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Anotações sobre a reforma administrativa

Agenda 07/09/2020 às 15:55

Reflexões sobre a polêmica proposta do governo de reforma administrativa, entregue ao Congresso Nacional no dia 3 de setembro do corrente ano, que prevê a flexibilização das regras de contratação e demissão de futuros servidores.

I – O FATO

A proposta do governo de reforma administrativa, entregue no dia 3 de setembro do corrente ano, ao Congresso Nacional, prevê a flexibilização das regras de contratação e demissão de futuros servidores, mas, por determinação do presidente Jair Bolsonaro, blinda os atuais agentes públicos de mudanças em suas carreiras. A ideia é criar cinco novos tipos de vínculos para servidores públicos, mas apenas um deles com garantia de estabilidade no cargo após três anos de serviço.

Segundo o Estadão, em sua edição de 4 de setembro do corrente ano, o secretário especial adjunto de Desburocratização, Gestão e Governo Digital, Gleisson Rubin, explicou que o impacto da reforma administrativa não pode ser estimado ainda porque detalhes como a estrutura de cargos e as remunerações dos futuros servidores serão definidos nas fases 2 e 3 da reforma, cujos textos ainda não foram finalizados. Eles dependem da Proposta de Emenda à Constituição (PEC), encaminhada ontem no primeiro estágio da reforma. A primeira fase da reforma ainda não prevê mudanças na remuneração — a intenção é que uma proposta que reduza salários iniciais e alongue o tempo necessário para conseguir aumentos seja encaminhada posteriormente.

Haverá ainda outras duas fases, segundo o Ministério da Economia. A fase 2 prevê o envio de um projeto de lei complementar (PLP) e seis projetos de lei. O PLP e um dos PLs tratarão da gestão do desempenho. Os demais projetos de lei regulamentarão consolidação de cargos, funções e gratificações, diretrizes de carreiras, modernização de formas de trabalho, arranjos institucionais e ajustes no estatuto do servidor.

A fase 3 prevê outro projeto de lei complementar para criar o Novo Serviço Público, com o novo marco regulatório das carreiras, governança remuneratória e direitos e deveres do servidor.

As mudanças valem para novos servidores federais, estaduais e municipais, do Executivo, Legislativo e Judiciário. As regras não atingem, porém, membros de outros Poderes, como juízes e parlamentares.

A proposta de reforma constitucional atingiria os futuros agentes públicos. Ou seja: os que vierem a ser nomeados após a edição da Emenda Constitucional propalada.

Para os futuros funcionários civis, o ingresso por concurso público valerá para cargos típicos de Estado (que não encontram paralelo no setor privado, única categoria que terá direito à estabilidade) e cargos por prazo indeterminado. Em ambos os casos, haverá um vínculo inicial de experiência, que terá prazo mínimo de dois anos, no caso das carreiras típicas de Estado, e de um ano, para cargos de prazo indeterminado.

Já o ingresso por seleção simplificada vale para cargos com prazo determinado e cargos de liderança e assessoramento (que substituirão uma parte dos cargos de confiança).

II – A DICOTOMIA AGENTES POLITICOS E SERVIDORES PÚBLICOS

Lembro que todos aqueles que prestam serviços ao Poder Público (União, Estados, Municípios e respectivas autarquias) ou realizam atividades da alçada deste, podem ser designados agentes públicos. Essa locução é ampla.

A noção abrange os agentes políticos, como os servidores públicos, os contratados pelo Poder Público para servirem-no sob o regime trabalhista, os servidores de autarquia(onde se incluem as chamadas agências Públicas, autarquias especiais).

Dito isso, lembro que Oswaldo Aranha Bandeira de Mello (RDP, volume I/40) apresentou três grandes grupos de agentes públicos:

  1. Agentes políticos;
  2. Servidos públicos;
  3. Particulares em atuação colaboradora com o Poder Público.

Agentes Políticos são os titulares dos cargos estruturais à organização política do País, isto é, são os ocupantes dos cargos que compõem o arcabouço constitucional do Estado e, portanto, o esquema fundamental do poder. Sua função é a de formadores da vontade superior do Estado. São agentes políticos o presidente da República, os governadores, os prefeitos e respectivos auxiliares imediatos (ministros e secretários de diversas pastas), os senadores, os deputados e os vereadores. Assim, se incluem os magistrados, os membros do Ministério Público. Todos eles se ligam ao Estado por um vínculo não profissional. A relação que os vincula aos órgãos do poder é de natureza política. Desempenham um múnus público.

