Presunção de Inocência
I. À guisa de introdução
É princípio de direito, exaltado à categoria de dogma constitucional, esse da presunção de inocência do acusado, “princípio de eterna justiça”, na eloquente expressão de Carrara([1]).
Consagrado na Declaração Universal dos Direitos do Homem, da ONU, em 1948, e na de Virgínia (1776), a Constituição Federal de 1988 transladou-o no inciso LVII de seu art. 5º: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
Somente o selo da “res judicata” (coisa julgada) pode, com efeito, imprimir na fronte do réu o estigma de culpado.
Muitas graças se deem, pois, ao legislador constituinte, que incorporou à Carta Magna de 1988 a sabedoria do postulado, segundo o qual toda pessoa acusada de crime tem o direito de haver-se por inocente enquanto não liquidada sua culpa em processo regular.
Corre, é verdade, inteligência em contrário, que admite a presunção de inocência desde que se não confirme, pela instância recursal, a sentença condenatória; porque daí avante, a confirmar-se, prevaleceria a regra da presunção de culpabilidade.
A exegese porém que, de presente, passa por triunfante é a que nos supeditou o Supremo Tribunal Federal, no julgamento do Agravo Regimental nº 964.246-SP, cuja conclusão tem esta substância:
“(…) a reafirmação da atual jurisprudência desta Corte, fixando, para efeitos de repercussão geral, a tese de que a execução provisória de acórdão penal condenatório proferido em grau recursal, ainda que sujeito a recurso especial ou extraordinário, não compromete o princípio da presunção de inocência afirmado pelo art. 5º, inc. LVII, da Constituição Federal”([2]).
II. Presunção: acepções do termo
Empregado amiúde na terminologia jurídica, o vocábulo presunção — conforme De Plácido e Silva — exprime “a dedução, a conclusão ou a consequência, que se tira de um fato conhecido, para se admitir como certa, verdadeira e provada a existência de um fato desconhecido ou duvidoso”([3]).
De três ordens são as presunções: 1. de direito (“praesumptiones juris”); 2. de fato (“praesumptiones facti”) e 3. do homem (“praesumptiones hominis”). As de direito (ou jurídicas) são as presunções estabelecidas por lei. Dividem-se em absolutas (ou presunções “juris et de jure”) e em relativas, condicionais ou presunções “juris tantum”).
A presunção de fato (ou comum) é a “deduzida da natureza de certos fatos que demonstram a veracidade de outro”. A presunção do homem é “a consequência que ele próprio tirou de um fato conhecido para demonstrar outro desconhecido ou duvidoso”.
Na linguagem do foro, as presunções de fato e do homem entendem-se propriamente por indícios. O que sejam estes, enfaticamente o define o art. 239 do Código de Processo Penal: “Considera-se indício a circunstância conhecida e provada, que, tendo relação com o fato, autoriza, por indução, concluir-se a existência de outra ou outras circunstâncias”([4]).
A presunção “juris tantum” — denominada também condicional, relativa ou simples — prevalece até que se demonstre o contrário. (A voz latina “tantum” significa tão somente).
“Presunção juris et de jure” (de direito e por direito), instituída por lei como verdade, não admite prova em contrário. É a presunção absoluta. Eis sua fórmula em latim: “Praesumptio juris et de jure probationem in contrarium non admittit”. Exemplo típico de “presunção absoluta ou juris et de jure” traz o art. 1.597 do Código Civil: “Presumem-se concebidos na constância do casamento os filhos nascidos 180 (cento e oitenta) dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal”.
III. Presunção: jurisprudência, máximas e aforismos
Extenso e variado é o número de prolóquios e expressões que respeitam às ideias de presunção, inocência, dúvida, certeza, absolvição, etc. Deles vai aqui abreviado rol:
1. “Praesumptio cedit veritati”. A presunção cede à verdade.
2. “Quivis praesumitur bonus, donec probetur malus”. Todo indivíduo se presume bom enquanto não se prove que é mau.
