A NECESSIDADE DA ASSINATURA DO TABELIÃO NOS TESTAMENTOS PÚBLICOS
Rogério Tadeu Romano
A sucessão testamentária, como se sabe, se efetiva por meio do testamento, instrumento legal que não tem definição do CC/02 que se limita a apontar suas características, mas se colhe da doutrina de Pontes de Miranda, como sendo o ato pelo qual a vontade de alguém é declarada para o caso de morte, com eficácia de reconhecer, transmitir ou extinguir direitos (Tratado de Direito Privado, 2. ed. Rio de Janeiro: Borsoi, 1972, Vol. 56, p. 59).
Testamento é o ato pelo qual a pessoa dispõe de seu patrimônio e estabelece providências de caráter pessoal ou familiar, para que tudo seja observado após a sua morte. O testador pode instituir herdeiro seu, reconhecer filho, legar bens e uma ou mais pessoas a determinar a observância de disposições suas, como doação de órgãos etc.
O testamento como tal é ato unilateral e suas disposições são de última vontade, podendo ser revogado, de forma incondicional, pela vontade do testador, inclusive por outro testamento que disponha contrariamente ao anterior.
Como tal o testamento é ato solene e formal.
Por sua vez, a capacidade testamentária ativa é aquela delineada no art. 1.857 do Código Civil, que assim preceitua:
Art. 1.857. Toda pessoa capaz pode dispor, por testamento, da totalidade dos seus bens, ou de parte deles, para depois de sua morte.
§ 1o A legítima dos herdeiros necessários não poderá ser incluída no testamento.
§ 2o São válidas as disposições testamentárias de caráter não patrimonial, ainda que o testador somente a elas se tenha limitado.
Art. 1.860:
.....
Parágrafo único: Podem testar os maiores de dezesseis anos Art. 1.860. (...)Parágrafo único. Podem testar os maiores de dezesseis anos.
O testamento é feito para se cumprir após a morte do testador, daí porque deve obedecer a um rigorismo de forma.
O juiz, na aprovação do testamento, apenas lhe examina os requisitos formais.
Temos como formas de testamento: o particular, o público e o cerrado.
O testamento cerrado trata-se de uma das três formas de testamentos ordinários. Também é conhecido por “testamento secreto” ou “místico”. Este será escrito pelo próprio testador ou por pessoa a ele designada e só terá validade após autenticação do tabelião junto ao cartório de notas.
O testamento particular pode, em princípio, ser feito por qualquer pessoa, com exceção das que não sabem ler e escrever, pois deve ser elaborado por próprio punho. O testamento poderá ser objeto de escrita via word. Para a sua validade mister a presença de cinco testemunhas, para as quais as disposições deverão ser lidas, levando-se o instrumento a assinatura de todos.
O testamento público é feito em livro próprio, no Cartório de Notas, em presença de duas testemunhas
O testador deve ditar as cláusulas testamentárias ao oficial público ou, então, apresentar declarações escritas, para que o notário as registre, em presença de, pelo menos, cinco testemunhas, que deverão assistir ao ato inteiro.
Depois de escrito, o testamento deve ser lido pelo oficial na presença do testador e testemunhas, mas, se o primeiro pretender, poderá, ele próprio, fazer a leitura.
Em seguida, todos assinam o testamento, devendo, no caso de o testador não poder ou não souber assinar, uma das testemunhas instrumentárias fazer por ele.
O cego só testa por testamento público.
Sendo assim essa forma de testamento está sujeita a formalidades.
Maria Berenice Dias(Manual das Sucessões. 3ª. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013, p. 352/353) cita a lição de Orlando Gomes quando disse diz que a validade do testamento está condicionada a prescrições minuciosas, sendo indispensável a obediência as formalidades legais, sendo que a forma escrita é da substância do ato, exigindo solenidades de estrita observância, sob pena de nulidade (op. cit. p. 356).
A assinatura do tabelião é essencial nessa forma de testamento.
Sendo assim devem ser observados os requisitos dos incisos I e II do art. 1.864/CC/02, quais sejam, (i) escrito por tabelião ou por seu substituto legal em seu livro de notas de acordo com as declarações do testador; e (ii) lavrado o instrumento, ele pode ser lido em voz alta pelo tabelião ao testador e duas testemunhas.
