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A Aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados no Judiciário: Recomendação nº 73/2020 do Conselho Nacional de Justiça

Agenda 25/08/2020 às 05:08

O artigo examina as medidas contidas na Recomendação nº 73/2020 do Conselho Nacional de Justiça para a adaptação dos tribunais brasileiros à Lei Geral de Proteção de Dados.

Com a indefinição acerca da entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados (Lei nº 13.709/2018 – LGPD) – e o iminente final do prazo para a conversão da MP 959/2020 em lei (que, entre outras disposições, prorrogou o início da vigência da maior parte da LGPD para 3 de maio de 2021) –, a adaptação às suas normas passou novamente a ser objeto de preocupação no país.

Entre as medidas recentes, no dia 24 de agosto de 2020 foi publicada a Recomendação nº 73/2020 do Conselho Nacional de Justiça, que contém orientações a todos os tribunais do país (exceto para o STF) sobre a adoção de medidas preparatórias para a adequação do Judiciário à aplicação da LGPD.

Recorda-se que a incidência da LGPD nos processos judiciais tem quatro fundamentos:

(a) o art. 3º, I, da LGPD, que positiva como regra o princípio da territorialidade, em virtude do qual a lei se aplica a qualquer tratamento de dados pessoais realizado no território nacional (por pessoa natural ou jurídica, de direito público ou privado);

(b) o art. 4º da LGPD, que contém as hipóteses de não incidência da lei, que compreendem em seu inciso III o tratamento de dados para os fins exclusivos de segurança pública, defesa nacional e segurança do Estado (o que, em regra, não abrange litígios judiciais), além das atividades de investigação e repressão de infrações penais (desse modo, a LGPD afasta expressamente a sua observância nos inquéritos policiais e nos processos criminais, o que significa que incide nos processos judiciais cíveis, isto é, em todos os processos sobre matéria não penal);

(c) o art. 7º da LGPD, que lista os fundamentos que justificam o tratamento de dados (com ou sem o consentimento do titular), e prevê, no inciso VI, o exercício regular de direitos em processo judicial, administrativo ou arbitral (logo, o tratamento de dados nos processos judiciais cíveis independe do consentimento do titular);

(d) e, ainda que não existisse a previsão legal expressa, os atos processuais são, em regra, públicos (art. 93, IX, da Constituição, e arts. 11 e 189 do Código de Processo Civil), portanto, os dados pessoais fornecidos nos processos e referidos nas decisões judiciais e em outros atos processuais podem ser livremente capturados na internet e utilizados por terceiros, com fins econômicos ou não. Por isso, é necessária a regulamentação específica do assunto pelo Judiciário, a fim de evitar a captura e o tratamento ilícito dos dados pessoais, o que pode gerar consequências e sanções decorrentes da publicização indevida de determinados dados.

Além disso, a LGPD traz diversas consequências administrativas aos tribunais, na definição dos agentes de tratamento de dados (controlador e operador) e do encarregado, na revisão de contratos administrativos, na alteração de políticas de privacidade em seus sistemas eletrônicos, na elaboração de planos de ação, entre outras.

Assim, a Recomendação nº 73/2020 do Conselho Nacional de Justiça contém quatro medidas gerais a ser adotadas pelos tribunais, no prazo de 90 dias:

1) A criação de um Grupo de Trabalho para realizar o estudo e a identificação das medidas necessárias à implantação da Lei Geral de Proteção de Dados no tribunal, com a elaboração de relatório a ser enviado ao Conselho Nacional de Justiça, como apoio na elaboração da política nacional para o Judiciário pelo CNJ;

2) A elaboração de um Plano de Ação que tenha, como conteúdo mínimo, a definição de objetivos, cronogramas e prazos para a definição de normas acerca da organização e comunicação, dos direitos do titular, da gestão de consentimento, da retenção de dados e cópia de segurança, dos contratos e do plano de respostas a incidentes de segurança com dados pessoais;

3) A disponibilização, em suas páginas na internet, de informações apresentadas de modo ostensivo e de fácil acesso aos usuários, acerca da aplicação da Lei Geral de Proteção de Dados aos tribunais (inclusive sobre os requisitos para o tratamento legítimo de dados, as obrigações dos controladores e os direitos dos titulares), bem como de um formulário para o exercício de direitos dos titulares de dados pessoais;

4) A elaboração ou a adequação (seguida da publicação atualizada nas páginas dos tribunais na internet, de modo ostensivo e de fácil acesso aos usuários) da política de privacidade para a navegação no website do tribunal, que deve observar:

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4.1) os princípios e as regras da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais e do art. 7º, VIII, da Lei nº 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), acerca das informações claras e completas sobre coleta, uso, armazenamento, tratamento e proteção de seus dados pessoais, além da observância de sua finalidade;

4.2) os registros de tratamentos de dados pessoais com informações sobre, no mínimo, a finalidade do tratamento dos dados, os seus fundamentos legais, a descrição dos titulares, as categorias de dados pessoais, as categorias de destinatários, a transferência internacional, o prazo de conservação, as medidas de segurança adotadas e a política de segurança da informação.

Desse modo, a Recomendação nº 73/2020 do CNJ, ainda que seja uma medida inicial para a definição da regulação da aplicação da LGPD ao Poder Judiciário, deixa claro que os tribunais devem se adaptar para a observância da Lei Geral de Proteção de Dados, o que compreende a alteração de regras e rotinas administrativas, judiciárias e de segurança da informação.

Essa adaptação parte da publicidade ampla das orientações aos usuários externos sobre as alterações a ser promovidas e as regras da LGPD que incidirão especificamente nos serviços públicos prestados pelos tribunais, o que compreende não apenas a atividade jurisdicional, mas também a prestação de informações sobre o tratamento de dados nos websites, nos processos administrativos e judiciais e em outras hipóteses. Por exemplo, o cadastramento de partes, advogados, testemunhas (entre outras pessoas) no acesso aos fóruns e tribunais deverá passar por mudanças para se adaptar à LGPD (quem pode realizar o cadastro e ter acesso ao banco de dados, o prazo de armazenamento, regras de segurança em seu armazenamento, guarda de fotos e vídeos etc.).

Sob o aspecto interno, as mudanças abrangem a revisão de contratos administrativos e da elaboração de documentos mínimos exigidos pela LGPD, em especial do plano de respostas a incidentes.

Há, ainda, uma grande preocupação com o respeito aos direitos dos titulares de dados pessoais, o que influenciará não apenas o acesso a informações nos sites dos tribunais, mas o acesso aos sistemas informatizados (com perfis diferenciados de acesso), a consulta processual (limitação – ou não – de critérios de consulta, em especial sobre a possibilidade de pesquisa pelo nome das partes), a pesquisa nas bases de dados de decisões judiciais, a divulgação de notícias e decisões (e a preservação dos dados pessoais das partes e de outros sujeitos processuais, desde que pessoas naturais), a observância da proteção de dados em sessões de julgamento (da sustentação oral à decisão), entre outras medidas de adaptação do Judiciário à LGPD.

Sobre o autor
Oscar Valente Cardoso

Professor, Doutor em Direito, Diretor Geral da Escola da Magistratura Federal do Rio Grande do Sul, Coordenador do Comitê Gestor de Proteção de Dados do TRF da 4a Região, Palestrante, Autor de Livros e Artigos, e Juiz Federal

Informações sobre o texto

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