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A POSSIBILIDADE DE BUSCA E APRENSÃO EM IMÓVEL DESABITADO QUANDO HÁ CRIME PERMANENTE

Agenda 13/10/2020 às 12:09

O ARTIGO DISCUTE SOBRE A POSSIBILIDADE DE PRÁTICA DE BUSCA E APREENSÃO EM IMÓVEL DESABITADO QUANDO HÁ CRIME PERMANENTE.

A POSSIBILIDADE DE BUSCA E APRENSÃO EM IMÓVEL DESABITADO QUANDO HÁ CRIME PERMANENTE

Rogério Tadeu Romano

 

Tem-se o artigo 240 do CPP:

Art. 240. A busca será domiciliar ou pessoal. § 1o Proceder-se-á à busca domiciliar, quando fundadas razões a autorizarem, para: a) prender criminosos; b) apreender coisas achadas ou obtidas por meios criminosos; c) apreender instrumentos de falsificação ou de contrafação e objetos falsificados ou contrafeitos; d) apreender armas e munições, instrumentos utilizados na prática de crime ou destinados a fim delituoso; e) descobrir objetos necessários à prova de infração ou à defesa do réu; f) apreender cartas, abertas ou não, destinadas ao acusado ou em seu poder, quando haja suspeita de que o conhecimento do seu conteúdo possa ser útil à elucidação do fato; g) apreender pessoas vítimas de crimes; h) colher qualquer elemento de convicção. § 2o Proceder-se-á à busca pessoal quando houver fundada suspeita de que alguém oculte consigo arma proibida ou objetos mencionados nas letras b a f e letra h do parágrafo anterior.

Discute-se aqui a questão da falta de mandado para que a polícia adentre em imóvel.

A Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu não haver nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação e sobre o qual ainda há fundada suspeita de servir para a prática de crime permanente.

A decisão foi tomada pelo colegiado no julgamento de habeas corpus impetrado contra acórdão do Tribunal de Justiça de Santa Catarina (TJSC) que, ao analisar recurso de réu condenado por tráfico de drogas e porte ilegal de munições, entendeu pela inexistência de vício processual e pela presença de justa causa para a diligência policial realizada no imóvel desabitado.

No habeas corpus, a Defensoria Pública sustentou que o local seria o domicílio do acusado e que teria sido ilegal a entrada dos policiais sem prévia autorização judicial, o que implicaria a nulidade das provas colhidas no flagrante. Com isso, pediu a suspensão dos efeitos da condenação.

A matéria foi objeto de discussão no HC 588445.

O relator, ministro Reynaldo Soares da Fonseca, lembrou que o Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado da polícia, sem mandado judicial, será legítimo quando as circunstâncias do caso concreto indicarem estar ocorrendo situação de flagrante delito no interior da residência (RE 603.616).

"Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. Somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio", acrescentou.

Segundo o ministro, a proteção constitucional da casa, independentemente de seu formato e localização, de se tratar de bem móvel ou imóvel, pressupõe que o indivíduo a utilize para fins de habitação – ainda que de forma transitória, pois o bem jurídico tutelado é a intimidade da vida privada.

Ademais, para o caso trata-se de crime permanente.

HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. TRÁFICO E ASSOCIAÇÃO PARA O TRÁFICO ILÍCITO DE ENTORPECENTES. ALEGAÇÃO DE NULIDADE DA BUSCA E APREENSÃO POR INOBSERVÂNCIA DO PRINCÍPIO DA INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO. ILICITUDE DA PROVA COLHIDA. ILEGALIDADES NÃO EVIDENCIADAS. 1. Em casos de crimes permanentes, não se faz sequer necessária a expedição de mandado de busca e apreensão, sendo lícito à autoridade policial ingressar no interior do domicílio, a qualquer hora do dia ou da noite, para fazer cessar a prática criminosa, como no caso em questão, apreendendo a substância entorpecente nele encontrada. 2. Por ser dispensada a expedição do mandado de busca e apreensão, também não há de se falar em sua nulidade, por descumprimento do disposto no art. 245, § 7.º, do Código de Processo Penal. 3. Ordem denegada. (HC 122.937/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, QUINTA TURMA, julgado em 19/03/2009, DJe 13/04/2009).

Dir-se-á que se trata de busca e apreensão colhida em domicílio.

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Para o caso o imóvel estava desabitado.

Ora, em sendo assim, não havia falar, em caso em ordem judicial prévia para a realização do ato.

“O Supremo Tribunal Federal definiu, em repercussão geral, que o ingresso forçado em domicílio sem mandado judicial apenas se revela legítimo – a qualquer hora do dia, inclusive durante o período noturno – quando amparado em fundadas razões, devidamente justificadas pelas circunstâncias do caso concreto, que indiquem estar ocorrendo, no interior da casa, situação de flagrante delito (RE 603.616/RO, Rel. Ministro Gilmar Mendes DJe 8/10/2010).

