.2018.

BECCARIA, Cesare. Dos delitos e das penas. São Paulo: Martin Claret, 2006.

BRUNO, Anibal. Direito Penal. 3. ed. Rio de Janeiro: Forense. 1967.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal 1. Parte Geral. 22ª ed. São Paulo: Saraiva, 2018.

COSTA Jr., Paulo José Da.; COSTA, Fernando José Da. Curso de Direito Penal, 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 2010.

GRECO, Marco Aurelio apud INELAS, Gabriel Cesar Zaccarias de. Crimes na Internet. 2ª edição, 2009, p. 117.

GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. Curso de Direito Penal: Parte Geral, 1ª ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

INELAS, Gabriel Cesar Zaccarias de. Crimes na Internet. 2ª edição, 2009, p. 25.

MEDEIROS, Armando. A era da pós verdade: realidade versus percepcção. Uno, São Paulo, v. 27, n. 1, p.17-19, mar. 2017.

MONTEIRO, Renato Leite. Crimes eletrônicos: uma análise econômica e constitucional. Disponível em:  http://www.dominiopublico.gov.br/download/teste/arqs/cp142465.pdf. Acesso em: 18 out.2018.

ROBALDO, José Carlos de Oliveira. Direito Penal do autor ou Direito Penal do fato? Disponível em http://www.lfg.com.br. Data de acesso: 28 de agosto de 2018.

ROQUE, Sérgio Marcos. Criminalidade informática: crimes e criminosos do computador. São Paulo: ADPESP Cultural, 2007. P. 25.

VIDAL, Rodrigo de Mello. Crimes Virtuais. Disponível em: http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/crimes_virtuais_1.pdf. Acesso em: 25 out.2018.

Sobre a autora
Bruna Gonçalves Xavier

Mestre em Desenvolvimento Local pela Universidade Católica Dom Bosco. Bacharel em Direito pela Universidade Católica Dom Bosco. Advogada.

Informações sobre o texto

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