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O DIREITO, AS LEIS E A BÍBLIA: INTERPRETAÇÕES INCLUSIVAS

Agenda 01/09/2020 às 09:51

O presente artigo objetiva suscitar reflexões acerca de interpretações inclusivas proporcionadas pelo Direito e por Apóstolos de Cristo para inclusão social dos vulneráveis, respeitando as diferenças, tendo como norte o alcance da justiça e da paz social.

Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana. Fim em si mesma. Interpretações inclusivas. Vulneráveis.

Sumário: 1. Introdução. 2. Os Apóstolos de Cristo e as interpretações inclusivas. 3. O Direito como instrumento de inclusão e pacificação social. 4 Considerações finais. Referências.

1. INTRODUÇÃO

O presente artigo objetiva abordar interpretações inclusivas lastreadas na dignidade da pessoa humana para concretização dos direitos fundamentais, tendo como base a igualdade, evidenciando que toda pessoa deve ser tratada como um fim em si mesma, com o devido respeito, dignidade e consideração. Não há pretensão de explorar dimensões do ativismo judicial ou da judicialização das diversas questões da vida, tampouco de aprofundamento teológico, mas sim de estabelecer interfaces entre interpretações das Leis e da Bíblia que alteram culturas, possibilitam nova visão da sociedade e promovem a inclusão do outro. O alcance pretendido no texto circunscreve-se às interpretações que levam à proteção dos mais fracos, dos discriminados, dos vulneráveis, a lançar luz sobre as minorias, tendo como norte entendimentos que substituam a força e a intolerância, pelo direito e a justiça.

Para tanto, a interpretação das leis é condição imprescindível para extrair as normas/regras que regulam as relações sociais em prol do bem comum. As visões unilaterais, utilitaristas, desprovidas do senso de inclusão, levam ao radicalismo, à intolerância, à violência e, por consequência, à exclusão. O pluralismo, as diferenças de crenças, as escolhas político-partidárias, as escolhas pessoais, o modo de ser de cada um são circunstâncias inerentes ao ser humano e que dão o colorido e a completude necessários à sociedade.

Os pontos de partida e de chegada do presente artigo residem, sobretudo, na dignidade da pessoa humana. Podendo ser extraída do julgamento proferido pelo Superior Tribunal de Justiça – STJ, nos autos do REsp n. 1.626.739/RS, Relator Ministro Luis Felipe Salomão, a seguinte definição para esse postulado supremo: “constitui vetor interpretativo de toda a ordem jurídico-constitucional” e “envolve um complexo de direitos e deveres fundamentais de todas as dimensões que protegem o indivíduo de qualquer tratamento degradante ou desumano, garantindo-lhe condições existenciais mínimas para uma vida digna e preservando-lhe a individualidade e a autonomia contra qualquer tipo de interferência estatal ou de terceiros”.[1]

O referido conceito nos remete para as máximas kantiana – toda pessoa deve ser considerada como “fim em si mesma” e nunca como “meio para qualquer uso desta ou daquela vontade”[2], na medida em que pessoas, ao contrário das coisas, não têm preço, mas dignidade [3] –, e hegeliana no sentido de que “ser pessoa é respeitar os outros como pessoa”.[4]

É certo que tais definições foram cunhadas em épocas relativamente recentes, mas é preciso ressaltar que a dignidade da pessoa humana nasce com o próprio ser humano, independentemente da época ou da consagração jurídica do instituto. O tratamento igualitário, respeitoso, inclusivo é a base das interpretações inclusivas que constituem a interface entre as instituições legítimas, sejam estatais ou não, para a promoção da justiça em seu sentido amplo. Vale destacar os ensinamentos de Daniel Sarmento no sentido de que a dignidade humana deve “servir à inclusão dos excluídos”. [5]

O Estado brasileiro é laico, consoante dispõe o art. 19, I, da Constituição Federal, de modo que não há preferência por determinada religião e deve ser mantida a separação entre o Estado e a Igreja. Atento a esse comando constitucional, o presente artigo não objetiva misturar instituições distintas, mas revelar a justiça por meio de interpretações inclusivas, independentemente da gênese, sendo que a interpretação da Bíblia e das leis nos dá exemplos concretos e históricos de tais interpretações. A nossa Constituição, por um lado, estabelece o estado laico; por outro, traz em seu preâmbulo a promulgação do texto constitucional sob a proteção de Deus, questão essa já enfrentada pelo Supremo Tribunal Federal – STF no julgamento da ADI n. 2076-5/AC, podendo-se extrair o entendimento de que a “Constituição é de todos, não distinguindo entre deístas, agnósticos ou ateístas”. [6]