Adito ainda decisão, dentre outras, do STJ:

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DECORRENTE DA FALTA DE REGISTRO ESCRITO DA SENTENÇA CONDENATÓRIA. AUSÊNCIA DE PREQUESTIONAMENTO. INCIDÊNCIA DOS VERBETES SUMULARES N. 282 DA SUPREMA CORTE E N.º 211 DESTA CORTE SUPERIOR. CONCESSÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO. UTILIZAÇÃO COMO MEIO PARA ANÁLISE DO MÉRITO DO RECURSO. INVIABILIDADE. BUSCA E APREENSÃO DOMICILIAR. POSSIBILIDADE. INVIOLABILIDADE DE DOMICÍLIO. EXISTÊNCIA DE FUNDADAS RAZÕES SOBRE A PRÁTICA DO ILÍCITO. GRATUIDADE DA JUSTIÇA. ISENÇÃO DE CUSTAS. IMPOSSIBILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.(...). 3. O tráfico ilícito de drogas é delito permanente, podendo a autoridade policial ingressar no interior do domicílio do agente, a qualquer hora do dia ou da noite, para fazer cessar a prática criminosa e apreender a substância entorpecente que nele for encontrada, sem que, para tanto, seja necessária a expedição de mandado de busca e apreensão.4. No caso concreto, a entrada na residência pela autoridade policial foi precedida de fundadas razões que levaram à suspeita da prática do crime, mormente pelo fato de que existiam denúncias apontando o Agravante como traficante local, sendo que os milicianos visualizaram o Acusado portando porções da droga. O Réu, ao perceber a presença dos agentes da lei, tentou dispensar os entorpecentes.5. (...).6. Agravo regimental desprovido.(AgRg no AREsp 1.371.623/SC, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA TURMA, julgado em 11/04/2019, DJe 30/04/2019).”

Nessa linha de raciocínio, o ingresso em moradia alheia depende, para sua validade e sua regularidade, da existência de fundadas razões (justa causa) que sinalizem para a possibilidade de mitigação do direito fundamental em questão. É dizer, somente quando o contexto fático anterior à invasão permitir a conclusão acerca da ocorrência de crime no interior da residência é que se mostra possível sacrificar o direito à inviolabilidade do domicílio.

Ademais, a proteção constitucional, no tocante à casa, independentemente de seu formato e localização, de se tratar de bem móvel ou imóvel, pressupõe que o indivíduo a utilize para fins de habitação, moradia, ainda que de forma transitória, pois tutela-se o bem jurídico da intimidade da vida privada.

O crime de tráfico de drogas, na modalidade guardar ou ter em depósito possui natureza permanente. Tal fato torna legítima a entrada de policiais em domicílio para fazer cessar a prática do delito, independentemente de mandado judicial, desde que existam elementos suficientes de probabilidade delitiva capazes de demonstrar a ocorrência de situação flagrancial.

No caso, após denúncia anônima detalhada de armazenamento de drogas e de armas, seguida de informações dos vizinhos de que não haveria residente no imóvel, de vistoria externa na qual não foram identificados indícios de ocupação, mas foi visualizada parte do material ilícito, policiais adentraram o local e encontraram grande quantidade de drogas.

Assim, sem desconsiderar a proteção constitucional de que goza a propriedade privada, ainda que desabitada, não se verifica nulidade na busca e apreensão efetuada por policiais, sem prévio mandado judicial, em apartamento que não revela sinais de habitação, nem mesmo de forma transitória ou eventual” (HC 588.445/SC, j. 25/08/2020).

O ministro Celso de Mello sustentou, nos termos do artigo 33 da Lei de Drogas, a configuração de delito permanente na hipótese de manutenção de drogas em depósito, preenchidos os pressupostos do artigo 303 do Código de Processo Penal, de acordo com o qual se considera em situação de flagrância aquele que estiver cometendo crime de caráter permanente. Por sua vez, em seu voto divergente, o Ministro Marco Aurélio entendeu não existirem, salvo a palavra do motorista, provas suficientes no sentido de que na casa do condenado existissem drogas e que no caso seria indispensável prévia obtenção de mandado judicial.

Colho a lição de Ingo Sarlet(Decisão do STF sobre violação de domicílio indica posição prudencial, in Consultor Jurídico), quando disse:

“Apresentada síntese dos fatos e das principais razões da maioria e do voto vencido, cumpre frisar que em causa está a interpretação do sentido da norma veiculada pelo artigo 5º, XI, CF, “a casa é asilo inviolável do indivíduo, ninguém nela podendo penetrar sem consentimento do morador, salvo em caso de flagrante delito ou desastre, ou para prestar socorro, ou, durante o dia, por determinação judicial”, para efeitos de sua aplicação concreta em hipóteses do ingresso forçado em domicílios sem prévia autorização judicial. Dito de outro modo e mais precisamente, na hipótese analisada no caso pelo STF, cuida-se de avaliar a extensão do conceito de flagrante delito como hipótese autorizativa da entrada em domicílios sem mandado judicial de busca e apreensão.

