A entrada em vigor da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais (em sua maior parte) no dia 18 de setembro de 2020 exige mudanças culturais e de comportamento de todos aqueles que, de alguma forma, realizam alguma atividade com dados pessoais. Por ser uma lei geral, que se aplica a todos os segmentos, nos meios físico e virtual, independentemente da atividade profissional ou empresarial exercida, todas as atividades econômicas podem ser impactadas pela lei (e ainda que haja outra lei regulatória, como o Código Civil, o Código de Defesa do Consumidor e o Marco Civil da Internet, por exemplo).
Entre elas, as atividades de aluguel e venda de imóveis devem se adequar à LGPD e as pessoas que atuam nesse ramo (tanto as pessoas jurídicas, quanto as pessoas físicas no desempenho de sua profissão) devem alterar diversas práticas que eram consideradas comuns até agora.
A primeira sentença judicial no Brasil que mencionou a Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais em um caso individual envolveu a comercialização de imóveis por uma construtora. Após assinar os contratos de compra e venda com os clientes que adquiriram apartamentos em um empreendimento no bairro de Moema, na cidade de São Paulo, a construtora compartilhou os dados pessoais informados no contrato (nome, telefone, e-mail, endereço etc.) com outras empresas (instituições financeiras, escritórios de arquitetura, lojas de móveis planejados e vendedoras de consórcio), sem qualquer conhecimento ou consentimento dos consumidores. Por isso, a construtora foi condenada ao pagamento de compensação por danos morais no valor de dez mil reais, em apenas uma ação proposta por um dos compradores, que foi importunado com diversas ligações de empresas com as quais ele próprio não tinha qualquer relação e não tinha fornecido os seus dados pessoais.
Acrescenta-se que, independentemente de a construtora ter recebido alguma contraprestação por esse compartilhamento de dados (a prática conhecida como “venda” de banco de dados), a partir da entrada em vigor da LGPD essa atividade deve sempre ter uma base legal (art. 7º para os dados pessoais e art. 11 para os dados pessoais sensíveis) e o uso compartilhado deve sempre ser informado ao titular dos dados, ainda que não seja necessário o seu consentimento (art. 18, VII, da LGPD).
Por outro lado, na perspectiva do vendedor ou locatário do imóvel, o compartilhamento de dados relativos ao imóvel (valor, área, localização, características etc.) é de seu interesse, mas não é regulado pela LGPD, por não se tratar de dados relacionados a uma pessoa natural. Nessa hipótese, caso a empresa deseje também compartilhar dados do proprietário do bem com outros profissionais do mesmo ramo (ou seja possível identificá-lo a partir do imóvel), deve informá-lo e utilizar uma base legal (como o consentimento ou o legítimo interesse do controlador).
O direito de conhecimento compreende, de forma inicial, o direito do titular de saber se determinada pessoa coletou, armazena ou realiza qualquer atividade de tratamento com seus dados pessoais. Antes da LGPD entrar em vigor, já existiam leis no Brasil que impunham ao controlador a comunicação inequívoca do titular sobre o início do tratamento de seus dados pessoais (em especial, o art. 43, caput e § 2º, do Código de Defesa do Consumidor, e o art. 4º, § 4º, I a III, da Lei do Cadastro Positivo), ou seja, quando o consentimento não for utilizado como a base legal do tratamento, deve ser observado o direito de conhecimento do titular sobre o início do tratamento.
Outra prática frequente é o anúncio de imóveis para venda ou locação sem a indicação do preço, que é informado somente se o interessado preencher um cadastro (com nome, e-mail e telefone, entre outros dados pessoais) ou enviar uma mensagem pelo site ou perfil de rede social, com a coleta de dados por parte da empresa. O recebimento desses dados já atrai a incidência da LGPD e, por isso, a empresa deve observar as suas normas, entre as quais estão os princípios da necessidade ou minimização (há justificativa para pedir esses dados como condição para informar o preço de locação ou venda?) e da finalidade (qual o objetivo da empresa com a coleta desses dados?). Ainda, caso o potencial cliente não tenha interesse na compra ou locação, em princípio a empresa controladora deve descartar os seus dados pessoais e, se não o fizer, deve informar de modo expresso e inequívoco ao titular que manteve os seus dados e indicar qual a base legal de tratamento.
Assim, é preciso modificar essas e outras práticas, para a devida adequação à Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais.