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É possível permanecer em silêncio durante um interrogatório policial?

Agenda 24/10/2020 às 22:30

Entendimento acerca da aplicabilidade do Direito ao Silêncio na fase extrajudicial do procedimento penal em âmbito do atual ordenamento jurídico

Notitia criminis

Toda vez que um delito é cometido sua ocorrência é levada a conhecimento da Autoridade Policial (Delegacia de Polícia) daquela circunscrição através da chamada notitia criminis. Essa “notícia do crime” pode chegar até o Delegado de Polícia através de denúncia intermediada por registro de Boletim de Ocorrência, através de uma informação oficiada onde um órgão suscita sua ocorrência à entidade policial, através de flagrante de sujeito que se encontra praticando a infração, entre outras formas.

Inquérito Policial - IP

Havendo indícios mínimos de existência do fato delituoso, a Autoridade Policial tem o dever de apurar o crime. Não é uma faculdade, visto que é uma obrigação estatal aplicar a pena respectiva a quem comete infração à norma penal. 

Para apurar o crime que foi noticiado, o responsável pela condução do procedimento mandará autuar um Inquérito Policial: o IP é um procedimento escrito, de natureza administrativa e inquisitorial, pelo qual o Delegado de Polícia fará constar todos elementos que virão a ser colhidos durante a instrução da investigação.

Importante: é incorreto falar-se em processo policial, visto que o “processo”, na verdade, restringe-se ao processo-crime, que tem início somente na fase judicial, em âmbito do respectivo Juízo criminal.

Colheita de elementos

Para instruir os autos do IP, a Autoridade Policial poderá se valer de todos os métodos lícitos que, de alguma forma, levem à solução concreta do que ocorreu. Ou seja, deve juntar o máximo de informações possíveis acerca do fato que se diz ser crime.

Dentre os atos instrutórios possíveis estão as perícias, o depoimento de testemunhas, a reprodução simulada dos fatos, o interrogatório do suspeito etc.

O investigado é mero suspeito

Na grande maioria dos casos, a informação inicial do crime já vem acompanhada do sujeito que pretensamente o praticou, e nos demais casos o sujeito é identificado durante a instrução do IP.

Para fins de apuração policial, esse sujeito deve ser tratado como suspeito. Isso porque, ainda que sobre ele recaiam os maiores indícios do cometimento do crime, a pessoa só se torna acusada após o Ministério Público formalmente a indicar como agente do crime, por meio de uma Ação Penal específica.  É por isso que, em âmbito policial, o suspeito de maneira alguma pode ser tratado como réu.

Fim do IP com o indiciamento

Após tomar todas as providências para instrução do IP e verificando-se quem é o suspeito que reúne os elementos mais concretos de cometimento da infração penal, a Autoridade Policial fará, então, o chamado “indiciamento”, externando suas razões e encaminhando os autos ao Juízo para início do processo-crime. Esse ato é exclusivo do Delegado de Polícia, e é por meio dele que a Autoridade Policial faz a indicação da provável autoria do delito.

Em regra, a investigação finda-se com o indiciamento.

Pergunta: é permitida a constituição de advogado para acompanhar o investigado na fase policial de apuração do crime?

Sim. Conquanto já fosse possível mesmo antes da Lei nº 13245/2016, foi essa norma que acrescentou o inciso XXI, do art. 7º, da Lei nº 8906/1994, onde passou a constar, de forma positivada, essa possibilidade.

A carga técnico-probatória que é formada durante a fase policial recomenda fortemente a constituição de patrono pelo investigado, a fim de que esse proceda ao devido acompanhamento da fase administrativa de apuração do crime. Mediante a análise aprofundada do profissional do Direito, este poderá indicar os melhores caminhos a serem adotados para a defesa, recomendando as técnicas defensivas mais aconselháveis ao indiciado no caso concreto. Além disso, o advogado pode suscitar eventuais equívocos procedimentais que prejudiquem a defesa e, até mesmo, após estudar a melhor estratégia de defesa, indicar de forma antecipada a formação de eventual acordo quando permitido, como é o caso do novo Acordo de Não Persecução Penal, fruto da Lei nº 13964/2019 (“Pacote Anticrime”).

O direito de permanecer calado

Como visto acima, um dos atos do Delegado de Polícia durante o IP é chamar o suspeito para apresentar sua versão. Isso ocorre através do interrogatório policial.

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A questão é: o sujeito pode se negar a falar nesse interrogatório?

O chamado “direito ao silêncio” (do inglês “Right to Silence”) é uma prerrogativa constitucional originada da máxima de que o investigado não pode ser obrigado a produzir prova contra si mesmo - nemo tenetur se detegere (ninguém é obrigado a produzir prova contra si mesmo). Está previsto no inciso LXIII, do art. 5º, da CF, segundo o qual o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.

Em contraposição ao princípio da Verdade Real, o direito ao silêncio está intimamente ligado às estratégias de defesa (princípio da Ampla Defesa), já que permite ao investigado, após ponderação das teses defensivas possíveis, a recusa em falar acerca dos fatos que estão sendo investigados, sem que isso, por si só, o coloque na condição de culpado pelo crime.

À luz da ordem constitucional vigente, a prerrogativa de permanecer calado deve ser tratada, portanto, como uma das facetas do exercício da autodefesa, onde o investigado opta pela abstenção da fala, e não como um ato de confissão.

O direito ao silêncio deve ser informado ao investigado

A autoridade que conduz a investigação não só tem a obrigação de garantir a utilização plena desse direito, como deve, antes do interrogatório, esclarecer a possibilidade que o interrogado possui de permanecer calado.

Esse ato é tratado em alguns países como “Aviso de Miranda” (ex. EUA), sendo por vezes elemento essencial e obrigatório da investigação.

No Brasil, há discussões sobre o tema. Parece prevalecer, contudo, a corrente que afirma que se essa formalidade não for observada pode haver a configuração de nulidade relativa, que reclama a demonstração concreta do prejuízo que advém do ato. Ou seja, será necessário demonstrar que a ausência de advertência à faculdade do silêncio, in casu, causou prejuízo à defesa do investigado, tolhendo sua amplitude defensiva, sendo necessária uma construção técnica e consistente nesse sentido. 

Sobre o autor
Gustavo Carvalho

Graduado em Direito pela Faculdade de Direito de Itu - FADITU e Pós-Graduado em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC/MG - Assessor Jurídico e Advogado Contencioso - garantista por natureza

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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