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A (in)feliz prática da venda casada - A ilegalidade da contratação obrigatória de serviços para a concretização de negócio bancário

Agenda 14/09/2020 às 13:32

Diariamente os consumidores são obrigados a contratar seguros, capitalização, previdências e afins para a concessão de operações de créditos. O que você, consumidor(a), pode fazer nesses casos?

Sabe-se que, infelizmente, uma das práticas abusivas mais cometidas contra o consumidor é a venda casada de seguros, capitalizações, previdências e afins. A citada conduta consiste na contratação obrigatória de tais contratos para concessão de operações de crédito. 

Ocorre que, segundo o Art. 39, do Código de Defesa do Consumidor, que trata sobre a venda casada, in verbis:

Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços, dentre outras práticas abusivas: 
I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos (…) 

Em que pese, como se nota, ser uma prática proibida pelo Código de Defesa do Consumidor, muitas instituições bancárias e seguradoras continuam praticando essa ilegalidade de forma bastante corriqueira.

Basicamente, a venda casada ocorre quando um cliente deseja contratar um determinado produto financeiro e, nesse momento, utilizando da situação de necessidade do consumidor de ter o crédito aprovado/concretizado, a instituição financeira – muitas vezes através de uma pequena cláusula no contrato preenchida por meros (R$ X) – embute contratos que nunca foram de interesse do consumidor, sem sequer respeitar os direitos de informação e transparência.

E mais, mesmo que se tenha ciência, deve ser dito claramente ao consumidor que o contrato bancário não depende da contratação de outro serviço e, ainda, deve ser oportunizada ao consumidor a possibilidade de escolher em qual seguradora contratar, sob pena de provocar a incidência do instituto da venda casada, de acordo com entendimento pacificado pelo Superior Tribunal de Justiça.

Neste sentido, diante da sistemática do Código de Processo Civil, caso seja verificada a imposição pelo agente financeiro da contratação de seguro prestamista, o mesmo deve ser considerado como venda casada, sendo determinada a devolução de valores ao consumidor, conforme Tema 54 do STJ (Súmula nº 473 do STJ): 

“Súmula 473/STJ - 19/06/2012. Sistema Financeiro da Habitação - SFH. Consumidor. Recurso especial repetitivo. Recurso especial representativo da controvérsia. Seguro habitacional. Contratação obrigatória com o agente financeiro ou por seguradora por ele indicada. Venda casada configurada. CPC/1973, art. 543-C. Lei 4.380/64, art. 14. CDC, art. 39, I. "O mutuário do SFH não pode ser compelido a contratar o seguro habitacional obrigatório com a instituição financeira mutuante ou com a seguradora por ela indicada.”. (g.n.)

Todavia, na prática, o que se vê o total descumprimento das regras e, pior, a contratação é feita ainda com empresas do mesmo grupo econômico, deixando ainda mais "na cara" a venda casada!

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Tal conduta não só é vedada, como em diversos julgados se reconhece, inclusive, a existência de danos morais. Vejam-se algumas decisões:

"SAQUE DE BENEFÍCIO PREVIDENCIÁRIO CONDICIONADO À CONTRATAÇÃO DE TÍTULO DE CAPITALIZAÇÃO. VENDA CASADA CARACTERIZADA. CONDUTA ABUSIVA. VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA TRANSPARÊNCIA. DANOS MORAIS CONFIGURADOS. DEVER DE INDENIZAR. SENTENÇA REFORMADA EM PARTE. RECURSO DA AUTORA CONHECIDO E PARCIALMENTE PROVIDO". 
(Número do Processo: 80010970620168050168, Relator (a): PAULO CESAR BANDEIRA DE MELO JORGE, 6ª Turma Recursal, Publicado em: 27/03/2019 )
“VENDA CASADA. CONTRATO DE EMPRÉSTIMO CONDICIONADO A REALIZAÇÃO DE CONTRATO SEGURO. SERVIÇO NÃO SOLICITADO PELA PARTE ACIONANTE. INJUSTA IMPOSIÇÃO À PARTE CONSUMIDORA HIPOSSUFICIENTE. CARACTERIZADA MÁ-FÉ DO BANCO APELANTE. DEVOLUÇÃO EM DOBRO DO VALOR DEVIDO. DANOS MATERIAIS E MORAIS CONFIGURADOS. O VALOR DO DANO MORAL DEVE ATENDER AOS SENTIDOS PEDAGÓGICO E PUNITIVO. HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS, FIXADOS NO ÍNDICE MÍNIMO. APELAÇÃO PROVIDA PARCIALMENTE, SENTENÇA REFORMADA, EM PARTE". 
(Classe: Apelação, Número do Processo: 0151049-95.2008.8.05.0001, Relator (a): João Augusto Alves de Oliveira Pinto, Quarta Câmara Cível, Publicado em: 15/04/2019 )”

Sendo assim, é preciso que você, consumidor(a), fique bastante atento(a) ao contratar com instituições financeiras, seja para adquirir cartões de crédito ou para solicitar empréstimos/financiamentos. 

E, caso tal ilegalidade venha a ocorrer com você, caro leitor, saiba que poderá buscar orientações legais com um advogado de confiança e recorrer ao Poder Judiciário para buscar a tutela dos seus direitos.

Sobre o autor
Iran D'El-Rei

Advogado associado da D’el-Rey Advocacia, um escritório de advocacia situado na cidade de Salvador, que se destaca pelo perfil dinâmico e inovador na prestação de serviços jurídicos, focado, sobretudo, na excelência do atendimento. Veja nosso site e conheça nossas áreas de atuação: https://delreyadvocacia.com/areas-de-atuacao

Informações sobre o texto

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