A relação jurídica que os prende ao Estado é de natureza institucional ou estatutária, quer dizer, os direitos e deveres que lhe assistem não são definidos através de um acordo com o Poder Público: derivam diretamente da Constituição e das leis, como ensinou Celso Antônio Bandeira de Mello (Apontamentos sobre os agentes e órgãos públicos, segunda tiragem, pág. 7).

Por outro lado, há os servidores públicos.

Ao lado dos agentes políticos, o segundo grande grupo de agentes estatais é o dos servidores públicos. O que os caracteriza é a conjunção dos seguintes traços: a) profissionalidade; b)  relação de dependência, típica dos que prestam serviços em caráter de eventualidade.

Fala-se em carreiras de estado.

Esses servidores públicos deverão ter um regime institucional, não contratual, sujeitos à estabilidade no exercício do cargo.

No caso ter-se-ão as seguintes carreiras:

Adito a elas:

Não há falar em relação contratual nessas carreiras.

Estão ainda os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público sujeitos à Leis Orgânicas, leis complementares, que determinarão os direitos e deveres desses agentes políticos. 

III – O FIM DO REGIME JURIDíCO ÚNICO

A dicotomia no regime do agente público entre institucional e celetista já é prevista no ordenamento constitucional brasileiro, como se lê das Emendas Constitucionais 19/98, 20/98 e 41/03.

José Pedro Antunes (Alterações constitucionais do regime do servidor público, in Jus Navigandi) concluiu:

“A análise das alterações realizadas no regime constitucional do servidor público – notadamente pelas Emendas Constitucionais nºs 19/98, 20/98 e 41/03 – demonstram que a dinâmica pública, a longo prazo, pode-se mostrar economicamente inviável se generalizadas as prerrogativas de um regime público.

Isso porque um regime único que conceda prerrogativas inúmeras a quaisquer pessoas que tenham vínculo jurídico com a Administração Pública termina por onerar, em demasia, os cofres públicos. Foi exatamente por esta razão que a reforma administrativa (EC nº 19/98) quebrou a unicidade do regime jurídico e permitiu que os entes políticos tivessem múltiplos regimes jurídicos, a depender da ligação da atividade com o conceito básico de Estado.

Por outro lado, também as EC nº 20/98 e 41/03 demonstraram a necessidade de convergência entre o regime de previdência pública (RPPS) e o regime geral de previdência (RGPS), extinguindo garantias maiores que terminaram levando a um crescente déficit nas contas públicas. Não por acaso foi instituída a previdência complementar do servidor público federal, situação que deve se verificar paulatinamente nos Estados-membros e nos Municípios.

Desta maneira, compreende-se que a reforma do regime jurídico constitucional do servidor público – desde a promulgação da Constituição Federal de 1988 – visa a enxugar a máquina administrativa de duas maneiras: a uma, garantindo o regime estatutário apenas às carreiras de Estado – o que ficou inviabilizada com a decisão do STF na ADI 2135-MC; a duas, modificando pontualmente o regime de previdência pública, de modo a convergir com o regime geral de previdência social.”

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Maria Sylvia Zanella Di Pietro ensina que “a expressão regime jurídico administrativo é reservada tão-somente para abranger o conjunto de traços, de conotações que tipificam o Direito Administrativo, colocando a Administração Pública numa posição privilegiada, vertical, na relação jurídico-administrativa. Basicamente pode-se dizer que o regime administrativo resume-se a duas palavras apenas: prerrogativas e sujeições”(Direito Administrativo, 19ª edição, 2006, pág. 64).

Marçal Justen Filho tem a seguinte definição: “o regime jurídico de direito público consiste no conjunto de normas jurídicas que disciplinam o desempenho de atividades e de organizações de interesse coletivo, vinculadas direta ou indiretamente à realização dos direitos fundamentais, caracterizado pela ausência de disponibilidade e pela vinculação à satisfação de determinados fins”(Curso de Direito Administrativo, 2005, pág. 48).