3. “Não perder de vista a presunção de inocência comum a todos os réus, enquanto não liquidada a prova e reconhecido o delito” (Rui Barbosa, Oração aos Moços, 1a. ed., p. 42).
4. “Enquanto a acusação não prova, presume-se a inocência do acusado. Sobre isto não há contestação em escola alguma” (Rui Barbosa, Obras Completas, vol. XXVIII, t. I, p. 197).
5. “O crime é a presunção juris et de jure, a presunção contra a qual não se tolera defesa, nas sociedades oprimidas e acovardadas. Nas sociedades regidas segundo a lei a presunção é, ao revés, a de inocência” (Rui Barbosa, Obras Completas, vol. XXIV, t. III, p. 87).
6. “A acusação é apenas um infortúnio, enquanto não verificada pela prova. Daí esse prolóquio sublime, com que a magistratura orna os seus brasões, desde que a justiça criminal deixou de ser a arte de perder inocentes: Res sacra reus. O acusado é uma entidade sagrada” (Rui Barbosa, Obras Completas, vol. XIX, t. III, p. 113).
7. “Nemo innocens si accusare sufficit”. Ninguém seria inocente se bastasse acusar.
8. “Nenhuma presunção, por mais veemente que seja, dará motivo para imposição de pena” (art. 36 do Cód. Criminal do Império do Brasil).
9. “A verossimilhnça, por maior que seja, não é jamais a verdade ou a certeza, e somente esta autoriza uma sentença condenatória. Condenar um possível delinquente é condenar um possível inocente” (Nélson Hungria, Comentários ao Código Penal, 1981, vol. V, p. 61).
10. “Ainda que sejas casta como o gelo e pura como a neve, não escaparás à calúnia” (William Shakespeare, Hamlet, Príncipe da Dinamarca, p. 83; trad. Carlos Alberto Nunes).
11. “Facile est opprimere innocentem”. É fácil oprimir o inocente (Fedro, Fábulas, liv. I, 1).
12. Só os inocentes podem ser acusados de tudo.
13. A inocência não vê a serpente debaixo das flores.
14. Todo ato criminoso é passível de repúdio, mas cumpre atender também ao preceito do art. 5º, nº LVII, da Constituição Federal: “Ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória”.
15. Em obséquio ao princípio da presunção de não-culpabilidade, que, entre nós, tem a consagração de garantia constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const. da República), processos em curso não se consideram maus antecedentes porque, ao fim, o réu poderá ser absolvido.
16. Embora o princípio da presunção de inocência tenha sido exaltado à categoria de dogma constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), não há postergar os direitos e interesses da sociedade, entre os quais figura o de exigir a segregação do agente pernicioso que pretende subverter-lhe os fundamentos e pôr em risco a segurança de seus membros.
17. Segundo a nova ordem jurídica do País — que deu dignidade constitucional ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.) —, é regra defender-se o réu em liberdade.
18. Em obséquio ao princípio da presunção de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), e do devido processo legal (nº LV), não é defeso à Segunda Instância conhecer do recurso do réu, ainda que intempestivo, se o despacho de prelibação (ou admissibilidade) do Juízo da condenação lhe determinou o regular processamento.
19. Contra decisão condenatória nada pode simples protesto de inocência do réu, se em franca rebeldia com as provas dos autos, que implacavelmente o incriminam de roubo.
20. É verdade que, à luz do princípio da presunção de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), ninguém será havido na conta de culpado senão após o trânsito em julgado de sentença penal condenatória. Esse mandamento, contudo, não importa licença para a concessão indiscriminada de liberdade provisória a réu preso em flagrante; tal sucede apenas naqueles casos em que se não achem presentes os requisitos que autorizam a decretação da prisão preventiva (art. 310, parág. único, do Cód. Proc. Penal).
21. À vista da nova ordem constitucional instaurada no País, a regra geral é que se defenda o réu em liberdade. Consectário do princípio do estado de inocência (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.), só por exceção deve o acusado responder preso ao processo.
22. Destituído de natureza formal, o crime de corrupção de menores (art. 1º da Lei nº 2.252/54) não se caracteriza sem a prova da inocência do sujeito passivo, que não se presume. Só a inocência não vê a serpente debaixo das flores!
