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Resenha crítica do texto: "Quem é o povo? A questão fundamental da democracia"

Agenda 11/11/2020 às 11:53

MÜLLER, Friedrich. Quem é o povo?: a questão fundamental da democracia. São Paulo: Max Limonad, 2000.


O livro escrito por Friedrich Muller faz uma análise, de certo filosófica, sobre o significado do povo – como coletividade social –, explorando a relação deste para com a democracia constitucional, que é o modelo político marcante da modernidade ocidental.

Povo. Especialmente em tempos de eleição, talvez seja a palavra mais dita por todos os candidatos. Isso, pois, no cenário político moderno – talvez dos meados da promulgação da constituição vigente até aqui –, entendeu-se que todo poder realmente emana do povo; e, valendo-se de uma dinâmica que existe desde o início dos tempos em coletividade: todo mundo agrada a quem detém o poder.

Em terra de democracia representativa, quem tem voto é rei. Exceto pelo padrão de vida, pelos direitos sociais e por todo o resto. Mas na boca de todo e qualquer candidato político que esteja concorrendo a um cargo público eletivo, qualquer do povo se sentiria como verdadeira realeza. É neste momento, nestes espaços curtos de tempo que o povo deixa de ser substantivo masculino e passa a ser instituição, prioridade, lei, ou melhor, eleitorado.

Sem dúvidas a fase atual de definição “do povo” é a melhor historicamente. Ao analisar o passado, ver-se-ia que o povo passou por diversas qualificações, desde mão de obra, servos, escravos, a exércitos, fiéis, contribuintes. A história nos mostra – ressalvada a minoria das civilizações que podem não se enquadrar a essa definição – que o povo sempre agiu em função de um governante, de um deus ou de uma sociedade que o oprimia.

Hoje, os governantes, a máquina social, pública, tudo funciona para o povo. Em tese. O povo deixou de ser visivelmente oprimido para ser disfarçadamente oprimido. Ocorre que embora as democracias preguem a igualdade e a soberania popular, pois o aparato jurídico-político, hoje, age em prol da coletividade como um todo, o que se vê, na realidade, é que a parcela que reúne direitos, que ostenta um estilo de vida digno, que tem representatividade e voz ativa, é a menor do povo.

Ou seja, embora em tempos de eleição, de reajuste da máquina pública, não haja discriminação por cor, raça, idade, sexo, orientação sexual, pois todo voto vale o mesmo; ao longo dos outros anos que sucedem o período eleitoral, o povo passa ser o revés da vida política. O eleitorado se torna aquele que melhor representa o candidato que teve êxito pelo sufrágio. O resto, torna-se apenas isso.

Assim, em que pese a democracia ser o modelo político de igualdades universais, no qual todos – do povo – têm o mesmo direito, a mesma função, as mesmas garantias e gozam das mesmas oportunidades, o que se observa é que essa definição é reservada ao dicionário.

Convém, neste ponto, trazer uma citação diretamente do texto do autor, que melhor elucida o que aqui se pretende demonstrar:

Trata-se aqui da discriminação parcial de parcelas consideráveis da população, vinculada preponderantemente a determinadas áreas; permite-se a essas parcelas da população a presença física no território nacional, embora elas sejam excluídas tendencialmente e difusamente dos sistemas prestacionais [Leistungssystemen] econômicos, jurídicos, políticos, médicos e dos sistemas de treinamento e educação, o que significa “marginalização” como subintegração. (MULLER, 2000, p. 91)

Muller aborda aqui justamente o conceito de “exclusão”, que é o que vêm acontecendo com boa parte do povo em inúmeras democracias ao redor do globo; não se restringindo às subdesenvolvidas – tais como o Brasil.

O autor explica que mesmo esse conflito de privilégios – este sendo: uns têm muitos e outros não tem nenhum – não atingindo uma parcela tão grande da população, isso leva, inevitavelmente, a uma “reação em cadeia de exclusões”, acarretando em uma “pobreza política” (MULLER, 2000, p. 93).

O que Muller desenvolve a seguir, faz expandir a forma de analisar o contexto subdesenvolvido do próprio país, especialmente no tocante às razões que levaram a este subdesenvolvimento e que o mantém dessa forma. Veja-se.

O autor explica que a exclusão que foi ressaltada acima leva a um problema que supera uma mera condição estrutural problemática – na qual há desigualdade, no entanto, essa é sanável por políticas públicas de inclusão.

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Nestes casos de exclusão exacerbada, o que ocorre é que grandes grupos populacionais perdem a sua cidadania, tornando-se demasiadamente dependentes da tutela estatal para a subsistência, necessitando de políticas públicas assistencialistas que os mantenham com alguma dignidade – mas, certamente abaixo do mínimo.

Ora, veja-se então. O estado passa a segregar o povo, de modo que exclui uma parcela desse dos sistemas funcionais da sociedade, de modo a criar uma porção periférica do povo, que possui menos condições e oportunidades, menos visibilidade. Até que, passado tempo o suficiente, essa porção que foi transformada em periférica atinge um ponto tão baixo de dignidade que passa a depender exclusivamente dos sistemas funcionais dos quais foram excluídos, anteriormente, para sobreviver.

É a partir deste contexto, dessa situação de exclusão e preterição, que notórias barbáries aconteceram ao longo da história. Não é necessário muito esforço interpretativo para fazer a conexão com os judeus na época da Alemanha nazista comandada por Hitler. Mas a partir dessa colocação, passa a ser evidente os traços de exclusão dos judeus perante a nação alemã, que os levaram a ser tratados não só como periféricos, ou à parte do povo, mas como menos que humanos. Permitindo, assim, através das próprias escolhas políticas e governamentais da época, que ocorresse um dos maiores genocídios da história humana.

O que Muller parece pretender desenvolver com seu texto é justamente essa análise crítica, não fornecendo necessariamente a resposta do que é o povo, mas demonstrando que a democracia surgiu, e, instaurou-se como sistema predominante no ocidente, para que jamais pudessem ser repetidas situações como a descrita acima. A democracia, portanto, é a melhor resposta e o melhor caminho para a inclusão.

E aqui vale a pena trazer a etimologia da palavra “democracia”, na qual “demos” tem origem grega e significa “povo”, enquanto que “cratos”, de mesma origem, significa poder. E aqui se vê a congruência com a frase contida na redação constitucional, na qual se diz que o poder emana do povo.

Entende-se ser essa, inclusive, a pretensão do autor, demonstrar como devem ser tratados os indivíduos em coletividade, “não como subpessoas [Unter-Menschen] não como súditos [Untertanen], também não no caso de grupos isolados de pessoas, mas como membros do Soberano, do “povo” que legitima no sentido mais profundo a totalidade desse Estado” (MULLER, 2000, p. 115).

Sobre o autor
Raphael Felipe Machado Campos

Graduando do 7º período do curso de Direito da UNDB.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

Mais informações

Resenha apresentada ao Curso de Graduação em Direito do Centro Universitário UNDB, analisando os conceitos de povo e democracia desenvolvidos por Friedrich Muller, à égide do Direito Constitucional moderno.

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