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Aborto humanitário e colisão dos direitos fundamentais: análise de caso envolvendo estupro de menor.

Aspectos do princípio da proporcionalidade sob a ótica do Poder Legislativo

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Este artigo aborda o aspecto da colisão dos direitos fundamentais, com ênfase no caso envolvendo o aborto, cuja gravidez foi decorrente de estupro de menor pelo suposto tio. Uma análise do princípio da proporcionalidade e a ótica do Legislador Penal.

1. Direitos Fundamentais/Individuais e suas colisões

1.1 Conceito de Direitos Fundamentais

Segundo Alexandre de Moraes, jurista, magistrado e atual ministro do Supremo Tribunal Federal, direitos e garantias fundamentais podem ser entendidos como:

“O conjunto institucionalizado de direitos e garantias do ser humano que tem por finalidade básica o respeito a sua dignidade, por meio de sua proteção contra o arbítrio do poder estatal e o estabelecimento de condições mínimas de vida e desenvolvimento da personalidade humana”.1

Os direitos e garantias fundamentais são direitos previstos na Constituição Federal e inerentes à pessoa humana. Fazem parte das cláusulas pétreas e são positivados para assegurar a dignidade da pessoa humana, sem descortinar o contexto do Estado Democrático de Direito.

Foram consolidados e formalizados ao longo do tempo e fazem parte de uma evolução histórica (historicidade). Costumam estar sempre atrelados à evolução dos Direitos Humanos, uma vez que tratam de um mesmo conteúdo apenas com uma diferença topográfica em relação à ordem nacional e internacional.

1.2 Abrangência dos Direitos Fundamentais

O art. 5º da Constituição Federal trata dos direitos e deveres individuais e coletivos, espécie do gênero direitos e garantias fundamentais que podem ser encontrados no Título II.

Os direitos e garantias fundamentais estabelecidos na Constituição, estão dispostos, de modo geral, nos seguintes capítulos:

  1. Direitos e deveres individuais e coletivos: art. 5º, CF;

  2. Direitos sociais: art. 6º ao art. 11, CF;

  3. Direitos da nacionalidade: art. 12 e art. 13, CF;

  4. Direitos políticos e Partidos Políticos: art. 14 ao art. 17, CF.

Em breve diferenciação entre os direitos e as garantias fundamentais temos que as garantias fundamentais consistem em instrumentos assecuratórios dos direitos, ou seja, medidas que visam a proteção desses direitos. Nesse entendimento, segundo Pedro Lenza (2006, p. 527)

“os direitos são bens e vantagens prescritos na norma constitucional, enquanto as garantias são os instrumentos através dos quais se assegura o exercício de tais direitos”.

1.3 Direitos Individuais

Os direitos individuais (artigo 5º, CF) representam uma abstenção do Estado, de maneira que ele não possa atingir a esfera do indivíduo. Nesse sentido, entende-se que os direitos individuais são limitações impostas pela soberania popular aos poderes constituídos, para resguardar direitos indispensáveis à dignidade da pessoa humana.

Estão fundamentados na Constituição Federal de 1988, no Art. 5º, possuindo aplicação direta e imediata. Nesse sentido:

Art. 5º CF: Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes.

Conforme redação acima, o artigo 5º da Constituição Federal visa resguardar expressamente os direitos à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade. Nesse sentido, o direito à vida constitui essencial e instrumental em relação aos demais direitos, pois sem vida não se falaria na tutela dos demais direitos. O direito à vida não se limita apenas ao direito de existir, mas de existir de uma maneira digna, abrangendo, por exemplo, a integridade física e moral, sendo proibido qualquer tipo de pena cruel e também qualquer tipo de tortura ou tratamento desumano ou degradante.

Importante frisar que a proibição da tortura, como corolário do direito à vida, tem sua previsão expressa até mesmo por conta dos antecedentes históricos nacionais de cunho autoritário e ofensivo à pessoa humana, qual seja, a prática de regimes ditatoriais.

Assim, vale citar o que dispõe o inciso III do artigo 5º da CF:

III - ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante;

No que toca ao direito à liberdade, aquele umbilicalmente ligado à essência do ser humano, eis que o homem por si mesmo é livre, a liberdade nasce juntamente com ele. A constituição Federal é pródiga em direitos relativos à liberdade.

