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MÃES NO CÁRCERE: A SITUAÇÃO DE PRESAS NA COLÔNIA PENAL FEMININA DO RECIFE SOB A ÓPTICA DO PRINCÍPIO DA DIGNIDADE HUMANA

Agenda 27/11/2020 às 19:48

O presente trabalho propõe uma abordagem acerca dos direitos da mulher presa, juntamente com as especificidades que esta categoria demanda, como por exemplo a condição de mãe no cárcere, como se mantem os vínculos e como são assegurados tais direitos.

INTRODUÇÃO

 

A reflexão que envolve os direitos da mulher e a forma como eles se reproduzem na realidade são formas proteção inseridas no processo democrático como um todo.

A construção de um pensamento crítico, desprendido de estereótipos e limitações se constitui como um desafio a ser superado em nome do desenvolvimento social igualitário e inclusivo.

Falar sobre as diferentes formas que podem influenciar a entrada de um indivíduo no crime é, ao mesmo tempo, tratar de problemas sociais que afligem a população brasileira há bastante tempo, buscando outras justificativas que podem dar margem à criminalidade e se configurando como uma alavanca para mais problemas.

A intensa desigualdade social, bem como o baixo incentivo à educação e ao trabalho representam algumas das causas que podem ser uma porta de entrada em direção ao crime.

Contextualizar a criminalidade feminina no âmbito social é tarefa que envolve o esforço de englobar, para além do incentivo à educação e ao trabalho, vários aspectos determinantes que demonstram o desvio de comportamento que as levam para o crime.

Muitas vezes, inseridas em um histórico de privações, as mulheres buscam o crime como solução imediata para certos problemas, podendo ter como consequência dessa escolha a sua ida para o cárcere.

Quando inserida em situação de cárcere, a mulher possui a necessidade de uma rede de cuidados a mais que o cárcere masculino, advindos de sua própria condição de mulher, principalmente no que se refere na possibilidade de ser mãe.

Em decorrência disso, objetivo deste trabalho é realizar uma abordagem sobre o modo como se dá o acesso dessas mulheres aos seus direitos, priorizando o tratamento dado às mães presas e como se dá o vínculo entre mãe filho nessas condições, envolvendo os direitos e garantias expressos constitucionalmente e nos tratados internacionais direitos humanos. Através da utilização do método dedutivo e a pesquisa descritiva, tendo sido realizada através de análise e interpretação legislativa, doutrinária e jurisprudencial.

O trabalho está dividido em três capítulos, trazendo em seu segundo capítulo as considerações iniciais acerca do sistema prisional brasileiro, bem como a apresentação de dados que comprovam o aumento da população carcerária, tanto em prisões masculinas quanto em femininas. Em conformidade com índices de crescimento da população carcerária do país, o presente capítulo visa demonstrar que o estado de Pernambuco também apresenta um grande número de encarceramentos e citar quais são os estabelecimentos penais femininos do estado, trazendo aspectos iniciais sobre a Colônia Penal Feminina do Recife.

Visa ainda proporcionar uma abordagem sociológica da criminalidade feminina somada à dimensão psicológica que a condição de mãe impõe, buscou-se refletir sobre as especificidades que o cárcere feminino demanda e de que forma ele altera a estrutura convencional das prisões, incluindo a questão de filhos que acabam permanecendo na prisão com suas mães e da importância da preservação desse vínculo para ambos, englobando discussão sobre a assistência à saúde.

Logo em seguida, no terceiro capítulo, abaroda-se de que forma estão dispostos os direitos da mãe presa e dos filhos dessas mães na legislação brasileira, considerando o que prevê a Constituição Federal de 1988, a Lei de Execução Penal, o Estatuto da Criança e do Adolescente, de acordo com os preceitos estabelecidos em Tratados Internacionais de Direitos Humanos os quais o Brasil faz parte, em respeito ao Princípio da Dignidade Humana, que direciona todo o sistema de proteção.

Além disso, foi trazida a nova visão que o Supremo Tribunal Federal tem do assunto, propondo a possibilidade de prisão domiciliar para presas provisórias, como forma de ampliar a proteção à infância e rever os direitos da mãe presa.

Por fim, foi anexada uma pesquisa de campo na Colônia Penal Feminina do Recife realizada no ano de 2018, a fim observar como se dava o acesso das mães presas, grávidas e parturientes a esses direitos na prática, considerando o acesso à saúde e a análise das condições do ambiente destinado aos recém-nascidos e demais crianças.

Dessa forma, buscou-se dar voz a uma parcela da população feminina historicamente marginalizada, trazendo como prioridade suas singularidades e necessidades de acordo com o sistema de justiça e punitivista atuais.

 

 

CONSIDERAÇÕES INCIAIS SOBRE O SISTEMA PRISIONAL DO ESTADO DE PERNAMBUCO

 

É sabido que o sistema prisional brasileiro carrega consigo diversos posicionamentos e questionamentos acerca de sua eficiência e gestão. Devido a fatores como superlotação, disponibilidade de recursos financeiros e carência de políticas públicas eficientes na prevenção da criminalidade, sua administração torna-se mais dificultosa.

Em razão disso, muito fala-se em falência do sistema penitenciário, pois além de demonstrar a inoperância do poder público, transparece a crise social que o Brasil enfrenta.

Sendo assim, o encarceramento tornou-se uma medida paliativa, que acaba não solucionando o problema da violência, uma vez que não assume seu papel ressocializador e resulta em um castigo mais gravoso que o imposto pela pena devido às condições precárias das prisões brasileiras.

Segundo dados do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias – INFOPEN – sistema de informações estatísticas do sistema penitenciário brasileiro, no ano de 2014 o Brasil possuía uma população carcerária de cerca de 607.731 pessoas, o que representa uma estimativa de 300 presos a cada 100 mil habitantes no país. Outro fator alarmante diz respeito ao aumento do percentual de aprisionamento entre o período de 2000 a 2014, que atingiu a marca de 119% (DEPEN, 2014, sp.).

No mesmo sentido, o DEPEN – MULHERES, órgão federal que atua na coleta de dados sobre mulheres submetidas ao cárcere, que teve como referência o mês de junho de 2014, informa que cerca de 37.380 mulheres se encontravam nos estabelecimentos penais brasileiros, ficando atrás apenas de países como Estados Unidos, China, Rússia e Tailândia. De acordo com os dados estudados, é possível observar o gigantesco aumento no número de mulheres encarceradas entre os anos de 2000 a 2014, representando um crescimento de 567% (DEPEN, 2014,sp.).

Conforme dados recentes do Infopen 2019, o Brasil conta com uma população prisional de 773.151 pessoas privadas de liberdade em todos os regimes. No caso dos presos apenas em unidades prisionais, o país possui 758.676 presos.  Já no que concerne aos presos provisorios, representa o segundo maior número, com 253.963, representando 33,47% do total.  As informações ainda denotam um aumento na quantidade de mulheres encaceradas, totalizando foram 37,8 mil presas.

No que diz respeito à população carcerária em Pernambuco, o estado possuía pouco mais de 30.000 presos, no mesmo período estudado, ocupando o quarto lugar no ranking brasileiro de maior população prisional, atrás apenas de São Paulo, Minas Gerais e Rio de Janeiro, respectivamente. Além disso, revela consigo um número alto da taxa de aprisionamento (que traça uma dimensão da população prisional dos estados, que geralmente é de 300 presos a cada 100 mil habitantes), chegando a 339,6%. No tocante à taxa de aprisionamento feminino, houve um aumento de 101% entre o período que compreende os anos de 2007 a 2014 (DEPEN, 2014,sp.).

É evidente que, do mesmo modo como o restante dos outros estados brasileiros, Pernambuco também enfrenta enormes dificuldades de manter o sistema prisional de acordo com os preceitos constitucionais que asseguram os direitos e garantias fundamentais, onde são recorrentes notícias de maus-tratos, rebeliões e fugas. Além disso, de acordo com a Pastoral Carcerária, o que mais preocupa não é apenas a violência presente nessas instituições, mas a presença de doenças contagiosas, com destaque para a alta incidência de tuberculose e HIV/AIDS, que se agravam em virtude da superlotação e da ausência de tratamento médico (COSTA; BIANCHI, 2017).

Em 2016, peritos do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura - MNCT (órgão federal que faz parte do Sistema Nacional de Combate à Tortura e que elabora relatórios   com recomendações às autoridades a fim de reprimir medidas, rotinas, estruturas e políticas que possam viabilizar a tortura, bem como a tratamentos cruéis e degradantes), realizaram vistorias nas unidades prisionais do estado pernambucano, onde um desses locais foi o Complexo Prisional do Curado, antigo Presídio Aníbal Bruno, que sofrera denúncias na Comissão Interamericana de Direitos Humanos (CIDH) em relação à morte de 94 pessoas entre 2008 e 2011, sendo que 52 de maneira violenta, além da prática de tortura por parte dos agentes penitenciários e a insuficiência de assistência médica, resultando na outorga,  no ano de 2011, por parte da comissão, de medidas cautelares em favor das pessoas privadas de liberdade que se encontravam no local (BRASIL, 2016, p. 26).

