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O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DA VIÚVA E A COPROPRIEDADE FORMADA ANTES DO CASAMENTO

Agenda 19/11/2020 às 09:50

O ARTIGO DISCUTE O INSTITUTO DO DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DIANTE DE RECENTES DECISÕES DO STJ E DA DOUTRINA.

O DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DA VIÚVA E A COPROPRIEDADE FORMADA ANTES DO CASAMENTO

Rogério Tadeu Romano

A Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) negou o pedido de uma viúva que pretendia ver reconhecido o direito real de habitação sobre o imóvel em que morava, comprado pelo seu falecido marido em copropriedade com um filho dele, antes do casamento.

A decisão foi proferida em embargos de divergência opostos pela viúva contra acórdão da Terceira Turma, segundo o qual, na hipótese de copropriedade anterior ao óbito – que difere daquela adquirida com a morte do proprietário –, não se pode falar em direito real de habitação do cônjuge sobrevivente.

A relatora, ministra Isabel Gallotti, afirmou que o direito real de habitação tem a finalidade de garantir moradia ao cônjuge ou companheiro sobrevivente, preservando o imóvel que servia de residência para a família, independentemente do regime de bens, como estabelece o artigo 1.831 do Código Civil.

"Trata-se de instituto intrinsecamente ligado à sucessão, razão pela qual os direitos de propriedade originados da transmissão da herança sofrem mitigação temporária em prol da manutenção da posse exercida pelos membros do casal", declarou.

Segundo a ministra, como o direito real de habitação já é uma exceção criada pelo legislador, não pode haver interpretação extensiva para incluir no mesmo tratamento situações não previstas em lei – por exemplo, a hipótese em que o imóvel seja objeto de copropriedade anterior com terceiros.

Em seu voto, a relatora destacou entendimento do ministro Luis Felipe Salomão, que, em caso semelhante ao analisado, ressaltou que "o direito real à habitação limita os direitos de propriedade, porém, quem deve suportar tal limitação são os herdeiros do de cujus, e não quem já era proprietário do imóvel antes do óbito".

Para a ministra, entendimento diverso possibilitaria, inclusive, a instituição de direito real de habitação sobre imóvel de propriedade de terceiros estranhos à sucessão, o que seria contrário à finalidade da lei.

"No caso em debate, entendo que tal direito não subsiste em face do coproprietário embargado, cujo condomínio sobre a propriedade é preexistente à abertura da sucessão do falecido (2008), visto que objeto de compra e venda registrada em 1978, antes mesmo do início do relacionamento com a embargante (2002)" – concluiu Isabel Gallotti.

A matéria foi objeto de discussão no EREsp 1520294.

Discute-se aqui o direito real de habitação. 

No direito real de habitação, o titular desse direito pode usar a coisa para si, residindo nela, mas não aluga-la nem emprestá-la. E se for conferido a mais de uma pessoa, qualquer delas que a ocupar estará por exercício de direito próprio, nada devendo às demais a título de aluguel. Como são iguais os direitos a nenhum será lícito impedir o exercício do outro ou dos outros.

A situação especial do direito de habitação, que, como direito real se não confunde com a utilização pessoa da coisa(locação, comodato), sugere, como ensinou Caio Mário da Silva Pereira(Instituições de direito civil, volume IV, 1974, pág. 254 e 255), a formulação de certas questões, que se respondem à luz dos princípios. A primeira, atinente à conservação do prédio, que incumbe obviamente ao titular do direito de habitação, desdobra-se em outra, a saber se tem o devedor de reedifica-lo em caso de perecimento inculpado. E a resposta será negativa, como ensinou Hedemann(Derechos Reales, § 39). A destruição fortuita da cisa será motivo de resolver-se o direito, mas não gera o devedor de reconstruir, por parte de quem tem a sua utilização. Se o título lhe impuser a realização de seguro, esta contribuição é obrigatória, devendo o valor segurado empregar-se na reedificação.

Cessando a habitação pelo advento do termo ou implemento da condição, far-se-á restituição do prédio ao proprietário ou seus herdeiros, no estado de conservação convencionado, ou em falta de estipulação, naquele em que foi recebido, salvo deterioração derivada ao uso regular.