Nesse sentido, podemos mencionar o direito à liberdade de expressão (“é livre a expressão da atividade intelectual, artística, científica e de comunicação, independentemente de censura ou licença”), a liberdade de locomoção (“é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens”), a liberdade religiosa (“é inviolável a liberdade de consciência e de crença, sendo assegurado o livre exercício dos cultos religiosos e garantida, na forma da lei, a proteção aos locais de culto e a suas liturgias”), a liberdade de reunião e associação, entre outros.

Em relação à igualdade ou isonomia, trata-se de um dos alicerces basilares do Estado de Direito e da construção de uma justiça individual e social. A partir da isonomia estruturam-se não apenas normas que visam a sua garantia, mas também a sua efetivação diante das desigualdades contextuais. Este direito impede qualquer tipo de distinção ou discriminação, que considerem a nacionalidade, cor, raça, crença, convicção política, filosófica ou qualquer outra, dando azo ao que preconiza o artigo 3º, IV, CF:

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Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária; II - garantir o desenvolvimento nacional; III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais; IV - promover o bem de todos, sem preconceitos de origem, raça, sexo, cor, idade e quaisquer outras formas de discriminação.

E em complemento, o artigo 5º, I:

I - homens e mulheres são iguais em direitos e obrigações, nos termos desta Constituição;

No que toca à segurança, cuja expressão representa um conteúdo mais abrangente do que aquele adotado popularmente, abrange contornos diversos conforme a área do direito e significa um conjunto de ações estatais destinadas a preservar a ordem e a tranquilidade das pessoas mediante o aspecto preventivo e mediante o aspecto repressivo de condutas ilícitas.

Também diz respeito à proteção dos indivíduos em face ao poder punitivo do Estado. É do referido preceito constitucional que se extrai o princípio do devido processo legal, uma garantia constitucional ampla, que confere a todo indivíduo, o direito fundamental a um processo justo, devido. Nesse sentido dispõe os incisos XXXIX e XLII do artigo 5º da CF:

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal;

LIII – ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente;

LIV – ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal.

Por derradeiro, mas não menos importante, encontra-se o direito à propriedade, que também é garantido a todos os indivíduos, não de forma absoluta, mas sim relativa, eis que a propriedade deverá atender a sua função social e sofre algumas mitigações constitucionalmente justificáveis, tais como a desapropriação e a requisição administrativa.

Nesse sentido dispõe os incisos XXII e XXIII do artigo 5º da CF:

XXII - é garantido o direito de propriedade;

XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.

1.4 Colisões dos Direitos Fundamentais

A colisão dos direitos fundamentais ganha cada vez mais relevância, sobretudo no contexto de intolerância social e de proteção e defesa da dignidade da pessoa humana. Os direitos fundamentais muitas vezes podem colidir entre si, trazendo à lume um importante debate doutrinário acerca do sopesamento desses direitos e da sua força no ordenamento jurídico.

Considerando-se a supremacia do interesse púbico sobre o privado, a colisão entre os direitos fundamentais individuais e os interesses do Estado na sua finalidade primária (interesse público) a eventual colisão entre os interesses, embora possível, se faz mais rara, diante dos interesses envolvidos. Todavia, entre os particulares em geral na qualidade de titulares de direitos, a colisão muitas vezes é inevitável e se faz presente no dia-a-dia.

Segundo Virgílio Afonso da Silva, o que gera a colisão é uma disparidade na solução entre normas de direitos fundamentais. A existência e a frequência de colisões dependem diretamente da forma de se definir o suporte fático dos direitos fundamentais e da relação existente entre direitos e restrições, quanto mais ampla for a definição do âmbito de proteção e do suporte fático dos direitos fundamentais, maior será a probabilidade de que o exercício desses direitos suscite uma situação de tensão e de colisão. 2

A colisão dos direitos fundamentais nas relações privadas pode ocorrer de diversas maneiras. Paulo Lôbo elencou três problemas que são considerados como mais relevantes: 3

Identifica-se a existência de uma espécie de hierarquia axiológica, quando se leva em conta o caso concreto. O conteúdo de cada princípio emerge caso a caso, daí a importância do intérprete em aplicar a justiça ao caso concreto, não havendo prevalência de qualquer princípio sobre outro, prima facie.

