Sumário: 1 Introdução; 2.Reflexos jurídicos e afetivos, resultantes da dissolução da família multiespecie; 3. Da falta de regulamentação jurídica para a proteção da família multiespécie, á luz do direito comparado; 4. O Afeto como principio fundamental da família multiespécie; 5.Da coisificação do animal a sujeito de direito; 6. Considerações finais; 7. Referências
RESUMO
O presente trabalho analisa o animal de estimação como sujeito de direito ou mero semovente, relacionando-o com institutos jurídicos estrangeiros, demonstrando que em outras legislações já existe regulamentação própria para tratar da relação de afeto existente entre as famílias e os animais, ainda assim, a legislação pátria não dispõe de dispositivo legal para tal fim, o que dificulta na hora que há a separação da família multiespécie. Outro ponto que será analisado é o impacto afetivo causado pela perda do animal de estimação, de modo a demonstrar que a parte que fica sem a presença do animal, sofre com a sua ausência, pela quebra da convivência. Além disso, será falado do afeto, apontado pela doutrina e pelos magistrados, como princípio fundamentador da família multiespécie, um conceito que vem crescendo, e encontra fundamento no Direito de Família, mesmo sem está expresso na legislação, com o poder de gerar mudança na forma de pensar a família brasileira.
Palavras-chave: Afetividade. Animal doméstico. Família multiespécie. Sujeito de direito.
1 INTRODUÇÃO
Frente a outros países o Brasil pode ser considerado uma nação nova, seja do ponto de visto histórico, ou quanto ao seu atual Estado Democrático de Direito, adquirido recentemente, a partir da Constituição de 1988. Portanto não é de se estranhar que nossa legislação sofra influência das já solidificadas nações a serem mencionadas neste presente trabalho, pois ainda que o tema diga respeito à contemporaneidade global percebe-se que outros países já conseguiram inserir em sua legislação a constituição das famílias multiespecie, proporcionando aos juízes uma maior segurança na hora de decidir sobre assuntos relacionados ao tema em apreço.
2. REFLEXOS JURÍDICOS E AFETIVOS, RESULTANTES DA DISSOLUÇÃO DA FAMÍLIA MULTIESPECIE.
A saber, o Código Civil em seu artigo 1.571 descreve quanto à sociedade conjugal e quando esta termina: I - pela morte de um dos cônjuges; II - pela nulidade ou anulação do casamento; III - pela separação judicial; IV - pelo divórcio. Com isso, aplicando ao fim da família multiespecie, o animal passa a ficar com apenas um dos cônjuges e a falta de vinculo com o animal de estimação por parte do outro pode vim a ser causa determinante para responsabilização, direitos e garantias uma vez que são considerados como parte pertencente daquela sociedade dissolvida. Compreende-se como vinculo a seguinte definição:
“Um conceito de vínculo é que são “elos” – emocional e relacional – que unem dois ou mais indivíduos, ou duas ou mais partes dentro de uma pessoa”. Os animais de companhia têm forte vínculo emocional recíproco com seus donos, para se constituir essa relação, se constrói uma ligação de segurança para ambos os envolvidos, enquanto o cachorro pode suprir uma necessidade emocional de seus proprietários, estes realizam a função de proteção ao animal, pode-se concluir assim que quanto maior o afeto pelo animal, maior tende a ser o vínculo entre ele e o dono. (CARRÃO, 2017)
A relação do homem com outros animais pode ser vista desde os primórdios da vida primitiva, no processo de domesticação. O registro histórico mais antigo até hoje encontrado sobre essa relação é a descoberta de um túmulo em Israel, datado de 12 mil anos atrás, onde se encontrou o corpo de uma mulher idosa com sua mão segurando um filhote de cachorro (DAVIS; VALLA apud LANTZMAN, 2004).
O Estudo de Direito Comparado presente aqui vem mostrar as diferenças e semelhanças dos direitos dos animais e como eles não são vistos como um mero objeto, e nem classificados como meras coisas, como bens móveis e imóveis em alguns países. As legislações e a bibliografia referente ao tema, nos países escolhidos, onde se encontram mais avançadas. São eles, a Áustria, Alemanha e Suíça.
