Desde que entrou em vigor, há quinze anos, a Lei 11.101/2005 (LFR), não houve alterações significativas no texto legal. De outro lado, os avanços tecnológicos foram inúmeros, alguns introduzidos no ordenamento jurídico pela da Lei 11.419 de 2006, que passou a admitir a tramitação eletrônica de processos, o uso de assinaturas digitais, o envio e transmissão de dados digitais, a criação de diários da justiça eletrônicos, dentre diversas outras determinações desta natureza.
O uso da tecnologia para prática de atos processuais está regulamentado no Brasil no Código de Processo Civil que prevê a realização de audiências por videoconferência e, nisto, leia-se, além das oitivas e depoimentos de partes e testemunhas, a realização de sustentação oral em tribunal de justiça sediado em domicílio diferente do advogado da parte.
Nos Estado Unidos da América, país no qual a lei de insolvência empresarial brasileira se inspira, há a possibilidade de o advogado representar a parte em audiência por chamada telefônica.
Com a abrupta mudança de hábitos imposta pela pandemia de Covid-19, muitas adaptações foram necessárias, como a implementação do trabalho na modalidade home office, a intensificação de vendas on-line e, nos processos de recuperação judicial, a possibilidade de instauração da assembleia em formato on-line, a fim de garantir a efetividade do processo, após a análise de conveniência pelo juiz responsável.
Uma das decisões precursoras quanto à designação da assembleia de credores virtual foi proferida nos autos da recuperação judicial da Construtora Odebrecht, em trâmite perante a 1ª Vara de Falências e Recuperações Judiciais de São Paulo/SP, no qual o juízo advertiu a necessidade do auxiliar “engendrar todos os esforços para manutenção da transparência do ato e da higidez da manifestação de vontade dos credores”[1], o que, em sede de agravo de instrumento foi ratificada pelo desembargador relator.
E, seguindo a recomendação do CNJ, passaram a se instaurar em todo o país, as assembleias virtuais, ficando sob a responsabilidade de cada administrador judicial sua organização e cuidados com segurança e acessibilidade, pois não há uma regulamentação específica sobre o assunto, sendo adotado as boas práticas de vários órgãos sem fins lucrativos e estudiosos da matéria.
De certa forma, o que se busca efetivamente na instauração do ato assemblear é conferir efetividade ao debate, para implementação de plano de recuperação que se amolde aos interesses do maior número de credores, revelando a importância da maximização da participação.
O magistrado, auxiliado pelo administrador judicial, certamente deve considerar a especificidade de cada caso, especialmente quanto ao grau de dificuldade dos credores ao acesso a informatização, como por, exemplo, nos processos de grandes grupos sucroalcooleiros nos quais grande parte dos credores das classes I (trabalhista) e IV (micro e pequenas empresas) são trabalhadores rurais sem familiaridade com o meio eletrônico, razão pela qual, a assembleia virtual neste caso, poderia ter um quórum baixíssimo e não atingir seu maior objetivo.
Muitas assembleias presenciais, a depender da natureza do crédito, do valor e sua representação no montante total, coligado com a distância a ser percorrida, são fatores desmotivadores para participação do credor, razão pela qual, a assembleia virtual, poderia ser mais efetiva em relação a tempo e custo, facilitando nesse caso a participação dos credores nessa condição.
Como contraponto à assembleia on-line é a ausência do elemento “olho no olho”, sendo inegável que a assembleia presencial é mais propícia ao acaloramento das discussões e que, nesse contexto, novos rumos podem ser tomados na decisão assemblear, inclusive com a sensibilização de credores indecisos.
Inclusive, o Projeto de Lei que tramitou na Câmara dos Deputados, sob número 6.229 de 2005, e atualmente tramita nas pautas do Senado Federal, sob número 4.458 de 2020, para alteração da LFR, se aprovado, trará inovações quanto assembleias de credores, permitindo que se houver uma declaração de manifestação de vontade do credor, quanto ao seu voto, suprirá sua presença na assembleia, e, tendo número suficiente para aprovar, seria esta dispensada, tendo sua aprovação tácita. Aliás, também regulamentará a assembleia virtual, facilitando alguns procedimentos, tais como em relação aos editais, bastando que ocorra no diário oficial e no site do administrador judicial.
Outro ponto, é na hipótese de reprovação do plano pelos credores em assembleia, estes poderão no prazo de 30 dias, apresentar nova proposta para deliberação em assembleia, visando dar uma nova oportunidade e evitar a decretação da falência.
Fato é que, o procedimento de assembleia on-line já se comprovou efetivo, tendo permitido o andamento dos trâmites de diversas recuperações judiciais durante o período de distanciamento social imposto pelas normas sanitárias.
O questionamento que se faz agora, com as regras de isolamento sendo amenizadas e muitas atividades voltando a ser permitidas, principalmente em regiões do país que os casos de coronavírus estão em decréscimo, sobre as designações das novas assembleias, estas voltarão a ser presenciais ou seguirão no modelo virtual?
Sem dúvida, todo movimento de evolução encontra resistência, afinal a inércia geralmente é mais confortável que a mudança. Como já se tem visto, nestes quase 6 (seis) meses de pandemia que as opiniões se dividem, havendo casos em que os agentes do processo se opõem ao meio virtual para realização da assembleia.
Em geral, a jurisprudência tem se mostrado arredia ao interesse em manter o ato presencial, uma vez que não há perspectiva de solução do surto de coronavírus que assola o Brasil e o mundo.
O que não se sabe ao certo é, se após o retorno da possibilidade de convivência social, a realização da assembleia on-line será aceita e, ainda, eleita como principal forma de realização do ato.
Neste ponto, há uma expectativa que se aproveite a experiência desse período pandêmico, implementando as boas práticas do procedimento virtual, agregando às técnicas do procedimento presencial.
Outra incerteza para o futuro está na possibilidade da vontade dos agentes do processo e, nisso, leia-se, credores, devedores e administradores judiciais serem superadas pela decisão judicial que impuser a designação do conclave virtual, o que nos parece que sim, mantendo a autoridade judicial na condução do processo.
O contrário também pode ocorrer, na hipótese de o magistrado impor a designação exclusivamente presencial da assembleia, retroagindo ao avanço advindo do período de crise na saúde mundial, o que não se espera.
O futuro, portanto, aponta para designação, como regra, da assembleia em ambiente híbrida, ou seja, instaurar-se-á pelo modo presencial e, de forma simultânea, permitir que aos credores sediados em comarcas distantes que participem de modo virtual, assim possibilitando maior número de credores presentes, como forma de dar efetividade ao procedimento recuperacional de empresas.
[1] Decisão proferida nos autos processo número 1057756-77.2019.8.26.0100 pelo juiz João de Oliveira Rodrigues Filho.