1.Introdução
Os aspectos introdutórios de qualquer labor científico, talvez, seja algo de grande dificuldade de confecção, devido ás finalidades inerentes de todo e qualquer introito de algum trabalho. Prescrever os principais pontos de um trabalho, com intuito de instigar o leitor a aprofundar-se destro do mesmo, é o grande objetivo de uma introdução, razão que qualifica, como complexo, este mister científico.
Evidentemente, que a temática a ser confeccionada facilita a introdução, e é justamente o que ocorre neste trabalho. A teoria da responsabilidade civil, por si só, é capaz de estimular nossa leitura, pois tem como característica a possibilidade de regular qualquer conflito levado a juízo. Não obstante, o objetivo deste trabalho é inserir a mesma teoria dentro da seara das relações familiares, que, sem receios da afirmativa, é um âmbito social de extrema relevância para a dignidade de todo e qualquer cidadão.
Dentro das relações familiares, questionamento de enorme relevância é a cerca da infidelidade conjugal, que é uma realidade na sociedade brasileira, pairando dúvidas sobre a real possibilidade do cônjuge ou companheiro infiel ser condenado a indenizar a vítima. É neste ponto que serão gastos linhas de tinta para esclarecer como aplicaremos a teoria da responsabilidade civil nos casos de infidelidade conjugal.
Primeiramente, com escopo de colocar o leitor na concepção moderna a cerca dos principais conceitos dos institutos familiaristas, evidenciaremos o novo paradigma do Direito das Famílias inserido na Carta Magna, calcado no afeto e no caráter instrumental, a fim de buscar a dignidade da pessoa humana de seus membros.
A posteriori, algumas opiniões doutrinárias serão trazidas a baila com escopo de melhor entender o tema. Posições como a inaplicabilidade da responsabilização civil na infidelidade conjugal, pois este é regido pelas relações afetivas, razão que não há como indenizar alguém pela falta de afeto, este, como sendo, o critério definidor de qualquer entidade familiar. A contrario sensu, há aqueles que defendem a responsabilização do consorte infiel caso a vitima dissolva a relação conjugal, sob pena de caracterizar venire contra factum proprium ou perdão tácito.
Seguindo em frente, algumas pontuações serão necessárias a cerca dos direitos da personalidade, em especificamente, o direito a honra, que é o principal direito personalíssimo da vítima violado na pratica de infidelidade conjugal. Será também abordado o que é o dano moral e como se comprova e se quantifica o mesmo, evitando, destarte, menores possibilidades à segurança jurídica.
Por fim, será explicitado a diferentes formas de cometimento do ato de infidelidade conjugal, como por exemplo, a infidelidade virtual, diferenciado os conceitos de adultério e traição.
2. A Nova Concepção do Direito das Famílias: A Pluralidade das Entidades Familiares e os Reflexos no Dever de Fidelidade Recíproca.
A responsabilidade civil na seara familiar é, sem receios da afirmativa, tema de grande controvérsia na doutrina e tribunais. O legislador do Código Civil de 2002 preferiu não inserir temas de responsabilidade civil nas relações familiares, situação em que, a única base legislativa para regular estas relações é a teoria geral da responsabilidade civil, inserida nos arts 186 e seguintes, conjuntamente com o art. 927 e seguintes do Código Civil. Diante desta pseudo-omissão legislativa, resta necessário gastarmos umas linhas de tinta acerca da temática, visto que as relações familiares, especialmente entre os consortes – e também os companheiros – são fontes geradoras de conflitos, razão pela qual, o direito deve atingir o que é esperado por todos, que é exercer o seu mister de pacificador de conflitos. Contudo, para atingirmos esta finalidade, resta necessário buscar entender os novos ramos da concepção de família na sociedade moderna.
A visão dada à família após a entrada da Constituição de 1988 trouxe reflexos nas relações conjugais. É evidente que toda mudança legislativa (ainda mais no âmbito constitucional) surge, a posteriori, às mudanças da sociedade. E, de fato, a sociedade brasileira estimulou uma mutação do que seja uma entidade familiar, não mais inserida nos dogmas patriarcais, anti-isonômicos e ditatórias de outrora, e sim alicerçado em igualdade entre os conviventes, em prol da dignidade da pessoa humana tutelada constitucionalmente. Nesta linha de raciocínio, afirma Cristiano chaves que:
De fato, o legislador constituinte apenas normatizou o que já representava a realidade de milhares de famílias brasileiras, reconhecendo que a família é um fato natural e o casamento uma solenidade, uma convenção social, adaptando, assim, o direito aos anseios e às necessidades da sociedade. Assim, passou a receber proteção estatal, como reza o art. 226 da Constituição Federal, não somente a família originada através do casamento, bem como qualquer outra manifestação afetiva, como a união estável e a família monoparental – formada pela comunidade de qualquer dos pais e seus descendentes, no eloquente exemplo da mãe solteira (CRISTIANO CHAVES; NELSON ROSENVALD, Curso de Direito Civil p. 88, ed.4).
Hodiernamente, o critério definidor do que seja família é a existência, ou não, de afeto entre os seus integrantes. O afeto é visto como um sentimento sincero e incontrolável do ser humano perante outrem, criando, destarte, um vínculo sentimental entre eles. Esta configuração permite a existência de qualquer entidade familiar, não apenas a formada por um ato solene, mas todas aquelas em que seus integrantes são vinculados por um sentimento de solidariedade recíproca. A pluralidade nas entidades familiares, por consequência, obriga ao Estado a efetiva proteção das múltiplas possibilidades de arranjos familiares, independentemente do modelo adotado.
A entidade familiar não pode mais ser constituída somente por um ato solene, já que o que move o surgimento da mesma é a existência ou não de relações de afeto entre os partícipes. Esta nova conjuntura traz importantes consequências na seara da responsabilidade civil nas relações familiares, já que estas são plurais, não se limitando apenas ao casamento entre um homem e uma mulher.