A Áustria foi o primeiro país a aprovar a Lei Federal sobre o estatuto jurídico do animal, em 1988, o § 285 do Código Civil Austríaco, acolheu legalmente um conceito amplo de coisa, que abrange tanto coisas corpóreas como incorpóreas. O § 285a afirma que os animais não são coisas e estão protegidos por leis especiais, porém as normas relativas às coisas podem ser aplicadas a eles, na medida do necessário. Com essa reforma, houve alterações no conceito de coisas e no regime de obrigação de indenização, sendo assim, o § 1332a do ABCG dita que no caso do animal ser ferido são reembolsáveis as despesas efetivas com o seu tratamento, mesmo que estas excedam o valor do animal.
A Alemanha também introduziu em seu Código Civil o § 90a, que afirma que os animais não são coisas e que estão protegidos por leis especiais e que se impõem as disposições sobre as coisas de forma análoga sempre que não estiver especificado de outro modo. O ordenamento alemão ainda dispõe no § 903 que o dono de animais, no exercício de seu poder, deve obedecer, às normas estabelecidas para a proteção de seus bichinhos. No que tange a matéria de indenização, foi acordado um regime parecido com o austríaco e mais favorável ao animal, já que é obrigatório indenizar as despesas veterinárias mesmo que estas excedam notavelmente o valor do animal. Falando agora no ramo de Processo Civil alemão, o §765a determina que no caso de medida judicial que afete um animal, o tribunal de execução tem que respeitar a responsabilidade do homem pelo animal, e os animais domésticos e que não tenham fins lucrativos são impenhoráveis. Suíça Assim como a Áustria e a Alemanha, a Suíça seguiu o mesmo caminho e alterou o seu Código Civil em 2003, colocando em seu artigo 641a que os animais não são coisas, mas que por analogia, há disposições aplicáveis às coisas que podem ser igualmente aplicada aos animais. O Código de Obrigações Suíço diz que o dono ou seus familiares têm direito a uma indenização pelo valor de afeição no caso de ferimento ou morte do animal de companhia. (CARRÃO, 2017).
Com isso, demonstra que os animais valem muito mais, tanto pelo sentimento quanto pelo valor e dever de cuidado, com a dissolução da família multiespecie, aquele que ficou sem o animal, tem o direito de se confortar com o fato que o animal será bem cuidado, que terá um tratamento digno e livre de maus tratos.
A dissolução de qualquer família seja ela de que natureza for, produz os mais diferentes transtornos que se possa imaginar, pois é possível que ao invés da briga ser para ficar com o animal, pode ser que aconteça diferente e ninguém queira assumir a responsabilidade quanto ao cuidado com o mesmo, isto traria danos irreparáveis a este animal, pois a tendência seria o seu abandono, tal prática constitui-se em um crime ambiental, conforme a Lei 9.605/1998, conhecida como Lei dos Crimes Ambientais.( SEGUIN, ARAÚJO, CORDEIRO NETO, 2016)
De grande importância a Lei 9.605/1998, conhecida erroneamente como a Lei dos Crimes Ambientais (LCA), posto tratar também de aspectos administrativos, que no art. 32, penaliza o abuso, os maus-tratos, o ferimento ou a mutilação de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos, com detenção, de três meses a um ano e multa, que será aumentada de um sexto a um terço, se ocorrer a morte do animal. Equipara a este tipo quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos. Este dispositivo deixou a comunidade cientifica em polvorosa, posto ser comum a testagem de remédios em animais antes do uso em humanos. A bem da verdade, havia um excesso e era comum, em aula de biologia, no segundo grau, ocorrer a dissecação de animais como parte do processo didático.
Com base na citação acima, sabe-se que algumas famílias cometem crimes contra os animais de estimação como forma de vingar-se do conjugue, como tem se evidenciado em vários casos no direito de família.
3. DA FALTA DE REGULAMENTAÇÃO JURÍDICA PARA A PROTEÇÃO DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE, Á LUZ DO DIREITO COMPARADO.
