Da Morosidade (Inevitável) da Justiça
I – Não é recente o fenômeno. Já em 1921, Rui Barbosa, em sua celebérrima Oração aos Moços, verberava o teor de proceder de certos “magistrados, nas mãos de quem os autos penam como as almas do purgatório, ou arrastam sonos esquecidos como as preguiças do mato”([1]), e proferia aquelas palavras que entraram em provérbio: “Justiça atrasada não é justiça, senão injustiça qualificada e manifesta”([2]).
Temos para nós, porém, que a Justiça não pode nem deve ser demasiado rápida, sob pena de comprometer o resultado que dela espera o próprio Estado. A causa, conforme advertiu Eliézer Rosa, está em que “a bilateralidade essencial da ação exige o contraditório”([3]), soberano princípio de direito judiciário que, entre nós, tem a consagração de garantia constitucional (art. 5º, nº LV).
À conta de sua estrutura dialética, repugna ao processo, portanto, a marca da celeridade, levantado ideal para cuja consecução empenharam não poucos o melhor de suas energias e talentos.
Nada obstante, passa por legítima a aspiração comum de que toda a prestação jurisdicional deva ser entregue com a maior brevidade que caiba no possível, pois quem teve seu direito violado sofre por força, e é coisa assaz difícil unir a dor à paciência. A demora, no entanto, “faz parte da vida do processo”([4]).
II – O insigne e abalizado criminalista Carlos de Araújo Lima, numa crônica de suas viagens à França, descreve que vivamente o impressionara e comovera a estátua do legendário Berreyer([5]), no átrio do Palácio da Justiça de Paris, e a seus pés, “quase escondida, uma pequena tartaruga de pedra”, como a lembrar que “a justiça de verdade não deve e não pode correr. Ela exige um pouco de lentidão para ser madura e inteira”([6]).
Não será, logo, pelos estilos da Cavalaria (“rápido, ainda que mal feito!”), que se haverão de compor nunca os negócios judiciais, mormente no foro criminal, onde impera aquela sentença não menos famosa que verdadeira: Decidir depressa é buscar um culpado!
Com prudente arbítrio, convirá fugir sempre aos excessos e levar em vista o equilíbrio ou meio-termo, que é onde está a virtude.
Nisto de dispensar justiça, como em tudo o mais na vida, cumpre em suma, atender àquela “primeira máxima de toda a razão de estado, assim da Providência Divina, como da providência humana, que é saber concordar estes dois extremos: conseguir o intento e evitar o perigo”([7]).
Lograr o intento, em pontos de justiça, é dar a cada um o seu (“suum cuique tribuere”); evitar o perigo é não cometer iniquidades, causa frequente de ódios implacáveis e cruentas convulsões político-sociais.
Notas
([1]) 1a. ed., p. 42.
([2]) Ibidem, p. 42.
([3]) Novo Dicionário de Processo Civil, 1986, p. 34.
([4]) Idem, ibidem, p. 34.
([5]) Do velho Berryer, glória imortal da Advocacia, ficou-nos assentada em memória esta altiloquente apóstrofe: “Trago à Convenção a verdade e a minha cabeça! Os juízes podem dispor de uma, depois de ter ouvido a outra” (cf. Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes Julgamentos, 1989, p. 374).
([6]) Tribuna da Imprensa, 1.7.93.
([7]) Vieira, Sermões, 1959, t. I, p. 329.