Por ser matéria atinente a regime jurídico, as penalidades tratadas na reforma, e na medida em que sejam objeto de eventual emenda constitucional promulgada, se aplicam aos antigos e aos novos agentes públicos.

Aliás, o Supremo Tribunal Federal firmou jurisprudência no sentido de que não há direito adquirido a regime jurídico.

Como salientou Francisco Cavalcanti (Alterações do Regime de Servidores Públicos, as Emendas 19 e 20 e as Limitações de Gastos de Pessoal, in Administração Pública, Revista dos Tribunais):

  1. A distinção entre os regimes estatutário e contratual(trabalhista ou não)  deve-se dar levando em conta a natureza da atividade exercida. Quanto mais próxima do núcleo básico do Estado, mais justificável a existência de um regime garantidor de uma atuação neutra, evitando as indevidas pressões que ocorrem;
  2. O regime trabalhista é de difícil compatibilidade no regime contratual que deve existir entre a Administração e o servidor contratado.

É certo que a matéria poderá ser objeto de possível judicialização.

Aplicar-se-á para o paradigma o princípio da igualdade:

Na matéria, Celso Antônio Bandeira de Mello (O conteúdo jurídico do princípio da igualdade, São Paulo, RT, 1978) começa por observar que qualquer elemento residente nas coisas, pessoas ou situações pode ser escolhido pela lei, como fator discriminatório, donde se segue que, de regra, não é o traço de diferenciação escolhido que se deve buscar algum desacato ao princípio isonômico. Todavia, as discriminações legislativas são compatíveis com a cláusula igualitária apenas tão-somente quando existe um vínculo de correlação lógica entre a peculiaridade diferencial acolhida, por residente no objeto, e a desigualdade de tratamento em função dela conferida. Não basta, porém, a existência desta correlação; é ainda necessário que ela não seja incompatível com interesses prestigiados na Constituição.

IV – A ESTABILIDADE

Por outro lado, a estabilidade pressupõe concurso público após determinado prazo de estágio probatório.

A estabilidade é o direito de permanecer no serviço público, não podendo dele ser excluído, a menos que cometa alguma infração disciplinar ou incorra em alguma situação sancionável com a pena de demissão, a qual somente poderá ser aplicada, conforme o disposto no parágrafo primeiro do artigo 41 da Constituição, diante de sentença judicial transitada em julgado ou processo administrativo em que lhe seja concedida ampla defesa.

Está, pois, mal posta a possibilidade noticiada de que a reforma administrativa permitirá a demissão de agente sujeito a estabilidade - que não é um privilégio, mas sim uma garantia institucional - mediante decisão de tribunal sem que haja um trânsito em julgado. Isso afronta a cláusula pétrea. Uma norma constitucional secundária não pode infringir norma constitucional primária que institua cláusula pétrea. Ora, a presunção de inocência é uma cláusula pétrea corolária do devido processo legal.

A estabilidade se distancia da efetividade.

Tito Costa (Estabilidade e Efetividade no Serviço Público Municipal, Boletim do Interior, 19/16) ensinou que a efetividade trata-se de uma característica da nomeação, pois que pode haver, no serviço público, nomeação em comissão, em caráter vitalício, ou em caráter efetivo.

A efetividade é uma característica do cargo, a estabilidade é um direito da pessoa. O cargo pode ser efetivo ou não.

Já os membros do Poder Judiciário e do Ministério Público possuem vitaliciedade.

A garantia da vitaliciedade, no caso de membro do Ministério Público, um agente político, após dois anos de exercício, tem como efeito, a teor do artigo 128, I, ¨a¨, da Constituição, que somente haverá perda do cargo, senão por sentença judicial.

Mas a nova norma constitucional poderá alterar os prazos para que o agente adquira a estabilidade. Trata-se de regime jurídico, onde não se pode falar em direito adquirido em caso de mudança.

Mas lembre-se que a estabilidade é a proteção que se dá aos agentes públicos com relação aos “poderosos do dia’, pois o servidor, sob pena de desvio de finalidade, não serve a governantes, a administradores, mas à sociedade.

Tanto a estabilidade como a vitaliciedade são garantias institucionais estabelecidas para a proteção do serviço público.