23. Se o réu nega com veemência a imputação de larápio, que assenta em declarações vagas e imprecisas, tem a Justiça de respeitar-lhe o direito de inculcar-se inocente.
24. Por simples presunção ninguém pode decair de seu estado de inocência.
25. Inquestionável é a força probante dos indícios; mas, para que autorizem edito condenatório, é mister que, em apoio recíproco, por forma inequívoca e concludente, incriminem o acusado, com exclusão de toda a hipótese que o favoreça (cf. Rev. Tribs., vol. 169, p. 76).
26. É velho preceito de sabedoria que, no caso de dúvida acerca da culpabilidade do réu, deve o Juiz pronunciar o “non liquet” e mandá-lo em paz.
27. Do Ministério Público é o ônus de provar suficientemente a acusação deduzida na denúncia. Desde que o não faça, ao Magistrado cumpre julgá-la improcedente, por amor do princípio da presunção de inocência, que entre nós granjeou nomeada constitucional (art. 5º, nº LVII, da Const. Fed.).
28. A perplexidade que domina e constrange o ânimo do Julgador não há de incliná-lo senão para o desfecho absolutório, conforme o preceito comum de interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.
29. “Não pode haver condenação sem prova plena do crime e de sua autoria. Indícios, ainda que veementes, desautorizam-na” (Rev. Tribs., vol. 181, p. 89).
30. Os tratadistas da prova conferem grande valor aos indícios. Chama-lhes Mittermayer, elegantemente, as “testemunhas mudas colocadas pelo dedo de Deus” (apud Mário Guimarães, O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 311). Mas só têm peso e força se vários e concludentes.
31. “Um decreto condenatório deve repousar em prova certa e segura, não o autorizando apenas indícios, presunções e suspeitas” (JTACrSP, vol. 65, p. 241).
32. O indício pode levar à condenação, desde que veemente. Diz-se veemente o indício que, por sua natureza, “permite razoavelmente afastar todas as hipóteses favoráveis ao acusado” (Camargo Aranha, Da Prova no Processo Penal, 3a. ed., p. 169).
33. Prudente é o Juiz que absolve o réu, quando inconclusiva, dúbia e coxa a prova; decidir o contrário fora imolar na ara da presunção, o gravíssimo dos pecados de quem julga.
34. “Na dúvida, deverá o Juiz recorrer ao meio ordinário e admitir como verdadeira a versão mais favorável ao réu” (Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871, t. II, p. 177; trad. Alberto Antônio Soares).
35. “Confissão extrajudicial pode gerar forte presunção em desfavor do confitente, mas não a certeza da autoria necessária para embasar decreto condenatório” (JTACrSP, vol. 54, p. 423).
36. “Os indícios têm força convincente, quando muitos, concordes, concludentes. Indícios que permitem explicação diferente apenas levantam suspeitas. Não são aptos para conduzir à certeza” (Mário Guimarães, O Juiz e a Função Jurisdicional, 1958, p. 311).
37. É princípio de doutrina, consagrado pela jurisprudência de todos os Tribunais, que, duvidosa a prova da autoria do fato arguido, cumpre decidir em prol do acusado.
38. “A defesa tem direitos superiores aos da acusação, porque, enquanto houver uma dúvida, por mínima que seja, ninguém pode conscientemente condenar o seu semelhante” (João Mendes Júnior, Processo Criminal Brasileiro, 4a. ed., p. 388).
39. Beneficiado pela dúvida que se afigure atendível, tem jus o acusado à solução preconizada pelo venerando aforismo “In dubio pro reo”.
40. “Um Tribunal não pode condenar, sem a convicção íntima da criminalidade do réu, e se há sombra de uma dúvida, não há certeza possível para o Juiz” (Cons. Paula Pessoa, Código de Processo Criminal, 1882, p. 147).
41. Não basta para a condenação penal a suspeita de que o réu cometeu crime; é mister prová-lo acima de toda a dúvida sensata.