Estar-se-ia diante de um direito real limitado. Ensinou Pontes de Miranda(Tratado de direito privado, 2002, Bookseler, tomo XVIII, pág. 43) quando se constitui direito real limitado, ou é, por ato de disposição do domínio, isto é, dos outros elementos, que compõem o domínio. O suporte fático do domínio permite que se lhe detrata enfiteuse, usufruto, uso, habitação ou servidão, sem que o domínio sofra, como direito(mundo jurídico). Usufruto, uso, habitação, servidão, ou até, enfiteuse não pars dominii.

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Quando se fala num direito real limitado, para Pontes de Miranda, não se limita o conteúdo do direito de propriedade, porque o domínio e o direito sobre todo o conteúdo embora esse se restrinja, quanto ao exercício, pelo fato de se constituir direito real limitado. O conteúdo do domínio é usus, fructus e abusos ainda que haja constituído de enfiteuse, usufruto, uso ou habitação.

O fato da deductio de enfiteuse, de usufruto, de uso, de habitação, de direito real de garantia e o mesmo: como disse Pontes de Miranda, hoje não nos importa saber qual o direito que regia cada um deles, nos tempos romanos; nem quais as exigências peculiares à constituição de cada direito limitado(e.g, confirmação da hipoteca pelo príncipe, como afirmou R. Pothier, Pandectae lustinianeae, II, 161.

Para Pontes de Miranda(obra citada, pág. 47) a deductio, como a constituição sem reserva, deixa intacto o direito de domínio. Qualquer que seja o direito limitado, incólume fica o domínio como ficaria se só se deduzisse servidão altius non tollendi.

Sendo assim a construção da deductio como se o alienante aceitasse o que o adquirente ofertou é de repelir-se. Praticamente se isso fosse verdade, hoje teria o alienante de pagar o imposto de transmissão quanto ao prédio “sem dedução”, e não sobre o prédio menos o valor da servidão, ou de outro direito real limitado.

No caso do acórdão apontado havia uma questão a ser resolvida de forma que pergunta-se: Subsiste o direito real de habitação em favor da viúva em havendo copropriedade?

O artigo do atual Código Civil assim assim dispõe:

Art. 1.831. Ao cônjuge sobrevivente, qualquer que seja o regime de bens, será assegurado, sem prejuízo da participação que lhe caiba na herança, o direito real de habitação relativamente ao imóvel destinado à residência da família, desde que seja o único daquela natureza a inventariar.

Ensinou a Ministra Nancy Andrighi, relatora do REsp n° 1.184.492/SE, julgado pela Terceira Turma em 1º/4/14, que a causa do direito real de habitação é tão somente “a solidariedade interna do grupo familiar que prevê recíprocas relações de ajuda”.

Lecionaram Cristiano Chaves de Farias e Nelson Rosenvald(Curso de direito civil. Juspodivm: Bahia, 2013), a finalidade deste legado ex lege de habitação é dúplice: garantir certa qualidade de vida ao cônjuge supérstite e impedir que após o óbito do outro cônjuge seja ele excluído do imóvel em que o casal residia, sendo ele o único bem residencial do casal a ser inventariado. Com efeito, se os filhos do falecido e o cônjuge sobrevivente não se entendessem, poderia a qualquer tempo ser extinto o condomínio, com a perda da posse. Com o direito real de habitação, embora partilhado o imóvel entre os herdeiros, o cônjuge reserva para si o direito gratuito de moradia, independentemente da existência de testamento a seu favor.

A matéria ganhou laços de celeuma quando o de cujus deixa, como herdeiros, filhos exclusivos. É inegável que, ainda que os filhos exclusivos do de cujus, tornem-se nu-proprietários do imóvel, este ainda será gravado com o ônus do direito real de habitação em benefício do cônjuge sobrevivente. Neste sentido, já se posicionou o Superior Tribunal de Justiça(REsp: 1184492 SE 2010/0037528-2, Relator: Ministra Nancy Andrghi, Data de Julgamento: 01/04/2014, T3 – Terceira Turma.):

DIREITO CIVIL. DIREITO DE FAMÍLIA E SUCESSÃO. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO DO CÔNJUGE SOBREVIVENTE. RECONHECIMENTO MESMO EM FACE DE FILHOS EXCLUSIVOS DO DE CUJOS. 1.- O direito real de habitação sobre o imóvel que servia de residência do casal deve ser conferido ao cônjuge/companheiro sobrevivente não apenas quando houver descendentes comuns, mas também quando concorrerem filhos exclusivos do de cujos. 2.- Recurso Especial improvido.