Durante a visita, foi constatado um quadro grave de superlotação, número insuficiente de agentes penitenciários (cerca de 1 agente para cada 30 presos), presença de práticas de tortura e maus tratos e infraestrutura degradada, evidenciando a falta de efetivo controle do Estado no local.

A situação de violação aos direitos humanos também se repetiu em outras unidades, a exemplo do Centro de Atendimento Socioeducativo de Caruaru – CASE, que é um local destinado à internação de adolescentes em conflito com a lei (BRASIL, 2016, p.12).

No ano de 2015, a Human Rights Watch, organização internacional de direitos humanos sem fins lucrativos, que possui profissionais de diversas nacionalidades e que elabora relatórios afim de propor novas políticas públicas para as autoridades governamentais, realizou visitas a diversos estabelecimentos prisionais no Brasil, qualificando como “desastrosa” a realidade prisional no que diz respeito aos direitos humanos, ressaltando a superlotação e condições perigosas e insalubres. Ao visitar as prisões em Pernambuco, verificou-se as péssimas condições na infraestrutura e mostrou como medida crucial a importância das audiências de custódia, que podem ser aliadas importantes no combate à superlotação, evitando que pessoas sejam presas injustamente e ressaltou a necessidade de acabar com a demora na análise dos processos judiciais. Há um trecho do relatório que trata das condições das celas:

 

Durante visitas às prisões de Pernambuco em 2015, um pesquisador da Human Rights Watch se deparou com uma cela sem camas ou janelas, onde 37 homens dormiam sobre lençóis no chão.  Em outra cela, que possuía seis leitos de cimento para 60 homens, até mesmo o espaço no chão era insuficiente. Um emaranhado de redes de dormir tornava difícil a tarefa de andar pela cela e um dos presos chegava a dormir sentado, amarrando-se às grades da porta para evitar cair sobre os companheiros de cela. Ali, o cheiro de suor, fezes e mofo era insuportável (HUMAN RIGHTS WATCH, 2015).

 

Nesse contexto, vale ressaltar a falibilidade do papel ressocializador da pena, uma vez que, diante de tais condições, o cárcere acaba induzindo à prática de mais delitos, dispondo de uma rotina ociosa e maçante, tendo como consequência uma espécie de “universidade do crime”.

O fenômeno conhecido por “encarceramento em massa” faz com que o número de presos aumente desenfreadamente em decorrência da política criminal adotada pelo país, que tratam da pena e do aprisionamento como a solução imediata, fazendo o uso excessivo do Código Penal ao invés de mantê-lo como ultima ratio.

Pensando nisso, o Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), a Pastoral Carcerária Nacional (CNBB), a Associação dos Juízes pela Democracia (AJD) e o Centro de Estudos em Desigualdade e Discriminação (CEDD/UnB) elaboraram 16 propostas legislativas que visam propor uma mudança na sistemática do encarceramento em massa no país. Estes anteprojetos buscam trazer um equilíbrio entre as penas cominadas aos crimes que mais levam os indivíduos ao cárcere, trazendo a possibilidade da decretação de prisão cautelar ou outras formas de resolução de conflitos, para os crimes contra o patrimônio cometidos sem violência, por exemplo. A aplicação dessas medidas reduziria bastante o número de presos, assim como os gastos públicos  (IBCCRIM, 2017,sp.).

Outra saída plausível para esta difícil realidade seria destinar maiores investimentos em educação, como medida preventiva visando afastar crianças e adolescentes de práticas delinquentes. Somando-se a isso, é imprescindível que o Estado assuma, de fato, o dever de promover a ressocialização dos presos, fazendo maiores investimentos e adotando medidas eficazes que incentivem a profissionalização, o trabalho e a educação, com o objetivo de proporcionar uma verdadeira transformação social na realidade daquelas pessoas.

 

2.1  Informações sobre o crescimento da população carcerária feminina em Pernambuco

 

Em paralelo ao que acontece no restante do país, no estado de Pernambuco, como já mencionando anteriormente, o número de mulheres encarceradas aumentou consideravelmente nos últimos anos.

De acordo com os dados do INFOPEN – MULHERES, se analisarmos o período de 2007 a 2014, no estado de Pernambuco houve um crescimento de 101% no número de mulheres presas contra 66% dos homens, apresentando o total de 1.825 presas.

Outro fator que merece destaque é que do total de presas 57% ainda não estavam condenadas.

Em relação à faixa etária, o maior número de presas concentra-se entre as idades de 25 a 29 anos (34%), seguidas de outras com idades de 18 a 24 anos (25%), de 30 a 34 anos (19%) e logo em seguida a faixa que compreende as presas entre 35 e 45 anos (12%). Em menor número encontram-se as que possuem idades entre 46 e 60 anos (10%) e de 60 a 71 anos (apenas 1%). Este perfil relativamente jovem se repete na maioria dos estados.

Analisando o fator raça, cor ou etnia, foi constatado que 81% das presas eram negras e 17% brancas, dado que revela a disparidade entre brancos e negros no sistema carcerário do país.

Quanto ao estado civil, a pesquisa aponta que as mulheres solteiras estão em maior número (39%), seguidas daquelas em união estável (36%) e em terceiro lugar encontram-se as casadas (13%). Na sequência, com 6%, estão as separadas judicialmente e em menor quantidade estão as divorciadas e viúvas, com 2% e 4%, respectivamente.

Ao tratar-se de escolaridade, percebe-se que este índice se apresenta baixo em geral. No Brasil, cerca de 50% das mulheres presas não possui o ensino fundamental completo. Em Pernambuco esse fator atinge os 44%, seguidos de 20% de analfabetas e 18% alfabetizadas em cursos regulares. Apenas 6% possuem ensino médio incompleto (DEPEN, 2014, sp.).

Levando em consideração esses dados, é possível identificar o perfil social das presas nesses estabelecimentos, no tocante à faixa etária, raça, cor ou etnia, estado civil e escolaridade, considerando que a sociedade brasileira passou por grandes mudanças nas últimas décadas, o que fez com que a mulher ganhasse mais espaço nas relações sociais e passando a ser a provedora do lar. Porém, como o índice de escolaridade é considerado muito baixo, o acesso ao trabalho formal torna-se cada vez mais distante, sendo o crime uma alternativa para a obtenção de renda, na maioria dos casos. Esse aspecto também pode explicar o fato de grande parte das mulheres presas ser negra, uma vez que historicamente essa parcela da população foi marginalizada, sendo vítima de grandes desigualdades sociais.

 

2.2  Estabelecimentos penais femininos em Pernambuco

 

Segundo a Secretaria Executiva de Ressocialização de Pernambuco – SERES, atualmente existem três estabelecimentos prisionais exclusivamente femininos em Pernambuco, a saber:

    Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima – CPFAL;

    Colônia Penal Feminina de Buíque – CPFB;

    Colônia Penal Feminina do Recife – CPFR.

Entre as unidades citadas, o nosso estudo será direcionado à Colônia Penal Feminina Do Recife, em virtude de ter sido a primeira penitenciária feminina do estado.

 

2.3  Colônia penal feminina do Recife: considerações iniciais

 

A Colônia, que atualmente se mantém sob a responsabilidade da Secretaria Executiva de Ressocialização de Pernambuco – SERES, órgão que se vincula à Secretaria de Justiça e Direitos Humanos, no passado foi subordinada à Congregação Nossa Senhora do Bom Pastor, a qual ficava sob a administração de freiras, que possuíam a missão de promover a reeducação das detentas, principalmente no período que compreende os anos de 1945 e 1990 (OLIVEIRA, 2017).

Desse modo, a concepção de reeducação da época abrigava os conceitos de cunho religioso e seguia os padrões morais que impunham às mulheres, ou seja, partia-se da ideia de que elas deveriam aprender atividades ligadas aos cuidados do lar e da família. Adotava-se o caráter assistencial e não punitivo.

No início dos anos 90, a colônia foi entregue à administração do Estado, após as irmãs da Congregação passarem a sentir dificuldades diante do aumento no número de reeducandas, que cresceu gradualmente após o advento da Ditadura Militar, abrigando várias presas políticas.

No ano de 2018, a Colônia acolheu um total de 680 mulheres, que cumprem pena em regime fechado e assim como as demais unidades passa dificuldades para se adaptar às necessidades que o próprio sistema demanda.

Mesmo com essas dificuldades, a Colônia Penal do Recife passou por uma vistoria do Conselho Nacional de Justiça no início do ano de 2018 ano a qual foi considerada, juntamente com a  Unidade Materno Infantil (RJ), a Penitenciária Feminina de Cariacica (ES) e o Presídio Feminino Santa Luzia (AL), como uma penitenciária modelo na assistência à mulher, tendo como critérios de análise as instalações físicas, apoio médico, equipamentos e o tratamento humanizado prestado (CNJ, 2018, sp.).

Durante o período da vistoria, de 25 de janeiro a 05 de março, a Colônia contou com 16 grávidas e lactantes, além de abrigar uma criança de 1 ano e 3 meses pelo fato de a criança não ter para onde ir. Segundo o CNJ, o local dispunha de uma completa unidade básica de saúde (com pediatra, fisioterapeuta e psiquiatra), onde as grávidas podiam ficar em local separado, contando com o suporte de uma brinquedoteca.

