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Índios, Convenção nº 169 da OIT e meio ambiente

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Agenda 10/06/2006 às 00:00

I - Índios. Meio Ambiente. Desenvolvimento Sustentável. Socioambientalismo.

            A compreensão de qualquer questão afeta aos índios e ao meio ambiente exige atenção ao direito internacional dos direitos humanos, ramo do direito internacional público formado por instrumentos internacionais de proteção dos direitos humanos. O direito internacional dos direitos humanos tem o fim de assegurar a plena eficácia dos direitos humanos fundamentais, por intermédio de normas gerais tuteladoras de bens da vida primordiais, e por disposições relacionadas com instrumentos específicos estabelecidos para a implementação dos direitos assegurados nas normas gerais.

            Assim como ocorre em qualquer ramo do direito, não é possível abordar temas relacionados com os direitos dos índios e com o direito ambiental de forma isolada, como segmentos estanques do direito positivado. É necessário o exame dos assuntos com atenção às normas internacionais de direitos humanos, sempre com a mente voltada para a consideração de Leonardo Boff [01] no sentido de que na visão ecológica, tudo o que existe coexiste, e tudo o que coexiste, preexiste; tudo que coexiste e preexiste subsiste numa interminável teia de relações inclusivas.

            O trato do tema relacionado aos índios e ao meio-ambiente deve ser enfocado à luz do direito ao desenvolvimento, positivado em âmbito internacional pela Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas por resolução editada em 1986 [02]. O artigo 1º do instrumento normativo internacional citado dispõe em seus itens 1 e 2 que o direito ao desenvolvimento é um direito humano inalienável, e também implica a plena realização do direito dos povos à autodeterminação, aí incluído o direito de soberania sobre todas as suas riquezas e recursos.

            Sob a influência da positivação levada a efeito na da Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas (ONU-1996), e de acordo com o disposto nos instrumentos internacionais que formam o sistema global ou geral de proteção aos direitos humanos [03], hoje predomina entendimento de que para a realização do desenvolvimento dos Estados, sobretudo os subdesenvolvidos, é necessária a proteção do meio ambiente, que visa a tutela da vida em suas diversas formas, e é imprescindível haver equidade social.

            Ou seja, para que haja desenvolvimento são essenciais a tutela do meio-ambiente e a redução da pobreza e das desigualdades sociais, com a proteção dos grupos vulneráveis (e.g. mulheres, idosos e povos indígenas). Como assinala Antonio Augusto Cançado Trindade [04]:

            "O conceito de desenvolvimento humano avançado pelo PNUD tem implicações diretas para a questão ambiental. Como adverte o PNUD, a pobreza é uma das maiores ameaças ao meio-ambiente e à própria sustentabilidade da vida humana. Não é por causalidade que ‘quase todos os pobres vivem nas áreas mais vulneráveis do ponto de vista ecológico’: 80% dos pobres na América Latina, 60% nos pobres da Ásia e 50% dos pobres na África vivem em ‘terras marginais caracterizadas por uma baixa produtividade e uma alta susceptibilidade à degradação ambiental’. Ora, o desenvolvimento sustentável implica um novo conceito a abranger não só o crescimento econômico, mas também o provimento de justiça e oportunidades para todos; o crescimento assim entendido passa a ser um imperativo (ao invés opção), o objetivo primordial sendo a proteção da vida humana e das opções humanas, e a proteção ambiental um meio para promover o desenvolvimento humano"

            Com base nesse ideal foi construída a nova forma de enfoque da tutela ao meio-ambiente conhecida como socioambientalismo, que tem por fundamento a proteção ambiental, o crescimento econômico e a equidade social. De acordo com o ensinamento de Juliana Santilli [05]:

            "O socioambientalismo foi construído com base na idéia de que as políticas públicas ambientais devem incluir e envolver as comunidades locais, detentoras de conhecimentos e de práticas de manejo ambiental. Mais do que isso, desenvolveu-se com base na concepção de que, em um país pobre e com tantas desigualdades sociais, um novo paradigma de desenvolvimento deve promover não só a sustentabilidade social - ou seja, a sustentabilidade de espécies, ecossistemas e processos ecológicos – como também a sustentabilidade social – ou seja, deve contribuir também para a redução da pobreza e das desigualdades sociais e promover valores de justiça social e equidade. Além disso, o novo paradigma de desenvolvimento preconizado pelo socioambientalismo deve promover e valorizar a diversidade cultural e a consolidação do processo democrático no país, com ampla participação social na gestão ambiental.

