CRIMES DE AMEAÇA E INJÚRIA COMETIDOS PELO PRESIDENTE DA REPÚBLICA
Rogério Tadeu Romano
I – O FATO
Observo do jornal O Globo, em seu site, no dia 23 de agosto do corrente ano:
“O presidente Jair Bolsonaro afirmou neste domingo a um repórter do GLOBO que estava com vontade de “encher a boca” dele de porrada. Bolsonaro fez a afirmação ao ser perguntado sobre os depósitos feitos por Fabrício Queiroz na conta da primeira-dama Michelle Bolsonaro. O presidente estava em frente à Catedral Metropolitana de Brasília quando foi questionado sobre o fato.
— Estou com vontade de encher a tua boca na porrada, tá? — disse Bolsonaro.
Em seguida, o presidente afirmou que o repórter era "safado". No início do mês, a revista "Crusóe" mostrou que Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio Bolsonaro, repassou R$ 72 mil em cheques a Michelle Bolsonaro entre 2011 e 2016. Os dados foram revelados a partir da quebra do sigilo bancário do ex-assessor. Além disso, o jornal "Folha de S. Paulo" informou que Márcia Aguiar, mulher de Queiroz, repassou R$ 17 mil para Michelle em 2011. As informações foram confirmadas pelo GLOBO.”
II – OS CRIME DE AMEAÇA E DE INJÚRIA
Determina o artigo 147 do Código Penal:
Art. 147 - Ameaçar alguém, por palavra, escrito ou gesto, ou qualquer outro meio simbólico, de causar-lhe mal injusto e grave:
Pena - detenção, de um a seis meses, ou multa.
Parágrafo único - Somente se procede mediante representação.
Trata-se de crime comum, formal, de forma livre, comisso e excepcionalmente comissivo por omissão.
Ameaça significa procurar intimidar alguém, anunciando-lhe um mal futuro, ainda que próximo. Por si só, o verbo fornece clara noção do que seja o crime: ameaçar.
O objeto jurídico do crime é a liberdade individual, a paz de espírito, a segurança da ordem jurídica.
Trata-se de crime subsidiário, pois a ameaça é absorvida quando for elemento ou meio de outro delito.
Trata-se de delito formal e instantâneo. Como tal cabe falar em ameaça feita por comunicação telefônica. Pode ainda ser feita por desenhos, mensagens em e-mails, aplicativos Telegram etc.
Como observou Agnes Cretella (A ameaça, RT 470/301) a ameaça deve ser realizável, verossímil, não fantástica ou impossível. O mal prometido, segundo forte corrente, entende que o mal deve ser futuro, mas até iminente, e não atual. Só a ameaça séria e idônea configura o crime do artigo 147 do Código Penal, ainda que o agente não tenha a intenção de praticar o mal prometido. A ameaça deve provir de ânimo calmo e refletido(RTJ 54/604). Não constitui a proferida em estado de embriaguez. Não configura o crime a ameaça condicional ou retributiva. Porém, o Tribunal de Alçada Criminal de São Paulo(RT 723/593), entendeu que a ameaça condicional não exclui o crime.
É dispensável que a ameaça chegue a conhecimento da vítima (RT 752/605).
O tipo subjetivo é o dolo na forma específica, na vontade livre e consciente de intimidar, finalidade esta que os autores veem como elemento subjetivo do tipo.
Somente se pune a ameaça quando praticada dolosamente. Não existe a forma culposa e não se exige qualquer elemento subjetivo específico, embora seja necessário que o sujeito, ao proferir a ameaça, esteja consciente do que está fazendo. Em uma discussão, quando os ânimos estão alterados, é possível que as pessoas troquem ameaças sem qualquer concretude, isto é, sã palavras lançadas a esmo, como forma de desabafo ou bravata que não correspondem à vontade de preencher o tipo penal.
É crime de ação penal pública condicionada que exige a representação do indivíduo. É indispensável a representação ainda que tal conduta seja conexa a delito de ação penal pública incondicionada. Se a ameaça for a um casal, a representação de um não exclui a do outro(RT 538/368).
Para o delito cabe:
- Conciliação(artigo 72 a 74 da Lei 9.099/95);
- Transação(artigo 76 da Lei 9.099/95);
- Suspensão condicional do processo(artigo 89 da Lei 9.099/95).
Tem a pessoa ameaçada prazo decadencial de seis meses para apresentar representação a Procuradoria Geral da República sobre o fato.
Já o crime de injúria depende de queixa, ação penal privada, que ainda deve ser apresentada em prazo decadencial, perante o STF.
Esse prazo decadencial não se suspende ou se interrompe.
A injúria imputa não fatos, mas defeitos morais que dizem respeito à dignidade da pessoa humana, seja por gestos, palavras, atitudes, etc.
Fala a redação do Código Penal de 1940, em sua parte especial, que pode haver o perdão judicial(forma de extinção da punibilidade), deixando o juiz de aplicar a pena nos seguintes casos:
a) Quando o ofendido, de forma reprovável, provocou diretamente a injúria;
b) No caso de retorsão imediata, que consista em outra injúria. Por fim, não constituem injúria ou difamação, a teor do artigo 142 do Código Penal: a)A ofensa irrogada em juízo na discussão da causa, pela parte ou por seu procurador;
c) A opinião desfavorável da critica literária, artística ou científica, salvo quando inequívoca a intenção de injuriar;
d) O conceito desfavorável emitido por funcionário público, em apreciação ou informação que preste no cumprimento do dever de oficio
Certamente, para o caso, devem ser imputados os crimes de ameaça e de injúria.