 

2.4  Um olhar sobre as presas mães e suas particularidades

 

Antes de adentrar na temática acerca das mães presas, vale destacar a construção teórica desenvolvida ao longo dos anos, mesmo que em pouca quantidade, mas que retrata o pensamento crítico do momento histórico destacado, o qual aborda as especificidades da delinquência feminina e a relação com o crime relativas ao aspecto social e cultural.

A mulher, mesmo sendo considerada por muitos anos um símbolo de fragilidade, de pureza, de obediência e, inclusive de vítima (características que potencialmente contribuíram para a anulação histórica da figura feminina de agressora), sempre teve, ao longo da história, sua participação na prática de crimes.

Nesse sentido, Bordieu:

 

[...] As mulheres, façam o que fizerem, estão, assim, condenadas, a dar provas de sua malignidade e a justificar a volta às proibições e ao preconceito que lhes atribui uma essência maléfica – segundo a lógica, obviamente trágica, que quer que a realidade social que produz a dominação venha muitas vezes a confirmar as representações que ela invoca a seu favor, para se exercer e justificar (BORDIEU, 2002, p. 22).

 

A prática de crimes, seja por mulheres ou homens, se constitui como um fator inerente à vida em sociedade, uma vez que representa a transgressão de comportamentos impostos coletivamente.

A visão sobre o comportamento considerado aceitável ou não, ou melhor dizendo, normal ou anormal, na concepção de Émile Durkheim em As regras do método sociológico, se configura a partir da sua definição de fato social, onde afirma que as crenças e as práticas coletivas constituem o que se torna digno de aceitação ou repressão em determinado grupo ou pelo Direito. O crime, para ele, não é observado apenas na maioria das sociedades deste gênero, mas também em todas as sociedades de todos os tipos. Não existe sequer uma sociedade onde não se tenha a prática de delitos. A sociedade é dinâmica, ou seja, os atos ilícitos variam de um lugar para outro. Porém, sempre e em todo lugar, houve homens agindo de forma que induz à repressão criminal.

Tratando-se do fenômeno da delinquência feminina, estamos diante de uma problematização secundária, uma vez que foi a delinquência masculina que orientou o desenvolvimento de teorias e práticas punitivas direcionadas ao crime. Tais teorias se classificam como insuficientes ao se referir às especificidades do gênero. Sendo assim, Vera Mónica da Silva Duarte, em sua obra alega que essa secundarização causa lacunas e gera diferentes molduras penais, ao afirmar que:

 

É difícil teorizar sobre a figura feminina quando as palavras, as ideias e os conceitos estão enraizados em visões segmentadas e masculinas. Esta constatação reserva um outro desafio que se prende com as utilizações do conceito de delinquência juvenil, com os recortes conceptuais e com o questionamento das suas fronteiras, quando aplicado à realidade da transgressão feminina (DUARTE, 2011, p. 3).

 

Desse modo, ao surgir a questão de gênero na esfera criminal, é comum a ideia estereotipada de que a mulher, enquanto delinquente, é vítima de seu passado, do seu cotidiano, refém de questões de âmbito psicossocial que a diminuem e que fazem crer que crimes praticados por elas são algo incomum.

É imprescindível considerar que o crescimento do número de mulheres nos crimes se deve à sua emancipação e à sua maior responsabilidade como chefe de família. A dificuldade de acesso à educação e ao trabalho fazem do crime uma alternativa imediata para suprir seus objetivos.

Assim, ainda de acordo com a autora, citando Ferreira:

 

[...] a ‘delinquência juvenil’ pode surgir quer como uma expressão juvenil que reflecte uma tradição cultural e económica desfavorecida e vulnerável aos processos que marcam as desigualdades de oportunidade, que como uma consequência das experiências juvenis, das rupturas e dos fracassos que experienciam e das influências que derivam dos processos comunicacionais e culturais. O confronto destes modelos coloca o olhar sobre a desviância juvenil num dilema: será que os jovens se vêem ‘empurrados’ para uma vida de marginalidades devido às dinâmicas de uma sociedade intrinsecamente excludente ou será que os motivos subjacentes a essa escolha estão relacionados com a forma como os actores vão construindo a imagem de uma vida desejável e provável? [...] (FERREIRA, 2000 apud DUARTE, 2011, p. 52).   

 

Em razão disso, ao entrar no mundo do crime, as mulheres sofrem uma espécie de punição dupla, ou seja, são encarceradas em ambientes penais que foram criados descartando sua presença e passam a ser estigmatizadas, inclusive, pela sua família e círculo de amigos, ao romper com a moral vigente.

De fato, o sistema penal foi construído para atender às necessidades masculinas, o que revela o cultivo de valores patriarcais e discriminatórios, que por essa razão foram assimilados pelo Estado, gerando uma negligência das necessidades femininas no sistema penal de forma seletiva e se configura como uma violência estrutural.

Os crimes mais comuns praticados por mulheres são o roubo e o narcotráfico. O primeiro está associado ao fato de que os objetos roubados são destinados ao complemento de suas necessidades (por exemplo, poucas quantidades de dinheiro, alimentos, roupas ou outros mantimentos). Nos crimes relacionados ao envolvimento com o narcotráfico, a relação estabelecida com as mulheres se dá através da condição de que muitas delas são esposas, amantes, ou familiares de traficantes homens, que, justamente por este laço afetivo/familiar, se colocam como suas aliadas no crime. Sendo assim, Oliveira:

 

As prisioneiras representam o grupo estereotipado; são elas que concretizam social e individualmente, as prisões de todas. As prisioneiras vivem real e simbolicamente a realização do extremo cativeiro, desde as muralhas até as normas de cada prisão. Os delitos que conduzem à prisão, por mais diferentes que sejam, sintetizam a transgressão das normas gerais do mundo patriarcal e classista [...] (OLIVEIRA, 2017, p.100).

 

A realidade no ambiente prisional se mostra de maneira perversa, uma vez que atinge a dimensão da singularidade do sujeito, do seu modo de enxergar o mundo e de se enxergar, desvinculando-se da finalidade ressocializadora da pena. Esse fato se agrava quando se trata de do encarceramento feminino. As prisioneiras se deparam com várias situações adversas e vulneráveis que vão desde se submeter às normas impostas pelo ambiente prisional (e as regras impostas pelas próprias presas), perpassando pela sua condição de mulher e suas necessidades biológicas, até o modo como a família reage diante da privação da sua liberdade.

A moral imposta nesses casos demonstra a tendência à dupla punição, que se dá através do Estado e do meio social, tendo como um agravante se além de encarcerada a mulher for mãe. Assim, o cuidado com os filhos se torna uma incerteza, que é capaz de afligi-las cada vez mais. A reclusão masculina ao menos possui maior certeza de que haverá um responsável pelos cuidados dos filhos, que, na maior parte das vezes é atribuída à mãe das crianças, que além de ficar responsável pelos filhos, continua mantendo o contato com o marido. De modo diferente ocorre no encarceramento feminino, que se caracteriza pela indefinição quanto ao destino dos filhos, por muitas vezes o pai não se abstém de cuidar dos mesmos ou não tem como fazê-lo por também estar preso, sendo assim, somada a condição de reclusão da mulher, inicia-se um delicado processo quanto ao estabelecimento de redes de proteção social ou de solidariedade que possuam o intuito de abrigar estas crianças enquanto permanecer a reclusão materna (SILVA, 2015).

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Esse processo de afastamento com os filhos, que interrompe esse elo maternal, ganha uma maior magnitude e traz consequências marcantes e dolorosas para ambos. Assim sendo, restam-lhes duas alternativas: entregar seu filho aos cuidados da família ou, na ausência desta, deixá-lo sob a proteção das medidas dispostas no Estatuto da Criança e do Adolescente.

 

2.5  De que maneira é possível resguardar o vínculo entra mãe e filha no ambiente carcerário?

 

Essa condição de co-dependência da mãe e do filho merece atenção especial, pelo fato de que se trata, não apenas de um fator biológico, mas humano e singular. Inseridas em um lugar que tende a generalizar e padronizar seus internos, ao reprimir a subjetividade, a mãe prisioneira vem para quebrar certas resistências acerca das necessidades femininas.

Logicamente não estamos fazendo alusão à não punição dessas mulheres. Pelo contrário, devem responder por seus atos, na medida de sua culpabilidade. Porém, há a preocupação de fazer sair da invisibilidade social, tanto as presas quanto seus filhos. É necessária a implantação de políticas públicas eficientes, que os acolham durante o período de reclusão.

Mesmo a Lei de Execução Penal tratando da destinação de lugares para gestantes e parturientes, bem como creches para crianças maiores de 6 meses e menores de sete anos, muitos lugares ainda não dispõem de tais espaços, além de existir a resistência por parte das mães em deixar os filhos nas prisões, pelo fato de estarem estendendo sua pena a eles, fazendo-os crescer como prisioneiros, privando de um crescimento saudável e livre. Nesse sentido, Silva comenta que:

 

[...]O afastamento abrupto entre mães e filhos pela prisão e a consequente ausência materna no cotidiano infantil, por sua vez, também proporciona uma série de impedimentos ao desenvolvimento integral da criança que variarão de acordo com sua faixa etária [...] (SILVA, 2015, p. 190).

