A Mediação é um dos procedimentos autocompositivos que foram adotados pelo Código de Processo Civil de 2015 e Lei de Mediação nº 13.140/2015, e que recentemente completou 5 anos de vigência.
E com a Pandemia da Covid-19, não apenas as Lives musicais estão fazendo sucesso, mas também as sessões de Mediação e Conciliação no ambiente virtual têm movimentado a justiça brasileira.
As discussões e reflexões em torno da mediação cresceram de maneira ampla. Por ser um procedimento que admite a sua realização por meio de videoconferência, garantido pelo art. 46 da Lei 13.140/2015, foi uma das soluções encontradas para que milhares de processos não ficassem paralisados durante o tempo de isolamento social.
Tanto que, a partir de uma busca rápida no Google, podemos encontrar diversos artigos e matérias publicados durante a Pandemia, que tratam da utilização do procedimento, por exemplo, como uma saída para os processos de recuperação judicial, ou para evitar a judicialização de casos relacionados a saúde.
Contudo, ainda existem muitas dúvidas em torno do ato da Mediação, principalmente pelo pouco tempo de vigência e adesão. A própria Resolução nº 125/2010 do CNJ, que trata da Política Judiciária Nacional de Conflito de Interesses, também é recente diante de toda a história do Judiciário Brasileiro.
A Juíza Valeria Feiroli Lagrasta, foi feliz em seu artigo ao dizer que:
“estávamos na fase de compreensão das principais diferenças entre conciliação e mediação e da necessidade de formação adequada dos mediadores, quando fomos surpreendidos pela pandemia”.
A partir disso, este sucinto artigo tem o objetivo de apresentar alguns pontos introdutórios sobre a Mediação.
Abordaremos um breve histórico, conceituação e princípios, que juntos, colaboram com a formação de uma base sólida para que compreendamos um pouco mais sobre a mediação.
1. Breve Histórico da Mediação
Apesar de a Mediação ter sido adotada recentemente na Justiça Brasileira, os estudos acerca do procedimento e suas práticas já são abordados há muito tempo.
A Doutrina ensina que os métodos de resolução de conflitos, a partir de uma autocomposição entre as partes, acompanham a história da humanidade, com presença em diversas culturas antigas.
A utilização de um terceiro facilitador está descrita em relatos Bíblicos e também em épocas ainda mais longínquas. Fernanda Tartuce, em sua obra Mediação nos Conflitos Civis, ensina que:
“Há centenas de anos a mediação era usada na China e no Japão como forma primária de resolução de conflitos; por ser considerada a primeira escolha (e não um meio alternativo à luta ou a intervenções contenciosas), a abordagem ganha-perde não era aceitável”.
E isso não foi exclusividade dos povos orientais. Na Europa e Estados Unidos, ao longo do Século XX, diversas iniciativas promoveram uma cultura de pacificação, por meio de procedimentos e técnicas que atenuavam as tensões sociais, principalmente no âmbito trabalhista.
Nos Estados Unidos, um grande marco foi a Pound Conference (1976), evento que tratou sobre o funcionamento do judiciário norte-americano, e que apresentou alguns modelos práticos para a inserção da mediação como alternativa no campo processual.
Com isso, saiu dos limites da seara trabalhista e passou a ser utilizado também em áreas como o Direito de Família, com a participação de profissionais de psicologia e serviço social, da mesma forma como aconteceu nos países europeus.
“A mediação familiar passou a ser obrigatória em alguns estados americanos e gerou também um movimento chamado de “collaborative law” (advocacia colaborativa). No final da década de 1980, reformistas do movimento de mediação comunitária propuseram uma alternativa para a justiça criminal, preconizando a justiça restaurativa”, diz, Fernanda Tartuce.
A partir deste pequeno trecho que trata da mediação norte-americana, é possível perceber que há uma grande influência dessa cultura na construção da Mediação brasileira. Assim, para entender mais sobre o procedimento nos Estados Unidos e em outras partes do mundo, vale a pena conferir a Série: Mediação no Mundo, escrita por Luis P. Zanini para o Centro de Mediadores.
Na América Latina, os movimentos mais marcantes ocorreram a partir da década de 90, com iniciativas na Colômbia, Argentina e até mesmo com a intervenção do Banco Mundial, que emitiu um documento que recomendava a utilização da mediação e da justiça restaurativa para os países latinos.