O Conselho Nacional de Justiça – CNJ, por sua vez, enfrentou a questão relativa à presença de crucifixos e demais símbolos religiosos nas dependências de órgãos do Poder Judiciário. No julgado, proferido no ano de 2007, foi ressaltado que, dentre as várias formas de relação entre Igreja e Estado, o Brasil adotou o Estado Laico, todavia, com cooperação entre eles e respeito à liberdade religiosa. Ao final, proclamou o entendimento de “que a presença de Crucifixo ou símbolos religiosos em um tribunal não exclui ou diminui a garantia dos que praticam outras crenças, também não afeta o Estado laico, porque não induz nenhum indivíduo a adotar qualquer tipo de religião, como também não fere o direito de quem quer seja”. [7]

Feitas essas necessárias ponderações e distinções, é preciso retroceder aproximadamente dois mil anos para encontrarmos o marco histórico das interpretações inclusivas. O Apóstolo Paulo deve ser enaltecido como um dos autores da história, certamente, um dos maiores intérpretes “inclusivistas” de todos os tempos, iluminado e dotado de uma capacidade imensurável de promover mudanças para o bem, de observar a necessidade de tratar o ser humano como semelhante, mesmo nas diferenças, e de respeitar os outros como pessoa. De perseguidor, passou a ser perseguido, mantendo a resiliência, a perseverança e a paciência em defesa da fé que lhe movia, fundada na mensagem de paz e amor de Jesus Cristo. Não se contentou em aplicar literalmente o texto bíblico, ampliou os horizontes para interpretá-lo, para que a palavra de Jesus Cristo não ficasse limitada àqueles convertidos pela circuncisão, mas sim pela fé.

As interpretações inclusivas, na seara do Direito, visam de igual modo, sobretudo, proteger pessoas ou grupos de pessoas que carregam o estigma do medo, da insegurança e da discriminação. A proteção daqueles que estão à margem da interpretação literal das leis significa assegurar-lhes a igualdade material, não apenas formal. Para tanto, impõe-se a observância da aplicação dos princípios, dos direitos e garantias fundamentais insculpidos na Constituição Federal de 1988, denominada Constituição Cidadã.

Nesse contexto, o presente artigo busca estabelecer um parâmetro entre a interpretação promovida ao texto bíblico pelo Apóstolo Paulo, para a inclusão dos excluídos, a mensagem de Sua Santidade, o Papa Francisco, em defesa dos oprimidos, do diálogo inclusivo, e as interpretações jurídicas que levam a decisões inclusivas (decisões proativas/iluministas). Tais premissas, fundadas na inclusão, conduzem à proteção dos mais fracos, das minorias, dos estigmatizados, dos vulneráveis e, por consectário lógico, à promoção da justiça e da paz social.

2. OS APÓSTOLOS DE CRISTO E AS INTERPRETAÇÕES INCLUSIVAS

O Apóstolo Paulo não buscou separar para conquistar. Muito pelo contrário, cumprindo as Escrituras antigas, promoveu nova interpretação para incluir os excluídos, derrubando barreiras étnicas. Seguindo os ensinamentos de Jesus Cristo, viu onde ninguém viu, ouviu quando a maioria não conseguia ouvir, persistiu corajosamente, movido pela justiça, pelo amor, pela paz e, especialmente, pela fé inabalável, combatendo o bom combate, até o término de sua caminhada.[8]

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O mensageiro incansável da palavra de Jesus Cristo, a despeito do descrédito da maioria vigente, promoveu inúmeras viagens para alcançar pessoas incrédulas em sua fé e escreveu diversas cartas direcionadas a diversos povos. Por certo, a luz e a força que o conduzia era o comando do Mestre dos Mestres de que enviava os apóstolos como ovelhas para o meio de lobos[9], pois a palavra deveria ser levada, com mais razão, àqueles que, ainda, não acreditavam na nova aliança fundada na fé em Jesus Cristo.