A falta de regulamentação do tipo família multiespecie, decorre justamente ao fato de que este é um tema por demais novo, pois as modalidades de família conhecidas até pouco tempo eram três conforme a doutrina apresentada abaixo, não havendo menção por nenhum dos doutrinadores ao conceito de família multiespecie, ou seja, os pet’s não eram tidos como membros da família. Ocorre, entretanto que estes conceitos são frutos da própria mutabilidade social, podendo sofrer modificações conforme o contexto social. Este foi o entendimento do STF, ao julgar a constitucionalidade do casamento entre pessoas do mesmo sexo, afirmando que casamento não significa união de sexos, mas de vontades e afetos, ou seja, união de pessoas e não de sexo. (STF, 2011).
É provável que devido a todas estas mudanças sociais, o conceito de família seja reformulado e venha ser diferente dos apresentados pelos doutrinadores abaixo.
De acordo com Caio Mário (2007; p. 19), família em sentido genérico e biológico é o conjunto de pessoas que descendem de tronco ancestral comum; em senso estrito, a família se restringe ao grupo formado pelos pais e filhos; e em sentido universal é considerada a célula social por excelência.
No que concerne à família, Silvio Rodrigues (2004; p. 4) num conceito mais amplo, diz ser a formação por todas aquelas pessoas ligadas por vínculo de sangue, ou seja, todas aquelas pessoas provindas de um tronco ancestral comum, o que inclui, dentro da órbita da família, todos os parentes consanguíneos.
Num sentido mais estrito, constitui a família o conjunto de pessoas compreendido pelos pais e sua prole. Já Maria Helena Diniz (2007; p. 9) discorre sobre família no sentido amplo como todos os indivíduos que estiverem ligados pelo vínculo da consanguinidade ou da afinidade, chegando a incluir estranhos. No sentido restrito é o conjunto de pessoas unidas pelos laços do matrimônio e da filiação, ou seja, unicamente os cônjuges e a prole.
Cezar Fiúza (2008; p. 939), considera família de modo lato sensu, como sendo “uma reunião de pessoas descendentes de um tronco ancestral comum, incluídas aí também as pessoas ligadas pelo casamento ou pela união estável, juntamente com seus parentes sucessíveis, ainda que não descendentes”, como também define em modo stricto sensu dizendo que: “família é uma reunião de pai, mãe e filhos, ou apenas um dos pais com seus filhos”.
Segundo Paulo Nader (2006; p.3), Família consiste em "uma instituição social, composta por mais de uma pessoa física, que se irmanam no propósito de desenvolver, entre si, a solidariedade nos planos assistencial e da convivência ou simplesmente descendem uma da outra ou de um tronco comum".
Sintetizando a conceituação desse instituto, Silvio Venosa (2005, p.18), assevera que a Família em um conceito amplo, "é o conjunto de pessoas unidas por vínculo jurídico de natureza familiar", em conceito restrito, "compreende somente o núcleo formado por pais e filhos que vivem sob o pátrio poder".
Washington de Barros Monteiro (2004; p.3) ainda menciona que, enquanto a família num sentido restrito, abrange tão somente o casal e a prole, num sentido mais largo, cinge a todas as pessoas ligadas pelo vínculo da consanguinidade, cujo alcance é mais dilatado, ou mais circunscrito.
Finalizando Carlos Roberto Gonçalves (2007; p. 1) traz família de uma forma abrangente como “todas as pessoas ligadas por vínculo de sangue e que procedem, portanto, de um tronco ancestral comum, bem como unidas pela afinidade e pela adoção”. E também de uma forma mais específica como, “parentes consanguíneos em linha reta e aos colaterais até o quarto grau”.
As oito definições doutrinarias acima podem se resumir em três tipos de família que são Família constituída por vínculos de consanguinidade, família lato sensu cujos membros ligam-se em linha reta ou colateral e ainda os afins, que dizem respeito aos familiares dos conjugues e também a família em sentido restrito que diz respeito àquela que é constituída apenas pelos conjugue e os filhos.