Essa recomendação tinha o objetivo principal de desafogar o Judiciário, adotando métodos mais céleres. Dessa maneira, foram criados os centros de mediação, comunitários e acadêmicos, e também alguns avanços legislativos que previam a sua aplicação de maneira obrigatória e anterior à judicialização dos conflitos, como ocorre na Argentina atualmente.
No Brasil, o CNJ aponta, em seu Guia de Conciliação e Mediação, que os primeiros movimentos se iniciaram a partir da década de 70, com as políticas de ampliação do acesso à Justiça.
Nesse período, existia a aplicação da mediação comunitária e trabalhista, de maneira tímida, influenciada pelo movimento norte-americano.
“Começou‑se a perceber a relevância da incorporação de técnicas e processos autocompositivos no sistema processual como meio de efetivamente realizar os interesses das partes de compor suas diferenças interpessoais como percebidas pelas próprias partes. Com isso, iniciou‑se uma nova fase de orientação da autocomposição à satisfação do usuário por meio de técnicas apropriadas, adequado ambiente para os debates e relação social entre mediador e partes que favoreça o entendimento”. (BRASIL, 2015)
Na década de 90, nasceu a Lei dos Juizados Especiais (Lei 9.099/95), que avançou com o reconhecimento da Conciliação como um meio para a solução dos conflitos de menor escala, preparando o terreno para a adoção legislativa da Mediação, quase 20 anos depois.
Para se aprofundar nos estudos acerca da História da Mediação, recomendamos os artigos: Um Breve Histórico sobre a Mediação, escrito pela Dra. Gisele Leite, para o JusBrasil, e também o trabalho sobre a Introdução Histórica e Modelos de Mediação, escrito pela Dra. Fernanda Tartuce e Diego Faleck.
2. Conceito de Mediação
De acordo com a Lei 13.140/2015, art. 1º, parágrafo único, “considera-se mediação a atividade técnica exercida por terceiro imparcial sem poder decisório, que, escolhido ou aceito pelas partes, as auxilia e estimula a identificar ou desenvolver soluções consensuais para a controvérsia”.
A partir da definição do próprio texto legal, conseguimos extrair alguns pontos que contribuem para uma melhor compreensão sobre seu conceito.
Primeiramente, no que se refere a atividade técnica, é importante salientar que o Mediador será sempre uma pessoa capacitada, ou seja, que possui formação específica relativa ao procedimento e suas técnicas e regras, devidamente habilitado pelo órgão judiciário, observando o art. 11 da Lei 13.140/2015.
Com relação à imparcialidade e ausência de poder decisório, são referências aos princípios da imparcialidade e da autonomia da vontade das partes. Pois, a premissa desse instituto é que o terceiro atue como um facilitador, para que as partes possam dialogar e tomar a melhor decisão sobre a questão apresentada. Sendo assim, o mediador não pode influenciar a escolha por meio de sugestões, opiniões ou análises de provas, por exemplo, mas tem o dever de auxiliar as partes para que, por meio do diálogo, decidam sobre a demanda que foi apresentada.
Vale destacar que os mediadores podem ser escolhidos pelas partes, ou por seus advogados, sendo indicados na própria petição inicial. Não havendo indicação, cada juízo, por meio do CEJUSC (Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania), destinará o mediador que será apresentado na abertura da Sessão de Mediação, e este deverá confirmar a anuência das partes para prosseguir, com a possibilidade, neste momento, de haver a recusa das partes ou o pedido para a substituição do profissional.
Para sintetizar o entendimento, Fernanda Tartuce, citando Fernanda Levy, diz que a mediação consiste em um meio consensual, voluntário e informal de prevenção, condução e pacificação de conflitos conduzido por um mediador; este, com técnicas de negociação e de , “atua como terceiro imparcial, sem poder de julgar ou sugerir, acolhendo os mediandos no sentido de propiciar-lhes a oportunidade de comunicação recíproca e eficaz para que eles próprios construam conjuntamente a melhor solução para o conflito”.
É sempre necessário observar que, geralmente, a Mediação acontece quando há um relacionamento ou vínculo entre as partes anterior ao conflito, e esta relação permanecerá ao longo do tempo, diferentemente da Conciliação, em que a relação nasce a partir do conflito e não se prolongará.
Para distinguir, podemos citar como exemplos uma ação decorrente de acidente de trânsito e outra a partir do pedido de Alimentos para o filho.