A circuncisão, no Antigo Testamento, era o sinal da aliança firmada entre Deus e Abraão e sua descendência[10]. Assim, segundo a letra da lei (O Antigo Testamento), todo varão deveria ser circuncidado no oitavo dia do nascimento, trazendo na carne o sinal da aliança. Portanto, o incircunciso não integraria a aliança.

O Apóstolo Paulo, por sua vez, trouxe um novo entendimento para a aliança com Deus. A par da expressa previsão do procedimento da circuncisão nas Escrituras antigas, defendeu que a aliança não deveria ser alcançada por meio de um sinal externo feito na carne, mas sim pela distinção interior da pessoa, que se dá pela verdadeira circuncisão do coração, na fé fundada em Jesus Cristo.

A interpretação promovida pelo Apóstolo Paulo ao texto bíblico, em conformidade com a mensagem de Jesus Cristo, constituiu, na história da humanidade, um dos maiores fenômenos para estabelecer as bases para a expansão do Cristianismo, tendo em vista que a ausência do procedimento de circuncisão, segundo o Apóstolo, não poderia ser um fator impeditivo da nova aliança. “A marca distintiva era comprometimento com a fé em Jesus”[11], constituindo um novo sinal da aliança, de modo que os incircuncisos poderiam ser convertidos ao Cristianismo e, portanto, pertencer à família de Deus.

É preciso destacar que a Bíblia é o livro mais lido e vendido em toda a história da humanidade. Por isso mesmo, independentemente de religião, de se tratar de deísmo, agnosticismo ou ateísmo, não se pode negar o valor das Escrituras Sagradas, quer seja do ponto de vista religioso, quer seja do ponto de vista histórico-cultural. A Bíblia, ao longo de séculos, vem moldando culturas, comportamentos e, sobretudo, criando e mantendo a fé nas mais variadas etnias e diversos lugares do planeta. A fé em Jesus Cristo pressupõe a inclusão, razão pela qual o Apóstolo Paulo interpretou o livro sagrado de maneira a incluir aqueles que, até então, eram excluídos.

O Apóstolo Paulo foi o instrumento de Deus e interpretou o livro sagrado em comunhão com os ensinamentos de Jesus Cristo, para possibilitar uma nova visão – eliminando as diferenças entre pessoas incircuncisas e circuncidadas –, por meio da qual ficou superada a oposição entre judeu e pagão, de dois povos fez um só povo, derrubando o muro da inimizade que os separavam, na paz fundada por Jesus Cristo.[12]

Decorridos aproximadamente dois mil anos, o Santo Padre, o Papa Francisco, afirmou que quem rejeita homossexuais “não tem coração humano”[13], manifestou sua preocupação com os refugiados, com a liberdade religiosa, pela necessidade de não se tolerar nem fechar os olhos para qualquer tipo de racismo ou de exclusão[14]. Sua Santidade do alto de sua generosidade, senso de justiça e, notadamente, de inclusão, promove uma nova circuncisão nos corações, ao não discriminar pessoas por características, condições ou escolhas pessoais.

Não se pode olvidar que ao longo dos séculos a intolerância religiosa esteve presente. Sem fechar os olhos para essa realidade, o objetivo deste artigo é enaltecer a luz e não as trevas. Portanto, destaca-se as interpretações inclusivas. Apóstolos de Cristo, cada um a seu tempo e a seu modo, realizaram tais interpretações, como instrumentos de transformações sociais, criando pontes e não muros, para a proteção das minorias, dos oprimidos, dos discriminados, dos vulneráveis, dos excluídos, circunstâncias que revelam uma interconexão com o Direito concretizado em decisões proativas/iluministas.

3. O DIREITO COMO INSTRUMENTO DE INCLUSÃO E PACIFICAÇÃO SOCIAL

Aristóteles, 384 a. C – 322 a. C, deixou um legado para a história da humanidade de que a finalidade da vida do homem, o bem supremo, é a felicidade, de modo que por meio do Direito a justiça possa prevalecer.

O STF, no ano de 2011, em decisão histórica, reconheceu a união homoafetiva e a garantia dos direitos fundamentais aos homossexuais. Segundo o relator da ADPF n. 132/RJ, Ministro Ayres Brito, naquela decisão, a Corte proclamou o verdadeiro significado da Constituição que “é de proibição do preconceito em função do modo sexual de ser das pessoas”, ressaltando tratar-se de uma “descolonização mental”[15]. Acentue-se aqui, neste avanço civilizatório, um novo horizonte para o desbloqueio das mentes, para permitir a inclusão das minorias, dos mais fracos, dos discriminados, dos vulneráveis.