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            O socioambientalismo nasceu, portanto, baseado no pressuposto de que as políticas públicas ambientais só teriam eficácia social e sustentabilidade política se incluíssem as comunidades locais e promovessem uma repartição socialmente justa e eqüitativa dos benefícios derivados da exploração dos recursos naturais" [06].

            O exame de temas ligados aos índios e ao meio-ambiente deve ser efetuado também como vistas ao desenvolvimento, o que deve significar crescimento; crescimento sustentável e igualitário, com respeito às minorias, e as diversas culturas e próprias formas de viver. Não observada essa diretriz, haverá descompasso ou ruptura de sistemas, não ocorrendo, assim, efetivo crescimento, com harmonia entre o avanço da tecnologia, o direito à vida e às condições de sobrevivência das presentes e futuras gerações.


II- Breve análise da evolução do pensamento sobre os índios e o meio-ambiente.

            Até o advento da Constituição de 1988 toda a legislação editada sobre os índios tinha como referência situação de transitoriedade dos índios, como se o ideal e natural fosse a "evolução" dos índios para os moldes da cultura dos não índios, forjada pelo colonizador europeu. Bem retrata essa concepção a disposição contida no art. 4º do Estatuto do Índio (Lei nº 6.001/1973), que considera os índios como isolados, em vias de integração e integrados, ou seja, os índios eram tratados como fadados ao desaparecimento.

            A Constituição de 1988 reconheceu a multietnicidade e a pluralidade cultural do país. Assegurou aos índios o direito à diferença, vale dizer, o direito de serem diferentes e tratados como tais. Esse reconhecimento ganhou maior concretude com as disposições contidas na Agenda 21 (ONU, Rio/1992) [07], e com o advento da Convenção 169 da OIT [08], ratificada pelo Brasil em 19.04.2004, que preconizam o direito dos índios receberem tratamento diferenciado, é dizer, agora são reconhecidos aos índios o direito de terem cultura diferente, relações diferentes e direitos diferentes.

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            Ao contrário do verificado com os índios, que pela legislação vigorante até o advento da Constituição de 1988 eram tratados como seres condenados ao desaparecimento, até 1972, quando realizada a Convenção das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente, o pensamento predominante cuidava do meio-ambiente como um bem infindável. Essa concepção foi alterada principalmente a partir da Convenção das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente (ONU-Estocolmo-1972). Ela afirma que as riquezas naturais do globo devem ser preservadas no interesse das gerações presentes e futuras.

            A Lei nº 6939/1981, que dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente, e a Lei nº 9.604/1998, reguladora dos crimes ambientais, denotam a influência da Convenção das Nações Unidas Sobre o Meio Ambiente (ONU-Estocolmo-1972), na legislação brasileira ambiental em vigor. A partir de 1988 muitas previsões contidas nesses diplomas protetores do meio-ambiente [09] passaram a gozar status de normas constitucionais.

            Numa concepção que determina uma ligação direta entre a tutela do meio ambiente e a proteção da pessoa humana, o art. 225 da Constituição preconiza que o "meio ambiente ecologicamente equilibrado é bem de uso comum do povo e essencial à qualidade de vida". Referido dispositivo tem o fim imediato de tutelar a qualidade do meio-ambiente, e o fim mediato de proteger a saúde, o bem-estar e a segurança da população, o que foi sintetizado na expressão "qualidade de vida".

