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Revenge porn: a crueldade e a covardia da pornografia de vingança

Agenda 10/09/2020 às 18:38

Talvez não conheça por este nome, mas certamente já viu ou ouviu falar de casos deste tipo, seja através de por amigos e conhecidos, pelas redes sociais, ou até mesmo pelo noticiários.

A evolução tecnológica na qual nossa sociedade está inserida reflete intimamente no comportamento individual, principalmente na necessidade criada da divulgação de seu cotidiano, desde as postagens mais banais de atos corriqueiros, até mesmo de situações mais complexas, nas redes sociais, as quais passaram, per se, a uma curiosa manifestação e extensão digital, da vida real.

A modernidade líquida intitulada por Zygmunt Bauman em seu livro de mesmo título, é caracterizada pela flexibilização da era do instantâneo e da completa diluição dos laços sociais pautada na constante mudança cultural da sociedade, nas quais as redes sociais possuem um papel fundamental como mecanismos de divulgação e exposição de caráter instantâneo, propiciando e facilitando a violação de um direito fundamental à privacidade.

A facilidade de acesso ilimitado em tempo real às redes sociais, na palma da mão e disponíveis a todo momento, juntamente com a velocidade da informação, faz com que tais registros e postagens sejam compartilhados entre amigos, parentes, conhecidos e até desconhecidos, em questão de segundos, causando o crescimento do número de ocorrências de condutas ilícitas praticadas no ambiente virtual, os cibercrimes.

E entre estes cibercrimes, surgiu a chamada pornografia de vingança, também chamado de revenge porn, que consiste na divulgação virtual de materiais em áudio, vídeo e fotos de cunho sexual, normalmente por companheiro(a) ou ex-companheiro(a), sem o consentimento da vítima, rompendo a privacidade e tomando proporções imensuráveis capazes de produzir danos irreparáveis à vítima.

A Pornografia de vingança acarreta um estigma social às vítimas, as quais sofrem humilhações, julgamentos pela opinião pública, perseguições sendo, até mesmo, responsabilizadas por um crime do qual são vítimas e não autoras.

A pornografia de vingança é considerada uma das condutas mais reprováveis da atualidade, tendo o seu crescimento facilitado por conta da instantaneidade da comunicação, proporcionada pelas redes sociais. Sua principal característica é compartilhamento indevido destes conteúdos de cunho erótico, resultando, assim, na materialização da conduta típica que expõe a intimidade da vítima à lasciva e aos comentários mais grosseiros e humilhantes, daqueles que obtiverem acesso a tal conteúdo.

A vítima tem sua intimidade violada de modo criminoso, e a violação de sua privacidade fere de morte o princípio da dignidade da pessoa humana, com o único intuito de humilhar a vítima, geralmente praticada pelo ex-parceiro(a) inconformado(a) com o fim do relacionamento.

Como consequência de tal exposição e humilhação, há relatos de suicídio por parte das vítimas, diante da massacrante perda de sua capacidade de coexistir, como indivíduo, em sociedade, causada pela exposição de sua intimidade sexual.

Até bem pouco tempo não possuíamos em nosso ordenamento, uma previsão legal que tipificasse tal conduta, como crime. Por este motivo, até tempos recentes, a prática do revenge porn, na maioria das vezes, acabava sendo tipificada como difamação ou até injúria de cunho sexual, apenando, assim, os seus perpetradores de uma forma mais branda. Estes crimes eram considerados, majoritariamente, como crimes contra a honra, não sendo dada a atenção às enormes manifestações de violência de gênero por trás da maioria dos casos encontrados.

É neste contexto que a criação da Lei 13.718 no ano de 2018, veio tipificar a divulgação e o compartilhamento de material derivado de estupro, sexo ou pornografia sem o consentimento dos participantes, além de outras práticas, como podemos destacar no Artigo 218-C do Código Penal Brasileiro.

O referido dispositivo legal não criminaliza, diretamente, o envio e recepção de nudes, mas sim o compartilhamento não consentido desde material, contendo cenas relacionadas a sexo, nudez ou pornografia, a fim de proteger a liberdade e a dignidade sexual da vítima.

Ressalte-se, ainda, que o dispositivo legal visa criminalizar a conduta, não somente de quem compartilha originalmente o material ilícito, mas todos os que, por ventura, receberem e compartilharem.

A tipificação específica da divulgação não autorizada de fotos, vídeos e quaisquer outros conteúdos íntimos não autorizados, passou a ser mais taxativo, observando-se, desta forma, que a nova Lei não criminalizou a prática do sexting, que é a troca de material de conteúdo erótico, a fim de excitar a libido de alguém.

Desta feita, mesmo com a expansão dos direitos humanos e do princípio da dignidade da pessoa humana, a violência contra a mulher ainda se mantém com uma expressividade considerável nos dias atuais.

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Além do mais, cumpre salientar que o material íntimo exposto, pode ter sido obtido de maneira consentida ou não pela vítima. O fato de a vítima ter espontaneamente cedido sua imagem ou suas fotos, não configura o consentimento para a propagação de tal material.

A SaferNet, uma entidade parceira do Ministério Público Federal, e da Polícia Federal, realizou uma pesquisa a fim de monitorar as violações de Direitos Humanos na internet, concluindo que, no ano de 2010, 11% das crianças e adolescentes, brasileiros, entre 05 e 18 anos, já haviam compartilhado mensagens ou fotos de cunho sensual. O mesmo estudo, realizado em 2013, aponta que 20% dos brasileiros afirmavam ter enviado e recebido nudes, e 6% destes, afirmam ter compartilhado materiais íntimos entre seus contatos.

Qualquer pessoa pode ser uma vítima da pornografia de vingança, independente do gênero, contudo em uma pesquisa realizada em 2014 pela Organização End Revenge Porn, 90% das ofensas eram direcionadas para mulheres, sendo que 57% destas mulheres, tiveram suas imagens e vídeos íntimos divulgadas por ex-parceiros inconformados com o fim da relação.

E, em 59% dos casos, as vítimas tiveram seus nomes expostos e 49% tiveram seus dados pessoais, como endereços e redes sociais, divulgados. O mesmo estudo, aponta ainda dados mais alarmantes, onde 93% das vítimas relataram profundo estresse e abalo emocional, 82% acabaram por sofrer prejuízos em suas vidas pessoal e profissional, 49% passaram a ser importunadas, perseguidas e até assediadas por internautas, 57% tiveram enormes dificuldades em se manter no mesmo ambiente acadêmico ou profissional e, por derradeiro, 51% pensaram seriamente, em suicídio.

Com esta análise, faz-se necessária a compreensão de que a vítima da pornografia de vingança, não deve ser marginalizada pelo fato de ter consentido a filmagem ou a fotografia de cunho sexual, pois era um momento íntimo, devendo ser responsabilizado somente o agressor.

A humilhação social ao qual a ofendida é submetida apenas serve como um meio de revitimização e diminui a repreensão do ato criminoso cometido por quem realmente merece tal opressão, o agressor.

Sobre a autora
Claudia Neves

Advogada. Pós-graduada em Direito das Mulheres e em Direito de Família e Sucessões, com atuação na área cível com ênfase na área de família, com seus reflexos patrimoniais e assessoria em contratos civis e comerciais, seja na celebração de negócios seja na defesa de interesses. Coordenadora Adjunta da Comissão da Mulher Advogada e membro da Comissão de Prerrogativas da OAB Santo Amaro (2019-2021). Instagram: @claudianeves.adv

Informações sobre o texto

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