           

            De fato, o ambiente onde o indivíduo se desenvolve contribui imensamente para a composição da sua personalidade e nos primeiros anos de vida a criança encontra-se numa situação de dependência em relação à mãe, que tem o papel de suprir suas necessidades de sobrevivência, seja no âmbito afetivo e cognitivo, seja contribuindo no despertar da linguagem, na psicomotricidade e na adaptação social.

Acerca da função materna e dos cuidados primários que remetam às necessidades das crianças, considera-se que é a figura materna quem produz a significação das necessidades da criança, fazendo uma espécie de adaptação a essas necessidades através da sua capacidade de se identificar com ela. Assim, a partir dessas identificações, a mãe consegue apresentar os objetos a seu filho e inseri-lo nas relações com o mundo (WINNICOTT, 1975, apud EMIDIO, 2011, p. 109).

Quando esse processo se dá de forma sadia se converte em características positivas à criança, que será capaz de socializar de forma saudável, sentir-se seguro e confiante diante do mundo. No contrário, poderá gerar efeitos negativos, como a impossibilidade de estabelecer vínculo afetivo com a mãe, na primeira infância, ou incentivando a relação de dependência, insegurança, quebra de autoconfiança, principalmente na fase conhecida como segunda infância.           

            Pelas condições impostas pela reclusão, torna-se bastante dificultoso o pleno exercício da maternidade.  Por este motivo, após a separação, a guarda fica suspensa e passa a ficar sob a responsabilidade da família, que tem a missão de dar condições suficientes para o seu bem-estar e ensinar valores, configurando-se como uma socialização primária. Dessa forma, outros sujeitos passam a ter significado. O processo de socialização familiar que tem como consequência a individuação, a qual possui seu início geralmente quando o indivíduo passa a fazer a distinção entre ele e os outros, neste caso os filhos das mulheres presas, podendo ser alcançada pelo limite da criminalidade (STELLA, 2009).

            Considerando a realidade das prisões, lamentavelmente o direito de ser mãe passa a ser colocado em desvantagem diante de toda a problemática que envolve o cárcere. Mas é válida a insistência por esse direito, a fim de combater as injustiças sociais e dando espaço para a singularidade feminina.

 

2.6  A saúde no ambiente carcerário

 

Passar pela experiência de um presídio traz grandes marcas na vida de uma pessoa. Desde o recebimento da sentença até o momento de sua saída é uma imensa jornada para muitos.

Durante todo esse período, que pode ser de curto, médio ou longo prazo, é possível que a privação da liberdade, juntamente com todos os seus desafios, tenha como consequência alterações na saúde física e mental, em razão das condições do local.

Nesse contexto, a situação se agrava quando se fala de mães presas. Se o cotidiano de uma mulher presa já é dificultoso individualmente, imagine-se acompanhada de uma criança repleta de necessidades, especialmente no tocante à saúde. A garantia do desenvolvimento saudável da criança é posta em questão, juntamente com a saúde da mãe, em estado de puerpério ou gestante.

É dever do Estado fornecer medicamentos e aparelhamento necessários para a promoção da saúde nos ambientes prisionais, porém, em grande parte dos presídios brasileiros o direito à saúde, à proteção à maternidade, à alimentação e à infância, ambos previstos no artigo 6º da Constituição Federal de 1988, onde estão dispostos os direitos sociais, são brutalmente violados. São considerados direitos sociais aqueles que constituem as liberdades positivas, presentes em um Estado Social de Direito, que visam melhorar as condições de vida hipossuficientes, no intuito de garantir a igualdade social (PAULO; ALEXANDRINO, 2015, p. 259).

O artigo 14 da Lei 7.210/1984, a chamada Lei de Execução Penal, estabelece que:

 

Art.14 – A assistência à saúde do preso e do internado, de caráter preventivo      e curativo, compreenderá atendimento médico, farmacêutico e odontológico.

§2º - quando o estabelecimento penal não estiver aparelhado para promover a assistência médica necessária, esta será prestada em outro local, mediante autorização da direção do estabelecimento.

§3º Será assegurado o acompanhamento médico à mulher, principalmente no pré-natal e no pós-parto, extensivo ao recém-nascido (BRASIL, 1984).

 

Mesmo estando previstas tais medidas, a realidade em grande parte dos estabelecimentos penais demonstra a omissão do dever de agir do Estado quando não fornece os serviços médicos necessários às mulheres, deixando de oferecer, por exemplo, a assistência ginecológica, obstétrica e psicossocial. Além da falta de higiene, é alto o número de doenças intrauterinas e infectocontagiosas, fatos que interferem na recuperação pós-parto.

Destaca-se a recomendação da Resolução nº 3, de 2012 do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP), órgão subordinado ao Ministério da Justiça, que prevê que, de acordo com a Súmula Vinculante 11, não sejam usadas algemas ou outros utensílios de contenção em presos que sejam conduzidos ou permaneçam em unidades hospitalares, exceto quando demonstrada a necessidade, a fim de evitar a fuga ou frustrar uma resistência. A mencionada Resolução foi editada a partir de graves denúncias acerca do uso de algemas para a contenção de mulheres presas durante o parto (BRASIL, 2012, sp.). 

Em decorrência disso, embora mãe e filho necessitem um do outro, paradoxalmente a condição estabelecida para o desenvolvimento de uma criança no ambiente prisional pode acarretar uma sobrecarga física, emocional e, de certo modo, pode estender a prisão de sua mãe para ele, constituindo-se em uma dupla penalização e viola vários dispositivos que possuem o objetivo de oferecer proteção à infância saudável. 

Essa espécie de extensão da pena se constitui como uma violação do Princípio da Intransmissibilidade das Penas ou Pessoalidade da pena, previsto no artigo 5º, XLV, da CF/88, que prevê que nenhuma pena pode passar da pessoa do condenado, impedindo que a condenação se estenda a outras pessoas que não tenham participado da conduta por ele praticada. Ou seja, a permanência da criança no cárcere, ainda que provisoriamente, tem como consequência uma imposição indireta da pena. A aplicabilidade desse principio pode oferecer maior proteção à criança, visando a sua não culpabilização.        

Portanto, entende-se que a rede de saúde nas prisões ou em unidades extramuros, ou seja, em ambientes hospitalares fora da prisão, devem oferecer um atendimento mais humanizado e menos discriminatório, visando descaracterizar o estereótipo da “mulher presa”, com o objetivo de proporcionar um atendimento que priorize sua dimensão subjetiva de forma digna.

{C}3       {C}DE QUE FORMA A LEI BRASILEIRA TRATA DOS DIREITOS DA MÃE PRESA E DOS FILHOS MENORES DE IDADE?

 

Após ressaltar o contexto social da prisão feminina e suas peculiaridades, é essencial demonstrar de que forma os direitos da mulher presa, bem como os direitos da criança estão dispostos no ordenamento jurídico brasileiro e o modo como foram incorporadas as medidas internacionais de proteção aos direitos humanos nesse sentido.

A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, conhecida como Constituição cidadã, trouxe novos mecanismos de proteção aos direitos e garantias individuais, o que reflete as diretrizes assumidas pela nova ordem constitucional para regular, através de normas mais inclusivas, as relações entre o Estado e os cidadãos.

Desse modo, essas diretrizes estão dispostas na forma de princípios constitucionais fundamentais, localizados nos artigos 1° ao 4° da Constituição Federal, dentre eles destacam-se o art. 1°, III e o art. 4°, II, os quais definem a dignidade da pessoa humana e a prevalência dos direitos humanos, respectivamente, como alguns dos seus princípios, constituindo-se como ferramentas indispensáveis para limitar o poder do Estado.

 

Art.1º – A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direitos e tem como fundamentos:

[...]

III – a dignidade da pessoa humana.

Art.4º - A República Federativa do Brasil rege-se nas suas relações internacionais pelos seguintes princípios:

[...]

II – a prevalência dos direitos humanos (BRASIL, 1988).

 

Vale dizer que esses direitos são fundamentais à felicidade e ao seu desenvolvimento pleno, não apenas do ponto de vista individual, como alguém desvirtuado do meio social, mas sim, inserida em um plano maior, onde estão presentes os direitos da coletividade (NUCCI, 2016, sp.).

No que concerne aos princípios que regem as relações no plano internacional, citamos a prevalência dos direitos humanos. A Constituição brasileira apresenta vários dispositivos que vinculam o Estado a respeitar normas internacionais que oferecem proteção a tais casos, como os tratados internacionais que foram ratificados. Desse modo, há uma forte relação entre o direito internacional e o direito interno, visando ampliar o campo de proteção da pessoa humana.

Outro dispositivo pertinente aos direitos da mulher presa e ao aleitamento materno, essencial para a nutrição da criança, está presente no artigo 5º, L, da Constituição Federal de 1988, que diz que:

 

Art.5º – Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, á liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:

                                             [...]

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (BRASIL, 1988).