Neste entendimento, a colisão nos leva a ponderação do caso concreto, sendo possível a flexibilização dos princípios, que são capazes de se adaptar ao direito de acordo com a evolução dos valores da sociedade. Trata-se, portanto, de uma análise identificada em determinado espaço e tempo.

De acordo com o momento histórico, os princípios vão se adaptando e passam por um processo constante de transformação, não sendo comprometida a estabilidade jurídica, uma vez que todo esse processo evita que as regras jurídicas se tornem ultrapassadas e passem a atender aos novos valores sociais, dando vida a norma jurídico constitucional, em clara reprodução daquilo que Hesse preconizava como “força normativa da Constituição”.


2 Princípio da Proporcionalidade

2.1 Conceito e aplicação

O Princípio da proporcionalidade adveio com a nova ordem constitucional em 1988, quando a Constituição Federal buscou o enfoque no ser humano, estabelecendo um Estado de Direito e utilizando os direitos fundamentais como ponto de partida para a criação, interpretação e aplicação do direito.

A utilização deste princípio é de extrema necessidade e importância, eis que constituem fonte de solução para as colisões entre os princípios fundamentais diante de um caso concreto. Nesse sentido, trata-se de um importante instrumento para a manutenção da unidade axiológica da Constituição e para que o fundamento de validade da mesma seja mantido, através da sua capacidade de sopesar princípios e valores, com o objetivo de encontrar uma solução para cada caso concreto.

Robert Alexy classificou as normas como gênero dos quais os princípios e as regras são as espécies. As regras estão relacionadas ao problema da validade, à medida que os princípios, além da validade, estão ligados à questão da importância ou valor.4

Os princípios têm como conteúdo valores, devendo ser aplicados de acordo com o caso concreto. Segundo Robert Alexy, os princípios são "mandamentos de otimização", ou seja, normas que ordenam que algo seja realizado na maior medida possível, dentro das possibilidades jurídicas e reais existentes. 5

Portanto, conforme dito anteriormente, ao utilizar o princípio da proporcionalidade, o intérprete terá uma eficiente ferramenta jurídica para enfrentar colisões e certos impasses. Na definição de Glauco Barreira Magalhães Filho,

É o princípio dos princípios, pois somente através dele os outros encontram a sua condição de aplicabilidade e eficácia, na medida em que constitui a unidade e a coerência da constituição mediante a exigência de ponderação axiológica em cada caso concreto. 6

Suzana de Toledo Barros explica que,

O princípio da proporcionalidade é composto por três subprincípios, os quais, em conjunto dão-lhe a densidade indispensável para alcançar a funcionalidade pretendida pelos operadores do direito. São eles: o princípio da adequação, o princípio da exigibilidade ou necessidade e o princípio da proporcionalidade propriamente dito.7

O sopesamento ou ponderação é a principal forma de solucionar colisões, os defensores do sopesamento afirmam que ele amplia as possibilidades racionais da argumentação jurídica, não sendo possível imaginar qualquer forma de interpretação e aplicação que exclua a subjetividade do intérprete e do aplicador.

Virgílio Afonso da Silva afirma que o sopesamento, enquanto procedimento de interpretação e aplicação do direito, é baseado em precedências condicionadas: dizer que um determinado direito fundamental prevalece sobre outro em um determinado caso concreto é algo que exige fundamentação detalhada.8

2.2 Análise dos postulados: adequação, necessidade e proporcionalidade em sentido estrito

A proporcionalidade permite verificar se o meio utilizado para alcançar determinado fim é adequado e satisfatório ou se é excessivo com relação ao que se almeja. O princípio permite mais facilidade e clareza na análise do caso concreto e na aplicação do direito em si ao mesmo. E confere ao Poder Judiciário mais liberdade em suas decisões, sem a rigidez e permitindo atualização da norma para o caso concreto conferindo a máxima efetividade na norma constitucional e se aproximando da justiça para o caso concreto.

É inegável que certo subjetivismo não esteja ligado ao princípio da proporcionalidade, uma vez que permite ao judiciário diferentes formas de interpretação, argumentação, fundamentação e aplicação do direito na ponderação de princípios, visando a proteção dos direitos fundamentais com a máxima otimização dos valores e dos ideais de justiça.

A fim de tornar este princípio o mais objetivo possível, foram criados três parâmetros de análise ou subprincípios: a adequação, a necessidade e a proporcionalidade em sentido estrito.