Na histórica decisão, o Ministro Celso de Mello pontuou que “o postulado constitucional da busca da felicidade, que decorre, por implicitude, do núcleo de que se irradia o princípio da dignidade da pessoa humana, assume papel de extremo relevo no processo de afirmação, gozo e expansão dos direitos fundamentais, qualificando-se, em função de sua própria teleologia, como fator de neutralização de práticas ou de omissões lesivas cuja ocorrência possa comprometer, afetar ou, até mesmo, esterilizar direitos e franquias individuais.”[16]

Nessa linha de intelecção, fica claro que a busca da felicidade, notadamente no que concerne aos direitos fundamentais, reclama a observância da dignidade da pessoa humana e esta condição deve se irradiar, com os devidos temperamentos e empatia, para todas as relações humanas, o que evidencia sua amplitude. É preciso, então, detalhar o conteúdo desse postulado. Para Daniel Sarmento, a dignidade da pessoa humana na ordem jurídica brasileira compreende os seguintes elementos: o valor intrínseco da pessoa, a autonomia, o mínimo existencial e o reconhecimento.[17]

Em linhas gerais, o valor intrínseco concretiza a ideia de nunca tratar a pessoa como apenas um meio, mas sim como um fim em si mesma. A autonomia distingue-se  em pública e privada. A primeira abarca a inclusão política, para a melhoria das condições de vida dos excluídos, e o direito de a pessoa participar na formação da vontade do Estado; a segunda, envolve a capacidade humana de autodeterminação, de fazer escolhas íntimas que definem a identidade e as crenças individuais, de se realizar plenamente, desde que não viole direitos alheios. O mínimo existencial assegura, sobretudo, o atendimento às necessidades materiais básicas das pessoas, como meio indispensável de promoção da justiça, pois não há justiça em desigualdades extremas, quando pessoas não dispõem das condições mínimas para uma vida digna. E, por último, o reconhecimento se revela na necessidade de valorizar o outro como pessoa, sem distinção de qualquer natureza.

A dignidade da pessoa humana pressupõe o respeito à igualdade – princípio consagrado no art. 5º da Constituição Federal –, devendo ser observada a igualdade em suas diversas faces: a igualdade sem distinção de qualquer natureza, sem distinção de sexo e de orientação sexual, sem distinção de origem, cor e raça, sem distinção de idade, sem distinção de trabalho, sem distinção de credo religioso, sem distinção de convicções filosóficas ou políticas.

É a valorização da igualdade que, verdadeiramente, possibilita ver a pessoa como pessoa, como ser que integra uma sociedade complexa, que deve saber reconhecer o semelhante como igual em direitos, ampliando os horizontes para além da intolerância, para incluir a compreensão nas diferenças ou em visões opostas, características que, ao contrário de separar, se somam e se completam. Assim, respeitando as diferenças sob um olhar inclusivo, promove-se a justiça.

As interpretações inclusivas, no campo do Direito, assumem a denominação de ativismo judicial. Para alguns essa expressão é valorativa; para outros, depreciativa. Parte da doutrina aponta o caso Marbury v. Madison (ano de 1803) como a origem do ativismo judicial, questão concreta que envolvia indicação promovida pelo Presidente da República dos EUA para preenchimento de um cargo público, no caso, a indicação de Marbury para exercer o cargo de Juiz de Paz, sendo que Madison, novo Secretário de Estado, após a mudança de governo, se recusou a enviar o diploma ao indicado, o que inviabilizava a sua posse.

Tal fato estabeleceu a contenda entre Marbury e Madison, levando o primeiro a acionar a justiça, culminando na decisão da Suprema Corte norte-americana ao declarar a inconstitucionalidade de leis do Congresso Nacional e a superioridade da sua interpretação da Constituição, declarando, na espécie, a inconstitucionalidade da lei que adicionara um writ of mandamus à lista das ações cometidas à competência originária da Suprema Corte, de modo que, por se tratar de lei ordinária, não caberia a essa espécie normativa alargar as competências originárias da Suprema Corte fixadas pela Constituição.[18]

É preciso ressaltar que essa decisão estabeleceu o marco no controle de constitucionalidade das leis, em uma interpretação expansiva, mas não há qualquer vestígio de decisão inclusiva para a proteção de minorias ou de direitos fundamentais. No caso, frise-se, tratava-se de indicação política para o cargo de Juiz de Paz e envolveu autoridades da República norte-americana.