A Lei Maior em seu art. 226 tutela a família como a base da sociedade e que deve ter especial proteção do Estado. Nota-se que o constituinte não deu um conceito objetivo do que seja uma entidade família, merecendo aplausos por esta opção, já que esta instituição tem conceitos mutáveis, pois é adaptado de acordo com a conjuntura social em que vivemos. O legislador utilizou de uma clausula geral de inclusão, com a finalidade de absorver em seu conceito todo e qualquer grupo de pessoas reunidas por afeto. Boas são as palavras do ilustre professor Cristiano chaves de Farias quando afirma:
Em ultima análise, é possível afirmar: todo e qualquer núcleo familiar merece especial proteção do Estado, a partir da clausula geral da inclusão constitucional. Equivale dizer: todas as entidades formadas por pessoas humanas que estão vinculadas pelo laço afetivo, tendendo a permanência, estão tutelas juridicamente pelo Direito das Famílias, independentemente de celebração de casamento. É o que se vem denominando família eudemonista, isto é, tendente à felicidade individual de seus membros, a partir da convivência, permitindo que cada pessoa se realize, pessoal e profissionalmente, convertendo-se em seres socialmente úteis, não mais se confinando ao estreito espaço da sua própria família (CRISTIANO CHAVES; NELSON ROSENVALD, Curso de Direito Civil p. 85, ed.4).
O ilustre professor, ao afirmar a clausula geral de inclusão familiar adotada pelo constituinte de 1988, afirma a existência de uma família denominada eudemonista, que consiste da possibilidade de existência de qualquer entidade familiar, não apenas a formada pelo casamento entre homem e mulher, mas sim a entidade movida pelo afeto entre seus integrantes.
O caráter plural das famílias traz como reflexo uma nova forma de aplicação da responsabilidade civil nas relações familiares, mas especificamente nas relações conjugais. O Código Civil no seu art. 1566, I, tutela o dever de fidelidade recíproca na relação casamentaria, evidentemente influenciado pelo tradicional conceito de família, resumido aquela celebrada pelo casamento entre homem e mulher. Neste viés, Maria Berenice dias prescreve que:
O primeiro dos deveres de um cônjuge para com o outro é o de fidelidade recíproca, que, segundo Clóvis Beviláqua representa a natural expressão da monogamia, não constituindo tão somente um dever moral, sendo exigido pelo direito em nome dos superiores interesses da sociedade. A fidelidade, com certeza, só se tornou lei jurídica, isto é, um dos deveres do casamento, porque o “impulso” da infidelidade existe...Daí a imposição de um interdito proibitório à infidelidade (MARIA BERENICE DIAS, Manual de Direito das Famílias, p.261, ed. 8).
Em um viés tradicional e retrógado do direito da família, este dispositivo pode ser interpretado como norma de ordem pública, ou seja, é dever dos consortes no decorrer da relação casamentaria que não pode ser renunciado pelos consortes.
Contudo, a evolução social, acompanhada também pelo constituinte de 1988, traz o caráter plural das entidades familiares, situação em que, os deveres do casamento não podem mais ser considerados como de ordem pública, e sim como norma supletiva, pois, como cediço, o afeto entre os partícipes é o critério utilizado para a existência de uma entidade familiar, razão pela qual, cada casal pode conceber diversos outros deveres conjugais diferentes dos prescritos pela norma civil. Como exemplo, o Código Civil tutela o dever de fidelidade recíproca entre os cônjuges, contudo, cada casal pode entender que esta conduta não tenha relevância para eles, preferindo, destarte, renunciar a esta prescrição legal. Evidentemente, o dever de fidelidade recíproca é visto como imprescindível na maioria das relações conjugais, muito influenciado pelos ditames monogâmicos da Igreja Católica ao longo dos tempos, razão pela qual, no caso concreto, é que deverá ser analisado, pelo juiz, se o dever de fidelidade reciproca foi ou não renunciado pelos consortes, caso tenha sido levado algum conflito ao judiciário.
É de bom alvedrio lembrar que o pacto antenupcial não é utilizado somente para a escolha de regime de bem diverso do escolhido por lei. É concebido na doutrina que o pacto antenupcial pode ser utilizado, também, como instrumento a alterar ou acrescentar outros deveres para os consortes quanto à sua relação casamentaria ou de união estável. Como bem pondera Cristiano Chaves:
Afinal, o preceito não é a toda evidência, de interesse público, dizendo respeito, essencialmente, à vontade dos particulares – e mais ninguém! Se o casal pretende dispensar, reciprocamente, a fidelidade ou a coabitação é prerrogativa privada, até porque se quiserem assim proceder, não será a lei que obstará (CRISTIANO CHAVES; NELSON ROSENVALD, Curso de Direito Civil p. 371, ed.4).
O referido mestre concebe uma limitação a esta autonomia da vontade, que seria a dignidade da pessoa humana que, evidentemente, deve ser respeitado por ser um vetor axiológico da nossa Carta Magna. Todavia, pensamos que o pacto antenupcial não pode ser considerado como condição sine qua non para que os consortes alterarem as disposições referentes aos deveres do casamento, vide a fidelidade recíproca. Tal negocio jurídico pode ser visto como um instrumento capaz de provar a existência de alterações nas clausulas acerca dos deveres casamento ou da união estável, porém essas disposições podem já serem validas tacitamente pelos nubentes, caso em que o interessado deverá provar a existência destes em juízo.
Outro ponto interessante é se há necessidade de dissolução do casamento ou da União para a reparação dos danos morais advindo do ato de infidelidade conjugal. Neste ponto há pensamentos diversos, como a tese defendida pelo autor Denigelson da Rosa Ismael, que afirma que a conduta do nubente infiel deve ser capaz de gerar a insuportabilidade da vida em comum, situação em que a dissolução do casamento ou da união estável se torna requisito para a caracterização da reparação do dano moral. O autor afirma que:
Diante desta monta, a infidelidade conjugal, vista sob o aspecto da responsabilidade civil, como já tratada, gera a possibilidade de indenização por dano moral quando da dissolução do casamento do vinculo matrimonial – casamento ou união estável – for baseada, exclusivamente, na insuportabilidade da vida em comum pela violação dos deveres oriundos de tais relações. Isso significa dizer que não pode o Direito de Família ficar alheio e imune aos danos ocasionados no seio familiar diante da omissão legislativa em não adicionar uma norma específica sobre danos praticados pelos cônjuges ou companheiros (DANIGELSON DA ROSA ISMAEL. A responsabilidade civil pelo fim pelo fim do convívio em comum: A (im) possibilidade de indenizar face infidelidade conjugal, p. 19, www.bdjur.stj.gov.br).