Saindo do campo teórico, não podemos negar que os tempos hodiernos são outros em todos os sentidos, sendo claras as mudanças pelas quais tem passado a sociedade, inclusive na composição do próprio núcleo familiar que hoje já não compreende apenas a união de seres humanos, em síntese ligados pela corrente sanguínea, ou mesmo vinculados pela afetividade, passando a família a ser constituída por seres que em tese são irracionais e por isso não podem pleitear perante a justiça seus direitos. Entretanto tais animais podem ser comparados juridicamente falando, aos inimputáveis, ou mesmo aqueles que necessitam de tutor para representa-lo. Desta feita o conflito de vontades frutos da liberdade de cada ente familiar tem batido as portas do judiciário, e que devido sua própria natureza, não tem conseguido acompanhar estas mudanças ficando muitas vezes de mãos atadas, por falta de uma legislação especifica. Assim sendo é mister que se produza uma legislação capaz de solucionar ou mesmo amenizar, o sofrimento dos entes envolvidos na relação conflituosa, enfrentando assim a problemática de ser ou não o animal de estimação sujeito de direito; e, se é que se defina quais direitos. Se sendo, pode-se cobrar do estado, politicas públicas capazes de atender esta nova modalidade familiar? Tendo em vista que em decorrência de seu surgimento o estado tem arrecadado elevados impostos, pois o IBGE aponta o Brasil como o segundo país com o maior mercado de pet shop. (SEBRAE, 2017).
Chalfun e Oliven (2017) apontam que essa tendência em reconhecer os animais como seres vivos dotados de sentimentos, já é fato notório no ordenamento jurídico de Portugal, França, Nova Zelândia, bem como em outas legislações internacionais. No Brasil cresce também a expectativa para mudança da natureza jurídica desses animais. (CHALFUN, OLIVEN, 2017). É o que prevê o Projeto de Lei 351/15 de autoria do Senador Antonio Anastásia, o qual estabelece dentre outros objetivos, que os animais não serão mais vistos como coisas, mas sim como bens, adquirindo um novo status jurídico, pois diferentemente das coisas os bens possuem valores imateriais, como o direito a vida e a liberdade, não podendo desta feita serem abandonados por seus donos. Por outro lado esta mudança ainda que pequena possibilitaria, que os tribunais ao julgarem os casos de separação e divórcio, tivessem uma legislação especifica que orientasse quanto a guarda dos pet’s. como já ocorre na Áustria, entretanto bem verdade é, que lá ouve uma ampliação do conceito de coisas, como já mencionado anteriormente. Fato é que a existência das famílias multiespecie é uma realidade, e compete aos juízes à discricionariedade de apresentar a melhor solução possível, para as partes envolvidas sem deixar de levar em conta o bem estar do animal, o qual ao decidir sobre isso poderá solicitar uma analise pericial, afim de melhor fundamentar sua decisão, e consequentemente proporcionar um bem estar mais adequado, ao pet. Esta tem sido a tendência mundial em todos os sentidos conforme se percebe a partir da analise abaixo. ( SEGUIN, ARAÚJO, CORDEIRO NETO, 2016)
A tendência, portanto, é conferir cada vez mais direitos a outros seres vivos, como os animais, dada a interdependência e inter-relação existente entre a vida humana e o meio ambiente como um todo, ou seja, visão biocêntrica, onde a vida encontra-se no centro das preocupações.
Há que se ressaltar que, já em 1978, a Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura, UNESCO proclamou a Declaração Universal do Direito dos Animais, que se inicia com a consideração de que "todo o animal possui direitos" reforçada em seus arts. 1.º, 2.º, o direito à vida e ao respeito. O art. 5.º estabelece que os animais que vivem "tradicionalmente no meio ambiente do homem tem o direito de viver e de crescer ao ritmo e nas condições de vida e de liberdade que são próprias da sua espécie".
Merece destaque ainda o Tratado de Amsterdam, de 1997, que modificou o Tratado da União Europeia, os Tratados Constitutivos das Comunidades Europeias e determinados Atos Conexos, contém, entre esses documentos, o protocolo sobre a proteção e o bem estar dos animais, para garantir uma maior proteção e respeito aos animais como seres sensíveis.
