O remédio eficaz pode salvar a vida do paciente, se consumido no momento certo. A recuperação de empresas, enquanto remédio legal que pode ser ministrado a uma empresa em dificuldades, não foge a essa regra. O atual cenário de crise econômica torna frequente e até repetitivo o tema, e muitas vezes a recuperação, sobretudo a judicial, é apresentada como a solução para toda e qualquer empresa em crise. Tal qual o festejado “emplasto Brás Cubas” da literatura de Machado de Assis, empresas dos mais variados perfis econômicos buscam na recuperação, a panaceia para todos os seus males, muitas vezes congênitos.
A recuperação consiste em um acordo que pode ser realizado entre um empresário e seus credores, em juízo ou fora dele, com vistas à preservação da empresa viável, mediante a renegociação, reestruturação e/ou reorganização de seu ativo e passivo.
A Lei de Falência e Recuperação de Empresas (Lei 11.101/2005), em seu art. 47 define como objetivo da recuperação judicial “viabilizar a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, a fim de permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores, promovendo, assim, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica.”
Para que a recuperação possa ser levada a cabo com perspectivas de sucesso, é essencial que a empresa requerente demonstre possuir viabilidade econômica, que é a capacidade de uma empresa recuperar-se economicamente, por seus próprios meios.
A viabilidade econômica pode ser constatada, em geral, a partir de elementos favoráveis ainda existentes em seu estabelecimento, como clientela, marcas, patentes, know-how e até mesmo elementos corpóreos, como maquinário em bom estado e imóveis, que, no seu todo, justifiquem o prosseguimento da atividade empresarial. Por esse motivo, a recuperação não deve ser vista como um simples mecanismo de amparo estatal a todas e quaisquer empresas em dificuldades.
Por outro lado, a ausência de viabilidade econômica pode ser diagnosticada a partir de sintomas básicos como perda gradual de capital de giro e crédito no mercado, inadimplemento reiterado no pagamento de tributos, falta de investimentos na manutenção e reposição de equipamentos, abandono de políticas de qualidade e de capacitação de mão-de-obra, perda gradual da clientela, desvalorização da marca e do nome empresarial no mercado, dentre outros.
Na prática, se algum desses sintomas começa a esboçar-se na empresa, certamente é a hora de os administradores avaliarem a possibilidade promover a recuperação da empresa, antes que o seu agravamento acarrete a perda total da viabilidade econômica.
Em um cenário de crise, a recuperação judicial pode revelar-se atraente para muitas empresas, pelo fato de possibilitar a suspensão das execuções em andamento contra o devedor, pelo prazo de até 180 dias (com exceção, em princípio, das execuções de natureza fiscal), contado a partir do processamento do pedido de recuperação pelo Poder Judiciário.
Isso significa que, durante praticamente um semestre, os credores não poderão dar seguimento às ações de execução que estiverem movendo, e tampouco promover a retirada judicial de bens existentes no estabelecimento do devedor. Em casos específicos, o Poder Judiciário tem autorizado a ampliação desse prazo, quando necessário a que as tratativas entre o devedor e seus credores sujeitos à recuperação, possam ser concluídas, a partir de um plano de recuperação que deverá ser submetido à sua aprovação.
Uma vez aprovado o plano, terá início a fase de execução das medidas recuperacionais, sendo que na hipótese de sua rejeição pelos credores, o caminho será a falência.
Contudo, na prática, o que muitas vezes se nota é que o pedido de recuperação é formulado tardiamente pelo empresário, servindo a recuperação unicamente para acentuar o estado de crise econômico-financeira da empresa, que por si só já não mais apresenta viabilidade econômica.
Em tal contexto, a Lei de Falência e Recuperação de Empresas, em seu art. 105, indica o caminho para a empresa inviável, ao prever que o devedor em crise econômico-financeira que não atenda mais aos requisitos para pleitear recuperação judicial, deverá requerer sua autofalência.
Da mesma forma, os Tribunais já firmaram o entendimento de que a empresa que deixe de apresentar viabilidade ao longo do cumprimento de seu plano de recuperação, ainda que tenha inicialmente obtido a aprovação dos credores, deve ter a falência decretada.
Em síntese, para que tenha eficácia, a recuperação judicial deve ser requerida pelo empresário enquanto ainda apresente viabilidade econômica, sob pena de converter-se em um mero instrumento procrastinatório de suas obrigações, extremamente nocivo às demais empresas, ao mercado e à economia nacional.