Seguindo este mesmo intelecto, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald prescrevem que a mantença da vida em comum após ter ocorrido a pratica de infidelidade conjugal por um dos nubentes e, a posterior ação de separação calcada na violação do dever de fidelidade configura o “venire contra factum proprium”, que consiste na proibição de comportamentos contraditórios por parte da vitima que sofreu o ato infiel. O “venire” consiste numa ramificação da boa fé objetiva, principio inerente em todas as relações jurídicas, aplicando-se, destarte, nas relações afetivas. O cônjuge ou o companheiro que sofreram o ato de infidelidade conjugal necessitam não mais manter a vida em comum para que sejam legitimados a ajuizar a ação de separação, sob pena de caracterizar comportamento contraditório pelos mesmos e, por conseguinte, haver a perda do direito supramencionado.
...também é possível vislumbrar a caracterização do venire contra factum proprium na conduta do cônjuge que, após ter sido vítima de um adultério, perdoa o seu consorte e continua vivendo harmonicamente, mantendo a vida conjugal em comum. Nesse caso, a continuidade da vida afetiva cria no outro a justa e legítima expectativa de ocorrência de um perdão tácito, motivo pelo qual não se lhe permitirá, posteriormente, ajuizar uma ação de separação calcada na alegação de violação do dever de fidelidade (CRISTIANO CHAVES; NELSON ROSENVALD, Curso de Direito Civil p. 148, ed.4).
Com o surgimento do divórcio, não há necessidade de um dos nubentes propor a ação de separação e, por consequência, não se questiona mais a culpa neste terreno. Todavia, para efeitos de reparação de dano moral advindo do ato de violação do dever de fidelidade, o “venire contra factum proprium” é aplicado também nestes casos conformes os autores mencionados, devido à semelhança dos casos analisados.
Mais uma vez, utilizando de todas as vênias possíveis, afirmar que a mantença da vida conjugal configuraria comportamento contraditório é impor um ônus exacerbado ao consorte vítima, visto que, no caso concreto, há diversas pessoas que podem sofrer o ato de infidelidade e preferirem manter a sua relação conjugal. Vejo com intransigência a ideia da doutrina em presumir como perdão tácito a não dissolução do casamento ou da união estável para fins de reparação do dano moral advindo da violação do dever de fidelidade, como se para a violação da honra do consorte infiel fosse exigido a não manutenção da relação conjugal, situação que configuraria uma intransigência desmotivada na vida privada dos consortes, pois cada indivíduo numa relação afetiva pode preferir manter a relação conjugal mesmo tendo sido vitima da desonra praticada pelo outro nubente. O sentimento de afeto do nubente vítima ainda pode existir mesmo tendo sido vítima do ato de infidelidade, situação em que este pode optar em manter a sua relação matrimonial e ter sofrido a mácula na sua honra. O Estado deve tutelar o direito personalíssimo à honra dos integrantes da relação afetiva independentemente de qualquer circunstância. Não é por outro motivo que “a violação desse dever poderá, independentemente da dissolução da sociedade conjugal ou da relação de companheirismo, gerar consequências jurídicas, inclusive indenizatórias” (PABLO STOLZE GAGLIANO; RODOLFO PAMPLONA FILHO. Novo Curso de Direito Civil, Direito de Família, ed.1, vol. 6, 2011, p. 287).
3. A Manifestação de Vontade – e não o desafeto – como causa ensejadora do ato de Infidelidade Conjugal.
A aplicação da teoria geral da responsabilidade civil nas relações familiares é tema dos mais debatidos na seara do direito. Diversas vozes ecoam no sentido de uma aplicação suavizada da referente teoria no âmbito familiar, pois este, diferentemente das relações contratuais – que é regido pela manifestação de vontade – rege-se pelo sentimento de afeto. Evidentemente, não é intuito deste labor sublinhar as nuanças filosóficas e psicológicas do conceito de afeto, pois seria um dispêndio excessivo e que fugiria dos objetivos desta obra. Todavia, será necessário explicitar alguns conceitos acerca do afeto, já que a doutrina o utiliza como argumento para negar a aplicação da responsabilidade civil em determinadas circunstâncias no Direito das Famílias, mas especificamente nos deveres conjugais.
De inicio, vale mencionar o conceito e características da Responsabilidade Civil. Primeiramente, esta teoria pode ser intitulada de uma forma mais abrangente, pois entendo como tema de toda a ciência jurídica. Seu conceito, seus elementos e características são capazes de regular e pacificar todas as áreas do direito, não somente a civil, caso em que prefiro denomina-la como teoria da responsabilidade do direito. O conceito de responsabilidade civil, em apertada síntese, é a obrigação do agente em reparar o dano causado à vítima. Esta obrigação surge quando alguém viola um dever jurídico originário, que consiste na “conduta externa de uma pessoa imposta pelo Direito Positivo por exigência da convivência social” (SERGIO CAVALIERI FILHO. Programa de Responsabilidade Civil, 2010, ed.9, p.96), que, por conseguinte, acarreta o dever jurídico sucessivo, qual seja, a obrigação de indenizar a vítima. A responsabilidade civil para restar configurada precisa da existência de três elementos. A primeira seria a conduta culposa, que seria uma ação ou omissão do agente, mediante dolo ou negligência, imprudência ou imperícia que gerasse um dano a vitima; sendo este mais um elemento da teoria, podendo ser de ordem material ou moral. Por fim, como ultimo elemento, há o nexo causal, que consiste na relação de causa e efeito existente entre a conduta e o dano. Existentes esses três elementos, imputa-se a responsabilidade de reparar o dano ao agente.