42. Segundo princípio de aceitação universal, não há condenar ninguém sem prova plena e cabal de sua culpabilidade. Alguma dúvida que a tal respeito exista é a que basta para impor ao Juiz, por atalhar possível erro judiciário, a pensão de pronuciar o “non liquet” e absolver o réu.
43. De todas as máximas que devem inspirar o Julgador, nenhuma se tem por mais respeitável que esta: Condenação exige certeza. Dúvida, em Direito Penal, é o outro nome da falta de prova.
44. Desde que os autos lhe deparem dúvida, não fará melhor o Juiz que absolver o acusado, em obséquio ao princípio geral, vigorante nas legislações dos povos cultos: “In dubio pro reo”.
45. É princípio, que remonta à primeira antiguidade do Direito, esse de que ninguém pode ser punido por pensar (ou, na sentença clássica de Ulpiano: “Cogitationis poenam nemo patitur”).
46. “O valor probante dos indícios e presunções, no sistema de livre convencimento que o Código adota, é em tudo igual ao das provas diretas”, conforme lição memorável de José Frederico Marques (Elementos de Direito Processual Penal, 2a. ed., vol. II, p. 378). Mas, para que sirvam de sustentáculo a um edito condenatório, devem ser numerosos, coesos e harmônicos.
47. Das máximas que a sabedoria cunhou para guiar os Juízes em suas decisões é esta, sem falta, a capital: Condenação exige certeza. Na dúvida, será força decidir em prol do acusado, por amor do velho aforismo “In dubio pro reo”.
48. É não só injusta mas ainda injurídica a sentença condenatória que não se baseou na certeza da autoria da infração penal.
49. Em obséquio ao princípio comum de interpretação da dúvida e aos conselhos da prudência, é força absolver o réu da acusação de roubo, se a vítima, cuja palavra constitui relevante meio de prova, lhe proclamou a inocência.
50. É princípio solenemente consagrado pela consciência jurídica dos povos cultos que a prova para condenação deve ser plena e incontroversa. Uma dúvida, que se levante no espírito do Julgador, é a que basta a recomendar a absolvição, por força do preceito universal do “In dubio pro reo”.
51. “Julgar por livre convicção não é julgar livremente, sem atenção à vida expressiva dos elementos comprobatórios ou indiciários e sem consulta à realidade dos fatos” (STF; RE nº 8.232; rel. Min. Orosimbo Nonato; DJU 15.12.49, p. 4.289).
52. Em caso de dúvida, só a absolvição exprime o bom direito e a realização de justiça.
53. Se frágil a prova da autoria do crime, cumpre ao Juiz absolver o réu, num tributo ao cânon venerável de interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.
54. “E deve, para haver condenação nos crimes, ser a prova mais clara que a luz do meio-dia” (Alexandre Caetano Gomes, Manual Prático Judicial, 1820, p. 247).
55. Para justificar decreto absolutório basta a dúvida razoável, pois que esta, como a pedra que tomba do rochedo e muda o curso do rio, é apta a desviar da cabeça do réu o gládio inflamado da Justiça Penal.
56. A precariedade da prova, fonte natural de dúvida no espírito do Juiz, deve ser interpretada em prol do réu, à luz do preceito de alcance universal: “In dubio pro reo”.
57. Dúvida, em Direito Penal, equivale a ausência de prova.
58. Desde que nos autos triunfe dúvida invencível acerca da culpabilidade do acusado, será força absolvê-lo por amor do princípio de nomeada universal “In dubio pro reo”.
59. Embora direito que a Constituição da República reconhece a todo o acusado (art. 5º, nº LXIII), ficar em silêncio perante injusto acusador passa por prodígio de tal ordem, que a experiência vulgar o tem reputado irmão gêmeo da culpa (“Qui tacet, consentire videtur”).
60. Entre os princípios que informam o processo penal sobreleva o de que somente a certeza é base legítima de condenação. Na dúvida, ou falta de prova da autoria, o único desfecho admissível para o feito-crime é a absolvição do réu, em obséquio à regra jurídica de cunho universal: “In dubio pro reo”.