Adequação significa dizer que um princípio deve ser aplicado a uma determinada situação quando o mesmo for adequado para ela. A adequação não se atém à esfera abstrata da norma, leva em conta a realidade dos fatos, dessa maneira otimiza a consolidação dos valores e ideais permitindo certa flexibilidade na aplicação da norma ao caso concreto. Assim o ordenamento torna-se mais maleável ao momento histórico e leva em conta a evolução dos valores da sociedade.

Humberto Ávila distingue três critérios de avaliação da adequação, o quantitativo (intensidade), qualitativo (qualidade) e probabilístico (certeza). Ou seja, um meio pode promover mais, igual ou menos um fim que outro meio; melhor, pior ou igual que outro meio; e com menos, igual ou mais certeza que outro meio. 9

Avaliar e definir um meio através desses três critérios de avaliação não é trabalho fácil, porém traz ao legislador a possibilidade de diversas combinações, fazendo-lhe chegar a uma decisão adequada ao caso concreto.

Nesse sentido, Humberto Ávila também afirmou que nem sempre o meio que é o mais intenso, melhor e seguro na adequação será o que melhor preencherá os demais quesitos necessários da proporcionalidade, na adequação deverão ser examinados ainda a abstração/concretude, generalidade/particularidade e antecedência/posteridade de cada caso. 10

Abstração e concretude ligam se a ideia de verificar se de fato o meio coopera com a realização do fim. No que tange a generalidade e à particularidade, verifica-se o meio escolhido para promover o fim é adequado para a maioria dos casos, ainda que em um grupo específico de indivíduos o resultado não seja alcançado. Sobre a antecedência e posteridade, leva-se em conta o momento de adoção de determinado meio, não importando se em momentos posteriores esse meio seja considerado ineficaz.

Sendo assim, caberá ao Judiciário a análise das circunstâncias existentes no momento da escolha do meio adequado e a verificação da capacidade de promoção do fim pela medida adotada. Obviamente o Judiciário deverá atuar dentro dos limites do princípio da separação e autonomia dos Poderes, que impõe um mínimo de liberdade de decisão e escolha para cada poder.

Na ótica do subprincípio da necessidade, o Judiciário verifica a existência ou não de algum outro meio que atinja o mesmo fim, porém de maneira menos restritiva e danosa quando levados em conta os direitos fundamentais.

Adota-se a medida menos lesiva ao interesse do indivíduo para que se chegue a um determinado fim. Significa que o Judiciário poderá, portanto, descartar um meio que se mostre desnecessário em razão da existência de outro meio mais adequado e menos restritivo de direitos, não esquecendo de também considerar o fator temporal, ou seja, se uma medida de mesma natureza e extensão pode ser eficaz restringindo certo direito por menos tempo, esta deverá ser a escolhida.

Por fim a proporcionalidade em sentido estrito faz a ponderação dos interesses, ou seja, segundo afirma Barroso, a ideia de proporcionalidade em sentido estrito, consistente na ponderação entre o ônus imposto e o benefício trazido, para constatar se a medida é legítima. Nesse sentido verifica-se quando as vantagens promovidas superam as desvantagens que provoca. 11

A ideia de ponderação de interesses traz ao Judiciário a possibilidade de solucionar os conflitos existentes entre as normas e princípios, verificando os meios adequados para caso concreto e assim constituindo-se em um eficiente mecanismo de legitimação das decisões judiciais.

A avaliação das vantagens e desvantagens dependerão de uma análise de finalidades a ser realizada pelo intérprete, que poderá, com base no contexto histórico, econômico, cultural, social verificar se o dano causado pela restrição é compensado pela vantagem da finalidade do que se deseja alcançar.

Na mesma linha Barroso (2010, p. 235) explica que o subprincípio:

“cuida de uma verificação da relação custo-benefício da medida, isto é, da ponderação entre os danos causados e os resultados a serem obtidos”.

Sobre os autores
César Augusto Artusi Babler

Advogado, professor de cursos para OAB e Concursos Públicos e Coordenador da pós graduação em Direito Público na E.S.D. (Escola Superior de Direito).

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Trabalho realizado como incentivo aos alunos da Faculdade de Direito Unitá em Campinas, no sentido de iniciarem seus estudos e publicações de artigos. Desenvolvimento do projeto pelo professor César Babler, de Direito Constituciional.

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