 

Conforme o art. 196 e seguintes da Constituição Federal de 1988 é assegurado o direito à saúde, às ações e serviços para a sua promoção, proteção e recuperação, sem que hajam distinções no atendimento entre mulheres sob pena privativa de liberdade ou não.

Assim a lei brasileira protege tanto a mãe presa, quanto a criança, além dos dispositivos mencionados, isso está assegurado principalmente através da Lei de Execução Penal (Lei nº 7.210/84), já citada, e do Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei nº 8.069/90), respectivamente, somados aos demais dispositivos legas capazes de tutelar seus direitos.

A seguir, exibiremos de forma mais detalhada como estão dispostos esses direitos na legislação atual, influenciados pela normatização internacional que deu amplitude ao tema, colocando como cerne da problematização o Princípio da Dignidade Humana.

 

3.1  Observância dos Tratados Internacionais de Direitos Humanos

 

Segundo Mazuolli (2015), os tratados internacionais são considerados fontes formais e concretas do Direito Internacional Público e tem por objetivo regular os mais variados assuntos, vislumbrando não apenas segurança e estabilidade nas relações de cunho internacional, mas também trazer maior representatividade aos direitos dos povos de forma democrática.

A aderência de Estados a esses tratados constitui um verdadeiro acordo de vontades gerando efeitos jurídicos e se dá através da ratificação, considerada uma das fases mais importantes para a implementação dos tratados e que, ao confirmar sua assinatura, passa a dar validade a ele. Em razão disso, os Estados passam a ser signatários e se obrigam às condições nele presentes.

Os Tratados Internacionais de Direitos Humanos possuem uma colocação privilegiada no ordenamento jurídico brasileiro, que os equiparou às emendas constitucionais, adquirindo uma posição hierárquica de norma constitucional. Ao se equiparar às emendas, os tratados devem ser aprovados de acordo com o processo legislativo igual ao delas (BULOS, 2014).

O contexto social que passou desenvolver mecanismos internacionais de proteção aos direitos humanos se deu após a Segunda Guerra Mundial, onde milhares de pessoas foram dizimadas e sua dignidade aviltada.

A partir daí, surgiu a Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada pela Assembleia Geral das Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948, na cidade de Paris, que reconhece os direitos civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, sendo considerado um documento pioneiro na proteção da dignidade humana e que serviu de base para diversos documentos futuros (ONU, 1948).

Diante disso, Piovesan afirma:

 

O processo de universalização dos direitos humanos permitiu a formação de um sistema internacional de proteção desses direitos. Esse sistema é integrado por tratados internacionais de proteção que refletem, sobretudo, a consciência ética contemporânea compartilhada pelos Estados, na medida em que invocam o consenso internacional acerca de temas centrais dos direitos humanos, fixando parâmetros protetivos mínimos (PIOVESAN, 2005, p. 45).

                       

Em nível regional, a Convenção Interamericana de Direitos Humanos (popularmente conhecida como Pacto de São José da Costa Rica) demonstra o acolhimento de países latinos no reconhecimento dos direitos essenciais do homem, assinado em 22 de novembro de 1969 na Costa Rica, veio reforçar a implantação de mecanismos de defesa nesses casos. O direito à integridade pessoal está presente em seu artigo 5º, § 2º, que diz que ninguém poderá ser submetido a torturas, nem penas cruéis ou degradantes, devendo a pessoa privada da liberdade ser tratada com respeito em decorrência da dignidade inerente ao ser humano. Ainda em seu artigo 19, dispõe que toda criança tem o direito de proteção por parte da família, da sociedade e do Estado, em decorrência de sua condição de menor. O documento foi ratificado pelo Brasil apenas no ano de 1992 (OEA, 1969).           

Outro documento de nível internacional que merece ser mencionado é o que prevê as Regras Mínimas para o Tratamento de Reclusos, que foram adotadas durante o Congresso das Nações Unidas sobre a prevenção do Crime e o Tratamento dos Delinquentes, no ano de 1955 em Genebra (BRASIL, 2016, sp.).

Recentemente, essas regras passaram por uma nova atualização, oficializadas pelas Nações Unidas em 2015, visando reestruturar o atual modelo de sistema penal e a função social do encarceramento. Esse novo estatuto, que ficou conhecido como “Regras de Mandela”, preocupou-se em oferecer um maior cuidado às crianças, adolescentes e mulheres em situação de privação da liberdade, considerando suas especificidades (BRASIL, 2016,sp.).

Na regra 28, há uma atenção especial às unidades prisionais femininas, colocando como um dever a acomodação especial e tratamento pré e pós-natais. Prevê ainda que medidas sejam tomadas para que os partos aconteçam fora da unidade prisional. Nos casos, em que a criança nascer dentro da unidade prisional, isso não deverá constar em sua certidão de nascimento.

Ainda no seu texto, traz a regulamentação da presença de crianças em ambientais carcerários através da Regra 29, que diz:

 

Regra 29

1. A decisão de permitir uma criança de ficar com seu pai ou com sua mãe na unidade prisional deve se basear no melhor interesse da criança. Nas unidades prisionais que abrigam filhos de detentos, providências devem ser tomadas para garantir:

(a) creches internas ou externas dotadas de pessoal qualificado, onde as crianças poderão ser deixadas quando não estiverem sob o cuidado de seu pai ou sua mãe.

(b) Serviços de saúde pediátricos, incluindo triagem médica, no ingresso e monitoramento constante de seu desenvolvimento por especialistas.

2. As crianças nas unidades prisionais com seu pai ou sua mãe nunca devem ser tratadas como presos.

 

Definir a permanência no ambiente prisional, tendo por base o melhor interesse da criança, prioriza o cuidado como a influência que o referido ambiente pode trazer. A implantação de creches e o fornecimento de serviços de saúde amplia a rede de cuidados e traz um sentido maior de humanização da pena.

Esta humanização da pena se torna uma aliada a essa nova perspectiva de punição, reforçada pela ideia de Piovesan (2005), sobre a singularidade de cada sujeito de direitos, afirmando ser “insuficiente tratar o indivíduo de forma genérica, geral e abstrata. Faz-se necessária a especificação do sujeito de direito, que passa a ser visto em sua peculiaridade e particularidade.”

Em 2010 foi publicado um novo documento crucial para complementar outras iniciativas acerca da situação das mulheres encarceradas. As Regras das Nações Unidas para o Tratamento de Mulheres Presas e Medidas Não Privativas de Liberdade para Mulheres Infratoras (Regras de Bangkok) trazem de forma mais específica as características inerentes ao gênero feminino no encarceramento, tanto na fase de execução da pena, quanto na aplicação de medidas não privativas de liberdade.  O documento teve seu lançamento no Brasil no ano de 2016 e veio problematizar a necessidade de se pensar na redução do encarceramento feminino provisório (BRASIL, 2016,sp.).

Entre as suas regras destacam-se as de número 48, 49, 50, 51 e 52, que tratam dos cuidados para as gestantes ou lactantes, com a supervisão de profissionais qualificados que garantam uma alimentação sadia e o estímulo à alimentação; da permanência da criança na prisão respeitando o melhor interesse da criança; da proibição da criança ser tratada como presa; do dever de proporcionar o maior tempo possível juntos dos filhos, caso estes permaneçam na prisão; do acesso à saúde e à educação das crianças na prisão; e, por fim, da decisão do momento de separação entre mãe e filho que deve ser analisada caso a caso, de acordo com a delicadeza do momento.

Apesar de o Governo brasileiro ser signatário de todos esses acordos internacionais, muitos estabelecimentos ainda permanecem aquém dos preceitos estipulados nos tratados. Ainda são gritantes os problemas que assolam o sistema carcerário brasileiro e que prejudicam o acesso a esses direitos.

Nesse ínterim, Guerra (2014) aborda as consequências de não cumprir as medidas dispostas nos tratados quando diz: “[...] a partir do momento em que o Estado se submete às normas internacionais e venha a descumpri-las estaria praticando um ato ilícito e, portanto, sujeito a uma reparação internacional.”

Com efeito, todos esses tratados são reflexos dos princípios norteadores, dentre eles o princípio da dignidade humana, eixo de grande importância na discussão, que abordaremos a seguir.

 

 

3.2  O princípio da dignidade humana aplicada a esses casos

 

Após os acontecimentos da Segunda Guerra Mundial foi amplamente difundida a ideia de preservar e proteger algo imprescindível para convivência harmoniosa entre os povos: a dignidade humana.

A partir desse momento, a Organização das Nações Unidas, juntamente com os demais organismos da comunidade internacional, produziu vários instrumentos que visam tornar a dignidade humana o alvo de suas ações.

A necessidade de manter preservado esse princípio é tamanha, visto que dele decorrem diversos outros direitos, como o direito à vida, à propriedade, ao trabalho, à educação, à saúde, entre outros.

Sua origem advém pensamento cristão, que criou bases para defender que o homem possuía imagem e semelhança de Deus e, portanto, a ideia de igualdade entre os seres deveria ser mantida, condenando a prática de tratar o semelhante como um objeto, o que despertou, desde então, o sentimento de fraternidade e solidariedade (GUERRA, 2014).

A proteção à dignidade foi amplamente difundida e ganhou várias conceituações ao longo dos anos, que representam não apenas o reconhecimento de sua importância, mas também revelam os anseios sociais na busca de condições mais igualitárias e justas.