Na primeira, o vínculo entre as partes existe unicamente pelo fato gerador, o acidente, e não será de caráter duradouro, visto que a relação terminará com a resolução da controvérsia, sendo mais indicada a Conciliação. Já na situação dos Alimentos, existe uma relação entre as partes anterior ao pedido da pensão e de modo continuativo, pois, o vínculo se materializa no infante. Dessa maneira, levando em conta as diversas complexidades do núcleo familiar, a Mediação é o procedimento mais indicado, visto que o mediador utilizará de técnicas para que haja a preservação de um relacionamento pacífico e o estabelecimento do diálogo que será necessário para que haja perenidade num possível acordo.
Sendo assim, podemos dizer que a Conciliação é mais indicada para conflitos objetivos, e a Mediação a ideal para conflitos subjetivos, que envolvem além das questões de Direito, mas também cargas emocionais e psicológicas entre as partes.
O próprio Conselho Nacional de Justiça, brevemente esclarece a diferença entre os dois procedimentos.
3. Princípios que regem a Mediação
A Lei 13.140/2015 (Lei da Mediação), estabelece no art. 2º os seguintes princípios: imparcialidade do mediador, isonomia entre as partes, oralidade, informalidade, autonomia da vontade das partes, busca do consenso, confidencialidade e boa-fé. Estes princípios também são abordados pelo Código de Processo Civil, no seu art. 166, e estão no art. 1º do Código de Ética dos Mediadores.
- Imparcialidade
Disposto no art. 5º, parágrafo único da Lei de Mediação, dispõe que o Mediador será sempre um terceiro alheio ao conflito, impedindo qualquer vínculo com as partes. Em consonância com este princípio, existe ainda o dever de se observar as regras de impedimento e suspeição de acordo com o art. 148, inciso II, do Código de Processo Civil, bem como de manter a neutralidade, não havendo espaço para a proposição de conselhos, palpites ou a expressão de qualquer juízo sobre a questão apresentada.
- Isonomia entre as partes
É uma extensão do princípio da imparcialidade, cuidando-se do tratamento igualitário entre os envolvidos. Portanto, cabe ao mediador conduzir o procedimento de maneira que as oportunidades para os momentos de escuta e fala sejam sempre equilibrados e proporcionais. Neste sentido, é comum que uma parte tenha mais instrução do que a outra, ou que seja mais comunicativa e, por isso, utilize mais tempo de fala ou exerça até certo domínio sobre a outra parte. Diante disso, o mediador deverá utilizar métodos específicos para que a outra parte também consiga se expressar, estabelecendo condições igualitárias entre ambos.
Ademais, dentro do processo de negociação, há também uma maior preocupação para os aspectos emocionais e psicológicos das partes. Para exemplificar, não são raras as ocasiões em que existem relatos de violência ou traumas, principalmente nos processos de Direito Familiar, ou de pessoas que não se falam há muito tempo. Portanto, manter o procedimento de forma isonômica é um dos grandes desafios da mediação.
Outro aspecto importante é com relação a presença de advogados. Pode ocorrer de uma parte estar acompanhada de seu procurador e a outra não. Em alguns tribunais, a orientação é que a sessão não ocorra caso uma das partes esteja desassistida. Contudo, pode ocorrer de a própria parte expressamente dispensar o auxílio profissional e seguir com o procedimento.
Diante dessa situação, cabe ao mediador informar que existe a possibilidade de se suspender a sessão, e designar para uma nova data, oportunizando tempo hábil para que a parte procure um advogado.
- Oralidade
Presente nos arts. 30 e 31 da Lei 13.140/15 e 166 do Código de Processo Civil, decorre do princípio da informalidade e da confidencialidade, estabelece que a mediação ocorrerá a partir do diálogo entre os sujeitos, não havendo registro ou gravação do procedimento. Também, não serão analisadas provas ou documentos, mas somente as alegações orais de cada parte.
Ao final da sessão de mediação, será redigido um termo contendo o acordo com as obrigações de cada parte, ou apenas uma nota informando que não houve a composição de acordo, para que seja cientificado e homologado pelo juízo.
- Informalidade
Previsto no art. 166, § 4º do Código de Processo Civil, diz respeito ao procedimento que acontece de maneira aberta, não havendo uma sequência rígida de atos a serem praticados, bem como a dispensa de alguns costumes litúrgicos dos processos judiciais. Por exemplo, ao mediador não é dado o tratamento de Vossa Excelência.
O objetivo é de facilitar a comunicação, tendo em vista as complexidades existentes nas relações conflituosas. Em que pese este princípio, não se dispensam as técnicas, regras e informações pertinentes, como os princípios da confidencialidade e autonomia de vontade. Mas, diferencia-se de alguns procedimentos processuais, por exemplo, em que existem uma série de atos, que se não forem praticados da maneira como prescrita, podem acarretar na nulidade de todo o procedimento.