61. Se a prova dos autos não lhe permite abraçar, com segurança e motivação lógica, a proposta acusatória, deve o Juiz inclinar-se, prudentemente, à solução que favorecer o réu.
62. Na dúvida, o Julgador deve decidir conforme o estalão da prudência (o qual, unicamente, o guardará das insídias do erro judiciário) e absolver o réu.
63. No comum sentir dos doutores, não há condenar (ainda o pior facínora) sem prova plena e incontroversa da materialidade da infração penal e de sua autoria.
64. Isto de condenação exige prova plena e cabal, assim da autoria como da materialidade do fato e da culpabilidade do agente. A dúvida, segundo princípio universalmente recebido, fala em benefício do réu: “In dubio pro reo”.
65. “No processo acusatório, o Juiz só tem a decidir qual das alegações é bem fundada: se as do acusador, se as do acusado; e não provando o primeiro plenamente as suas, a absolvição é a consequência incontestável” (Mittermayer, Tratado da Prova em Matéria Criminal, 1871, t. II, p. 285; trad. Alberto Antônio Soares).
66. “Se o réu nega o que a testemunha afirma, nada há de certo e a Justiça tem o dever de respeitar o direito de cada um de considerar-se inocente” (cf. César Beccaria, Dos Delitos e das Penas, § VIII).
67. Ao absolvê-lo por falta de prova, o Magistrado como que dá seu testemunho a favor do réu, de tal arte que a absolvição já não se ampara unicamente em argumento lógico, mas na própria força moral do julgado.
68. No Direito Penal, em pontos de dúvida, prevalece o prolóquio sublime inscrito nos emblemas da Justiça Criminal: “In dubio pro reo”.
69. “À Acusação é que incumbe provar todas as condições que a lei exige para a incriminação do fato arguido” (Inocêncio Borges da Rosa, Processo Penal Brasileiro, vol. I, p. 415).
70. É doutrina de alçada universal que apenas a certeza da autoria do crime permite a condenação do réu. Dúvida, em Direito Penal, outra coisa não é que ausência de prova, o que impede solução condenatória.
71. Mais que simples referência à materialidade da infração penal, importa que a prova reunida na instrução evidencie a culpabilidade do acusado. Em isto faltando, será imperioso absolvê-lo, por amor daquele princípio comum de interpretação da dúvida, recebido por todas as civilizações que se regem segundo a Lei e o Direito: “In dubio pro reo”.
72. Sem prova plena e cabal de sua culpabilidade não há condenar o acusado, ainda que o pior dos facínoras.
73. Em bom direito, é ponto vitorioso que, sem a certeza da materialidade e da autoria da infração penal, ninguém pode ser condenado. Esta é a regra de ouro de todo o julgador.
74. É princípio fundamental em Direito que, se o autor não prova, absolve-se o réu (“Actore non probante, reus absolvitur”).
75. Na falta de comprovação da conduta criminosa do réu, será força absolvê-lo em homenagem ao preceito comum de interpretação da dúvida (art. 386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).
76. Pelas consequências graves que sói acarretar ao indivíduo, uma condenação apenas se decreta em face da certeza de que é culpado.
77. Se a prova dos autos não desfaz a dúvida quanto à culpabilidade do agente, será bem que o Juiz o absolva, por amor do princípio de curso universal: “In dubio pro reo”. Mais que probabilidade da autoria do crime, a condenação reclama certeza, que é sua única base legítima.
78. Se precária a prova da autoria do furto imputado a surdo-mudo, será força que o Juiz pronuncie o “non liquet” e o absolva. Já assinalado pela mão de Deus, seria impiedade, mais que injustiça, acrescentar-lhe o infortúnio.
79. “Amparando os mais fracos, não fazemos favor senão justiça” (Teodomiro Dias; apud Odilon da Costa Manso, Letras Jurídicas, 1971, p. 111).
80. Se o conjunto probatório enseja dúvida acerca da imputação do elemento subjetivo do tipo, o desfecho mais consentâneo com as regras do Direito é pronunciar o Juiz o “non liquet” e mandar o réu em paz.