            Atualmente, o meio-ambiente é concebido como um bem do povo, que, por ser findável, deve ser protegido para uso e gozo sustentável pelas presentes e futuras gerações. A seu turno, os índios gozam o direito de serem diferentes, o que não significa a existência de uma inferioridade de direitos, ao contrário, explicita que aos indígenas não podem ser negados direitos deferidos aos cidadãos brasileiros, impondo seja a eles assegurado os diversos direitos decorrentes de sua peculiar situação.


III - Índios e o Meio-Ambiente segundo a legislação indigenista nacional em vigor.

            A Constituição Federal trata do meio ambiente nos arts. 225, onde estabelece os princípios do desenvolvimento sustentável, da participação, da educação ambiental, da obrigatoriedade da intervenção estatal, da prevenção, da precaução e da informação ambiental (art. 225, caput, e §§ 1º 2º e 3º). Nos arts. 231 e 232 a Constituição cuida dos índios, estabelecendo os seguintes princípios: direito à diferença; reconhecimento dos direitos originários dos indígenas sobre as terras que tradicionalmente ocupam e proteção de sua posse permanente em usufruto exclusivo para os índios; princípio da igualdade de direitos e da igual proteção legal [10].

            No âmbito legal, a relação entre índios e meio-ambiente é tratada no Estatuto do índio (Lei nº 600/1971), e no Decreto nº 1.141, de 19 de maio de 1994, que dispõe sobre as ações de proteção ambiental, saúde e apoio às atividades produtivas para as comunidades indígenas. É necessário reafirmar que o estudo e a aplicação dos diplomas legais citados devem ser realizados com atenção ao disposto na Constituição de 1988, na Agenda 21 (Rio 1992) e na Convenção 169-OIT, sob risco de equívocos de interpretação.

            Com o objetivo de proteger as comunidades indígenas e preservar seus direitos, o art. 2º, incisos III, IV, V e IX, do Estatuto do Índio estabelece que compete à União, aos Estados e aos Municípios, bem como aos órgãos das respectivas administrações indiretas, proporcionar aos índios meios para seu desenvolvimento, com respeito as suas peculiaridades, e assegurar aos índios a possibilidade de livre escolha dos seus meios de vida e subsistência.

            Também determina seja garantida aos índios a permanência voluntária no seu habitat, com recursos necessários para seu desenvolvimento e progresso, o que à luz da Constituição e da Convenção 169-OIT deve ser entendido como o necessário a uma subsistência com dignidade. Outrossim, garante aos índios e comunidades indígenas a posse permanente das terras que habitam, reconhecendo-lhes o usufruto exclusivo das riquezas naturais e de todas as utilidades naquelas terras existentes.

            O art. 24 do Estatuto do Índio dita que o usufruto das terras compreende o direito à posse, uso e percepção das riquezas naturais e de todas as utilidades existentes nas terras ocupadas, bem como ao produto da exploração econômica de tais riquezas. O parágrafo segundo do comando legal citado garante ao índio o exclusivo exercício da caça e pesca nas terras por eles ocupadas.

            Os arts. Art. 44 e 46 do Estatuto atribuem aos índios direitos a exploração das riquezas do solo e o corte de madeira em terras indígenas. Como se vê, o Estatuto do Índio assegura aos indígenas direitos a exploração de recursos naturais, e o exercício da caça e da pesca em suas terras.O Decreto nº 1.141/1994 também não impede a exploração dos recursos naturais pelos indígenas nas terras por eles ocupadas.

            Disciplina que as ações de proteção ambiental e apoio às atividades produtivas voltadas às comunidades indígenas constituem encargos da União, e prevê que referidas ações serão realizadas mediante programas nacionais e projetos específicos, elaborados e executados por diversos ministérios. O art. 8º do diploma em comento reza competir à FUNAI o estabelecimento de diretrizes para o cumprimento da política indigenista e a coordenação das ações de proteção ambiental e apoio às atividades produtivas.