Sarlet propôs a sua definição de dignidade humana, aliando os aspectos jurídicos e a dimensão prestacional do Estado:

                                  

Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o fez merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa corresponsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos (SARLET, 2005, p. 14).

 

Para BULOS (2014, p.512) o Princípio da Dignidade Humana entende-se que sua finalidade é consagrar um imperativo de justiça social, um valor constitucional supremo, fazendo com que seja consubstanciada a integridade moral do ser humano, independentemente de credo, cor, raça, origem ou status social, projetando-a a um status elevado. Seu conteúdo abarca valores jurídicos, como os aspectos individuais, coletivos, políticos e sociais do direito à vida, direitos econômicos, entre outros. Sua abrangência produz efeitos desde o ventre materno até a morte. 

De acordo com NUCCI (2016, p.3) o referido princípio pode ser observado sob dois angulos: o objetivo e o subjetivo. O aspecto objetivo permite a garantia de um mínimo existencial, com a finalidade de  suprir suas necessidades básicas. Já o o ponto de vista subjetivo, refere-se ao respeito e autoestima, condições essênciais ao ser humano, desde o nascimento, não sendo possível renunciálos.

Assim sendo, a dignidade é algo inafastável do ser humano, não podendo ser reprimida essa qualidade nem mesmo quando um indivíduo age de forma danosa ao meio social. Ou seja, os presos e presas, mesmo tendo cometido crimes, em alguns casos repugnantes, devem ter respeitada a sua dignidade, devendo ser combatida a ideia de marginalização social e miserabilidade como forma de castigo.

As mulheres presas devem ter sua singularidade mantida, o que obriga o sistema penal brasileiro a se adaptar às novas demandas. De acordo com Paulo César Corrêa Borges:

 

Esse processo de segregação e preconceito, traduzido em leis penais impregnadas de valores profundamente machistas, representa o oposto dos direitos humanos, que visam contemplar, sem exceção, todas as pessoas (...) Logo, é forçoso reconhecer que o sistema penal trata a mulher de forma preconceituosa. Sob esse aspecto, o campo penal muitas vezes soluciona questões essenciais, mas, de outra feita, age reforçando velhas discriminações (BORGES, 2011, pág. 13-14).

           

O reconhecimento de que é necessário proporcionar maior dignidade às mulheres presas e mães e de que urge adaptar as leis penais em razão dessa nova demanda, que possui características ímpares e cruciais, traduz a preocupação de não as submeter a tratamentos desumanos e cruéis, principalmente estando acompanhadas de seus filhos.

O cárcere brasileiro, está em crise, isto é fato, visto que não consegue atingir seus objetivos, raramente existem estabelecimentos  prisionais aptos para atender direitos essenciais das mulheres como da amamentação de crianças, e de puerperas.

 

Segundo dados oficiais, faltam berçários e centros materno-infantis e que, em razão disso, as crianças se ressentem da falta de condições propícias para seu desenvolvimento, o que não só afeta sua capacidade de aprendizagem e de socialização, como também vulnera gravemente seus direitos constitucionais, convencionais e legais (LEWANDOWSKI, 2018, p. 06)

 

Portanto, para proteger essas crianças, antes de tudo é indispensável a proteção de suas mães.

Conforme lenciona SALERT (211, p.50) “mesmo aquele que já perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la (sua dignidade) considerada e respeitada.” Sendo assim, entende-se que a dignidade não é algo que as pessoas precisam exigir, porque é decorrente da própria condição de ser humano. O que se pode reinvindicar não é a dignidade em por si só – pois cada ser humano já a tem consigo –, mas o respeito e proteção da daquela.

É evidente que o sistema carcerário feminino é uma das questões de maior complexididade do sistema penitenciário brasileiro, isto porque sabe-se que os estabelecimentos prisionais foram projetados com a finalidade de se adequar as condições masculinas. Dessa forma, as individualidades femininas tais como: gravidez, amamentação e seus filhos são, de certa forma,  esquecidos pelo sistema, pela sociedade e pelo Estado.

O descaso dos direitos fundamentais fica evidente quando observa-se o retrato brasileiro do cárcere, e esta realidade é aumenta gradativamente nas prisões femininas. As experiências e necessidaes das mulheres devem ser reconhecidas de acordo com o mundo feminino e não apenas adequadas aos moldes masculinos (MENDES, 2017, p. 215).

O que se constata é que dentro do sistema penal feminino, as mulheres sofrem pela invisibilidade, visto que se ignoram as especificidades do gênero. Essa parcela da sociedade brasileira, merecem o mesmo tratamento com igual respeito e consideração. Sendo assim, observando o princípio da dignidade da pessoa humana, este garante a proteção de todas de forma conjunta e as muitas vertentes que compõe o referido sistema e são, essenciais para se concretizar de forma material os direitos da personalidade.

 

3.3  O que prevê o Estatuto da Criança e do Adolescente

 

Tratando-se das questões jurídicas pertinentes à criança, destacamos a importância do Estatuto da Criança e do Adolescente, bem como a Lei da Primeira Infância, ambas baseadas na Doutrina da Proteção integral.

O Estatuto da Criança e do Adolescente, implementado a partir da Lei nº 8.069 de 13 de julho de 1990, dispõe sobre o modo como deverá ser realizado o tratamento social e legal a ser fornecido às crianças e adolescentes do país, baseando-se no respeito aos direitos fundamentais inerentes à pessoa humana, objetivando a garantia de um desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social mais adequado e de acordo com as condições de liberdade e dignidade.

A lei define criança como a pessoa até doze anos de idade incompletos e logo no seu início traz expressamente o instituto da proteção integral que norteia toda a ordem jurídica nesse sentido (BRASIL, 1990).

Mas o que seria essa proteção? De acordo com a Doutrina da Proteção Integral, toda criança e adolescente dispõem de direitos próprios e especiais que advém de sua qualidade de pessoa em desenvolvimento e que, em decorrência disso, necessitam de proteção especializada, operacionalizada de um modo diferencial e integral (VERONESE, 2013, p. 49).

No intuito de colaborar para uma melhor formação das crianças e adolescentes, tal Estatuto traz como um dever da família, da comunidade, da sociedade e do Estado dar prioridade absoluta ao direito à vida, à saúde, à alimentação, à dignidade, entre outros direitos, englobando a necessidade de destinar recursos públicos em áreas que envolvam a criança e a juventude visando seu melhor desenvolvimento (BRASIL, 1990).

Seu fundamento encontra-se na Constituição Federal de 1988, mais precisamente em seu artigo 227, que já previa a proteção aos direitos da criança e do adolescente como um dever de todos, também tratado com prioridade absoluta, manifestando-se em forma de um outro princípio norteador do ECA.

Vale destacar que esta situação se aplica a situações de grande risco e vulnerabilidade, uma vez que traz expressamente que nenhuma criança ou adolescente deverá estar exposto a situações de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão que ferirem os seus direitos fundamentais (BRASIL, 1990).

O legislador também procurou resguardar os direitos da mãe presa e dos menores no referido estatuto quando coloca como um dever do poder público, das instituições e dos empregadores propiciar condições adequadas ao aleitamento materno, mesmo submetidas à privação de liberdade (BRASIL, 1990).

Há outros dispositivos previstos no Estatuto da Criança e do Adolescente que podem, e devem, ser aplicados em situações onde a mãe está privada de sua liberdade, tais como os artigos 19 e 54, que constitui como um direito da criança e do adolescente a sua criação no ambiente familiar ou em família substituta, assegurando a convivência familiar e comunitária, garantindo seu desenvolvimento integral e o direito ao acesso à creche para crianças de zero a cinco anos de idade (BRASIL, 1990).

Desse modo, mesmo no ambiente carcerário a criança deve ter seus direitos garantidos de acordo com as previsões legais estabelecidas constitucionalmente e no ECA.

Quando a mãe tem sua sentença transitada em julgado com pena superior a dois anos, a guarda é suspensa provisoriamente enquanto durar sua punição, podendo ser transferida para algum familiar que deterá a guarda da criança e assumirá seus cuidados. Nos casos em que não há nenhum familiar com essa disponibilidade, o Conselho Tutelar deverá agir para garantir a assistência necessária, encaminhando-a a creches ou locais de acolhimento.

Tratando-se das crianças que não possuem familiares ou responsáveis fora do cárcere, a lei estabelece que a escolha do local deve ser feita pelas próprias mães, através do auxílio de profissionais qualificados. Por conta disso, crianças de até sete anos de idade, que possuem apenas a mãe como única responsável, podem permanecer com elas, desde que a unidade possua local adequado (ALENCASTRO, 2015).

Há um dilema a ser discutido quando se diz que a criança não deverá ser exposta a situações de negligência, discriminação, violência, crueldade e opressão que forem capazes de coibir seu acesso aos direitos fundamentais, porém, que também se constitui como um dever do poder público em garantir o aleitamento materno mesmo em ambientes prisionais. 

Por isso, outro princípio específico que merece destaque é o Princípio do Melhor Interesse, que prevê que deverá ser levada em conta a prioridade das necessidades do menor como critério de decisão em demandas futuras.

