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Impacto da Lei nº 8.630/93 nas dinâmicas portuárias e relações internacionais brasileiras

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Agenda 24/07/2006 às 00:00

4. Panorama da infra-estrutura portuária pré e pós Lei de Modernização dos Portos

            A grande maioria dos portos brasileiros foi construída por meio de parcerias público-privadas, num regime de concessão por tempo determinado. Tais sítios tem suas raízes amplamente fincadas na iniciativa não governamental, datando da década de oitenta a última retomada de porto pelo Estado por motivo de abandono ou sub-utilização.

            A partir de meados do século XX, mais especificamente fins da década de 90 no caso brasileiro (abertura internacional ao fluxo de mercadorias), foram aceleradas as alterações nas práticas comercias, em especial no comércio internacional, dentre as quais se destaca a utilização extensiva de contêineres para o transporte da carga geral.

            Em tempos presentes, é espantosa a quantidade de valores que este modelo de unitização de carga transporta, tendo embarcações dedicadas ao seu deslocamento e linhas específicas de navios que podem ser utilizados pelos agentes de comércio internacional.

            Ocorre que a estrutura logístico-portuária nacional marcou passo na evolução mundial, ficando relegada a um nível sub-desenvolvido em termos de estruturas portuárias e terminais logísticos em geral, especialmente no âmbito dos terminais públicos.

            Desta forma, as iniciativas privadas passaram a assumir cada vez mais estruturas estatais, em regime de concessão, modernizando-as para os novos ritmos comerciais mundias, respondendo atualmente por mais de 80% das cargas brasileiras conteinerizadas.

            Os 20% restantes, movimentados por terminais públicos, sofrem quedas de produtividade e tendem, se nada for feito, a desaparecer do mapa das significâncias, em grande parte pelo reflexo do movimento de modernização portuária à partir da legislação referida, uma vez que a máquina estatal não tem se mostrado competente em atualizar suas infra-estruturas para suportar com segurança as operações portuárias.

            Visualizemos: a carga conteinerizada (produtos de maior valor agregado, industrializados ou não, transportados em embalagens próprias) é movimentada com equipamentos defasados tecnologicamente, quando existentes, aumentando os riscos para exportadores e importadores, aumentando os custos de frete internacional, seguros e, com isso, inviabilizando muitas vezes o fluxo por este meio, acelerando assim o ciclo de autofagia dos portos públicos.

            O número de portêineres (guindastes especializados para a movimentação de contêineres entre o cais e o navio) que operam nos portos brasileiros de natureza pública é ínfima, mesmo em comparação com os portos dos países vizinhos, também em desenvolvimento.

            Os poucos equipamentos que vinham em uso desde décadas passadas acabaram por restar inoperantes, deteriorados e, por fim, sucateados, reduzindo a capacidade operacional dos sítios portuários públicos e aumentando a demanda dos terminais concedidos à iniciativa privada, revelando mais uma vez a tendência Estatal de abrir mão, gradualmente, das operações logísticas marítimas e assemelhadas, muito embora pressões diversas não permitam a total saída do Estado destas operações.

            Assim, os resultados obtidos acabam sendo os previstos:

            - congestionamento nos portos;

            - dificuldade de modernizar os sistemas logísticos a fim de reduzir custos de trabsporte e agilizar procedimentos de mercadorias;

            - aumento da demanda por transporte rodoviário, mais poluente, menos eficiente, porém mais abrangente e mais ágil atualmente, causando depreciação das rodovias, deterioração do meio ambiente, abandono maior dos sítios portuários, aumento dos custos logísticos, dentre outros;

            - elevação do Custo-Brasil, valor adicionado ao custo do produto que consiste nos gastos necessários para superar deficiências estruturais, burocráticas, taxação governamental, dentre outro empecílios que mercadorias enfrentam ao tentar deixar o território nacional.

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            Com a implantação da Lei de Modernização dos Portos, em 25.02.93, foram ampliadas as condições para a transgressão de vários dos problemas, muito embora a velocidade de implantação tenha sido muito reduzida, basta perceber que embora a legislação date de 1993, muitas das privatizações essenciais aos novos tempos somente se realizaram em fins da década de 90.

            Apenas no ano de 1997 o país viu privatizados por concessão seus primeiros terminais, em troca de investimentos e redução de custos aos exportadores:

            - Rio Grande (Tecon);

            - Santos (Tecon e áreas vizinhas ao terminal T-37);

            - Rio de Janeiro (Tecon 1 e 2).