            A teor do art. 9º do Decreto nº 1.141/1994, as ações voltadas à proteção ambiental das terras indígenas e seu entorno destinam-se a garantir a manutenção do equilíbrio necessário à sobrevivência física e cultural das comunidades indígenas, com difusão de tecnologias consideradas apropriadas do ponto de vista ambiental e antropológico. O art. 10 do mesmo decreto dispõe sobre ações socioambientais de apoio às atividades produtivas das comunidades indígenas, tão-somente quando houver ameaça a sua auto-sustentação, mediante utilização racional dos recursos naturais.

            À luz dos diplomas legais citados, Estatuto do Índio e Decreto nº 1141/1994, as atividades dos indígenas em suas terras não possui vedação ou expressa limitação, ao contrário, os textos legais enfocados autorizam a exploração de recursos naturais, e o exercício da caça e da pesca, como forma de manutenção física e cultural dos índios. Segundo os diplomas examinados, todas as ações devem ser orientadas pela União, com o auxílio da FUNAI, e devem alcançar forma de exploração da natureza imprescindível a sobrevivência mediante uso razoável e equilibrado das riquezas.


IV – Agenda 21 (ONU/Rio-1992) e a Convenção 169-OIT.

            Em 1992 foi realizada no Rio de Janeiro a Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento Humano, quando elaborado o documento conhecido como Agenda 21. Ela objetiva estabelecer elo de solidariedade entre a presente e as futuras gerações, por meio de ações concretas, com metas, recursos e responsabilidades descritas, para que os Estados e comunidades possam se desenvolver com justiça social, e sem violação ao meio ambiente. Possui um capitulo inteiro dedicado ao reconhecimento e fortalecimento do papel das populações indígenas e suas comunidades (Capitulo 26).

            O art. 26.1 da Agenda 21 preconiza que as populações indígenas e suas comunidades devem desfrutar dos direitos humanos e das liberdades fundamentais em sua integralidade, sem impedimentos ou discriminações. Impõe esforços nacionais e internacionais para fortalecer o papel dessas populações para implementação de um desenvolvimento ambiental saudável e sustentável, tendo em vista a inter-relação entre o meio natural, o desenvolvimento sustentável, e o bem cultural, social, econômico e físico das populações indígenas.

            A Agenda 21 em seu art. 26.3 prevê a necessidade do reconhecimento de que as terras das populações indígenas e suas comunidades devem ser protegidas contra atividades ambientalmente insalubres ou consideradas inadequadas social e culturalmente pela comunidade indígena. Determina, ainda, o reconhecimento, aos índios e suas comunidades, de seus valores, seus conhecimentos tradicionais e suas práticas de manejo de recursos, e admissão da dependência tradicional e direta dos índios para com os recursos renováveis e ecossistemas, imprescindível ao seu bem-estar cultural, econômico e físico.

            A Convenção 169-OIT é o diploma internacional de direitos humanos que reafirma e promove maior eficácia a obrigações assumidas pelos Estados quando da adesão a normas protetoras de direitos humanos formadoras do direito internacional dos direitos humanos.

            Prevê que a diversidade étnico-cultural dos povos indígenas deve ser respeitada em todas as suas dimensões, e reforça os direitos dos índios às terras e aos recursos naturais nelas existentes. Obriga os governos a adotarem medidas para proteger e preservar o meio ambiente dos territórios habitados por indígenas (art. 7º), e dispõe que os povos interessados deverão ter o direito de escolher suas próprias prioridades no que se refere ao processo de desenvolvimento econômico, social e cultural.

            O art. 15 da Convenção 169-OIT dita que os direitos dos povos indígenas aos recursos naturais existentes nas suas terras, aí abrangida a utilização, administração e conservação, deverão ser especialmente protegidos, e afirma que na hipótese de os recursos existentes nas terras pertencerem ao Estado, os governos devem estabelecer procedimentos de consulta para determinação de eventual prejuízo aos povos interessados.