III – O ARTIGO 84, § 4º, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL
Determina aquela norma constitucional disposta no artigo 84, § 4º, da Constituição Federal.
Art. 86. Admitida a acusação contra o Presidente da República, por dois terços da Câmara dos Deputados, será ele submetido a julgamento perante o Supremo Tribunal Federal, nas infrações penais comuns, ou perante o Senado Federal, nos crimes de responsabilidade.
§ 4º O Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções.
O artigo 86, § 4º, trata da chamada imunidade material relativa ou imunidade penal relativa ou imunidade temporária à persecução penal. Por tais crimes não poderá ser responsabilizado enquanto não cessar a investidura na presidência.
Durante o curso do mandato, o presidente só poderá ser punido por atos praticados e inerentes ao exercício de sua função. Por atos estranhos ele não poderá ser responsabilizado no curso do mandato. Nesse caso, a prescrição ficará suspensa e, findo o exercício do cargo, poderá ser proposta ação penal.
Disse o Ministro Sepúlveda Pertence(Inq. 567 – DF) que o alcance concreto da cláusula constitucional que defere ao Presidente da República “imunidade temporária à persecução penal”, traduz-se na paralisação da própria atividade persecutória que incida sobre atos delituosos estranhos ao exercício das funções presidenciais(CF, art. 86, par. 4º), até que sobrevenha a cessação do mandato.
Sobre isso se tem de posição do Ministro Celso de Mello(Inq. 927 – 9/SP, Relator Ministro Celso de Mello, DJ 1, de 23 de fevereiro de 1995, pág. 3.507) quando disse:
“Os ilícitos penais cometidos em momento anterior ao da investidura do candidato eleito na Presidência da República – exatamente porque não configuram delicta in officio – também são alcançados pela norma tutelar positivada no § 4º do art. 86 da Lei Fundamental, cuja eficácia subordinante e imperativa inibe provisoriamente o exercício pelo Estado, do seu poder de persecução criminal”.
No inquérito 1.418 – 9, DJU de 8 de novembro de 2001, o Ministro Celso de Mello repetiu que:
“A cláusula de imunidade penal temporária, instituída, em caráter extraordinário, pelo art. 86, § 4\", da Constituição Federal, impede que o Presidente da República, durante a vigência de seu mandato, sofra persecução penal, por atos que se revelarem estranhos ao exercício das funções inerentes ao ofício presidencial. Doutrina. Precedentes”.
Mas é, na argumentação colhida no Inq 672 – 6 – DF, que o Ministro Celso de Mello registra:
“ Essa norma constitucional – que ostenta nítido caráter derrogatório do direito comum – reclama e impõe, em função de sua própria excepcionalidade, exegese estrita, do que deriva a sua inaplicabilidade a situações jurídicas de ordem extrapenal.
Sendo assim, torna-se lícito asseverar que o Presidente da República não dispõe de imunidade, quer em face de procedimentos judiciais que vissem a definir-lhe a responsabilidade civil, quer em face de procedimentos instaurados por suposta prática de infrações político-administrativas(ou impropriamente denominados crimes de responsabilidade), quer, ainda, em face de procedimentos destinados a apurar, para efeitos estritamente fiscais, a responsabilidade tributária do Chefe do Poder Executivo da União.”
Acentuo que segundo o que foi julgado no agravo de regimento na Pet 3240, foi firmado que:
“Os agentes políticos, com exceção do presidente da República, encontram-se sujeitos a um duplo regime sancionatório, e se submetem tanto à responsabilização civil pelos atos de improbidade administrativa quanto à responsabilização político-administrativa por crimes de responsabilidade.”
A Constituição Federal consagrou no preceito do artigo 84, § 4º, da CF, a chamada responsabilidade penal relativa do magistrado supremo da Nação. E não poderia ser diferente, como destacou Uadi Lammêgo Bulos(Constituição Federal Anotada, 6ª edição, pág. 923), porque o regime democrático diverge do arbítrio e do centralismo. “Embora irrecusável a posição de grande iminência do Presidente da República no contexto político-institucional emergente de nossa Carta Constitucional Política, impõe-se reconhecer, até mesmo como decorrência do princípio republicano, a possiblidade de responsabilizá-lo, penal e politicamente, pelos atos ilícitos que, eventualmente venha a praticar no desempenho de suas magnas funções(STF, Inq. 927/0- SP, relator ministro Celso de Mello, DJ de 23 de fevereiro de 1995, pág. 3507).
Ora, certamente a conduta acima traçada não se revela in officio ou propter officium. Ela se revela estranha ao exercício do mandato presidencial.
O ato em discussão não guarda conexão com o exercício da atividade da presidência, de forma que somente poderá o presidente da República ser por ele responsabilizado após o término do seu mandato, perante a justiça comum, como já acentuado.