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Aspectos legais da escuta especializada e do depoimento especial

Tendo em vista a necessidade de se evitar a revitimização da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, a Lei 13.431, de 4 de abril de 2017, adotou regras específicas para o tratamento da colheita de informações sobre a violência sofrida

1. Introdução

O objetivo deste estudo é compreendermos os meandros que norteiam a escuta especializada e o depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas de violência, previstos pela Lei 13.431/2017 e que se inspirou no projeto “Depoimento Sem Dano”, desenvolvido no Estado do Rio Grande do Sul com o objetivo de humanizar o atendimento às vítimas de violência, através de um procedimento menos invasivo e traumático e, dessa forma, evitar a revitimização dos infantes.

A metodologia tradicional de inquirição de vítimas e testemunhas, desde a fase da investigação, é considerada extremamente traumática, pois até o momento do julgamento elas acabam por enfrentar uma série de etapas, com idas e vindas a Delegacias e Fóruns, sem contar que em muitas dessas vezes, são obrigadas a se exporem na presença dos acusados.

Com o advento da Lei 13.431/2017, a criança e o adolescente vítima ou testemunha de violência passaram a receber um tratamento mais humanizado, sendo-lhes assegurado uma série de direitos que, inegavelmente, contribuem para a não revitimização.


2. Antecedente histórico no Brasil

O depoimento especial de crianças e adolescentes começou a ser idealizado em meados do ano 2000, por iniciativa do então Juiz e hoje Desembargador no Estado do Rio Grande do Sul, José Antônio Daltoé Cézar, que desde o início de sua carreira se preocupava com o tratamento e a forma como eram colhidos os depoimentos de crianças e adolescentes vítimas de crimes sexuais, que se sentiam extremamente constrangidas ao ter que expor publicamente o fato delituoso e traumatizante pelo que passaram.

Objetivando adotar uma forma eficaz e menos traumática na inquirição de crianças e adolescentes vítimas de violência sexual, por meios próprios e de forma simples, em 2003 o então Juiz implementou em caráter experimental a técnica do denominado “Depoimento sem Dano” na 2ª Vara da Infância e Juventude do Fórum Central de Porto Alegre/RS.

Contando com profissionais auxiliares da justiça, câmera de vídeo e gravador, interligados entre um ambiente antecipadamente preparado e a sala de audiências, o depoimento era prestado sem que a criança ou o adolescente precisasse se expor perante o juiz, promotor, advogado etc.

Conduzido por profissional designado pelo Juiz, como psicólogo ou assistente social, o depoimento da criança ou adolescente era gravado e transmitido simultaneamente para a sala de audiências, de onde o Juiz e as partes a tudo assistiam.

No ano seguinte, reconhecendo o brilhantismo da técnica adotada, a Corregedoria Geral da Justiça autorizou a implantação da mesma metodologia em todas as Comarcas do Estado do Rio Grande do Sul.

Anos depois, mais precisamente em 2010, o Conselho Nacional de Justiça editou a Recomendação nº 33, orientando a adoção da metodologia por todos os Tribunais de Justiça do Brasil, a fim de que fossem criados serviços especializados e destinados à escuta de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência nos processos judiciais.

Finalmente, o instituto da escuta e do depoimento especial foram normatizados com o advento da Lei 13.431, de 4 de abril de 2017, que entrou em vigência no ano seguinte e foi regulamentada pelo Decreto 9.603, de 10 de dezembro de 2018.


3. Conceito

O depoimento especial e a escuta especializada devem seguir uma metodologia que tem por objetivo evitar ou reduzir a aflição e o estresse a que se submetem crianças ou adolescentes enquanto vítimas ou testemunhas de uma violência.

Não bastasse ser submetida ou ter assistido a uma cena de violência, a criança ou o adolescente sofrem com o fato de ter que relembrar tudo aquilo que vivenciaram e, não é só isso, se obrigarem a contar a mesma história por várias vezes.

Além disso, o infante, sobretudo a criança, não está habituado às formalidades de uma audiência realizada de maneira tradicional, com as presenças do juiz, promotor, advogado e até do próprio réu.

Objetivando tornar as oitivas de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência menos dolorosa, a Lei 13.431/17 estabeleceu algumas diretrizes e definiu os conceitos de escuta especializada e depoimento especial.