Já entendeu o Superior Tribunal de Justiça que não há que se falar, entretanto, em contemplação com o direito real de habitação ao cônjuge sobrevivente se o único imóvel a inventariar era objeto de condomínio antes de aberta a sucessão. Assim se entendeu no julgamento do REsp: 1184492 - SE 2010/0037528-2, Relator: Ministra Nancy Andrighi. Data de Julgamento: 01/04/2014, T3 – Terceira Turma.

CIVIL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. INOPONIBILIDADE A TERCEIROS COPROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL. CONDOMÍNIO PREEXISTENTE À ABERTURA DA SUCESSÃO. ART. ANALISADO: 1.611, § 2º, do CC/16. 1. Ação reivindicatória distribuída em 07/02/2008, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 19/03/2010. 2. Discute-se a oponibilidade do direito real de habitação da viúva aos coproprietários do imóvel em que ela residia com o falecido. 3. A intromissão do Estado-legislador na liberdade das pessoas disporem dos respectivos bens só se justifica pela igualmente relevante proteção constitucional outorgada à família (art. 203, I, da CF/88), que permite, em exercício de ponderação de valores, a mitigação dos poderes inerentes à propriedade do patrimônio herdado, para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o direito à moradia do cônjuge supérstite. 4. No particular, toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a concessão do direito real de habitação ao cônjuge supérstite deixa de ter razoabilidade, em especial porque o condomínio formado pelos irmãos do falecido preexiste à abertura da sucessão, pois a copropriedade foi adquirida muito antes do óbito do marido da recorrida, e não em decorrência deste evento. 5. Recurso especial conhecido e provido.

Volto-me ao que foi discutido no EREsp 1520294.

Ali se disse em sede de argumentação:

“O Ministro Luis Felipe Salomão, ao analisar questão semelhante no REsp n° 1.212.121/RJ, julgado em 3/12/13, valeu-se das lições de Carlos Maximiliano para destacar a importância de afastar interpretações não razoáveis: “4.2. No ponto, embora lacônica a Lei n. 9.278/1996 - circunstância a exigir a integração hermenêutica do juiz - o fato é que o dispositivo contido na Lei n. 9.278/1996 (art 7º, parágrafo único), ao utilizar os termos "relativamente ao imóvel destinado à residência da família", não teve o condão de conceder à companheira direito real de habitação em bens de terceiros. De fato, parece razoável interpretar a norma tomando como base o instituto do direito real de habitação existente à época, de acordo com a redação do Código Civil de 1916. Carlos Maximiliano leciona: Prefere-se o sentido conducente ao resultado mais razoável (2), que melhor corresponda à necessidades da prática (3), e seja mais humano, benigno, suave (4). É antes de crer que o legislador haja querido exprimir o consequente e adequado à espécie do que o evidentemente injusto, descabido, inaplicável, sem efeito. Portanto, dentro da letra expressa, procure-se a interpretação que conduza a melhor consequencia para a coletividade (5). 179- Deve o Direito ser interpretado inteligentemente: não de modo que a ordem legal envolva um absurdo, prescreva inconveniências, vá ter a conclusões inconscientes ou impossíveis. Também se prefere a exegese de que resulte eficiente a providência legal ou válido o ato, à que tome aquela sem efeito, inócua, ou este juridicamente nulo (1). (MAXIMILIANO, Carlos. Hermenêutica e aplicação do direito. 20ª edição. Rio de Janeiro: Editora Forense, 2011. p. 135-136.) Por isso que o art. 7º, parágrafo único, da Lei n. 9.278/1996, deve ser interpretado em conjunto com o conteúdo do direito real de habitação existente quando de sua criação, leia-se, o previsto no art. 1.611 e parágrafos do Código Civil de 1916. Assim, não é crível presumir que o silêncio da lei poderia levar o reconhecimento de direito real de habitação sob imóvel do locador, por exemplo, um terceiro absolutamente estranho à relação jurídica subjacente. Desse modo, o direito real à habitação limita os direitos de propriedade, porém, quem deve suportar tal limitação são os herdeiros do de cujus, e não quem já era proprietário o imóvel antes do óbito, como é o caso dos recorridos, que haviam permitido a utilização do imóvel pelo casal a título de comodato. O companheiro falecido da recorrente era proprietário tão somente de 1/13 do apartamento, assim, não pode a companheira sobrevivente limitar o direito de propriedade dos demais irmãos.”