            Por força dos comandos contidos na Agenda 21, na Convenção 169-OIT, na Constituição Federal de 1988, no Estatuto do Índio e no Decreto nº 1.141/ 1994, não resta margem de dúvida de que aos índios é assegurada a exploração dos recursos naturais existentes em suas terras, valendo consignar que, em razão do direito à alteridade assentado na Constituição e nos citados diplomas internacionais de direitos humanos, todas as normas devem ser interpretadas sob o prisma de que os povos indígenas têm o direito de se desenvolverem segundo seus particulares costumes.

            Isso, contudo, não implica sugestão de que aos índios é atribuído direito de violar ou mesmo aniquilar o meio-ambiente. Na ocorrência de conflito entre os bens tutelados, vale dizer, índios e meio-ambiente, deve ser evitada primazia à proteção exclusiva de um dos bens envolvidos, e obstada qualquer forma de sacrifício total de um bem ou direito em relação ao outro. Assim será alcançada forma eficaz de proteção ao direito dos índios e a necessária proteção ao meio-ambiente, que são protegidos por normas do direito internacional dos direitos humanos, pela Constituição de 1988 e por vasta legislação infraconstitucional.


V – Considerações sobre a Situação atual dos Índios brasileiros.

            Segundo informações colhidas no sítio eletrônico da FUNAI [11], atualmente vivem no Brasil cerca de 345 mil índios, distribuídos entre 215 sociedades indígenas, que perfazem cerca de 0,2% da população brasileira. Esse dado populacional considera tão-somente aqueles indígenas que vivem em aldeias, havendo estimativas de que, além destes, há entre 100 e 190 mil vivendo fora das terras indígenas, inclusive em áreas urbanas. Também existem indícios da existência de mais ou menos 53 grupos ainda não-contatados, além de existirem grupos que estão requerendo o reconhecimento de sua condição indígena junto ao órgão federal indigenista.

            Como observam Carlos Marés, Márcio Santilli e Beto Ricardo [12], a população indígena está irregularmente dispersa pelo território nacional, das unidades federativas do Brasil somente o Distrito Federal, o Piauí e o Rio Grande do Norte não possuem aldeias indígenas. Aproximadamente 60% dos índios vivem na Amazônia legal brasileira, os 40% restantes vivem em pouco mais de 1% das terras situadas no sul, centro-sul e nordeste do Brasil. Os autores chamam atenção ao fato de não existir etnia nacionalmente hegemônica. Citados estudiosos destacam que:

            "(...) não há consenso entre os ambientalistas sobre a ênfase em se considerar as terras indígenas como parte de uma estratégia para a conservação e uso sustentável da biodiversidade na Amazônia. Mesmo sabendo que os índios não são ecologistas naturais, argumentam aqueles que apóiam a aproximação conceitual e política dos povos indígenas com o propalado desenvolvimento sustentável, que as terras indígenas são tão vulneráveis quanto às demais áreas protegidas, quase todas ocupadas ou invadidas por populações com menos tradição de manejo brando dos recursos naturais e conhecimentos acumulados sobre seus ecossistemas.

            Nem ecologistas naturais, nem aculturados predadores, as formas de mudança no uso de recursos naturais pelas sociedades indígenas depende, na realidade, do leque de opões sócio-econômicas e políticas oferecidas para sua articulação com a chamada sociedade envolvente (nas suas vertentes regionais, nacionais e internacionais). Assim, a sociedade envolvente já não se limita mais, para os índios, à dimensão local de interação com os protagonistas tradicionais da frente de expansão regional (garimpeiros, colonos, madeireiros, fazendeiros, etc.). O universo de articulação das sociedades indígenas com o mundo dos brancos tem se complexificado consideravelmente ao longo das últimas décadas."

            A dispersão populacional, além da crônica falta de recursos e outros problemas de administração, dificulta a atuação da FUNAI que, de acordo com o art. 1º, inciso I, alíneas "a", "b" e "c", tem entre seus fins garantir a pessoa do índio, garantir a posse e o usufruto dos recursos naturais das terras que habitam, e a preservação do equilíbrio ecológico e cultural do índio. A falta de efetividade da atuação da FUNAI resulta em indevidas interferências da cultura sociedade não indígena nacional predominante, marcada pelo consumismo e pelo ideal do desenvolvimento a qualquer custo, na cultura do índio.