3.1 Escuta especializada

A escuta especializada é definida pelo art. 7º, da Lei 13.431/17, como um “procedimento de entrevista sobre situação de violência com criança ou adolescente perante órgão da rede de proteção, limitado o relato estritamente ao necessário para o cumprimento de sua finalidade”.

O Decreto 9.603, de 10 de dezembro de 2018, que regulamenta a Lei 13.431/17, também define o conceito de escuta especializada e, inclusive, designa quais são os órgãos que compõem a rede de proteção.

De acordo com o art. 19 do aludido Decreto, “a escuta especializada é o procedimento realizado pelos órgãos da rede de proteção nos campos da educação, da saúde, da assistência social, da segurança pública e dos direitos humanos, com o objetivo de assegurar o acompanhamento da vítima ou da testemunha de violência, para a superação das consequências da violação sofrida, limitado ao estritamente necessário para o cumprimento da finalidade de proteção social e de provimento de cuidados”.

Nas lições de Leal, Souza e Sabino, a escuta especializada é definida como:

[...] procedimento de entrevista realizado pelos órgãos da Rede de Proteção nos campos da educação, saúde, assistência social, segurança pública, justiça e Direitos Humanos, com a finalidade de garantir o acompanhamento da vítima ou testemunha de violência em suas demandas, na perspectiva de superação das consequências da violação experimentada, inclusive no seio familiar.1

Não destoando do conceito acima, o Conselho Nacional do Ministério Público, através do “Guia prático para implementação da política de atendimento de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência”, define a escuta especializada como:

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Como visto acima, escuta especializada é o procedimento realizado pelo órgão da rede de proteção designado para colher, junto à criança ou ao adolescente, vítima ou testemunha de violência, elementos informativos preliminares acerca do ocorrido, na perspectiva de apurar a existência de indícios da alegada situação de violência, que se mostrem indispensáveis ao planejamento das intervenções de cunho protetivo e ao acionamento dos órgãos encarregados da responsabilização dos autores da violência.2

A escuta antecede o depoimento especial e ocorre no exato momento em que a criança ou o adolescente são atendidos por algum dos órgãos de proteção para narrar a violência sofrida ou presenciada.

O profissional encarregado da escuta, a teor do que dispõem a Lei 13.431/17 e o Decreto 9.308/18, não deve explorar a fundo a história vivenciada pela criança ou adolescente, como tradicionalmente era feito. O órgão de proteção deve se limitar a colher os dados necessários a subsidiar a providência que deverá adotar, como por exemplo, o encaminhamento do infante à polícia, ao hospital, ao ministério público etc.

Diferentemente do depoimento especial, na escuta o profissional da rede de proteção deve “ouvir”, no sentido estrito da palavra, o que tem a dizer a criança ou o adolescente e dar o encaminhamento específico e necessário,

Embora o foco não seja o mesmo do depoimento especial, a escuta especializada se traduz em uma importante fonte de prova. Nesse sentido, o Guia Prático do CNMP assim dispõe:

[...] Ademais, é de se considerar que, embora a escuta especializa não tenha como finalidade precípua a produção de prova, é inegável que o seu conteúdo possui relevância jurídica e poderá ser valorado pelos órgãos que integram os Sistema de Justiça e de Segurança Pública para formação de sua convicção, sendo o conteúdo das informações obtidas considerado e valorado à luz do restante das provas produzidas no processo, valendo mais uma vez lembrar do contido no artigo 5º, inciso LVI (a contrario sensu), da Constituição Federal.

Por essa razão, é de extrema importância que o órgão de proteção formalize um relatório circunstanciado e sigiloso acerca do atendimento inicial prestado, a fim de que no futuro possa subsidiar procedimento eventualmente instaurado.

3.2 Depoimento especial

De acordo com o artigo 212 do Código de Processo Penal, com exceção do interrogatório do réu, para a inquirição das testemunhas adotamos o sistema denominado cross examination, pelo qual as partes perguntam diretamente às testemunhas.

Art. 212. As perguntas serão formuladas pelas partes diretamente à testemunha, não admitindo o juiz aquelas que puderem induzir a resposta, não tiverem relação com a causa ou importarem na repetição de outra já respondida.

O depoimento especial de crianças e adolescentes vítimas ou testemunhas de violência excepciona a regra estabelecida o art. 212 do CPP, tendo em vista que a inquirição é feita por um profissional, que pode ser psicólogo ou assistente social, o qual, recebendo do juiz as questões a serem indagadas, as transmite de maneira menos formal ao depoente. Em tempo real, por meio de áudio e vídeo, tudo é transmitido para a sala de audiência e acompanhado pelo juiz, Ministério Público, réu e seu defensor.