Nessa linha de entendimento concluiu a ministra Maria Isabel Gallotti que que tal direito não subsiste em face do coproprietário embargado, cujo condomínio sobre a propriedade é preexistente à abertura da sucessão do falecido (2008), visto que objeto de compra e venda registrada em 1978, antes mesmo do início do relacionamento com a embargante (2002).

Tais conclusões encontram amparo em precedentes da Corte:

AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. AÇÃO REIVINDICATÓRIA. VIOLAÇÃO AO ART. 535 DO CPC. INEXISTÊNCIA. JULGAMENTO "EXTRA PETITA". NÃO OCORRÊNCIA. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. COMPANHEIRO. POSSIBILIDADE. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO NÃO RECONHECIDO NO CASO CONCRETO. 1. Inexistência de ofensa ao art. 535 do CPC, quando o acórdão recorrido, ainda que de forma sucinta, aprecia com clareza as questões essenciais ao julgamento da lide. 2. Inexiste julgamento "extra petita" quando o órgão julgador não violou os limites objetivos da pretensão, tampouco concedeu providência jurisdicional diversa do pedido formulado na inicial. 3. O Código Civil de 2002 não revogou as disposições constantes da Lei n.º 9.278/96, subsistindo a norma que confere o direito real de habitação ao companheiro sobrevivente diante da omissão do Código Civil em disciplinar tal matéria em relação aos conviventes em união estável, consoante o princípio da especialidade. 4. Peculiaridade do caso, pois a companheira falecida já não era mais proprietária exclusiva do imóvel residencial em razão da anterior partilha do bem. 5. Correta a decisão concessiva da reintegração de posse em favor das coproprietárias. 6. Precedentes específicos do STJ. 7. Não apresentação pela parte agravante de argumentos novos capazes de infirmar os fundamentos que alicerçaram a decisão agravada. 8. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO. (AgRg no REsp 1436350/RS, Rel. Ministro PAULO DE TARSO SANSEVERINO, TERCEIRA TURMA, julgado em 12/4/2016, DJe 19/4/2016).

CIVIL. DIREITO REAL DE HABITAÇÃO. INOPONIBILIDADE A TERCEIROS COPROPRIETÁRIOS DO IMÓVEL. CONDOMÍNIO PREEXISTENTE À ABERTURA DA SUCESSÃO. ART. ANALISADO: 1.611, § 2º, do CC/16. 1. Ação reivindicatória distribuída em 07/02/2008, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 19/03/2010. 2. Discute-se a oponibilidade do direito real de habitação da viúva aos coproprietários do imóvel em que ela residia com o falecido. 3. A intromissão do Estado-legislador na liberdade das pessoas disporem dos respectivos bens só se justifica pela igualmente relevante proteção constitucional outorgada à família (art. 203, I, da CF/88), que permite, em exercício de ponderação de valores, a mitigação dos poderes inerentes à propriedade do patrimônio herdado, para assegurar a máxima efetividade do interesse prevalente, a saber, o direito à moradia do cônjuge supérstite. 4. No particular, toda a matriz sociológica e constitucional que justifica a concessão do direito real de habitação ao cônjuge supérstite deixa de ter razoabilidade, em especial porque o condomínio formado pelos irmãos do falecido preexiste à abertura da sucessão, pois a copropriedade foi adquirida muito antes do óbito do marido da recorrida, e não em decorrência deste evento. 5. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1184492/SE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 1/4/2014, DJe 7/4/2014).

O direito real à habitação limita os direitos de propriedade, porém, quem deve suportar tal limitação são os herdeiros do de cujus, e não quem já era proprietário do imóvel antes do óbito.

Sobre o autor
Rogério Tadeu Romano

Procurador Regional da República aposentado. Professor de Processo Penal e Direito Penal. Advogado.

Informações sobre o texto

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