81. Se da prova dos autos é possível extrair duas conclusões lógicas, deve o Juiz preferir a que beneficia o acusado, em razão do princípio geral de interpretação da dúvida: “In dubio pro reo”.
82. Mais de um caso têm recenseado os anais forenses de decisões que, louvando-se em meros indícios, foram motivo e ocasião de deploráveis erros judiciários.
83. Na dúvida, a máxima de jurisprudência “In dubio pro reo” é o farol que deve guiar o Juiz na decisão da causa, sob pena de cair em erro grave (art. 386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).
84. Por prevenir injustiças, a sabedoria das nações confiou à eternidade do bronze e à prudência dos julgadores o clássico preceito: “In dubio pro reo”.
85. Muito para meditadas são estas palavras do velho Min. Cândido Lobo: “Só condeno por prova que me deixe a consciência tranquila” (apud Heleno Cláudio Fragoso, Jurisprudência Criminal, 1973, vol. II, p. 469).
86. Se os autos deparam ao Juiz indícios da culpabilidade do réu, sem no entanto afastar-lhe de todo a possibilidade de inocência, é caso de absolvição, em obséquio ao venerando princípio que informa os processos criminais: “In dubio pro reo”.
87. A codenação, ainda que de indivíduo de sombria nomeada nas expansões da criminalidade, requer prova plena e cabal da existência do fato e certeza de sua autoria. Neste ponto, deve o Juiz timbrar de escrúpulos, não venha a condenar alguém com base em vagos e remotos indícios, fonte de clamorosos erros judiciários.
88. É princípio geralmente recebido que apenas a certeza autoriza a condenação do réu. Em caso de dúvida — presente, por força, no processo-crime onde o réu nega o que a vítima afirma —, a solução mais prudente será a que o absolver por insuficiência de prova (art. 386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).
89. A integração do tipo do art. 173 do Cód. Penal (abuso de incapazes) requer prova boa da falta de higidez mental da vítima, poderosa a incapacitá-la para deliberar segundo as leis da razão. Do contrário, justifica-se a absolvição do réu à luz do princípio tutelar da inocência: “In dubio pro reo”.
90. “No processo criminal, máxime para condenar, tudo deve ser claro como a luz, certo como a evidência, positivo como qualquer expressão algébrica” (Rev. Tribs., vol. 6l9, p. 267).
91. Mais que meras conjecturas acerca da culpabilidade do acusado, são necessárias, para sua condenação, provas tão claras como a luz meridiana: “(…) probationes luce meridiana clariores” (cf. Giovanni Brichetti, L’Evidenza nel Diritto Processuale Penale, 1950, p. 111).
92. “O que se passa no foro íntimo de uma pessoa não é dos domínios do Direito Penal. Persiste ainda hoje a máxima de Ulpiano: Cogitationis poenam nemo patitur. Ou, como falam os italianos: Pensiero non paga gabella (o pensamento não paga imposto ou direito). Em intenção todos podem cometer crimes” (E. Magalhães Noronha, Direito Penal, 1963, vol. I, p. 154).
93. “Dúvida, in poenalibus, deve ser decidida pro libertate” (Nélson Hungria; apud J. Didier Filho, Direito Penal Aplicado, 1957, p. 8).
94. Na dúvida se o acusado é traficante ou usuário de droga, deve prevalecer a hipótese mais favorável do art. 28 da Lei nº 11.343/2006 (Lei de Tóxicos), em atenção ao princípio “In dubio pro reo”, que preside soberanamente as decisões da Justiça Criminal.
95. Ainda que, ao aviso de Malatesta, o espírito humano, limitado em suas percepções, não alcance a verdade, nas mais das vezes, senão por via indireta — “Lo spirito umano, limitato nelle sue percezioni, non arriva il più spesso, alla verità che per via indiretta” (La Logica delle Prove in Criminale, 1895, vol. I, p. 43) —, não parece de bom exemplo suprir pela força do raciocínio a lacuna da prova.