O art. 8º, da Lei 13.431/17, define o depoimento especial como um procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária, cujo conceito é ratificado pelo art. 22, do Decreto 9.603/18.

Art. 8º - Depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária.

Art. 22 - O depoimento especial é o procedimento de oitiva de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência perante autoridade policial ou judiciária com a finalidade de produção de provas.

Pelo que podemos observar, a finalidade do depoimento especial diverge da escuta especializada, pois enquanto o foco do depoimento é a produção de provas, na escuta, o objetivo visado é a proteção à criança ou adolescente.

O depoimento especial de criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência pode ser tomado em sede de polícia judiciaria ou em juízo.


4. Finalidade

A Lei 13.431/17, com a finalidade de amenizar os danos psicoemocionais que decorrem do ato de violência praticada contra a criança e adolescente, estabelece diretrizes para a oitiva do infante, de modo a evitar a sua revitimização, também denominada vitimização secundária.

Os artigos 15 e 22, § 1º, do Decreto 9.603/18, que regulamentou a Lei 13.431/17, estabelece que os profissionais deverão primar pela não revitimização da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, devendo dispensar preferência à abordagem de questionamentos mínimos e estritamente necessários ao atendimento.

O processo de revitimização pode decorrer de fatores impostos pelo próprio Estado, ao fazer com que a criança e o adolescente acabem tendo que reviver várias vezes o mesmo trauma.

O art. 5º, II, do mesmo Decreto 9.603/18, apresenta o seguinte conceito de revitimização:

Discurso ou prática institucional que submeta crianças e adolescentes a procedimentos desnecessários, repetitivos, invasivos, que levem as vítimas ou testemunhas a reviver a situação de violência ou outras situações que gerem sofrimento, estigmatização ou exposição de sua imagem.

Ao discorrer sobre o assunto, Eduardo Viana, com propriedade, define a revitimização como:

[...] a vitimização secundária (sobrevitimização ou revitimização), consiste em custos adicionais causados à vítima em razão da necessária interferência das instâncias formais de controle social. Em alguns crimes, a exemplo do estupro, é vulgar a resistência da vítima em recorrer ao sistema penal (polícia, ministério público etc): ou porque sente-se envergonhada com o fato e não quer reviver a experiência traumática; ou porque, ao reviver, será estigmatizada pelas instâncias encarregadas da persecução penal – a exemplo das teses defensivas do consentimento da vítima -, reencontrará o criminoso, interrogatórios. Por essas razões, a vitimização secundária é também conhecida por vitimização processual (pena del branquillo).3

Inegavelmente, o método convencional de oitivas de vítimas e testemunhas enseja a revitimização, sobretudo, quando o caso ainda está sob apuração.

Geralmente, vítimas e testemunhas são inquiridas informalmente pelos profissionais que dispensam o primeiro atendimento, aos quais terão que narrar o fato vivenciado. Depois, são encaminhadas a uma Delegacia de Polícia para o registro do Boletim de Ocorrência, onde, novamente terão que relatar os fatos à autoridade policial. Não sendo situação flagrancial, em que a autoridade policial delibera pela lavratura do auto de prisão em flagrante, certamente vítimas e testemunhas terão que retornar à Delegacia de Polícia para a realização dos depoimentos formais e, não raras vezes, voltam a ser notificadas para participarem de outros atos, como reconhecimentos, acareações etc. E, não para por aí, pois vítimas e testemunhas ainda ficarão sujeitas a novos depoimentos, agora em juízo e durante uma audiência formal.

Enfim, reviver inúmeras vezes o trauma de uma violência enseja, sem sombra de dúvida, o processo de revitimização. Para evitá-la, a Lei 13.431/17 estabelece alguns procedimentos que devem ser adotados nas oitivas de crianças e adolescentes e que a seguir serão analisados.

4.1. Unicidade de depoimento

Uma das medidas adotadas para evitar a revitimização do infante que sofreu ou que figura como testemunha de violência, está prevista no art.11, da Lei 13.431/17, que assegura a tomada de um único depoimento e, sempre que possível, em sede de produção antecipada de prova judicial.

Como já foi enfatizado, a reiterada tomada de depoimento faz como que a criança ou o adolescente tenha que relembrar todo o trauma anteriormente vivenciado, o que, sem dúvida, lhe traz sofrimento.