Baseando-se nesses ideais, os documentos legais que englobam os direitos da criança e do adolescente foram se ampliando e ganhando novas conotações.

A lei 13.257 de 8 de março de 2016, conhecida como Lei da Primeira Infância, que alterou o Estatuto da Criança e do Adolescente, foi elaborada no intuito de promover maiores ações direcionadas à proteção da primeira infância, bem como a formulação de novas políticas públicas voltadas para este setor.

Para os efeitos desta lei, considera-se primeira infância o período que compreende os primeiros seis anos completos de vida ou setenta e dois meses (BRASIL, 2016).

Além de alterar o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei da Primeira Infância alterou também o Código de Processo Penal, especificamente em seu artigo 318, sugerindo a substituição da prisão privativa de liberdade para a prisão domiciliar:

 

Art. 318. Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:

[...]

IV – gestante;

V – mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;

VI – homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos (BRASIL, 1941).

 

No entanto, mesmo havendo a preocupação da conversão da prisão, o diploma legal não tratou com afinco da questão. Porém, prevalece a importância de que a norma seja interpretada segundo a Constituição Federal e os Tratados Internacionais de Direitos Humanos, vinculando-os ao que está previsto no Marco Legal da Primeira Infância e como sendo este um autorizador para aplicação de prisão domiciliar, em substituição a qualquer regime (BRASIL, 2016).

 

3.4  Lei de execução penal e alterações acerca do tema

 

A Lei nº 7.210/84, Lei de Execução Penal, criada com o objetivo de tornar efetivas as disposições contidas na sentença ou decisões criminais, tem em vista a integração social do condenado ou internado.

Sobre Execução Penal trata-se de uma ciência autônoma, detentora de princípios próprios, ligada ao Direito Penal e ao Direito Processual Penal, regulando as penas alternativas e outros aspectos diversos da pena privativa de liberdade (NUCCI, 2016).

Segundo Nunes (2013, p. 92), isso significa que a execução da pena e da medida de segurança devem ter seu embasamento de acordo com a sentença judicial, proferida por juiz competente, respeitando os princípios constitucionais do devido processo legal e do contraditório, fazendo com que seja executado o inteiro teor da sentença na tentativa de recuperar o delinquente.

Essa integração social se dá na tentativa de buscar a recuperação daqueles que cometeram algum ato ilícito e que necessitarão se reinserir na sociedade assim que pagarem sua dívida com a justiça.

No tocante à permanência do indivíduo na prisão, esta deve se dar de forma a garantir, o máximo possível, os seus direitos, e mais precisamente a sua dignidade, uma vez que é necessário reconhecer que tratando-os de forma humanizada o seu retorno ao convívio social provavelmente se dará de forma mais pacífica e justa, do que se forem tratados de forma cruel e excludente.

De fato, falar em ressocialização no Brasil considerando a infraestrutura dos ambientes prisionais é algo que beira a uma situação utópica. Já foi demonstrado que existe todo um conjunto normativo internacional e nacional acerca dos direitos do preso que merece ser posto em prática, mas há grandes entraves envolvendo políticas públicas para a aplicação destes ideais. É preciso que a situação seja encarada com mais seriedade por parte das autoridades políticas, jurídicas e a sociedade como um todo, só assim é possível falar de ressocialização de forma mais real.

Ao tratar-se de direitos dos presos e presas, o preconceito deve ficar para trás e dar lugar a ações inovadoras no sentido de promover mais igualdade e efetivação desses direitos. Às mães presas deve-se destinar um olhar mais compatível com sua condição de mulher, de mãe, de gestante, seja qual for seu momento.

Pensando nisso, a Lei de Execução Penal trouxe algumas disposições importantes que envolvem a temática da mulher no ambiente prisional.

Um fator indispensável se dá na intenção em separar as mulheres em um ambiente próprio e que seja condizente com sua condição pessoal. Isso se deu em decorrência de dois fatores: em razão de garantir maior atendimento às necessidades das presas mulheres e para combater a promiscuidade se permanecessem homens e mulheres em um mesmo ambiente (BRASIL, 1984).

Contando com as alterações dadas pela Lei 11. 942/2009, que tratou de destinar às mães presas e aos recém-nascidos condições mínimas de assistência, passou a ser assegurado o acompanhamento médico, principalmente no pré-natal e pós-parto, estendendo-se esse benefício ao recém-nascido (BRASIL, 1984, sp.).

Outra inovação importante trazida por esta lei foi a implantação de berçários, onde as presas possam cuidar de seus filhos, no mínimo, até os 06 meses de idade (BRASIL, 1984).

Ainda de acordo com as novas alterações, foi designada a criação de seção para gestantes e parturientes e de creche para que se possa abrigar com mais qualidade as crianças maiores de 06 meses de vida e menores de 7 anos de idade, nos casos em que a mãe estiver presa e não houver nenhum parente fora da prisão que possa garantir a assistência à criança, com o atendimento  fornecido por pessoal qualificado, de acordo com as normas educacionais vigentes (BRASIL, 1984).

A participação da família nesse momento constitui-se como um apoio emocional a mais durante o cumprimento da pena para a mulher, mesmo que seja através de visitas periódicas. Além de ser um direito previsto na Lei de Execução Penal, no artigo 41, X, o direito de visita seja do cônjuge, companheiro, parentes ou amigos, faz um elo com o mundo exterior e se mostra capaz de amenizar a carência afetiva, mesmo que por pouco tempo.

Tendo em vista a dificuldade em preservar os laços afetivos entre mãe e filho no ambiente carcerário, assim como a assistência, a educação, a alimentação e o desenvolvimento saudável da criança nesse lugar e a incerteza de uma adequada proteção dada por terceiros nos casos em que a mãe cede a guarda provisória do menor, foi estendida a possibilidade de concessão de regime aberto em residência particular para condenadas com filho menor, que possua alguma deficiência física ou mental ou se a mesma for gestante, segundo os preceitos do artigo 117, III e IV.

Essa problemática vem sendo alvo de intensas discussões e dá abertura para a ampliação de mais garantias para as mães presas, podendo modificar a configuração da prisão feminina.

 

3.5  A concessão de regime domiciliar e a jurisprudência brasileira

 

Ainda que essa série de disposições jurídicas acerca dos direitos das mulheres presas exista e tenha sido criada respeitando as mais importantes e modernas normas do direito internacional a realidade que se apresenta nos inúmeros estabelecimentos prisionais do Brasil é grave.

O crescente aumento da população carcerária feminina fez surgir novas demandas na infraestrutura dos presídios, bem como a construção de outros, a fim de combater o acúmulo em locais desestruturados e superlotados. Ocorre que tais providências nem sempre são possíveis ou priorizadas, gerando uma situação de intensa incompatibilidade com os ideais democráticos sobre o respeito aos direitos humanos.

As condições degradantes as quais são submetidas as mães e crianças culminou em intensas discussões sobre a possibilidade da aplicação de prisão domiciliar destinada a essas pessoas.

Conforme o artigo 317 do Código de Processo Penal Brasileiro “A prisão domiciliar consiste no recolhimento do indiciado ou acusado em sua residência, só podendo dela ausentar-se com autorização judicial”.

Pode-se dizer que a prisão domiciliar seria uma prisão preventiva anteriormente decretada, na qua um indivíduo Y, por motivo X (sendo referido motivo, as condições estabelecidas em lei para concessão do regime domiciliar), não possui condições de permanecer em estabelecimento prisional, de modo que há uma substituição da prisão preventiva pela prisão domiciliar.

Segundo Aury Lopes:” A prisão domiciliar não é, por evidente, uma nova modalidade de prisão cautelar, mas apenas [...] uma especial forma de cumprimento da prisão preventiva, restrita aos poucos casos estabelecidos no art. 318 do CPP” (2011, p. 13)

No entendimento do Professor Nestor Távora e Antonni (2011, p. 576):

 

A prisão domiciliar é decretada em substituição da preventiva, sempre por ordem judicial. Consiste no recolhimento do indiciado ou do acusado em sua residência, só podendo dela se ausentar por ordem do juiz. Para seu deferimento é exigida prova idônea evidenciando a situação especifica que a autorize.

 

É válido frisar que a previsão das condições para a concessão da prisão domiciliar encontra previsão em três artigos de tamanha importância sobre o tema,  quais sejam, 317 da Lei nº 7.210, de 11 de julho 1984, bem como, o artigo 318 e 318 A do Código de Processo Penal, o qual sofreu alterações importantíssimas no ano de 2018.

De acordo com o artigo 117 da Lei de Execução Penal, é permitido ao condenado que, em determinadas ocasiões, cumpra sua pena em regime aberto, respeitando as condições de ser maior de setenta anos de idade, réu acometido de doença grave, que seja a condenada gestante ou mãe de filho menor ou que possua deficiência física ou mental, em virtude das condições insuficientes de assistência à saúde (NUNES, 2013).

Já no que concerne ao artigo 318, do Código de Processo Penal, possue a seguinte redação:

 

Art. 318.  Poderá o juiz substituir a prisão preventiva pela domiciliar quando o agente for:         (Redação dada pela Lei nº 12.403, de 2011).