Clóvis Beviláqua(Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro: Ed. Paulo de Azevedo Ltda., 1958, p. 74)), a respeito dos requisitos essenciais do testamento público contidos no art. 1.632 e incisos do CC/16, já dizia que complemento natural e indispensável do testamento é a assinatura do testador, das testemunhas e do oficial, como conclusão do ato (Código Civil dos Estados Unidos do Brasil Comentado. Rio de Janeiro: Ed. Paulo de Azevedo Ltda., 1958, p. 74).
Tem-se então posicionamento do STJ:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. TESTAMENTO. FORMALIDADES LEGAIS NÃO OBSERVADAS. NULIDADE.1. Atendido os pressupostos básicos da sucessão testamentária - i) capacidade do testador; ii) atendimento aos limites do que pode dispor e; iii) lídima declaração de vontade - a ausência de umas das formalidades exigidas por lei, pode e deve ser colmatada para a preservação da vontade do testador, pois as regulações atinentes ao testamento tem por escopo único, a preservação da vontade do testador.2. Evidenciada, tanto a capacidade cognitiva do testador quanto o fato de que testamento, lido pelo tabelião, correspondia, exatamente à manifestação de vontade do de cujus, não cabe então, reputar como nulo o testamento, por ter sido preterida solenidades fixadas em lei, porquanto o fim dessas - assegurar a higidez da manifestação do de cujus -, foi completamente satisfeita com os procedimentos adotados.3. Recurso não provido.(REsp nº 1.677.931/MG, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, Terceira Turma, julgado aos 15/8/2017, DJe de 22/8/2017).
Tem-se ainda julgado no qual ficou consignado que o testamento público exige, para sua validade, que sua lavratura seja realizada por tabelião ou seu substituto legal, na presença do testador e duas testemunhas que, após a leitura em voz alta, deverão assinar o instrumento, e que o ato de testar exige, que os requisitos na sua feitura tenham sido atendidos (REsp nº 1.155.641/GO, Rel. Ministro RAUL ARAÚJO, DJe de 28/9/2012).
Recentemente o STJ, no julgamento do REsp 1703376 enfrentou a matéria.
Embora a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça (STJ) admita que, para a preservação da última vontade do autor do testamento, é possível flexibilizar alguns requisitos formais no registro do documento, a assinatura do tabelião ou de seu substituto legal é requisito indispensável de validade. Afinal, o notário é quem possui fé pública para dar autenticidade ao testamento.
O entendimento foi fixado pela Terceira Turma ao manter acórdão do Tribunal de Justiça da Paraíba (TJPB) que negou pedido de abertura, registro e cumprimento de testamento público apresentado por uma irmã da falecida – documento no qual a titular teria deixado todos os bens para as suas irmãs.
Por sua vez, o viúvo apresentou testamento registrado apenas 19 dias antes do documento indicado pela irmã, no qual somente ele era apontado como beneficiário.
Em seu voto, o ministro também analisou decisões dos colegiados do STJ que, apesar de flexibilizarem os requisitos para o testamento, referiam-se a situações distintas, a exemplo do REsp 1.633.254, no qual a Terceira Turma confirmou a possibilidade de substituição de assinatura formal pela impressão digital – caso em que, todavia, tratou-se de testamento particular, para o qual é dispensada a presença do tabelião.
Ao manter o acórdão do TJPB, Moura Ribeiro destacou a existência de situações que causam "estranheza" nos autos, como o fato de o segundo testamento ter sido elaborado apenas 19 dias depois de testamento público formal, validado por tabelião, o qual foi apresentado por pessoa casada com a falecida durante 43 anos e dava aos bens destinação totalmente diferente.
"Todas essas peculiaridades trazidas, além da grave ausência de assinatura e identificação do tabelião que teria participado da confecção do testamento público, revelam haver fortes indícios de que o instrumento não traduz com segurança a real vontade da testadora, e, por isso, tal grave vício formal e máculas não podem ser relegadas", concluiu o ministro.
Bem entendeu o STJ, naquele julgamento citado, que a nulidade que vicia o testamento é absoluta porque houve violação a norma de ordem pública de natureza cogente (art. 166, IV, do CC/02, que diz que é nulo o negócio jurídico que não reveste a forma prescrita em lei), sendo que, no caso, a ausência de assinatura do tabelião é indício forte de que não há prova inequívoca da autenticidade do documento e, por conseguinte, de que ele realmente externa a vontade da testadora.
Daí tem-se que não se trata de mera formalidade a assinatura do tabelião.