Inserindo estes conceitos na seara do direito das famílias, percebe-se a dificuldade de alguns em adaptar os ilícitos cometidos nas relações familiares aos elementos caracterizadores da responsabilidade civil. No que concerne ao dever jurídico de fidelidade reciproca, a autora Maria Berenice Dias afirma que o descumprimento do dever conjugal por um dos consortes não enseja responsabilização de reparar o dano, pois as relações familiares, diferentemente das relações obrigacionais que se consubstanciam na manifestação de vontade, são movidas pelo afeto, sentimento sincero do ser humano. Afirma a autora:
Os vínculos afetivos não são singelos contratos regidos pela vontade. São relacionamentos que tem como causa de sua constituição o afeto. Basta ver o rol de deveres impostos ao casamento (CC1. 566) e a união estável (CC1. 724). Assim, quando o amor acaba, não há como impor responsabilidade indenizatória... a violação desses deveres não constitui, por si só, ofensa à honra e à dignidade do consorte, a ponto de gerar obrigação indenizatória por danos morais (MARIA BERENICE DIAS. Manual de Direito das Famílias, 2010, 6º ed., p.121).
A referida autora imputa como causa ensejadora do ato de violação dos deveres conjugais como o desafeto, razão pela qual a falta de amor de um consorte perante outrem, como origem motivadora da possível conduta ilícita, não pode ser responsabilizado a reparar o possível dano sofrido. Com todas as vênias possíveis, algumas incongruências existem nesta tese. Primus, não é o afeto a causa ensejadora do ato de desrespeito aos deveres conjugais. Evidentemente, o amor, carinho, solidariedade reciproca entre os consortes, são sentimentos sinceros que fogem da seara da racionalidade humana, que, por consequência, não podem ser valorados a titulo de possível responsabilização. Seria um grande absurdo imputar responsabilização a alguém que deixa de amar e dar carinho ao seu consorte, pois geraria uma insegurança jurídica tamanha, levando a descrédito todo o nosso ordenamento jurídico e nosso poder judiciário. O que se quer afirma é que o desafeto não pode legitimar qualquer conduta que viole o dever de fidelidade recíproca, pois não é porque não se ama mais que é permitido cometer o ato de infidelidade. A ideia preconizada pela autora permite interpretarmos que o desafeto consiste em algum tipo de excludente de nexo causal, permitindo, destarte, que o nubente pratique condutas violadoras ao art. 1566 do Código Civil. Em que pese ser o afeto o critério caracterizador de uma entidade como familiar, a falta de afeto por um dos consortes não pode legitimar qualquer conduta que desrespeite a expectativa gerada ao outro nubente. O desafeto não gera, ipso facto, a dissolução do casamento e os deveres conjugais. Mesmo que o amor não esteja presente entre os consortes, a exigência da fidelidade recíproca se mantém, ao menos que haja a dissolução do casamento ou da união estável. O que deve ser analisado é que não é o desafeto que motiva a conduta do consorte infiel, e sim a sua manifestação de vontade livre e racional, que a priori, não se encontra viciada. A boa fé objetiva também é um argumento que tutela o consorte vitima. O princípio da confiança, que é inerente a boa fé objetiva, prescreve que os consortes devem respeitar às legitimas expectativas geradas pelo outro nubente, mesmo que não haja mais o afeto por parte de um deles. São os chamados deveres anexos e conexos da boa fé objetiva. Se o nubente infrator não sente mais afeto pelo seu outro consorte, o que se espera deste (consorte vítima) é que aquele (consorte infiel) não pratique o adultério na constância da relação casamentaria ou da união estável, ou que dissolva a relação antes de cometer tais praticas, sob pena de gerar graves prejuízos à personalidade da vitima.
Ainda nesta linha de raciocínio, os juristas Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald possuem a mesma opinião ofertada pela supracitada autora:
A aplicação das regras da responsabilidade civil na seara familiar, portanto, dependerá da ocorrência de um ato ilícito, devidamente comprovado. A simples violação de um dever decorrente de norma de família não é idônea, por si só, para a reparação de um eventual dano. Assim, a pratica de adultério, isoladamente, não é suficiente para gerar dano moral indenizável. No entanto, um adultério praticado em local público, violando a honra do consorte, poderá gerar dano a ser indenizado, no caso concreto. (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS; NELSON ROSEVALD. Curso de Direito Civil, 2012, 4º ed., p. 163).
Os referidos autores afirmam que a simples violação aos deveres do casamento, no caso "sub examine", o dever de fidelidade recíproca, não ensejam responsabilização civil por não ser capaz de gerar o dano. Afirmam que o dano deve ser notório, como, por exemplo, em público, para que configure a violação aos art. 186 e 187, ambos do Código Civil. Mais uma vez, data vênia, não advogo desta mesma tese. Ao que parece os referidos mestres estipulam como critério ensejador do dano a notoriedade do fato. Se a conduta for notória, explicita, como por exemplo, praticado em público, só assim resta configurado a existência do dano moral, e, por conseguinte, a responsabilização de reparação do mesmo. Ora, no nosso ver, independentemente da notoriedade do fato, há sim o dano. O que talvez diferencie um fato notório de um fato não notório, ou “às escondidas”, é a extensão do dano acarretado para efeitos de apuração do “quantum debeatur”.
O dano moral, por configurar uma violação aos direitos da personalidade, não tem como ser apurado aritmeticamente, como no dano material. Este deve ser restituído, enquanto aquele deve ser recompensado. Um dano a um direito à personalidade não tem como ser provado, devido ao grau de subjetividade desta prerrogativa, caso em que a doutrina conceitua o dano moral como in re ipsa, ou seja, caraterizado o fato, configurada esta a existência do dano moral. Nas palavras de Sergio Cavalieri Filho:
Em outras palavras, o dano moral existe in re ipsa; deriva inexoravelmente do próprio fato ofensivo, de tal modo que, provada a ofensa, ipso facto esta demonstrado o dano moral a guisa de uma presunção natural, uma presunção hominis ou facti, que decorre das regras de experiência comum (SERGIO CAVALIERI FILHO. Programa de Responsabilidade Civil, 2010, ed.9º, p.90).