A expressão “sempre que possível” preconizada no art. 11, permite a excepcional reiteração de depoimento especial quando restar demonstrada a sua imprescindibilidade.

A regra, no entanto, é a tomada de depoimento único, em juízo e com a garantia da ampla defesa e do contraditório.

Entretanto, como em sede de investigação o depoimento da vítima ou da testemunha pode se mostrar imprescindível para a busca da verdade, dificilmente a regra da unicidade de oitiva será obedecida, uma vez que o depoimento prestado à polícia será repetido em juízo.

Há de observar, porém, que se a criança tiver menos de sete (7) anos, ou tratar-se de fato relacionado a violência sexual, obrigatoriamente, o depoimento será prestado uma única vez e em juízo, sob o rito cautelar de antecipação de prova, a teor do que dispõe § 1º do art. 11, da Lei 13.341/17.

Neste caso, deverá a autoridade policial representar ao Ministério Público a fim de que este possa requerer em juízo a medida cautelar de antecipação de prova, com o depoimento da criança ou do adolescente em juízo, sem prejuízo de a medida ser decretada, de ofício, pelo magistrado, nos termos do art. 156, inciso I, do Código de Processo Penal.

Para instruir as investigações, no entanto, nada impede que a autoridade policial ou seus agentes colham informações mínimas através de uma escuta especializada.

4.2. Gravação em áudio e vídeo

Nos termos do art. 12, inciso VI, da Lei 13.341/17, assim como pelo art. 23, do Decreto 9.603/18, o depoimento especial será gravado em áudio e vídeo.

Considerando que de acordo com o art. 5º, inciso V, da mesma lei, é direito da criança e do adolescente receber informação adequada sobre qualquer procedimento a que sejam submetidos, o infante deve ser cientificado de que o seu depoimento será gravado.

As razões que justificam a gravação podem ser resumidas em vários aspectos. Primeiro, porque evita o contato pessoal do infante com o acusado, o que, aliás, está expressamente previsto no art. 9º, da Lei 13.431/17. Outro, porque permite que o depoimento seja colhido em espaço separado da sala de audiências, ambiente que pode causar constrangimento ao infante, não familiarizado com toda a formalidade que é observada em uma audiência. Além disso, a gravação poderá ser útil para evitar a tomada de novos depoimentos e fazer com que o infante tenha que reviver a mesma história.

4.3. Direito ao silêncio

O art. 5º, inciso VI, da Lei 13.431/17, permite, expressamente, que a criança ou o adolescente possam se reservar no direito de permanecer em silêncio.

No mesmo sentido, o art. 19, da Resolução nº 299, de 05/11/2019, do Conselho Nacional de Justiça, que dispõe sobre o sistema de garantia de direitos da criança e do adolescente vítima ou testemunha de violência, assegura que deve ser garantido ao infante o direito ao silêncio.

Nesse ponto, merece análise a questão do adolescente que figurar como testemunha, pois a teor do que dispõe o art. 342, do Código Penal, “calar a verdade” constitui crime de falso testemunho. Logo, a testemunha que se mantém em silêncio incorrerá na prática do crime.

A jurisprudência, no entanto, excecionalmente, tem admitido o direito ao silêncio pela testemunha, quando suas palavras puderem trazer contra si uma incriminação futura, invocando, in casu, as regras do princípio da não autoincriminação.

Fora dessa hipótese, a testemunha não tem o direito de permanecer em silêncio.

Pois bem, em relação ao adolescente que figurar como testemunha de violência, em tese, teria ele o dever de responder às perguntas que lhe fossem formuladas pela autoridade, sob pena de incorrer na prática de ato infracional análogo ao crime de falso testemunha, nos termos do que é previsto no art.103, do Estatuto da Criança e do Adolescente. Porém, como o art. 5º, inciso VI, da Lei 13.431/17, confere o direito de o adolescente testemunha permanecer em silêncio, estará ele acobertado pela exclusão de ilicitude prevista no art. 23, inciso III, do Código Penal (exercício regular de direito).

Enfim, seja na condição de vítima ou de testemunha de violência, à criança ou adolescente é garantido o direito ao silêncio.

