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A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século:

anotações e reflexões para futuras reformas

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Agenda 06/10/2020 às 13:40

3. A REFORMA TRIBUTÁRIA DE 1988 E OS AJUSTES POSTERIORES

O sistema tributário estatuído pela Constituição de 1988, ao contrário do que foi trazido pela reforma da década de 60 e elaborado por uma equipe técnica em gabinetes, foi fruto de um processo participativo em que os principais atores eram políticos. Esse sistema, dentre outras inovações, trouxe: a ampliação do grau de autonomia fiscal dos Estados e Municípios; a atribuição de competência a cada um dos Estados para fixar, autonomamente, as alíquotas do seu principal imposto, o ICMS (imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre a prestação de serviços de transporte interestadual e intermunicipal e de comunicação), sucessor do ICM; extinguiu a faculdade atribuída pela Constituição anterior à União de conceder isenções de impostos estaduais e municipais e, por último, vedou a imposição de condições ou restrições à entrega e ao emprego de recursos distribuídos àquelas unidades.

Os fundos de participação dos Estados e Municípios na arrecadação das receitas foram mantidos e os percentuais do produto da arrecadação de IR e IPI destinados a eles foram, outra vez, progressivamente ampliados chegando, a partir de 1993, a 21,5 e 22,5%, respectivamente. O montante transferido pelos Estados para os Municípios também cresceu consideravelmente, tanto pelo alargamento da base do principal imposto estadual como pelo aumento do percentual de sua arrecadação destinado àquelas unidades, que passou de 20 para 25%. Houve também uma partilha do IPI cabendo aos Estados 10% da arrecadação do imposto, repartido em proporção à exportação de produtos manufaturados. Desse montante, 25% são entregues pelos Estados a seus respectivos Municípios. O Fundo Especial foi extinto, mas o seu montante (3% da arrecadação do IR e do IPI, ao invés dos 2% que o compunham) é destinado a programas de financiamento ao setor produtivo das regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste, através das instituições financeiras federais de caráter regional.

A partir de 1989, ano em que além da natural dificuldade de transição para um novo sistema tributário, a arrecadação foi prejudicada pela vigorosa aceleração da inflação, a carga tributária tem superado os níveis alcançados nas décadas anteriores. Não restam dúvidas de que a Constituição de 1988 reduziu os recursos disponíveis para a União, via aumento das transferências tributárias e limitação de suas bases impositivas, mas, ficou claro, também, que as dificuldades financeiras da União, decorrentes da perda de recursos, já vinha ocorrendo desde 1984 e outros fatores que explicam tais dificuldades são a estagnação econômica, que já se arrastava por 14 anos quase ininterruptos, a aceleração da inflação, e o estado deplorável a que se deixou chegar a administração fazendária.

No período pós-Constituição, o governo federal, para enfrentar o seu desequilíbrio fiscal e financeiro crônico, adotou sucessivas medidas para compensar suas perdas com a criação de novos tributos e elevação das alíquotas dos já existentes, em particular, daqueles não sujeitos à partilha com Estados e Municípios. Alguns exemplos são a criação da contribuição incidente sobre o lucro líquido das empresas (1989), o aumento da alíquota da COFINS de 0,5% para 2%, e, também, das do imposto sobre operações financeiras (1990), e a criação do Imposto Provisório sobre Movimentações Financeiras (IPMF), mais um tributo cumulativo (1993). A arrecadação dos impostos e contribuições federais sujeitos à repartição com os governos subnacionais, que representava 51% do total da receita tributária em 1988, caiu para 42% em 1991 não computadas as contribuições ao FGTS e ao PIS/PASEP.

O Plano Real, posto em prática em julho de 1994, conseguiu conter a inflação em níveis baixos para padrões brasileiros e, consequentemente, na área fiscal a inflação baixa e o crescimento ascendente contribuíram para elevar a receita. A carga tributária de 1994, 28,5% do PIB, só é inferior à registrada em 1990. Do outro lado da conta fiscal, a execução financeira do Tesouro Nacional em 1995, até outubro, mostrava um crescimento real da receita da ordem de 11% e da despesa fiscal na casa dos 14% e a situação financeira dos estados ficou ainda mais preocupante. Em vários deles, a receita tributária já era insuficiente para fazer face à folha de salários. A estimativa das necessidades de financiamento do setor público para o período janeiro a setembro apresentava déficit operacional de 4,4% do PIB.


