Examinemos o crime de usurpação de bem da União (crime alto potencial ofensivo de competência da Justiça Federal) em concurso formal com a lavra garimpeira (crime de menor potencial ofensivo de competência do juizado especial criminal). Ambos são crimes formais que se consumam com o simples fato de nãose possuir a documentação autorizativa dos órgãos competentes para realização da conduta descrita no tipo penal respectivo. Portanto, não há que se falar em resultado naturalístico, dano ambiental ou indício do material usurpado. Ambos são mero exaurimento.
Trataremos em poucas palavras sobre Concurso Formal entre Crime de Menor Potencial Ofensivo (pena máxima até 2 anos) e Crime de Médio e Alto Potencial ofensivo (pena máxima até 4 anos e pena máxima acima de 4 anos) e seu tratamento no Inquérito Policial.
Os tribunais superiores STJ e STF são pacíficos em tratar como concurso formal a prática de lavra garimpeira e usurpação de bem da União.
O legislador pátrio ao criar o Justiça Criminal Especial e por consequência os institutos que a fundamentam e a fizeram diferente da Justiça Comum não previu o tratamento do concurso de crimes, deixando a tarefa para a prática forense e definição da jurisprudência dos tribunais superiores.
O tema é embaraçoso, não tão fácil quanto parece, sobretudo na prática policial brasileira onde possuímos duas polícias judiciárias com atribuições constitucionalmente definidas e que se vinculam diretamente às competências das respectivas Justiças, comum e federal.
Enfim, o tema é interessante, sobretudo pela consequência prática que a depender da atuação técnica e dogmática do delegado de polícia no tratamento dos crimes que se diferenciam quanto a ofensividade ao bem jurídico se menor, médio ou alto potencial ofensivo e como decidir sobre o indiciamento.
Entendemos que o crime de menor potencial ofensivo não permite o indiciamento, pois não está previsto na Lei o processamento por Inquérito Policial-IPL, mas sim através do famigerado Termo Circunstanciado de Ocorrência-TCO, já escrevemos sobre o assunto, inclusive. Também, vale aqui ressaltar, não coaduno do entendimento de se instaurar Inquérito Policial (Auto de Prisão em Flagrante ou Portaria) no caso de o conduzido por crime de menor potencial ofensivo não assinar o termo de comparecimento, friso, novamente, que não foi previsto a transformação de crime de menor potencial ofensivo para crime comum nesse caso.
É sabido e, portanto, de amplo conhecimento prático e jurisprudencial que o crime de competência da Justiça Criminal Especial é atraído para a competência da Justiça Federal quando praticado em concurso formal ou material com crime da competência desta última.
A saída dogmática e por sua vez prática é o tratamento do concurso formal do crime de menor potencial ofensivo e crime comum no Inquérito Policial, possibilitando assim o indiciamento em ambos os crimes? Nesse caso, a atuação policial seria realizada da forma mais gravosa ao investigado?
Tomemos como exemplo o crime de lavra garimpeira do Artigo 55 da Lei 9.605/98 e o Crime de Usurpação de bem da União do Artigo 2 da Lei 8176/91. Para o STJ a conduta que infringe esses dois tipos legais deve ser tratada pela regra da exasperação do concurso formal já que os bens jurídicos protegidos são distintos, no primeiro o meio ambiente e no último o patrimônio da União Federal.
Da classificação imposta pelo STJ percebemos que a consumação de ambos os crimes é alcançada na conduta desprovida de documento autorizativo, sendo o dano ambiental e o bem usurpado mero exaurimento, indiferente na esfera penal, mas não podemos dizer o mesmo na seara cível e administrativa.
Na esfera federal é praxe o concurso de lavra garimpeira em área de APP com a Usurpação de bem da União. Mormente nos são apresentados fatos pretéritos cuja atuação da fiscalização dos órgãos administrativos não ocorreu a contento. No entanto tal situação pode ser resolvida facilmente, pois o legislador penal não exigiu maiores detalhes para comprovação da materialidade, apenas a indicação de que a lavra garimpeira e a usurpação foram realizadas sem a documentação dos órgãos competentes.
Isso nos faz crer que a comprovação da materialidade delitiva nos crimes citados se perfaz com a ausência da documentação autorizativa para a lavra garimpeira e a exploração, extração ou posse de bem ou energia da União, sendo desnecessário na esfera penal o laudo pericial do local do fato e do dano ambiental já que esse resultado não foi exigido pelo legislador penal.
Ultrapassada essa questão temos a difícil missão de resolver sobre o indiciamento no concurso formal do crime de lavra garimpeira e usurpação de bem da União. Penso que neste caso, especialmente, a definição de concurso formal exige o indiciamento em ambos os crimes uma vez que a regra é a exasperação, em que a pena maior é aumentada, valendo nesse caso o tipo penal da usurpação como orientação ao indiciamento.
Agora outra questão é se temos pessoa jurídica envolvida na lavra garimpeira. O PL 3911/2019 regulamenta o indiciamento da pessoa jurídica uma vez que não temos um instituto específico para a matéria.