Sobre o tema, vários são os dilemas surgidos na hora da dissolução da família multiespecie, pois como ainda não há uma legislação especifica, os juízes principalmente os de primeira instância, tem ficado com a árdua tarefa de encontrar uma solução para os conflitos, isto tem feito que muitos, mantenha o tradicionalismo doutrinário de considerar os animais de estimação como propriedade privada, e como tal sua existência visa o benefício humano, todavia já se percebe uma clara mudança de pensamento quanto a isso, pois diferentemente deste tradicionalismo, muitas decisões tem sido no sentido do bem estar ou mesmo interesse do próprio animal. Feito isso muitos magistrados, tem então decidido a guarda compartilhada dos pet’s, fazendo um comparativo com o direito de família, desta feita observa-se ainda a possibilidade de que esta guarda compartilhada a exemplo do direito de família gere obrigações de pagar pensão alimentícia para o animal. (GORDILHO, COUTILHO, 2017)
4. O AFETO COMO PRINCÍPIO FUNDAMENTADOR DA FAMÍLIA MULTIESPÉCIE
É no lar, no espaço familiar que as pessoas entram em contato com sentimentos tão nobres, como o amor, o afeto e a amizade, é nesse espaço de aconchego e carinho entre seus membros que o animal de estimação está inserido, principalmente o cão, por ser o animal mais aceito pelas famílias. Esse afeto criado entre o homem e os animais, também gera consequências jurídicas, quando ocorre a separação conjugal, por não poder ser tratado mais como coisa. (CARDIN, VIEIRA, 2017).
Nesse sentido, bem aplicadas são as palavras de Tartuce (2017), ao dizer:
Não resta a menor dúvida de que a afetividade constitui um princípio jurídico aplicado ao âmbito familiar [...], apesar da falta de sua previsão expressa na legislação, percebe-se que a sensibilidade dos juristas é capaz de demonstrar que a afetividade é um princípio do nosso sistema.
Dessa forma, temos que a afetividade, além de laço, é também considerado princípio norteador no direito de família, mesmo sem previsão legal, pois os juristas são capazes de demonstrar isso nas suas decisões.
E continua o referido autor, “não restam dúvidas que a afetividade constitui um código forte no Direito Contemporâneo, gerando alterações profundas na forma de se pensar a família brasileira”. (TARTUCE, 2017).
Com esse mesmo pensamento, sábias são as palavras de Marina Carrão (2017), ao dizer que: “O afeto é um dos mais importantes princípios que fundamenta as relações familiares, [...], ele decorre da valoração da Dignidade Humana”. O afeto mais uma vez é considerado como princípio basilar nas relações familiares.
A partir dessa visão, a família passa ser um grupo que se une por laços afetivos,
a afetividade passa a ser um dever que recai a todos, independentemente da origem dentro do grupo familiar, todos têm o mesmo valor, além disso, ela ainda serve como indicador para solução de conflitos. (MARINA CARRÃO, 2017).
5. DA COISIFICAÇÃO DO ANIMAL A SUJEITO DE DIREITO.
No Brasil, os animais estão incluídos na categoria de bens semoventes, bens móveis, conforme disciplina o Código Civil de 2002. Apesar disso, a Constituição Federal proíbe toda e qualquer forma de submeter os animais à crueldade. (DINIZ, 2012).
Silvio Salvo Venosa ressalta que a sociedade é composta por pessoas, dessa forma, os animais e seres inanimados não são outra coisa senão objetos de direito, e nunca sujeito de direito, seja na coletividade, ou individual. Além disso, o que se leva em consideração é apenas a sua finalidade social, o seu valor econômico. (VENOSA, 2004).
Nesse mesmo sentido, Coutinho e Gordilho, citando Pontes de Miranda, aludem que:
Ser considerado pessoa para o mundo jurídico não é um atributo natural do ser humano ou de outros entes, isto é antes de tudo uma imputação jurídica, de modo que ter personalidade é se encaixar em suportes fáticos que possibilitam um ente ser titular de direitos, pretensões, deveres e obrigações.
Contudo, no mundo jurídico para ser considerado pessoa é necessário reunir certos atributos que o possibilitem a ter personalidade jurídica e a partir daí ser titular de direitos.
Por outro lado, os autores que defendem os animais se posicionam no sentido de que a “dignidade deve ser estendida para além do ser humano, para outros seres animados que agregam valores em sua existência”. (COUTINHO, GORDILHO, 2017).