            Não raro nos deparamos com notícias de índios envolvidos com extração ilegal de madeiras ou outras atividades predatórias ao meio-ambiente, fazendo uso de carros importados e até aviões. Ocorre que essas situações ocorrem de forma pontual, por isso inclusive são manchete, operadas por lideranças contaminadas pela cultura do branco, não raro em detrimento de toda a comunidade. Por certo, a falta de serviço do Estado contribui em muito para a verificação dessas ocorrências. Como afirmado pelos estudiosos antes citados, apesar de os índios não serem ambientalistas naturais, não adotam condutas tão nefastas ao meio-ambiente quanto as praticadas pelos brancos.

            Em seu próprio modo de viver, o índio não se preocupa com a acumulação de riquezas, vive o dia, e busca na natureza o necessário para tanto, por tradicional manejo brando dos recursos naturais. Revela esse quadro notícia veiculada no sítio eletrônico da FUNAI em janeiro de 2006 [13] sobre pesquisa realizada por instituições internacionais e brasileiras, onde constatado que as terras indígenas são tanto ou mais eficientes na proteção ao meio ambiente quanto a outros tipos de reservas biológicas (parques, florestas e reservas extrativistas).

            Da mencionada matéria extrai-se informação de que embora a proteção realizada pela FUNAI não seja suficiente para atender a demanda do país, e apesar da existência de desmatamento dentro de terras indígenas provocado via aliciamento de índios por fazendeiros e madeireiros, as terras indígenas são importantes para todos os povos do Brasil. Como anotam Carlos Marés, Márcio Santilli e Beto Ricardo no estudo antes referido [14]:

            "(...) basta verificar qualquer carta-imagem de satélite com os limites das terras indígenas que saltará aos olhos a evidência de que a cobertura vegetal dessas áreas sempre está mais preservada aos seus vizinhos imediatos.

            Um exemplo emblemático é o Parque Indígena do Xingu (MT), cartão postal do indigenismo oficial brasileiro – com área de 2,6 milhões de hectares, no centro geográfico do país, onde vivem 14 povos que preservam o meio ambiente – cuja sustentabilidade está ameaça, porque fazendeiros estão depredando o seu entorno, especialmente a região das cabeceiras do rio Xingu, que ficam fora dos limites do Parque."

            É certo, pois, que os índios têm assegurado direito a exploração dos recursos naturais em suas terras, e que compete à FUNAI a adoção de medidas para que essa exploração seja realizada, o quanto mais possível, em conformidade com as normas protetoras do meio ambiente. Vale dizer, é impositivo que a FUNAI, de acordo com a lei que a instituiu, proceda de modo a dar efetividade aos princípios do desenvolvimento sustentável, da educação e da prevenção e da precaução inscritos no art. 255 da Constituição Federal.

            A convivência harmoniosa dos direitos indígenas e do meio-ambiente deve ser alcançada por intermédio de ações preventivas, de educação e conscientização, que proporcionem a preservação do meio-ambiente e a sobrevivência dos índios pelos meios que naturalmente utilizam, de acordo com sua própria forma de viver. Com o equilíbrio na proteção do meio-ambiente e dos direitos das minorias indígenas, será obtido o desenvolvimento sustentável, com equilíbrio e respeito as presentes e futuras gerações, como idealizado na Declaração sobre o Direito ao Desenvolvimento das Nações Unidas de 1986.

Sobre o autor
Roberto Lemos dos Santos Filho

Juiz federal em Bauru (SP). Mestre em Direito pela Universidade Católica de Santos.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

SANTOS FILHO, Roberto Lemos. Índios, Convenção nº 169 da OIT e meio ambiente. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1074, 10 jun. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8499. Acesso em: 16 nov. 2024.

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