Como o dano moral é comprovado pela própria existência do fato, resta saber qual o critério utilizado para aferir de o fato praticado pelo agente é ofensor ou não ao direito da personalidade da vítima. Para tal mister, a doutrina civilista afirma que o juiz deve-se utilizar da figura do homem médio como base para aferir se a conduta pratica pelo agente fere ou não os direitos da personalidade da vítima. O homem médio deve ser visto como àquele indivíduo comum a todas as pessoas de determinada comunidade ou contexto social inserido no local da pratica do ato ilícito. Para que se chegue a este fim, necessário que o juiz utilize da técnica da razoabilidade e proporcionalidade, chegando, destarte, a um individuo com características que represente todos os integrantes do local do fato. Nesta linha de debate, prosseguimos com Sergio Cavalieri Filho, quando afirma:
Este é um dos domínios onde mais necessárias se tornam as regras da boa prudência, do bom senso prático, da justa medida das coisas, da criteriosa ponderação das realidades da vida. Tenho entendido que, na solução dessa questão, cumpre ao juiz seguir a trilha da lógica do razoável, em busca da concepção ético-jurídica dominante na sociedade. Deve tomar por paradigma o cidadão que se coloca a igual distancia do homem frio, insensível, e o homem de extremada sensibilidade. (SERGIO CAVALIERI FILHO. Programa de Responsabilidade Civil, 2010, ed.9º, p.86).
Ora, é cediço que o ato de infidelidade conjugal descumpre a norma do art. 1566 do Código Civil. Contudo, resta saber se este ato configura ofensa aos direitos da personalidade do outro consorte, visto que se a resposta for positiva, o dano moral está caracterizado in re ipsa. Visto isto, é possível afirmar, que de acordo com o homem médio, se o ato de infidelidade conjugal praticado pelo consorte ofende os direitos da personalidade do outro nubente? Ora, independentemente da forma que o ilícito foi praticado - se ao público ou “às escondidas”- há sim ofensa à personalidade de qualquer individuo na sociedade brasileira. A figura do adultério, ainda é, na sociedade brasileira, causa que enseja dor, humilhação e tristeza na dignidade de qualquer individuo, mesmo que a conduta do consorte infiel tenha sido praticada da forma mais cuidadosa possível. Evidentemente que o adultério praticado ao público terá maiores proporções ao nubente vitima, pois além de ofender a denominada honra subjetiva, ofenderá, também, a honra objetiva, que consiste na reputação do individuo perante o contexto social em que está inserido. Ainda nesta temática, prossegue Sergio Cavalieri Filho:
Em suma, os direitos da personalidade podem ser realizados em diferentes dimensões e também podem ser violados em diferentes níveis. Resulta daí que o dano moral, em sentido amplo, envolve esses diversos graus de violação dos direitos da personalidade, abrange todas as ofensas à pessoa, considerada esta em suas dimensões individual e social, ainda que sua dignidade não seja arranhada (SERGIO CAVALIERI FILHO. Programa de Responsabilidade Civil, 2010, ed.9º, p.86).
O referido mestre explicita a diversas dimensões possíveis à violação aos direitos da personalidade, não apenas na sua dimensão pessoal, mas também na sua dimensão social, ou seja, a violação a honra objetiva do individuo, caso em que, praticado o ato de infidelidade conjugal, o consorte vitima sofrerá, tanto na sua dimensão individual (honra subjetiva), quanto na sua dimensão social (honra objetiva).
4. A Honra como especial Direito da Personalidade
A Constituição Federal de 1988 foi elaborada com finalidade de tutelar a pessoa humana, razão pela qual é denominada como carta cidadã. Ela possui como conteúdo diversas prerrogativas, tidas como fundamentais, em prol de todos os indivíduos, considerado como direitos necessários a uma vida digna em sociedade. Os direitos fundamentais possuem uma qualidade diferenciada em relação às prerrogativas comuns. Por serem direitos caracterizados por um alto grau de relevância, suas atribuições são vistas pelo Estado como de ordem pública, situação em que o individuo não pode deles dispor.
Visto como um vetor axiológico de todo o ordenamento jurídico e prescrito no art. 1 da CF/88, a dignidade da pessoa humana, sem receio da afirmativa, é o direito fundamental que norteia todos os ramos do direito e de toda a coletividade. Pode ser definido como um valor que o Estado e a sociedade devem tutelar para a garantia de uma vida digna a todos os indivíduos. O direito à vida não é visto somente como a prerrogativa de poder estar vivo, mas sim na exigência de que todo cidadão deve ter prerrogativas mínimas que lhe darão suporte para obter uma vida digna. Não é por outro motivo que:
...o postulado fundamental da ordem jurídica brasileira é a dignidade da pessoa humana, enfeixando todos os valores e direitos que podem ser reconhecidos à pessoa humana, englobando a sua afirmação de sua integridade física, psíquica e intelectual, além de garantir a sua autonomia e livre desenvolvimento da personalidade (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS; NELSON ROSEVALD. Curso de Direito Civil, Vol.1 2012, 10º ed., p. 160).
Prosseguindo neste viés temático, Sergio Cavalieri filho apud Kant, prescreve que:
A dignidade é o valor de que se reveste tudo aquilo que não tem preço, ou seja, que não é passível de ser substituído por um equivalente. É uma qualidade inerente aos seres humanos enquanto entes morais. Na medida em que exercem de forma autônoma a sua razão prática, os seres humanos constroem distintas personalidades humanas, cada uma delas absolutamente individual e insubstituível. A dignidade é totalmente inseparável da autonomia para o exercício da razão pratica. A vida só vale a pena se digna (SERGIO CAVALIERI FILHO. Programa de Responsabilidade Civil, 2010, ed.9º, p.83).
Ainda, sobreleva sublinhar que a dignidade da pessoa humana possui duas feições. A primeira, a feição positiva, consiste na obrigatoriedade que todas as normas infraconstitucionais tutelem, direta ou indiretamente, a dignidade do individuo. A segunda, a feição negativa, consiste na obrigação do Estado e de toda a sociedade em abster-se de determinadas condutas que possam, eventualmente, restringir ou desrespeitar o vetor axiológico da Constituição, qual seja, a dignidade da pessoa humana.