            As privatizações têm permitido uma agilização nos processos de modernização, acompanhando, dentro do possível, a expansão do comércio exterior a taxas superiores às do produto mundial, a realocação de plantas industriais e a reestrutração dos processos produtivos, que colocam novas necessidades para os portos, levando-os a superar o simples papel de elo modal entre terra e água.

            As comunidades litorâneas estão entre as que mais obtém lucros com o processo reformista, uma vez que suas estruturas modificam-se profundamente ao receber dos portos investimentos em diversificação de operações e recrutamento cada vez maior de mão-de-obra, a fim de suprir as demandas do mercado internacional e manter-se como porto ativo no panorama em que atua.

            Quanto às entidades que assumem os porto privatizados/concedidos, são em sua totalidade consórcios internacionais, de participação majoritária nacional, com intento de explorar comercialmente as estruturas e retribuir ao Estado na forma de geração de emprego, impostos, benfeitorias e compromissos diversos firmados nos contratos individuais de concessão.

            No que se refere ao compromisso sempre assumido pela redução dos valores de frete, a fim de facilitar o comércio internacional, é relevante destacar que isto só poderá operar-se nas instalações após a modernização das estruturas, sempre muito custosas, mas que restam fundamentais para a operação dos novos grandes navios de linha, que ditam as regras das rotas rentáveis de comércio e decidem, em última análise, que portos serão perpetuados e quais portos tornaram-se inertes nas costas continentais.

            Alguns fatores que devem ser considerados importantes para a modernização portuária e que vêm sendo desenvolvidos após o processo de reestruturação iniciado com a lei 8.630/93:

            - tamanho da linha de cais;

            - disponibilidade de áreas de estocagem;

            - calado dos canais de acesso;

            - capacidade dos equipamentos para receber grandes embarcações;

            - rede de suporte logístico disponível no sítio portuário;

            - proximidade com centros produtivos/consumidores de bens e serviços;

            - rede de suporte a recursos humanos e tripulação em geral (rede hoteleira, para navios de passageiros).

            A solução encontrada para superar os custos de implantação e manutenção é a criação de uma rede de portos alimentadores/portos concentradores de cargas, os chamados Hub Ports.

            Nesse sistema, portos menores e com menor capacidade competitiva em escala serviriam para suprir os portos maiores com cargas dispersas, gerando um ganho logístico ao final dos processos. Estes portos são denominados feeders e lean ports.

            Os portos maiores, com capacidade competitiva de atuar em escala, geralmente dotados de calado profundo e ampla rede de suporte logístico, atrairiam rotas lucrativas, consolidariam as cargas menores de forma a torná-las logisticamente viáveis e as remeteriam para seus destinos por meio das rotas principais, gerando uma relação cíclica vitoriosa com os portos menores.

            Como parece claro, sendo o custo na implantação de um porto o mais custoso (canais de acesso, cais, áreas de estocagens, vias terrestres etc), o aproveitamento das economias de escala possibilitaria reduções nos preços dos serviços portuários, tornando o sistema acessível mesmo aos pequenos exportadores/importadores.

            Para a realização de tais sistemas, é fundamental a resolução e conclusão do processo de redefinição do papel do estado no setor, de provedor de serviços para regulador, e a revisão de um amplo conjunto de normas e regulamentos progressistas.

            Algumas outras atividades fazem-se também muito relevantes:

            - definição das filas de atracação;

            - a dragagem do canal de acesso;

            - ampliação dos berços de atracação;

            - aprimoramento dos serviços de apoio, como a praticagem;

            - regulamentação inteligente dos serviços de rebocadores.

            A nova legislação, além de gerar um choque de progresso, incentivou a proatividade de agentes antes inertes. Desta forma, as operações de carga e descarga dos navios, a movimentação da carga dentro dos terminais, a armazenagem e o recebimento e despacho estão sendo transferidos para os novos operadores privados.

            Por outro lado, a movimentação ferroviária no interior do porto, se houver, vêm sendo assumida cada vez mais pelo terminal responsável, racionalizando custos logísticos e gerando ganhos para todos os envolvidos.