4.  ANOTAÇÕES E REFLEXÕES PARA FUTURAS REFORMAS

4.1. A Evolução e as Reformas

O processo de evolução do sistema tributário ao longo de um século contém um grande número de ensinamentos a serem utilizados em futuras reformas. Sabe-se que, pela própria dinâmica dos fatos e para aprimoramento do sistema, os erros e acertos do passado podem e devem ser considerados no presente. Nas sessões anteriores, com pequenas referências a algumas Leis ou Emendas Constitucionais, foram tratadas as grandes linhas do sistema tributário brasileiro, posto que, além dos textos constitucionais existem outros instrumentos normativos que compõem a legislação tributária, entretanto, não são objeto desse estudo.

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O sistema tributário que se tem hoje se adequa às linhas gerais das teorias tradicionalmente encontradas na literatura econômica. No Império e nos primeiros anos da República, os impostos sobre comércio exterior predominavam em relação aos impostos sobre imóveis e ao conjunto de outros tributos incidentes sobre bens, rendimentos e serviços. No final do século passado foi criado um imposto de consumo que, modificando-se ao longo do tempo, transformou-se no IPI. O ICMS tem origem no imposto sobre vendas mercantis criado em 1922 e, somente em 1924, os impostos sobre rendimentos que foram sendo criados ao longo do tempo foram agrupados, formando o Imposto de Renda, que foi semi cedular durante 40 anos, até tomar forma semelhante à que tem hoje.

A predominância dos impostos sobre o comércio exterior em relação aos impostos internos como fonte de receita perdurou até o início da década de 40. A partir daí foram necessários mais 25 anos até que se tratasse o sistema tributário como instrumento econômico. Um dos maiores problemas que se tem no Brasil de 1988 para os dias atuais é obter uma compatibilização adequada e razoável entre a Evolução do Sistema Tributário e o Federalismo Fiscal. O federalismo fiscal exige um grau razoável de autonomia financeira e política aos diferentes níveis de governo o que só pode ocorrer atrvés de instrumentos fiscais adequados em cada uma das esferas nacionais.

A experiência brasileira tem sido especialmente marcada pela dificuldade em se atingir uma compatibilização destes dois objetivos: autonomia financeira e política fiscal, registrando ciclos de menor ou maior centralização de poder tributário, que, por sua vez, acompanham, estreitamente, a evolução histórica de regimes políticos mais democráticos ou de poder mais centralizado. Pensar uma reforma tributária para o Brasil requer a observância de limites claros para a redução ou expansão da carga tributária. Todos os setores sociais precisam ser observados de forma que, se a manutenção do governo passa pela arrecadação das receitas tributárias, passa, também, pela possibilidade e disposição da sociedade em pagar os tributos.


CONSIDERAÇÕES FINAIS

O Estado precisa de receitas para custeio e funcionamento da máquina e uma das mais fortes fontes de receitas ainda é a tributária. De longa data vem-se tentando chegar a um ponto de equilíbrio entre o poder de tributar e a capacidade da sociedade suportar o pagamento de tais tributos. Entretanto, a compreensão popular para o pagamento de tributo é condizente com a contrapartida oferecida pelo Estado aos contribuintes em serviços públicos, tais como educação, saúde e segurança. Fora disso, a carga tributária constitui uma odiosa forma de usurpação de renda dos cidadãos.  

Desde a Antiguidade, procurava-se encontrar fontes de recursos para custear os gastos dos Estados e, por vezes, tais recursos eram obtidos através de hostilidades e guerras, em que se exigiam reparações patrimoniais dos perdedores em consequência das despesas havidas com os combates. Mais recentemente, as cobranças mantiveram-se atreladas essencialmente ao poder tirano dos governantes, exigidas sobre uma parcela da produção de seus súditos.