Com base nesses postulados supramencionados, a personalidade jurídica é um atributo reconhecido a toda pessoa para ser sujeito e direitos e deveres, como também, reclamar uma proteção jurídica mínima, ou melhor, exigir do Estado e da comunidade, respeito às suas prerrogativas fundamentais tuteladas pela Lei Maior, com forte apoio na dignidade da pessoa humana. Destarte, personalidade jurídica e dignidade da pessoa humana se convergem, mas possuem distinções. Aquela é um atributo a toda e qualquer pessoa para praticar atos jurídicos e reclamar a tutela de prerrogativas mínimas para a existência de uma vida digna, enquanto esta é à base de fundamentação para a existência dos direitos da personalidade, caracterizado como um valor-fim projetado pela Constituição Federal, elevando o ser humano ao objetivo maior de todo o ordenamento, impondo respeito não só pelo Estado, mas também a toda a coletividade.
Mais uma vez, excelente posicionamento de Cristiano Chaves e Nelson Rosenval, quando afirmam que:
A personalidade jurídica é, assim, muito mais do que, simplesmente, poder ser sujeito de direitos. Titularizar a personalidade jurídica significa, em concreto, ter uma tutela jurídica especial, consistente em reclamar direitos fundamentais, imprescindíveis ao exercício de uma vida digna (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS; NELSON ROSEVALD. Curso de Direito Civil, 2012, 4º ed., p. 168).
Assim, não é mais assente na doutrina que a personalidade jurídica tenha apenas uma atribuição. Além de possibilitar a toda pessoa a pratica de atos jurídicos permite, também, a reclamação de direitos mínimos, imprescindíveis à existência de uma vida digna, direitos estes denominados de direitos da personalidade.
Os direitos personalíssimos são inúmeros no nosso ordenamento jurídico. Consubstanciado na dignidade da pessoa humana, a lei Civil não pode estabelecer taxativamente todos os direitos da personalidade, pois a dignidade humana sempre é alvo de novas interpretações e, como cediço, é o valor maior objetivado pela carta magna. Todavia, dentre os diversos direitos personalíssimos tutelados no ordenamento, interessa-nos o direito à honra. Este, sem dúvidas, é um direito especial dentre os conhecidos direitos da personalidade. A honra, na sociedade brasileira, sempre foi vista como um atributo que merece todo o respeito. Numa era em que vivemos a flexibilização do direito à privacidade, motivado pela renuncia de alguns com o uso das redes sociais, a honra, a contrario sensu, sempre foi vista de forma absoluta, não sendo admitida a sua violação em nenhuma hipótese.
Como cediço na nossa doutrina, a honra tem dois sentidos. Primeiro há a honra objetiva, que consiste na reputação da pessoa perante terceiros. Já a honra subjetiva, consiste no julgamento que a própria pessoa faz de si mesma. “É a autoestima, o sentimento de valorização pessoal, que toca a cada um” (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS; NELSON ROSENVALD. Curso de Direito Civil, 2012, 4 ed., vol.1, p. 255). Sendo assim, não há duvidas de que é possível a reparação do dano moral independentemente das consequências sociais do ato ilícito. No caso do ato de infidelidade conjugal, não é o fato do adultério não ter sido praticado ao público que não há dano moral. O adultério praticado ao público deve ser visto como critério para aferir o “quantum debeatur”, pois a nubente vítima sofre de uma desvalorização pessoal, ou melhor, tem prejuízos na sua honra subjetiva, mesmo que o fato tenha sido praticado à surdina.
A personalidade humana tem como “locus” principal para o seu desenvolvimento a família. É nesta comunidade afetiva que o indivíduo inicia sua formação cultural e intelectual. Noções conceituais como solidariedade, profissão, caráter, companheirismo, dentre outros, são aperfeiçoados dentro do ambiente familiar por todos os indivíduos, razão pela qual, é a família a base da sociedade, como bem leciona nossa carta cidadã.
A família sendo a base para o desenvolvimento da personalidade dos seus integrantes, evidentemente que os direitos da personalidade devem ser mais elevados e valorados neste ambiente afetivo. A família moderna não é mais tutelada por si mesma, sendo vista de forma instrumental, ou seja, ela existe com o único intuito de tutelar o desenvolvimento da pessoa humana. Não é por outro motivo que:
...a família existe em razão de seus componentes, e não estes em função daquela, valorizando de forma definitiva e inescondível a pessoa humana. É o que se convencionou chamar de família eudemonista, caracterizada pela busca da felicidade pessoal e solidária de cada um de deus membros, Trata-se de um novo modelo familiar, enfatizando a absorção do deslocamento do eixo fundamental do Direito das Famílias da instituição para a proteção especial da pessoa humana e de sua realização existencial dentro da sociedade (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS; NELSON ROSEVALD. Curso de Direito Civil, 2012, 4º ed., p. 48).
A honra, como peculiar direito personalíssimo, deve ser visto com muita cautela nas relações familiares, limitando qualquer conduta dos seus integrantes que possam violar esta prerrogativa intrínseca do ser humano. Destarte, resta evidenciado mais uma razão para que o ato de infidelidade conjugal praticado por um dos consortes seja passível de indenização, pois a violação a honra (tanto objetiva, quanto subjetiva) no seio familiar pode acarretar maiores prejuízos do que a violação a honra em outros seios sociais. O nubente vítima de infidelidade conjugal sofre uma mácula indescritível na sua honra, já que é a família o núcleo primordial para o desenvolvimento de suas características personalíssimas.
5. As possíveis formas de cometimento do ato de infidelidade conjugal. Adultério x Traição.
A conduta ilícita praticada pelo cônjuge ou companheiro infiel pode ser materializada de diversas formas. Em outras épocas já foi tipificado com crime a prática de adultério, que consistia na prática de relações sexuais, pelo cônjuge, com terceira pessoa estranha ao matrimônio. Hodiernamente, não se concebe mais apenas a pratica de relações sexuais como única causa de infidelidade conjugal, havendo um maior alargamento das possibilidades de condutas ilícitas, em prol da valorização do respeito mutuo que deve nortear os partícipes de uma entidade familiar.