            Algumas tendência de reestruturação em melhorias necessárias:

            - auxílio à navegação (radares e comunicação) e dragagem do canal de acesso e dos berços de atracação tendem a ser unificadas e repassadas a um órgão público ou privado;

            - racionalização e regulamentação das atividades de praticagem, tornando-as verdadeiramente particulares por concessão, reduzindo custos e melhorando o nível de serviço dos pilotos;

            - revisão das exigências de rebocagem, especialmente para o caso dos navios mais modernos, que dispõem de bow thrust e hélices de passo variável, equipamentos que permitem maior flexibilidade do que os próprios rebocadores. Além disso, poderiam ser regulamentados seguros de acidentes que acabem por interromper canais de acesso, causando danos ao sítio portuário;

            - conversão de companhias docas em autoridades portuárias (situação em andamento no país atualmente);

            - delegação das resoluções de fila para os concessionários, ficando a autoridade portuária com o cuidado apenas de situações de risco ou atípicas (situação em vigência em vários portos nacionais);

            - implantação de fato da multifuncionalidade dos TPAs, reduzindo o danoso poder dos sindicatos de categoria e garantindo emprego e utilidade aos milhares de trabalhadores avulsos existentes no território nacional;

            - privatização do modal ferroviário no interior dos portos, a fim de reduzir custos e manter o nível de investimentos (situação em vigor nos maiores portos nacionais).

            Tais atitudes são recomendação também do Fundo Monetário Internacional (FMI), no sentido de viabilizar a redução dos fretes e sua equalização ao mercado internacional, gerando ganhos à economia brasileira e garantindo o progresso do nivel de vida e riqueza de seu povo.

            Conforme informação do FMI, o nível dos fretes pagos pelos países da América Latina superam em 85% aqueles vigentes no comércio entre países desenvolvidos (7,95% contra 4,29% na relação CIF/FOB dos produtos importados).

            Esta unificação tornaria possível uma maior integração dos agentes privados com as infra-estruturas públicas, mediante taxas de utilização cobradas por estas a fim de serem ressarcidas dos valores investidos na reforma dos sítios.

            Constituindo em espécie de pedágio aos navios transeuntes e usuários, pode constituir-se em importante fonte de renda e de fundos para investir em dragagens mais constantes, reforças mais ágeis, modernização mais eficaz e aprendizado aos operadores sobre as rotinas mais divulgadas na economia global.


Conclusão

            Isto posto, torna-se evidente o impacto dos movimentos de modernização dos portos de meados da década de 90, mais especificamente da Lei de Modernização dos Portos e suas complementações, nas estruturas portuárias e recursos operacionais do comércio exterior brasileiro.

            De uma situação rudimentar, de pobreza e sucateamento, passamos ao patamar de uma nação finalmente em desenvolvimento das estruturas logísticas internacionais, com um avanço considerável em período de tempo ainda tão curto, muto embora o crescimento ainda deva acelerar-se para que o país consiga atingir um nível regular de atendimento às grandes rotas.

            Ao expor a estrutura portuária nacional ao choque da mudança legal e concretizar uma aliança vitoriosa com a iniciativa privada, agiu acertadamente o Governo Federal, uma vez que os terminais ainda sob seu controle deterioram-se diariamente e não são nada mais do que o retrato do que poderiam ser todos os demais, já concedidos, se mantidos fossem sob os cuidados do poder Estatal.

            Desta forma, e atento às conclusões desta obra, deseja o autor que possa esta ter servido para fomentar a discussão acadêmica e o raciocínio acerca das problemáticas portuárias nacionais, da importância da tomada de medidas drástica, desde que progressistas e racionais, e, enfim, da relevância do comércio exterior em economias que se intitulam globais, mas que nada mais são do que partes de um grande sistema de fluxos chamado humanidade.


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Notas

            01

476 dc – 1453 dc

            02

1453 dc – 1789 dc

            03

Expedições em busca de novas rotas comerciais, metais, novas mercadorias de comércio e também de novas colônias para as grandes metrópoles do velho mundo.

            04

CHERCHES, Sérgio. Dicionário do Mar. São Paulo, 1999.

            05

Área interna do continente servida pelo porto e que dele utiliza para tráfego de bens e serviços.

            06

MOREIRA, João Antônio Monson. O trabalho portuário após a lei 8.630/93. 2002. p. 15.

            07

Ibidem, p. 17.

            08

MOREIRA, João Antônio Monson. O trabalho portuário após a lei 8.630/93. 2002. p. 18.
Sobre o autor
Marcelo Zepka Baumgarten

advogado em Rio Grande (RS), pós-graduado em Gestão Portuária e Comércio Exterior, bacharelando em Administração de Empresas - Comércio Exterior

Como citar este texto (NBR 6023:2018 ABNT)

BAUMGARTEN, Marcelo Zepka. Impacto da Lei nº 8.630/93 nas dinâmicas portuárias e relações internacionais brasileiras. Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 11, n. 1118, 24 jul. 2006. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/8674. Acesso em: 2 nov. 2024.

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