Modulação temporal dos efeitos do julgamento da ADIN 4425 e o fim dos regimes especiais
Na mencionada ADIN 4425, como já foi comentado, os seus causídicos pugnaram ab initio pela declaração de inconstitucionalidade formal da EC 62/09, por vício em sua elaboração e, caso a tese por eles defendida não fosse aceita pela Corte Excelsa da Justiça, o que efetivamente ocorreu, pleitearam de logo o reconhecimento da inconstitucionalidade de vários dos seus artigos, parágrafos, incisos, alíneas, expressões e vocábulos.
Alguns dos pleitos o STF não acatou, outros o fez parcialmente e outros integralmente.
Foi requerida pelos patronos da ADIN a declaração de inconstitucionalidade, em sua plenitude, do artigo 97 incluído no ADCT pelo constituinte derivado. Esse pedido foi aceito integralmente pela Corte Suprema do País.
Ora, se contra a Constituição foi considerado em toda a sua integralidade o artigo 97 do ADCT, através do qual foi instituído o regime especial para pagamento dos precatórios e os demais dispositivos que ditam as normas para a sua aplicação, como não poderia ser diferente, tiveram o mesmo destino os dispositivos normativos que dispunham sobre os acordos com os credores por integrarem o acima mencionado artigo 97. Foram todos também declarados inconstitucionais.
Os doutrinadores, os operadores e estudiosos do direito por muito tempo defenderam a tese de que uma norma declarada inconstitucional deveria ser considerada nula desde a sua gênese, e, como tal, não produziria quaisquer efeitos no mundo jurídico.
Nessa circunstância, a partir do trânsito em julgado do acórdão prolatado na ADIN que reconhecesse a afronta à Constituição Federal, seria a norma excluída do ordenamento jurídico do País desde a data da sua aprovação, aplicando àquela decisão os efeitos – ex tunc, ou seja, considerando nulos todos os atos praticados sob a sua égide.
A vida não é estática, é dinâmica, também são dinâmicas as interações humanas, as relações jurídicas, assim como o é Direito. Nesse caminho, os constitucionalistas modernos passaram a defender a modulação dos efeitos das decisões de inconstitucionalidade, admitindo que normas reconhecidamente inconstitucionais, mediante certas condições, pudessem produzir efeitos como se constitucionais fossem, durante determinado lapso temporal.
O espaço de tempo entre a vigência da EC 62/09 - dezembro de 2009 e o julgamento da ADIN 4425 - maio de 2013, que declarou a inconstitucionalidade parcial da multicitada EC 62/09, bem como com a rejeição integral ao artigo 97 do ADCT, levou o STF, fincado no artigo 27 da Lei nº 9868/99, a decidir pela modulação dos efeitos da decisão por ele prolatada, isso em respeito aos princípios da previsibilidade e estabilidade entre as interações humanas e às lícitas relações jurídicas ocorridas naquele interregno de quase quatro anos: dezembro/09 a março/2013.
O STF adota a modulação dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade em situações extraordinárias. Nesses termos, após uma cuidadosa análise de interesses e em prestígio à efetividade dos princípios basilares do sistema democrático de direito , da segurança jurídica, do direito adquirido, da coisa julgada, das relações entre os indivíduos, o STF afasta temporariamente a nulidade, permitindo que a norma inconstitucional produza efeitos jurídicos durante um certo tempo, previamente determinado nos termos e situações ditados por aquela Corte de Justiça.
Assim, como consequência do julgamento da questão de ordem que decidiu pela modulação dos efeitos do julgamento da ADIN, a Corte Suprema reabilitou o caput do artigo 97 que havia criado o regime especial e alguns dos seus parágrafos, dilatando a sua vigência por mais 5 (cinco) exercícios financeiros, tendo como data inicial 1º de janeiro de 2016.
Além disso, o STF resolveu confirmar os pagamentos dos precatórios efetivados por qualquer das formas alternativas previstas na Constituição Federal.
Nesse diapasão foram convalidados os pagamentos dos precatórios através de leilões, em ordem única e crescente do seu valor e também por compensação, desde que realizados até 25/03/2015, quando ocorreu a decisão sobre modulação sugerida pelo STF em questão de ordem.
A partir daquela data todas aquelas formas alternativas para liquidação de precatórios perderam a vigência e eficácia em consequência da inconstitucionalidade reconhecida pelo STF na ADIN 4425 e por não terem sido eles modulados.
De forma diversa, o inciso III do dispositivo legal acima aludido, que trata dos acordos diretos com os credores, este foi reabilitado pela instituto da modulação, mantendo íntegros os termos ditados pelo artigo 97, § 8, inciso III do ADCT, para a sua criação e aplicação.
Não necessita de muito raciocínio e nem de um QI muito elevado para se concluir que os acordos diretos foram incluídos na nossa legislação para permitir que os entes públicos, considerando a lentidão da justiça, não esperassem anos afio para liquidarem os seus débitos, situações que lhes causavam transtornos por desafiarem a Lei da Responsabilidade Fiscal, mas também restrições ante às instituições creditícias.
A adesão a essa modalidade de extinguir esses débitos, quer seja administrativamente, quer seja judicialmente, depende de lei de iniciativa do Poder Executivo, que estabelecerá as normas disciplinando a sua aplicação.
Não se pode esquecer que os atos administrativos, mesmos aqueles discricionários, devem ser pautados em lei, mormente os que envolvem dinheiro público, isso em respeito aos princípios descritos no artigo 37 da nossa Lei Maior, os quais lhes servem de norte: legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, eficiência, além do respeito à ética.
Entretanto, em sendo os acordos celebrados na esfera judicial, só devem ser envolvidos aqueles em que não haja ainda prolação de sentença transitada em julgado, situação que só admite a liquidação através de precatórios com todo rigor à ordem cronológica da apresentação ao ente devedor, como impõe o artigo 100 da Constituição Federal.
Caso contrário, rasguemos a Lei Maior do país!
Conclusão
A Inconstitucionalidade de uma norma jurídica é vício de origem, ou seja, de formação, adquirindo essa condição desde a sua publicação, sendo meramente declaratório o ato que assim a reconhece.
Os dispositivos normativos da EC 62/09 que interessam a esse título, a exemplo do artigo 97 do ADCT, que criou o vigente regime especial para pagamento de precatórios, bem como o seu § 8º, inciso III, que dispõem sobre os acordos diretos com os credores, foram declarados inconstitucionais pelo julgamento da ADIN 4425.
Reabilitados pelo ato modulador, aos quais também concedeu uma sobrevida de 5 (cinco) exercícios financeiros a contar de 1º de janeiro de janeiro de 2016, desaparecerão no dia 31 de dezembro deste ano de 2020 e pelo instituto da repristinação dará lugar à aplicação integral e imediata do artigo 100 da Constituição Federal.
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O artigo 1º da Lei Federal nº 14.057/2020, sem dúvida é inconstitucional, bem como também o é o § 20 do art.100 da Constituição Federal que lhe serviu de fonte de validade, os quais determinam que pagamentos de precatórios de valores vultosos sejam feitos através de parcelamentos e/ou por acordos diretos com os credores, desconsiderando a ordem cronológica da apresentação dos títulos precatoriais ao ente político devedor.