Mas, um ponto merece ser esclarecido antes da análise desta temática. Qual a “ratio essendi” da fidelidade recíproca inserida na norma do Código Civil? Como já dito alhures, a exigência da fidelidade recíproca entre os cônjuges ou companheiros é interpretada como norma supletiva, ou seja, é uma faculdade posta aos nubentes na escolha desta exigência como dever jurídico ínsito à relação conjugal. Contudo, o legislador utilizou de uma clausula geral ao prescrever a fidelidade recíproca, merecendo nossos aplausos, pois este conceito pode variar de acordo com o tempo e seus costumes locais, situação que, exige do aplicador do direito adaptar este conceito conforme o caso concreto se apresenta.
A ilustre mestra Maria Berenice dias não dá contornos de dever jurídico à norma da fidelidade recíproca e nem a nenhum outro dever do casamento. A autora afirma que o dever de fidelidade é uma norma social, estrutural e moral, porém, apesar de constar como dever do casamento, a violação da mesma não admite punição, tanto na esfera penal, quanto na esfera civil (2011). Prossegue a autora afirmando que há a exigência moral da fidelidade, pois existe um impulso a infidelidade por parte dos indivíduos, razão pela qual existe uma espécie de interdito proibitório à infidelidade.
A contrario sensu, há aqueles que definem a fidelidade reciproca como um dever jurídico, conceituando como a necessidade de que cada consorte de abstenha de praticar atos sexuais com terceiros estranhos a relação. Esta é o pensamento externado pela tradicional autora Maria Helena Diniz, quando afirma que:
O dever moral e jurídico de fidelidade mútua decorre do caráter monogâmico do casamento e dos interesses superiores da sociedade, pois constitui um dos alicerces da vida conjugal e da família matrimonial. Consiste o dever de fidelidade em abster-se cada consorte de praticar relações sexuais com terceiro (MARIA HELENA DINIZ; Curso de Direito Civil Brasileiro. Direito de Família, 2011, 26 ed., p.145).
Em oposição à tese advogada pela referida autora, Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald criticam o tradicional conceito dado à prática de adultério, qual seja, o ato de conjunção carnal pelo coito vaginal praticado pelo cônjuge ou companheiro com terceiros estranhos à relação. Para os referidos autores, a análise da fidelidade recíproca deve estar atrelada ao dever de respeito e consideração mútuos, inseridos no inciso V do art. 1566 do Código Reale, pois a confiança estabelecida entre os participes da relação conjugal denota não só a exigência de não praticar relações sexuais com terceiros, mas sim a abstenção de toda e qualquer pratica que possa gerar desequilíbrio na relação (2012). Evidentemente que essas outras práticas injuriosas capazes de violar o dever de fidelidade recíproca vão depender do caso concreto apresentado ao operador do direito, situação que merece a utilização da razoabilidade como instrumento pacificador de conflitos.
...o respeito recíproco entre os cônjuges precisa ser compreendido na complexidade social e na confiança estabelecida entre o casal, permitindo notar uma perspectiva bem mais ampla do que, tão somente, uma visão sexual. (CRISTIANO CHAVES DE FARIAS; NELSON ROSEVALD. Curso de Direito Civil, 2012, 4º ed., p. 297).
A nosso ver, a ideia preconizada por Cristiano Chaves e Nelson Rosenvald se adequa melhor aos novos contornos do Direito das Famílias. O intérprete não pode impor uma única conduta como violadora ao dever de fidelidade, pois a tutela da dignidade da pessoa humana exige não só o respeito à dignidade sexual dos cônjuges ou companheiros, mas sim, respeito à moral dos integrantes da relação afetiva, já que a mesma não é violada apenas com a prática de relações sexuais com terceiros estranhos a relação, mas sim com qualquer prática passível de gerar desrespeito aos integrantes da relação conjugal.
Diante deste maior alargamento das condutas passíveis de violar o dever de fidelidade, torna-se necessário delimitar os conceitos de adultério e traição. A prática adulterina, como dito, resumia-se ao ato de conjunção carnal, mediante penetração do pênis na vagina, praticado pelo nubente com terceiros estranhos à relação matrimonial. Numa tentativa de alargar este conceito, Pablo Stolze Gagliano e Rodolfo Pamplona Filho prescrevem uma tipologia especial para a prática de adultério. A primeira espécie seria o quase adultério, situação em que os parceiros trocam carícias sem a consumação do ato sexual. A próxima modalidade adulterina é o chamado adultério inocente. Este consiste no caso da inseminação artificial heteróloga, sem a necessária autorização do marido. Evidentemente que esta modalidade pode gerar algumas controvérsias, pois não há o contato físico entre os indivíduos. Contudo, advogo a tese de que não é necessário o contato físico entre o nubente e o terceiro para que caracterize a infidelidade conjugal. A terceira modalidade proposta pelos referidos autores é o chamado adultério precoce, que ocorre quando o cônjuge abandona o outro, de forma infamante, logo após a celebração do casamento. Por fim, segundo os referidos mestres, há o adultério virtual que, moldando aos avanços tecnológicos dom mundo moderno, consiste na relação de afeto e intimidade praticada pelos nubentes com terceiros estranhos ao matrimonio, pela via eletrônica (2011).
A nosso ver, é mais simples mantermos o tradicional conceito do adultério, qual seja, a prática de conjunção carnal e inserirmos no conceito de traição todas as outras práticas passíveis de violar o dever de fidelidade. Destarte, além do adultério propriamente dito como causa geradora da infidelidade conjugal, a traição, que engloba toda e qualquer conduta injuriosa e difamatória praticada pelo cônjuge ou companheiro, também será passível de violar o dever de fidelidade recíproca preconizado pelo Código Civil.
No que tange a denominada infidelidade virtual, ou como preconizado por Pablo Stolze e Rodolfo Pamplona Filho de adultério virtual (2011), alguns questionamentos há de serem feitos, pois a contrassensos na doutrina neste aspecto. A Internet, considerada como meio de troca de dados pela via eletrônica, nos possibilitou uma nova forma de relacionamento humano. A falta de contato físico no mundo virtual estimulou diversas pessoas, principalmente as tímidas, a preferirem o relacionamento pela via eletrônica. Diante desta monta, hodiernamente diversas pessoas mantem relações intimas nestes “locus”, às vezes motivadas pela medíocre vida conjugal que vivem. Pois bem, o relacionamento virtual é uma realidade e o direito deve se adequar, sob pena de seus dispositivos se tornaram inócuos frente aos casos concretos, gerando, destarte, a não pacificação social dos conflitos.