Por outro lado, a doutrina aponta como surgimento da expressão ativismo judicial um artigo de historiador sobre a Suprema Corte norte-americana, publicado em revista de circulação ampla, no ano de 1947, período que se iniciava uma jurisprudência progressista em matéria de direitos fundamentais. [19] Aqui, o que importa, é um novo período fundado em interpretações inclusivas.

Seja como for, em que momento se deu a origem do ativismo judicial, o certo é que o decurso do tempo revela a mudança de modos de produção, avanços tecnológicos, revoluções, guerras, celebração da paz, pandemias, curas e, especialmente, a possibilidade de ver as coisas por outro ângulo, por meio das interpretações/decisões inclusivas, fundadas na dignidade da pessoa humana, estabelecendo uma verdadeira conexão/unidade de sentido para um mundo melhor.

Portanto, é de se notar que as interpretações/decisões inclusivas, seja em que época for, independente de condição ou de lugar, abrem as portas para a inclusão dos excluídos para libertá-los de verdadeiras prisões sem grades. Seja na seara jurídica ou no seio da sociedade, tais interpretações/decisões devem estar presentes como a luz a clarear a escuridão, a revelar que precisamos de outras pessoas, de instituições, de algo maior, de integrarmos, sempre, a grande família humana.

A história da humanidade revela que, quando os corações estão endurecidos e/ou as mentes bloqueadas, o ser humano não é capaz de ver nem de ouvir para alcançar o melhor das pessoas e da vida. Ao contrário, em tais circunstâncias, emergem o lado mais sombrio da alma humana, evidenciando o ódio, o rancor, a inveja, o egoísmo, a imprudência, a insensatez, a intolerância e a cegueira deliberada ou intencional no sentido de não querer conhecer a verdade, que é evidenciada nos fatos ou na realidade, e não na conveniência, oportunidade ou vantagens auferidas.

Atos de nobreza são dignos de pessoas generosas, que conseguem valorizar o que há de melhor no seu semelhante, de enaltecer características invisíveis aos olhos da maioria, de fazer do outro alguém importante, para que, cada qual, ao seu modo, respeitando a dignidade de todos, possa se realizar como pessoa em suas necessidades materiais e espirituais. O alcance desse desiderato, não raras vezes, passa, necessariamente, por interpretações e decisões inclusivas, as quais não estão imunes a eventuais colisões de direitos, devendo, nesses casos, serem submetidas a uma ponderação de interesses, pautada pelo princípio da proporcionalidade.

O Ministro Luís Roberto Barroso ao abordar decisões proativas do STF, como modo de interpretar a Constituição, expandindo o seu sentido e alcance, destaca “o papel iluminista” da Suprema Corte de “empurrar a história quando ela emperra”, para a proteção de direitos fundamentais e para a superação de discriminações e preconceitos[20]. É nesse sentido que se revelam as interpretações/decisões inclusivas, fazendo prevalecer a força institucional do Direito, na aplicação dos direitos fundamentais, como forma de pacificar os conflitos sociais, bem como garantir a impessoalidade do exercício do poder, de maneira que as minorias, os mais fracos, os estigmatizados e os vulneráveis possam contar com a proteção jurídica necessária ao seu pleno desenvolvimento. Para que, com a devida justiça, os excluídos sejam incluídos.

4. CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Direito, as Leis e a Bíblia, cada qual a seu modo, dentre outros objetivos, buscam promover a justiça e a paz social. As interpretações inclusivas são como a mão que se estende para incluir os excluídos, como a voz serena para acalmá-los, como a luz que ilumina as diferenças para, ao fim e ao cabo, revelar que devemos ser todos iguais perante as leis, quer sejam as leis dos homens, quer sejam as leis de Deus.

A Bíblia traz as escrituras sagradas, é o livro dos livros. A Constituição como lei fundamental e suprema de um Estado, é a lei das leis. A convivência pacífica, em um estado democrático de direito, independentemente do credo religioso, convicções filosóficas ou políticas, sexo, orientação sexual, origem, cor, raça e idade, passa, necessariamente, pelo respeito à Constituição Federal, especialmente à observância aos direitos fundamentais sob o manto do princípio da dignidade da pessoa humana.

