Símbolo do Jus.com.br Jus.com.br

A usucapião imobiliária como modo derivado de aquisição da propriedade.

Agenda 02/11/2020 às 23:04

O presente artigo tem por escopo uma reflexão, de forma simplificada, sobre uma nova perspectiva de aquisição de imóveis através da usucapião.

Como cediço, a aquisição de imóveis em nosso ordenamento jurídico ocorre de 2 modos: originário ou derivado. Antemão tratarmos sobre o cerne do assunto, forçoso diferenciar ambos os institutos. Por aquisição originária, entende-se aquela em que o agente possui contato direito com a coisa, não guardando vínculo com o antigo proprietário e/ou gravames que eventualmente estejam registrados ou averbados na transcrição/matrícula do imóvel (Ex: legitimação fundiária, aluvião, avulsão, dentre outros). Por outro lado, a aquisição derivada decorre do vínculo entre o agente e o antigo proprietário da coisa (Ex: sucessão hereditária, compra e venda etc.)[1]. A principal diferença entre ambos, de forma didática, se dá no fato que na aquisição originária, o possuidor adquire a coisa livre de quaisquer ônus que eventualmente recaiam sobre a coisa, ao passo que, na derivada, estes deverão ser suportados pelo adquirente.

Historicamente, a doutrina classifica a usucapião como forma originária de aquisição da propriedade na medida em que o possuidor adquire o bem pelo transcurso do tempo em posse da coisa, sendo a sentença meramente declaratória de seu direito. Nesta senda, parte da doutrina contemporânea vem entendendo a possibilidade de a usucapião ser interpretada como forma de aquisição derivada da propriedade, nos casos em que a posse decorra de uma relação jurídica, sendo esta relação motivo fundamental para a usucapião. Neste sentido:

(...)Partindo da visão da aquisição como um processo, será derivada a usucapião que decorrer de atos jurídicos que tomarem como referência a situação jurídica de propriedade formal anterior, ao passo que será originário o direito que não levar em consideração a relação jurídica anterior de propriedade.2

Com o advento da usucapião extrajudicial, positivada no art. 216-A da Lei 6.015/73, inserido no ordenamento jurídico pelo art. 1.071 do CPC/2015, tal entendimento foi firmado no Provimento 65 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) que disciplinou o instituto e, em seu artigo 21 dispõe que:

Art. 21. O reconhecimento extrajudicial da usucapião de imóvel matriculado não extinguirá eventuais restrições administrativas nem gravames judiciais regularmente inscritos. (grifo nosso)

§ 1º A parte requerente deverá formular pedido de cancelamento dos gravames e restrições diretamente à autoridade que emitiu a ordem.

§ 2º Os entes públicos ou credores podem anuir expressamente à extinção dos gravames no procedimento da usucapião.3

Como se pode extrair do artigo acima transcrito, o usucapiente que optar pela via extrajudicial, terá seu direito declarado, via de regra, de modo derivado, devendo, se for o caso, formular o pedido de cancelamento dos gravames e restrições diretamente à autoridade que emitiu a ordem (art. 21, §1º, Provimento 65, CNJ).

Fique sempre informado com o Jus! Receba gratuitamente as atualizações jurídicas em sua caixa de entrada. Inscreva-se agora e não perca as novidades diárias essenciais!
Os boletins são gratuitos. Não enviamos spam. Privacidade Publique seus artigos

Nesta linha de raciocínio, destaca-se alguns exemplos que seriam basilares para a compreensão e aplicabilidade do entendimento:

Ora, em casos tais, com o devido respeito, não seria plausível defender que seriam formas de aquisição originária, com as consequências daí provenientes, tendo em vista que o agente possuí a coisa por um vínculo obrigacional precedente, sendo por ele respeitado durante todo o tempo em que possui o bem.

Dessarte, esta mudança de paradigma no entendimento demonstra-se necessário posto que o usucapiente poderia utilizar o instituto como meio de fraude para extinguir eventuais ônus e gravames incidentes sobre o bem e/ou como forma de simulação a fim de que não sejam recolhidos os tributos devidos sobre as relações jurídicas de transmissões anteriores. Ademais, ao defender o instituto apenas sob o viés doutrinário clássico, entendendo-o como forma originária, estaria o poder público deixando de recolher tributos (Ex: ITBI, ITCMD) sobre as transações imobiliárias e prejudicando eventuais terceiros interessados que possuam direitos registrados/averbados no folio real do imóvel. Repisa-se que, tal entendimento, seria cabível apenas aos imóveis adquiridos por uma relação obrigacional anterior ou no decorrer da posse, em que o agente possua vínculo com a coisa e seu antigo proprietário, sendo estes motivos determinantes para o pleito da usucapião.

Ademais cabe ressaltar que tal posicionamento, como podem sugerir, não seria uma alteração no entendimento visando  prejudicar o procedimento da usucapião, ajudando os mais abastados em detrimento a população de baixa renda, mas sim um novo viés sobre o instituto, desestimulando práticas como a “grilagem” e estimulando o cumprimento de direitos  e deveres existentes na aquisição de imóveis, trazendo maior segurança jurídica às transações imobiliárias.

------------

1Disponível em: https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/aquisicao-derivada-e-aquisicao-originaria-de-propriedade-entenda-a-diferenca; acesso em: 02/11/2020.

2 Marinho. Marcelo de Rezende Campos, Usucapião como forma derivada de aquisição da propriedade imobiliária. pg. 116. Disponível em: http://www.biblioteca.pucminas.br/teses/Direito_CoutoMRCM_1.pdf; acesso em: 02/11/2020.

3 Disponível em: https://www.26notas.com.br/blog/?p=14095; acesso em: 02/11/2020.

Sobre o autor
Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Publique seus artigos Compartilhe conhecimento e ganhe reconhecimento. É fácil e rápido!