Para incrementar a temática, trazemos à baila a tese defendida pela mestra Maria Berenice Dias, para quem não concebe como infidelidade conjugal a pratica de contatos íntimos e afetivos pela via virtual. A autora afirma que:
Não cabe nominar de descumprimento do dever de fidelidade a relação erótico-afetiva quando inexiste qualquer postura que afronte o dever de respeito que deve reger as relações interpessoais. Ora, não há como falar em traição quando alguém se relaciona com outro exclusivamente por meio de trocas virtuais. Não se pode confundir o mero ciúme do cônjuge, que se considera preterido pelo momento prazeroso desfrutado pelo parceiro, com infidelidade ou adultério. Ninguém pode ser considerado culpado por fazer uso de um espaço imaginário e se relacionar com uma pessoa “invisível”. Postados diante do terminal computador, há o mergulho em uma realidade diversa, na qual não há mais separação entre o ator, a plateia e o palco: tudo se confunde, nada/tudo existe... A imposição do dever de fidelidade simplesmente visa a impedir a concepção de prole ilegítima. Assim, somente na hipótese de haver o risco de os relacionamentos gerarem contatos sexuais é que haveria a possibilidade de se cogitar de infidelidade ou adultério (MARIA BERENICE DIAS. Manual de Direito das Famílias, 2010, 6º ed., p.264-265).
A referida autora advoga a ideia de que o relacionamento virtual não pode ser considera como violador do dever de fidelidade, pois este espaço é imaginário e que a pessoa a quem se esta mantendo a relação virtual é do tipo “invisível”. Data vênia, pensamos que não é esta a visão mais equânime da circunstância. O mundo virtual não pode ser definido como imaginário, já que este adjetivo seria plausível se esse novo “locus” fosse criação do nosso pensamento. O mundo virtual é uma realidade criada pelo intelecto humana e com o uso da tecnologia. O real não pode ser apenas o relacionamento humano pelo contato físico, pois as trocas de informações feitas pela via eletrônica são manuseadas por pessoas. Maior contrassenso é qualificar as pessoas que se relacionam pela internet como invisível, pois, evidentemente, elas existem. Contudo, o ponto nevrálgico para definir se o contato íntimo pela via virtual configura infidelidade conjugal é analisar se este fato ofende a honra do cônjuge ou companheiro vítima do ato cometido pelo seu consorte. Vejamos, já foi dito que para apurar se tal fato violou ou não algum direito da personalidade, resta necessário utilizarmos da figura do homem médio inserido no contexto no caso concreto, já que, como cediço, o dano é in re ipsa, ou seja, inerente ao próprio fato. Pois bem, mediante esta técnica, defendemos que a pratica de contatos íntimos virtuais exercidos pelos cônjuges ou companheiros com terceiros estranhos ao matrimonio configura violação ao dever de fidelidade. Não há duvidas de que este fato possa gerar uma macula na honra do consorte vítima, pois o respeito ao outro não se limita a não manter contatos físicos injuriosos com terceiros, mas sim a obediência, também, ao respeito moral. Ações libidinosas pela internet ofendem a honra do seu cônjuge ou companheiro, razão pela qual viola explicitamente o dever de fidelidade recíproca prescrito no art. 1566 do Código Reale. Como derradeiro, não concordamos com a tese de que o dever de fidelidade recíproco seja exigível apenas em situações que em há a possibilidade de haver o ato sexual. Utilizando do primado basilar de hermenêutica, o interprete não pode restringir onde o legislador não quis tal monta. O dever de fidelidade recíproca é uma norma confeccionada mediante a técnica das clausulas gerais, tendo estas o intuito de adequar o seu conteúdo de acordo com o contexto cultural do caso concreto.
6.Conclusão
Após o labor cientifico elaborado, restam necessárias algumas conclusões finais a cerca da temática. Em que pese ser o afeto o critério norteador para a caracterização de uma entidade como familiar, não é este sentimento quem motiva a conduta do consorte infiel. Evidentemente, que não se pode exigir que um cônjuge ou companheiro tenha amor pelo outro consorte, pois este sentimento é natural, inconsciente, incontrolável, ração pela qual não se pode imputar responsabilidade a alguém pela falta do mesmo, pois foge da racionalidade humana. Todavia, o ato de infidelidade conjugal não está necessariamente consubstanciado na falta de afeto, pois, no nosso sentir, quem pratica o ato de infidelidade conjugal age na seara da racionalidade.
O dever de fidelidade recíproca, em que pese se uma norma de caráter supletivo é dever jurídico inserido na maioria das relações casamentarias e de união estável. Independentemente da existência do afeto, o dever de fidelidade é a expectativa gerada ao outro consorte, que, consubstanciado na boa fé objetiva, impõe aos casados e companheiros respeito a este dever. Se por ventura uma pessoa deixa de amar a outra, espera-se deste, ainda, o respeito à fidelidade, sob pena de gerar um grande impacto negativo na honra do outro nubente.
Outro ponto a ser concluído é que, não somente a honra objetiva da vítima é quem sofre com as consequência do ato de infidelidade conjugal. Não há dúvidas de que a traição cometida com descrição, de forma não pública, ofenderá a honra subjetiva da vítima. A ofensa à reputação da mesma pode ser levada em conta para efeitos de quantificação do dano moral, mas nunca único critério para haver violação a honra do consorte.
Por fim, esperamos que este trabalho científico traga utilidade, tanto no meio social, quanto na seara jurídica, em especifico nos tribunais e doutrina. Já é a hora de aplicarmos com mais efetividade a teoria da responsabilidade civil na seara do Direito das Famílias, pois, como já dito, é o ramo do direito que lida com o agrupamento social mais importante do indivíduo, pois é onde se desenvolve a nossa personalidade humana.
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