- Autonomia de Vontade das Partes
A mediação garante total liberdade para as partes transigirem ao longo da negociação, inclusive com a possibilidade de se recusar a participar do ato ou acordo, sem qualquer prejuízo, de acordo com o art. 2º, § 2º da Lei 13.140/15.
Mas, no tocante ao acordo, o limite será sempre a ordem pública.
Por exemplo, a Lei 13.058/2014, tornou a guarda compartilhada a modalidade obrigatória nos casos em que os pais se separam, e a guarda unilateral uma exceção que só é admitida quando verificada algum risco ao infante ou a partir da dispensa de algum dos genitores e, para esta modalidade, são necessários criteriosos estudos e pareceres da equipe técnica do juízo, com a devida manifestação do Ministério Público para que seja determinada.
Portanto, não é razoável que na Mediação as partes estipulem a guarda do filho na modalidade unilateral.
Este princípio também garante a voluntariedade, ou seja, a autonomia de se resolver o conflito de acordo a sua própria vontade, sem interferência. Um ponto bastante importante é que, ainda que o advogado represente a parte, caberá a ela própria expressar a sua vontade. Para tanto, a atuação do profissional deve ser de maneira colaborativa, para garantir que o mediando consiga expor suas considerações e tenha a palavra final na composição da solução da lide.
- Busca do Consenso
Este princípio não deve ser confundido com a obrigatoriedade de acordo. O principal objetivo da mediação é de restabelecer a comunicação, para que as partes consigam desenvolver uma solução para o litígio. Assim, o consenso se refere à comunicabilidade pacífica, que ao longo do tempo concretizará o acordo ou a possibilidade de um acordo futuro, caso não seja este o resultado da Sessão.
- Confidencialidade
Disposta nos arts. 30 e 31 da Lei 13.140/15 e art. 166, §§ 1º e 2º do Código de Processo Civil. Nas palavras de Theobaldo Spengler,
“confidencialidade é um princípio fundamental a ser observado para que o procedimento da mediação tenha a credibilidade das partes, pois, segundo esse princípio, os assuntos tratados na mediação são de conhecimento apenas das partes e do mediador, não podendo nenhuma delas divulgar as informações obtidas na mediação nem fazer uso delas em juízo”.
Assim, o mediador tem o dever de informar sobre o sigilo no início e ao longo da sessão para que haja o estabelecimento da confiança no procedimento, de modo que nenhum dos participantes possa coletar as informações reveladas.
O autor Luiz A. Scavone Junior, esclarece que “sendo assim, qualquer prova apresentada posteriormente em processo judicial ou arbitral em desrespeito à confidencialidade será prova ilícita e, nessa medida, não deve ser admitida com a determinação do seu desentranhamento (§ 2º do art. 30 da Lei 13.140/2015)".
Um exemplo prático, é a possibilidade da realização de sessões individuais (ou privadas), durante da mediação. Nesta oportunidade, permanecem na sala apenas o mediador e uma das partes e seu advogado, e todos os temas tratados ao longo desta somente serão revelados à outra parte se houver o seu consentimento.
Mas, existem exceções ao princípio da confidencialidade, que ocorrem quando é revelada a ocorrência de crime de ação pública e as informações que devem ser prestadas à administração tributária, dispostos no art. 30, §§ 3º e 4º da Lei de Mediação.
- Boa-fé
Este princípio é muito bem definido por Theobaldo Spengler, em sua obra sobre Mediação, Conciliação e Arbitragem, que ensina:
“esse princípio informa que o procedimento da mediação deve ser norteado pela boa-fé objetiva, ou seja, as partes e o mediador bem como as informações e relatos trazidos à mediação gozam de boa-fé objetiva, pois nesse procedimento não se fala em documentos, muito menos em provas, presume-se que todos estejam de boa-fé para solucionar o conflito de forma amistosa”.
Sendo imprescindível para que seja estabelecido um diálogo, a boa-fé é também conceituada por Fernanda Tartuce, que complementa “consiste no sentimento e no convencimento íntimos quanto à lealdade, à honestidade e à justiça do próprio comportamento em vista da realização dos fins para os quais este é direcionado”.
Para que a mediação tenha sucesso, mesmo que não haja acordo, é essencial que todos os sujeitos encarem o procedimento de maneira séria e leal, ainda que a cultura litigante esteja enraizada, compreender que há um caminho para ganhos mútuos e mais benéfico é a chave que os conflitos sejam solucionados definitivamente.