Atualmente, é por meio de tributos que os Estados modernos exigem do seu povo os recursos necessários para fazer face aos gastos com serviços públicos e melhorias sociais. Também é comum se associar a ideia de tributação à de Justiça social. Desde o pensamento de São Tomás de Aquino, em que tudo que existe, existe em razão de um fim, é necessário que seja adequado o recurso obtido ao fim a que se destina e, em seus ensinamentos, o fim da lei é o bem comum.

No Brasil, pós Constituição de 1988, os tributos têm apresentado diversas facetas, dentre as quais a principal é servir como fonte de receita para o poder público. Entrementes, aparece como forma de regulação da atividade econômica e, até mesmo, para dar suporte à função social da propriedade.

Até aqui, as reclamações ganham eco, pois, em 2017 a carga tributária bruta nacional alcançou 32,43% em relação ao PIB (soma de todas as riquezas produzidas no Brasil), de acordo com o Relatório da Receita Federal do mês de novembro do corrente ano, e é considerada alta com relação a outros países de igual ou superior grau de desenvolvimento. Em outro cenário, o imposto sobre grandes fortunas instituído há 30 anos, até hoje, não saiu do papel, transformando-se em causa de discórdia sempre que se pensa em promover uma nova reforma tributária que atenda as necessidades da máquina estatal. 


REFERÊNCIAS

A Paradiplomacia financeira no Brasil da República Velha, 1890–1930 – Revista Brasileira de Política Internacional - Rev. bras. polít. int. vol.55 no.1 Brasília 2012 http://dx.doi.org/10.1590/S0034-73292012000100007 - Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-73292012000100007 Acesso em 07/12/2018

As distorções de uma carga tributária regressiva. Disponível em: http://www.ipea.gov.br/desafios/index.php?option=com_content&id=3233. Acesso em 06/11/2018.

Carga tributária no Brasil 2017: Análise por Tributos e Bases de incidências. Ministério da Fazenda. Receita Federal – CETAD: Centro de Estudos Tributários e Aduaneiros. Disponível em: http://idg.receita.fazenda.gov.br/dados/receitadata/estudos-e-tributarios-e-aduaneiros/estudos-e-estatisticas/carga-tributaria-no-brasil/carga-tributaria-2017. Acesso em 14/12/2018.

Implicações econômicas da reforma tributária: análise com um modelo CGE  Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0034-71402010000300006. Acesso em 06/11/2018

MACHADO, Carlos Henrique, BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. A Reforma Tributária como Instrumento de Efetivação da Justiça Distributiva: uma abordagem histórica. Disponível em: www.scielo.br/scielo.php?pid=S2177-70552017000300221&script=sci...tlng... Acesso em 14/12/2018

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STF ainda julga Ações do FINSOCIAL. Disponível em: https://www.sindifisconacional.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2538:Finsocial%20&catid=45&Itemid=73 Acesso em 06/11/2018

VARSANO, Ricardo. A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século: anotações e reflexões para futuras reformas. Texto para discussão nº 405. IPEA. Rio de Janeiro, 1996.

Sobre as autoras
Eva Gomes

Advogada. Professora. Mestra em Direito Constitucional. Pós-graduada em Direito Público. Presidente da Comissão da Mulher Advogada em Caruaru-PE.

Ana Neide

Bacharela em Ciências Econômicas e em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco, Pós-Graduada em Direito Público pela Faculdade Maurício de Nassau e em Direito Privado pela Faculdade Boa Viagem – FBV/DeVry, Analista Judiciário no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco, Mestra em Historicidade dos Direitos Fundamentais na Faculdade Damas da Instrução Cristã.

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

GOMES, Eva; NEIDE, Ana Neide. A evolução do sistema tributário brasileiro ao longo do século:: anotações e reflexões para futuras reformas. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 25, n. 6306, 6 out. 2020. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/85813. Acesso em: 22 dez. 2024.

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