A história da humanidade revela que as interpretações inclusivas promovidas pelos Apóstolos de Cristo ou pelo Direito possuem simetria, provêm de uma relação de mesma natureza (inclusão), concorrendo para os mesmos efeitos, quais sejam, a proteção das minorias, dos mais fracos, dos discriminados, dos vulneráveis, dos excluídos, servindo de instrumentos para o alcance da justiça e da paz social, constituindo as chaves para o desbloqueio das mentes e a reforma dos corações.

 

REFERÊNCIAS

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LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociais: esboço de uma teoria geral. Tradução: Antonio C. Luz Costa, Roberto Dutra Torres Junior, Marco Antonio dos Santos Casanova.1. ed. Petrópolis: Vozes, 2016.

MASCARO, Alysson Leandro. Filosofia do Direito. 6. ed.  rev. e atual. São Paulo: Atlas, 2018.

MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 10. ed. rev. e atual. São Paulo: Saraiva, 2015.

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MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 18. ed. São Paulo: Atlas, 2005.

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ROUSSEAU, Jean-Jaques. Do Contrato Social. Tradução: Ana Resende. São Paulo: Martin Claret, 2013.

SARMENTO, Daniel. Dignidade da pessoa humana: conteúdo, trajetórias e metodologia. 2. ed. 2. Reimpressão. Belo Horizonte: Fórum, 2019.

TRINDADE, Jorge. Manual de Psicologia Jurídica para operadores do Direito. 7. ed. rev. atual. e ampl. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2014.

WRIGHT, N. T. (Nicholas Thomas). Paulo: uma biografia. Tradução: Elissamai Bauleo. 1. ed. Rio de Janeiro: Thomas Nelson Brasil, 2018.

NOTAS

[1] Disponível em: < ᷾https://scon.stj.jus.br/SCON/jurisprudencia/toc.jsp?processo=1626739&tipo_visualizacao=RESUMO&b=ACOR&thesaurus=JURIDICO&p=true >. Acesso em: 23 de julho de 2020.

[2] KANT, 2011, p. 58.

[3] Ibidem, p. 65.

[4] HEGEL, apud GONZAGA e ROQUE, 2014, p. 266.

[5] SARMENTO, 2019, p.303.

[6] Disponível em: < http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=375324>. Acesso em: 23 de julho de 2020.

[7] Disponível em: < https://www.cnj.jus.br/InfojurisI2/Jurisprudencia.seam;jsessionid=0564456CB1A7453229F99E36BF8D8374?jurisprudenciaIdJuris=45629&indiceListaJurisprudencia=8&firstResult=2225&tipoPesquisa=BANCO>. Acesso em: 23 de julho de 2020.

[8] BÍBLIA, 2 Timoteo, 4:7.

[9] BÍBLIA, Mateus, 10:16.

[10] BÍBLIA, Gênesis, 17:11.

[11] WRIGHT, 2018, p. 111.

[12] BÍBLIA, Efésios, 2: 11-22

[13] Disponível em: < https://g1.globo.com/mundo/noticia/2019/04/19/papa-diz-que-pessoas-que-rejeitam-homossexuais-nao-tem-coracao-humano.ghtml>. Acesso em: 23 de julho de 2020.

[14] Disponível em: <https://g1.globo.com/mundo/noticia/2020/06/03/em-mensagem-aos-americanos-papa-diz-considerar-intoleravel-qualquer-forma-de-racismo.ghtml>. Acesso em: 23 de julho de 2020.

[15] Disponível em: <https://portal.stf.jus.br/noticias/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=398482>. Acesso em: 23 de julho de 2020.

[16] Disponível em: <https://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=628633>. Acesso em: 23 de julho de 2020.

[17] SARMENTO, 2019, p. 93.

[18] MENDES, 2015, p 50-52.

[19] BARROSO, 2018, p. 47-48

[20] Ibidem, pp. 49 e 118.

 

Sobre o autor
Celio Antonio Dias

Analista do Ministério Público da União/Direito. Graduado em Direito e Contabilidade. Pós-graduado em Direito Público. MBA Executivo em Gestão Empresarial. Aprovado em dois concursos da magistratura estadual.

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