96. “Sêneca, que viveu e floresceu três séculos antes de Cristo, deixou, entre outros, este pensamento admirável: julgar alguém sem ouvi-lo, é fazer-lhe injustiça, ainda que a sentença seja justa” (Vicente de Azevedo, Curso de Direito Judiciário Penal, 1958, vol. I, p. 93).
97. “Os indícios não têm a necessária consistência e força persuasiva da verdadeira prova, pelo que não bastam para justificar qualquer sentença condenatória” (Auto Fortes, Questões Criminais, 1a. ed., p. 123).
98. A biografia social do indivíduo, ainda que verdadeiro sudário de crimes, não basta para imprimir-lhe na fronte o estigma de culpado; para sua punição faz-se mister prova maior de toda a dúvida.
99. É lei de todos os tempos que condenação exige certeza. Dúvida, em questões criminais, interpreta-se por falta de prova, o que impede condenação. Sentença que absolve o réu, porque frágil e precária a prova, é desfecho razoável para a causa e lance de prudência humana, apanágio de todo julgador (art. 386, nº VII, do Cód. Proc. Penal).
100. “Na interpretação das leis, mais importante do que o rigor da lógica racional é o entendimento razoável dos preceitos, porque o que se espera inferir das leis não é, necessariamente, a melhor conclusão lógica, mas uma justa e humana solução” (Goffredo Telles Junior, A Folha Dobrada, 1999, p. 163).
Notas
([1]) Apud Pedro Paulo Filho, Grandes Advogados, Grandes Julgamentos, 4a. ed., p. 218).
([2]) STF; ARE nº 964.246-SP; Plenário; rel. Min. Teori Zavascki; j. 11.11.2016; m.v.
([3]) Vocabulário Jurídico, 3a. ed., t. III; v. presunção; Editora Forense. Foi a seu autor, já reputado clássico — Oscar Joseph De Plácido e Silva (1892-1963) — que tomei por guia e referência, elaborando este singelo artigo. À licença de citá-lo em plenitude somei a ousadia de transcrever-lhe, “ipsis litteris virgulisque”, vários passos de sua inestimável obra. Nem saberia, tratando-se de conceitos e definições, escusar termos próprios e lapidares em favor de outros, que os haveria decerto no cabedal da língua, porém imprecisos e equívocos. Foi-me forçoso, por isso, recorrer servilmente à lição do egrégio vocabulista. Em todo o caso, dei curso à prática vulgar, inspirada na metáfora da abelha, que recolhe, nos luxuriantes jardins, a matéria-prima com que irá deleitar o gosto a terceiros. É o que lhe quisera oferecer, amável leitor!
([4]) Nisto de indício (falho, porém) depara-nos a literatura amostra frisante: O Caso do Padeirinho de Veneza. Refere-o, em livro notável assim pela substância como pela forma, o eminente Des. João Martins de Oliveira, do Tribunal de Justiça de Minas Gerais:
“Em 1507, pela madrugada, foi assassinado um homem em Veneza e seu cadáver estava na rua. Passando pelo local, o moço Pedro Faciol, modesto padeiro, viu o corpo e ficou a admirar o punhal manchado de sangue. A arma era rica. Apoderou-se dela e ia retirar-se, quando soldados que se aproximavam e o viram inclinado junto ao cadáver o perseguiram e prenderam, encontrando o instrumento do crime em seu poder. À vista do flagrante, foi submetido a tormento, confessou o assassinato e foi enforcado a 22 de março de 1507. Descobriu-se, depois, o verdadeiro autor do crime. Diz-se que, por causa deste erro, a administração local mandou escrever, em tinta vermelha, na parede da sala dos julgamentos, a frase: Ricordatevi del povero fornaio (Recordai-vos do pobre padeiro), e estas palavras eram repetidas, em voz alta, por um funcionário, antes dos pronunciamentos dos julgadores” (Revisão Criminal, 1a. ed., p. 45; Sugestões Literárias S.A.; São Paulo). Ainda: Giuseppe Fumagalli, Chi l’ha detto?, 1994, p. 170; Editore Ulrico Hoepli; Milano.