V – A INICIATIVA PARA PROPOSTAS DE ALTERAÇÃO NO REGIME JURÍDICO DOS MEMBROS DOS DEMAIS PDERES.

Assim, a reforma apresentada não pode atingir membros do Poder Judiciário e do Poder Legislativo (parlamentares) e, ainda, membros do Parquet (promotores, procuradores), diante de princípios constitucionais estabelecidos.

A proposta não atinge agentes políticos do Judiciário, do Legislativo e do Ministério Público.

Caso assim ocorra, haverá afronta ao princípio constitucional da separação de poderes.

Qualquer mudança que ocorra no regime jurídico dos membros do Poder Judiciário, do Ministério Público ou do Legislativo, somente partirá da iniciativa dos chefes desses Poderes.

O princípio da separação de poderes significa um entrosamento, coordenação, colaboração, desempenho harmônico e desempenho independente das respectivas funções e ainda de que cada órgão colabora com os demais órgãos de diferente natureza, ou pratica certos atos que não pertenceriam à sua esfera de competência. Cita-se a conhecida lição de Cooley no sentido de que os poderes devem conservar-se tão distintos e separados quanto possível, exceto na medida em que a ação de um for estabelecida para constituir uma restrição sobre a ação do outro, a fim de conservá-lo em seus limites apropriados, e impedir a ação intempestiva ou imprevidente.

VI – A QUESTÃO DA AQUISIÇÃO DE DIREITOS

O novo regime jurídico será aplicado aos agentes públicos que venham a ser admitidos após a reforma.

O regime vencimental desses agentes que ocuparem os cargos públicos antes da chamada reforma deve ser preservado.

Trata-se de falar em normas de aquisição de direitos.

Para Savigny (Traité de droit romain, Paris, tomo VIII, 1851, pág. 363 e seguintes), leis relativas à aquisição e à perda dos direitos eram consideradas as regras concernentes ao vinculo que liga um direito a um indivíduo, ou a transformação de uma instituição de direito abstrata em uma relação de direito concreto.

Sendo assim, nova norma não pode retroagir.

Pontes de Miranda (Comentários à Constituição de 1967 com a Emenda n. 1 de 1969, 1971, volume V, pág. 51), na mesma linha de Reynaldo Porchat(Da retroatividade das leis civis, 1909, pág. 59 e seguintes), assim disse:

¨Partiu ele da afirmação da equivalência das duas fórmulas, a que corresponde ao critério objetivo(as leis novas não têm efeito retroativo) e a que corresponde ao critério subjetivo(as leis novas não devem atingir os direitos adquiridos) e assentar que somente a certas categorias de regras – as relativas a aquisição de direitos, à vida deles, escapam à duas expressões da mesma norma de direito intertemporal. E.g, a lei que decide se a tradição é necessária para a transferência da propriedade, ou se o não é, pertence àquela espécie; bem assim, a que exige às doações entre vivos certas formalidades, ou que as dispensa. De ordinário, na regra de aquisição está implícita a de perda. A não retroatividade é de mister em tais casos, quer as consequências sejam anteriores, quer posteriores ao novo estatuto.¨

É sabido que Carlo Gabba (Teoria della retroattivitá della legge, 3ª edição, volume I, pág. 191) fundamenta o princípio da irretroatividade das leis no respeito aos direitos adquiridos. Define-o como sendo todo o direito que é consequência de um fato apto a produzi-lo, em virtude da lei do tempo em que foi o fato realizado, embora a ocasião de o fazer valer não se tenha apresentado antes da vigência de uma lei nova sobre o assunto e que, nos termos da lei sob a qual ocorreu o fato de que se originou, entrou imediatamente a fazer parte do patrimônio de quem o adquiriu.

Reynaldo Porchat (obra citada, pág. 11 e seguintes) lembra definições: direito adquirido é o que entrou em nosso domínio e não pode ser retirado por aquele de quem o adquirimos.

Para Bergman, citado por Reynaldo Porchat, é o direito adquirido de modo irrevogável, segundo a lei do tempo, em virtude de fatos concretos.