4.4. Medidas Protetivas

Nos termos do art. 21, da Lei 13.431/17, quando a autoridade policial constatar que a criança ou o adolescente vítima ou testemunha de violência está em risco, deverá “requisitar” ao juiz as medidas de proteção pertinentes, dentre as quais: I - evitar o contato direto da criança ou do adolescente vítima ou testemunha de violência com o suposto autor da violência; II - solicitar o afastamento cautelar do investigado da residência ou local de convivência, em se tratando de pessoa que tenha contato com a criança ou o adolescente; III - requerer a prisão preventiva do investigado, quando houver suficientes indícios de ameaça à criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência; IV - solicitar aos órgãos socioassistenciais a inclusão da vítima e de sua família nos atendimentos a que têm direito; V - requerer a inclusão da criança ou do adolescente em programa de proteção a vítimas ou testemunhas ameaçadas; e VI - representar ao Ministério Público para que proponha ação cautelar de antecipação de prova, resguardados os pressupostos legais e as garantias previstas no art. 5º desta Lei, sempre que a demora possa causar prejuízo ao desenvolvimento da criança ou do adolescente.

A terminologia “requisitar” foi empregada equivocadamente pelo legislador, porquanto, a autoridade policial deve representar pela decretação da medida protetiva.

A proteção ao infante em perigo também poderá ser requerida pelo Ministério Público e decretada, de ofício, pelo Juiz.

A medida prevista no inciso I, do art. 21, consubstanciada em evitar o contato direto do infante com o suposto autor da violência, já está estabelecida no art. 9º, da Lei 13.431/17, ao dispor que durante a escuta especializada ou o depoimento especial a criança ou o adolescente será resguardado de qualquer contato, ainda que visual, com o suposto autor ou acusado, ou com outra pessoa que represente ameaça, coação ou constrangimento.

Outra medida (art. 21, inciso II), consiste em solicitar o afastamento cautelar do investigado da residência ou local de convivência, em se tratando de pessoa que tenha contato com o infante.

Não raras vezes, o suposto autor da violência convive sob o mesmo teto que a criança ou o adolescente, o que implica em sério risco à sua integridade física.

Diante disso, havendo indício de que o infante corre perigo, deve a autoridade policial representar ao juiz pelo afastamento da pessoa investigada da residência ou do local em que convive com a criança ou o adolescente.

A autoridade policial deve, ainda, a teor do que dispõe o art. 21, inciso III, representar (e não requerer como foi equivocadamente posto pelo legislador) pela prisão preventiva do investigado, quando existir suficientes indícios de ameaça à criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência.

Caberá à autoridade policial, também, solicitar aos órgãos socioassistenciais a inclusão da vítima e de sua família nos atendimentos a que têm direito, bem como solicitar que o infante em perigo seja incluído em programa de proteção a vítimas ou testemunhas ameaçadas (art. 21, incisos IV e V).

Enfim, havendo indício de que a criança ou adolescente vítima ou testemunha de violência corre perigo, deverá ser representado ao juiz para que o infante receba a necessária proteção, sendo de bom alvitre especificar qual medida seja mais adequada para a proteção.

Por fim, ao observar a presença de indício de que a criança ou o adolescente corre perigo, deverá a autoridade policial representar ao Ministério Público a fim de ser proposta a necessária ação cautelar de antecipação de prova, permitindo que o depoimento da criança ou do adolescente em juízo, sob o crivo do contraditório, seja antecipado, ainda que não tenha sido intentada a ação penal.


Notas

1 LEAL, Fabio Gesser; SOUZA, Klauss Corrêa de; SABINO, Rafael Giordani. Comentários à lei da escuta protegida: lei n. 13.431, de 4 de abril de 2017. Florianópolis: Conceito Editorial, 2018. p. 87.

2 https://cnmp.mp.br/portal//images/Publicacoes/capas/2019/14-08_LIVRO_ESCUTA_PROTEGIDA.pdf. Acesso em 26/09/2020.

iv OLIVEIRA, Natacha Alves. Criminologia. Editora JusPODIVM. Salvador: 2ª ed., 2020, p. 143.

3 VIANA, Eduardo Viana. Criminologia, Editora JusPODIVM, Salvador: 6ª ed., 2018, p. 166

Sobre os autores
Alexandre Batalha

Delegado de Polícia no Estado de São Paulo.

Murillo Yago Batalha

Delegado de Polícia do Estado de Santa Catarina.

Informações sobre o texto

Este texto foi publicado diretamente pelos autores. Sua divulgação não depende de prévia aprovação pelo conselho editorial do site. Quando selecionados, os textos são divulgados na Revista Jus Navigandi

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