Além disso, trata-se de avaliar se e em que medida o ingresso na esfera domiciliar para apreensão de drogas em determinadas circunstâncias representa uma intervenção restritiva legítima do ponto de vista constitucional ou uma violação do direito fundamental em causa. Sobre o tema tive ocasião de, em coautoria com Jayme Weingartner Neto, desembargador junto ao TJ-RS e mestre e doutor em Direito, escrever artigo publicado na Revista Democracia e Direitos Fundamentais da Unibrasil, do qual nos permitimos extrair algumas passagens, ainda que vez por outra mediante algum ajuste.

Na esteira da decisão majoritária do STF ora comentada, a ilicitude do ingresso forçado na esfera domiciliar tem sido afastada pelo fato de que o tráfico de drogas (ou a posse de arma) configuram crime permanente, pelo que o ingresso dos policiais no interior do imóvel sem a devida autorização estaria juridicamente justificado, quando evidenciado o estado de flagrância. Vale dizer, a (efetiva) falta de mandado judicial para o ingresso na residência não invalidaria a prova obtida, pois o réu estava em situação de flagrante delito, hipótese autorizada pelo artigo 5º, XI, da Constituição Federal, citando-se, inclusive, precedentes do STF (HC 86.082-6) e do STJ (HC 188.195), em abono da tese.

Cremos, todavia, que o critério capaz de deslindar a polêmica é, por óbvio, a verificação da situação fática que autoriza a severa restrição de um direito fundamental – a inviolabilidade do domicílio – que se opera no exercício do poder de polícia, ainda que de boa-fé. Se o contexto probatório não permitir ultrapassar o filtro constitucional/processual-penal, então vão comprometidas as provas da materialidade dos delitos de tráfico, receptação e porte ilegal de arma, por exemplo.

Além disso, quando da redação do artigo referido, adiantamos que o parâmetro a ser aferido, caso a caso, haveria de ser, sem descurar da natureza permanente do delito de tráfico de drogas (para ilustrar), as circunstâncias da abordagem do caso concreto devem evidenciar “ex ante” situação de flagrância a autorizar o ingresso na residência do réu, durante o dia e, mais ainda, à noite, sem permissão e sem mandado de busca a apreensão.

Com efeito, a CF não proíbe a entrada em casa alheia, ainda que à noite, para fazer cessar prática delitiva, em caso de flagrante — ou desastre, ou para prestar socorro, tudo isso sem determinação judicial (artigo 5º, LXI, CF). O crime de tráfico de drogas (hipótese ora comentada) é permanente, podendo a prisão em flagrante ocorrer, inclusive no período noturno, independentemente da expedição de mandado judicial, determinação judicial que, aliás, só pode ser cumprida durante o dia.’

Em síntese, a mera informação, de que o réu é traficante, situa-se na esfera das suposições. Da mesma forma, dizer que nos crimes de natureza permanente, tal qual o tráfico de drogas, o estado de flagrante se mantém, o que é dogmaticamente correto, não significa dizer que vaga suspeita de prática de crime de tráfico de entorpecentes coloca o suspeito em estado de flagrância e, assim, afasta o direito à inviolabilidade do domicílio. Diversamente, a situação de flagrante, mesmo de um crime permanente, é dinâmica, e demanda, para sua mínima caracterização, amparo em fatos concretos e atuais, que hão de ser, ao menos, passíveis de exteriorização e individuação.

Para o caso em discussão no STJ, o imóvel estava desabitado.

Lembro mais uma lição do ministro Celso de Mello:

De outro lado, é importante lembrar que o Supremo Tribunal Federal já afirmou que “o conceito de 'casa', para o fim da proteção jurídico-constitucional a que se refere o art. 5º, XI, da Lei Fundamental, reveste-se de caráter amplo (HC 82.788/RJ, Rei. Min. CELSO DE MELLO - RE 251.445/СЮ, Rei. Min. CELSO DE MELLO), pois compreende, na abrangência de sua designação tutelar, (a) qualquer compartimento habitado, (b) qualquer aposento ocupado de habitação coletiva e (c) qualquer compartimento privado não aberto ao público, onde alguém exerce profissão ou atividade” (RHC 90.376/RJ, Rel. Min. CELSO DE MELLO, 2ª Turma do STF, julgado em 03/04/2007, DJe de 18/05/2007).

Ora, casa é compartimento habitado.

Isso é a chave para solução do caso.

Se o imóvel estava desabitado e se tratava de crime permanente não havia razão para exigência de mandado judicial para tal.

 

 

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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