É certo que Paulo de Lacerda (Manual do Código Civil Brasileiro, vol. I, 1ª parte, pág. 115 a 214) obtemperou, ao aduzir que, na definição de Gabba, se encontra apenas defeito de redação, uma vez que, segundo ele, o patrimônio individual, mencionado na definição geral de direito adquirido, não há razão para ser entendido unicamente em sentido econômico, sendo a condição jurídica do indivíduo composta não só de direitos econômicos, mas de atributos e qualidades úteis pessoais de estado e de capacidade.

Na lição de Limongi França (A irretroatividade das leis e o direito adquirido, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1982, pág. 204), o direito adquirido é a consequência de uma lei, por via direta ou por intermédio de fato idôneo; consequência que, tendo passado a integrar o patrimônio material ou moral do sujeito, não se fez valer antes da vigência da lei nova sobre o mesmo objeto.

O limite vencimental estabelecido, em qualquer hipótese, é o teto constitucional, que não pode ser avançado em gratificações etc.

VII – CRIAÇÃO E EXTINÇÃO DE ÓRGÃO PÚBLICO

Há muitas dúvidas quanto a estabelecer que o céu é o limite para o presidente da República criar, acabar e remanejar órgãos públicos, sem aval do Congresso.

Apenas a Lei em sentido formal (ato normativo emanado do Poder Legislativo) pode estabelecer requisitos que condicionem o ingresso no serviço público.

As restrições e exigências que emanem de ato administrativo de caráter infralegal revestem-se de inconstitucionalidade, como ensinou José Celso de Mello Filho (Constituição Federal Anotada).

A PEC, no ponto em que permite a criação de cargos, a sua extinção e o remanejamento, por ato do Executivo, através de Decreto, em regulamentos independentes, afronta ao princípio da legalidade.

Entre os italianos, Ranelletti, além de outros, entende que o caráter especifico da lei, no sentido material, está na novidade ou modificação (“novità), e não na generalidade, se bem que seja esta uma característica habitual trazida à norma jurídica.

Só a lei pode trazer novidade no mundo jurídico, no sentido de criar, modificar e extinguir obrigações.

O princípio da legalidade da função executiva, de que a legalidade da Administração é simples aspecto, desdobra-se nos princípios da preeminência da lei e o princípio da reserva de lei.

O princípio da preeminência da lei, princípio da legalidade em sentido amplo, fórmula negativa ou regra da conformidade, traduz-se na proposição de que cada ato concreto da Administração é inválido, se e na medida em que contraria uma lei material.

Por sua vez, o princípio da reserva de lei, princípio da legalidade em sentido restrito, surgiu originalmente com o sentido de que cada ato concreto da administração que intervém na liberdade ou propriedade do cidadão, carece de autorização de uma lei material; mas veio mais tarde a evoluir no sentido de exigir a mesma autorização para todo e qualquer ato administrativo, ainda que, de forma direta, não contendesse na aludida esfera privada dos particulares.

Não há no Brasil regulamentos independentes; há regulamentos de execução, que servem para aplicação da lei.

Não podem operar contra legem, ultra legem, nem praeter legem. Operam secundum legem.

Observe-se que a Constituição Portuguesa, com a revisão de 1982, previa, de forma expressa, os regulamentos independentes, no artigo 115. Eles não se confundem com os regulamentos autônomos porque não se satisfazem com o fundamento constitucional. Devem, como os de execução, indicar o ato legislativo que atribui competência regulamentar. Os regulamentos independentes, ao contrário dos executivos, já não recebem das leis determinados conteúdos-disciplinas para regulamentar, antes são eles que estabelecem, originalmente e com amplos poderes de conformação material, o regime, a disciplina de certas relações jurídicas, como ensinou Jorge Manuel Coutinho de Abreu (Sobre os Regulamentos Administrativos e o Princípio da Legalidade, 1987, pág. 40). O direito português, posto isto, admite os regulamentos independentes, “aquele em que a lei se limita a indicar a autoridade que poderá ou deverá emanar o regulamento e a matéria sobre o que versa”. Mas, na lição de J. J. Gomes Canotilho (Direito Constitucional, pág. 675), não se admite, porém, os “regulamentos autônomos , isto é, regulamentos não derivados, sem referência a lei anterior”.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

ROMANO, Rogério Tadeu. Anotações sobre a reforma administrativa. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6277, 7 set. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85242. Acesso em: 22 nov. 2024.

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