Com o intuito de proteger os animais, várias correntes surgiram ao longo da história, Coutinho e Gordilho ressaltam que o pioneirismo desse movimento ocorreu na Grã-Bretanha no século XVIII, essa corrente se empenha “em assegurar aos animais um tratamento humanitário, evitando-se assim qualquer forma de sofrimento desnecessário”. Dessa forma, os animais teriam “um valor moral menor que o dos seres humanos, podendo serem usados para atenderem aos interesses das pessoas”, só precisa evitar o sofrimento desnecessário. Já a teoria da libertação animal “considera que os animais devem ter o mesmo status moral das crianças e das pessoas com deficiência mental”, pois várias pesquisas apontam que animais como “macacos, baleias, golfinhos, cachorros, gatos, focas e ursos possuem a mesma racionalidade e autoconfiança semelhante aos de uma criança de dois anos de idade”. (COUTINHO, GORDILHO, 2017).
Nesse contexto, Fiúza citado por Domith, posiciona-se no sentido de que:
Coisa, para o direito, é todo bem econômico, dotado de existência autônoma, e capaz de ser subordinado ao domínio das pessoas. Quando adquirimos uma coisa qualquer, passamos a ser sujeitos de direito subjetivo sobre ela, qual seja, o direito de dono. Objeto deste direito será a própria coisa adquirida.
Portanto, a coisa só tem valor econômico e subordina-se ao dono, que tem direito subjetivo sobre ela, a partir do momento da aquisição, exercendo sobre ela plenos poderes.
Seguindo esse mesmo raciocínio, Monteiro (2003), citado por Domith, esclarece que nessas relações jurídicas, “pessoa é o ente físico ou moral suscetível de direitos e obrigações’, chegando-se à conclusão que pessoa é sujeito de direitos ou sujeito das relações jurídicas, em que esse sujeito é um ser individual, ou reunidos em grupo com uma finalidade comum”. (DOMITH, 2017).
Vale ressaltar que, para o Direito brasileiro, segundo Domith, alguns “organismos abstratos, mesmo não sendo pessoa”, juridicamente recebem os mesmos tratamentos a ela dispensados nas relações jurídicas, sendo incluídas na “categoria de sujeitos de direitos sem personalidade ou sujeitos despersonificados, como é o caso do nascituro, da herança jacente e da massa falida”. Chegando-se à conclusão de que “toda pessoa é sujeito de direitos, mas nem todo sujeito de direitos é pessoa”. (DOMITH, 2017).
Por fim, para o Direito Civil, os animais não são considerados sujeito de direitos.
6. CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente artigo abordou de forma concisa o a análise e interpretação da família multiespécie no Brasil junto ao direito comparado de outros Países. Embora não fosse possível comentar todos os pontos que demanda o tema (o que demandaria um trabalho acadêmico mais profundo e longo), expuseram-se os principais pontos, o impacto afetivo causado pela perda do animal de estimação, da falta de regulamentação jurídica para a proteção da família multiespécie e o afeto como princípio fundamentador da família multiespécie além de se ressaltar um breve contexto histórico da definição global deste modelo de família, buscando-se interpretar esse fenômeno.
Como foi dito, a família multiespécie é um fenômeno que está em bastante presente em nossa sociedade, modelo este constituído tanto no âmbito nacional com internacional, em ambos os casos conseguimos uma grande distinção de conceitos e referencias tendo, portanto, no cenário brasileiro que os animais que compõem esse modelo de família não são considerados sujeitos de direitos, o que nos leva a creditar ser imprescindível refletir sobre a “fabricação jurídica de pessoas e coisas” (BEVILAQUA, 2011) se fazem necessárias intervenções específicas na legislação capazes de combater tais atos que possa justificar o consentimento e vontade dos membros dessa família.
O Código Civil de 2002, portanto, ainda não é capaz de mostrar eficácia prática, mas teoricamente trouxe pontos relacionados à herança, bens, partilha como a definição complementar da família, as condutas a ele relacionadas de direitos afins. Por outro lado destacou, de forma analítica, as medidas processuais, a possibilidade de um semovente ser constituído de proteção e garantia, enquanto que no Brasil exista uma lacunas e obscuridades ainda está presentes no nosso ordenamento jurídico pátrio brasileiro.
REFERÊNCIAS
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