 

I - maior de 80 (oitenta) anos;          (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

 

II - extremamente debilitado por motivo de doença grave;           (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

 

III - imprescindível aos cuidados especiais de pessoa menor de 6 (seis) anos de idade ou com deficiência;             (Incluído pela Lei nº 12.403, de 2011).

 

IV - gestante;           (Redação dada pela Lei nº 13.257, de 2016)

 

V - mulher com filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos;           (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016)

 

VI - homem, caso seja o único responsável pelos cuidados do filho de até 12 (doze) anos de idade incompletos.           (Incluído pela Lei nº 13.257, de 2016) (BRASIL,1984).

 

Observando as condições estabelecidas na Lei de Execução Penal e no Código de Processo Penal Brasileiro, verifica-se que as situações previstas no Art. 117 da LEP são mais brandas do que as situações previstas no Art. 318 do CPP.

No ano de 2018 o Supremo Tribunal Federal, através do julgamento do Habeas Corpus coletivo nº 143.641, impetrado pela Defensoria Pública da União, que teve como relator o ministro Ricardo Lewandowski, decidisse que mulheres grávidas e mães de crianças de até 12 anos de idade sujeitas à prisão provisória poderiam ficar em prisão domiciliar até o julgamento (BRASIL, 2018, sp.).

O relator do caso, ao votar pela aceitação do habeas corpus, citou a realidade degradante do sistema prisional brasileiro, reconhecendo as falhas estruturais que culminam em uma espécie de “cultura do encarceramento”, que tem como uma das consequências a transferência da pena da mãe para as crianças.

Foram narrados vários problemas que as presas provisórias enfrentam, como por exemplo, partos em solitária sem assistência médica, algemas em parturientes, ausência de atendimento pré-natal, além da transmissão de doenças aos filhos, mesmo essas práticas sendo proibidas continuam fazendo parte do cotidiano prisional.

Conforme leciona NUNES (2013) presas provisórias são aquelas que ainda não tiveram condenação definitiva, pois ou ainda não foram julgadas pela Justiça Criminal ou porque não tiveram sentença condenatória transitada em julgado, em razão dos recursos.

Conforme o HC coletivo nº 143.641 foram expostos os tratados internacionais que foram violados e que demonstram um cenário de intensas injustiças de forma sistemática, a saber, Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Pacto Internacional de Direitos Civis e Políticos, a Convenção Americana de Direitos Humanos, os Princípios e Boas Práticas para a Proteção de Pessoas Privadas de Liberdade nas Américas, a Convenção das Nações Unidas contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes e as Regras Mínimas para o Tratamento de Prisioneiros (Regras de Mandela), além dos preceitos constitucionais que tutelam o direito das presas.

O relator demonstrou a necessidade de ser exercida a função judicial para minimizar o contingente de violações, alegando não restar dúvidas de que a segregação a que o ambiente prisional ou as demais unidades de acolhimento impõem causará danos irreversíveis às crianças filhas de mães presas, limitando suas experiências necessárias ao seu desenvolvimento e receberão de forma traumática a inevitável separação da mãe e sofrendo mais ainda com a readaptação à nova família.

Tudo isso gera um profundo descaso acerca da prioridade absoluta dos direitos das crianças afetando diretamente seu desenvolvimento pleno (BRASIL. HC nº 143.641, 2018).

Sendo assim, determinou o ministro Ricardo Lewandowski que deve ser substituída a prisão preventiva pela prisão domiciliar, podendo aplicar concomitantemente as disposições contidas no art. 319 do Código de Processo Penal, para as gestantes, puérperas ou mães de crianças, com exceção dada àquelas que praticaram crimes mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou em situações excepcionalíssimas, estas devendo ser devidamente fundamentadas. A 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal determinou que os tribunais teriam 60 dias para cumprir a decisão (BRASIL, 2018).

Tal determinação acima ficou expressa no artigo 318 A do Código de Processo Penal, conforme redação dada pela Lei nº13.769, de 2018, conforme redação a seguir:

 

Art. 318-A.  A prisão preventiva imposta à mulher gestante ou que for mãe ou responsável por crianças ou pessoas com deficiência será substituída por prisão domiciliar, desde que: (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).

 

I - não tenha cometido crime com violência ou grave ameaça a pessoa;                 (Incluído pela Lei nº 13.769, de 2018).

 

II - não tenha cometido o crime contra seu filho ou dependente.(BRASIL, 1984).

           

É importante destacar ainda no que concerne a concessão do regime domiciliar para as mães presas, é possível que o juiz antes de conceder a prisão domiciliar, possa requisitar um laudo, análise de assistentes sociais e etc, no sentido de constatar se a presa mãe possui condições de cuidar do filho.

Deve-se dar credibilidade à palavra da mãe. Assim, em regra, basta a palavra da mãe. Excepcionalmente, em caso de dúvida, o juiz poderá requisitar a elaboração de laudo social. A prisão domiciliar já deverá ser imediatamente implementada enquanto se aguarda a elaboração do laudo. Caso se constate a suspensão ou destituição do poder familiar por outros motivos que não a prisão, a mulher não terá direito à prisão domiciliar com base no art. 318, IV e V, do CPP. STF. 2ª Turma. HC 143641/SP. Rel. Min. Ricardo Lewandowski, julgado em 20/2/2018 (Info 891).

Em tempo, frisa-se que embora tenha sido acertada a decisão do Supremo Tribunal Federal, quando analisa-se a jurisprudência posterior ao julgado encontram-se diversas divergências ou exceções na forma da sua aplicação, gerando indagações.

Tais exceções podem ser analisadas, por exemplo, no julgado dos HC’s 457.507/SP e 441.781-SC os quais destacam que não é cabível a substituição da prisão preventiva pela domiciliar quando o crime é praticado na própria residência da agente, onde convive com filhos menores de 12 anos.

Outra exceção a concessão do regime domiciliar se verifica no julgamento do HC 168900, em 24 de setembro de 2019, conforme redação:

 

A Primeira Turma denegou a ordem em habeas corpus impetrado em favor de presa preventivamente pela suposta prática dos crimes de associação criminosa, posse irregular de arma de fogo de uso permitido e posse irregular de arma de fogo de uso restrito.

A prisão foi fundada na garantia da ordem pública, pois se trataria de pessoa supostamente integrante de grupo criminoso voltado ao cometimento dos delitos de tráfico de drogas, disparo de armas de fogo, ameaça e homicídio.

A defesa alegou que a custódia cautelar não deveria subsistir e evocou precedente da Segunda Turma do STF (HC 143.641), por se tratar de mãe de criança.

O ministro Marco Aurélio (relator) considerou devidamente fundamentado o decreto prisional, uma vez ter sido encontrada, na residência da paciente, quantidade considerável de armas e munições, bem como existirem indícios suficientes de ela integrar o grupo criminoso.

O ministro Alexandre de Moraes destacou que o precedente trazido pela defesa não determina que toda mãe de criança seja submetida a medida alternativa à prisão, mas que o juiz analise as condições específicas do caso, porque o mais salutar é evitar a prisão e priorizar o convívio com a criança. Entretanto, pode haver situações em que o crime é grave e o convívio pode prejudicar o desenvolvimento do menor.

HC 168900/MG, rel. Min. Marco Aurélio, julgamento em 24.9.2019.       

Ocorre que o quetionamento que se faz é no seguinte sentido, ao analisar o artigo 318 A do Código de Processo Penal, as vedações impostas para não concessão da prisão domiciliar não são verificadas nos julgados acima mencionados, isto porque, em ambos os casos eram situações que os delitos não foram praticados com violência ou grave ameaça, dessa forma, não se enquadravam no artigo retromencionado.

Diante disso, embora o Habeas Corpus coletivo nº 143.64, tenha sido um marco no que concerne ao regime da prisão domiciliar e  feito renascer a esperança de que é possível, mesmo diante de intensos impasses, avançar enquanto sociedade, afim de buscar condições mais igualitárias e justas a todos os cidadãos, verifica-se que a jurisprudência ainda encontra-se em fase de debates para determinas situações, devendo o tema ser tratado com cautela.

3.6  Colônia penal feminina do Recife: Estudo de campo: Ano 2018

Em regra, as Colônias Penais abrigam presos em regime semiaberto, podendo possuir certas categorias, como agrícolas, industriais ou similares, sejam elas masculinas ou femininas, para onde são transferidos os presos através da progressão ou regressão de regime (NUNES, 2013).

Porém, na colônia Penal Feminina do Bom Pastor, são aceitas presas em regime fechado e aquelas que aguardam recursos de seus processos. Não possuem presas em regime semiaberto. Quando ocorre um caso mais grave, a presa é encaminhada para a Colônia Penal Feminina de Abreu e Lima.

Estima-se que o ideal seria abrigar pelo menos 150 presas, mas na data em que a pesquisa fora realizada, no dia 24 de maio do ano de 2018, havia 680 mulheres. O acesso foi delimitado à àrea do berçário e setor administrativo não sendo possível constatar as condições internas das outras celas.

De acordo com a Secretaria Executiva de Ressocialização de PE, na Colonia Penal Feminina, são desenvolvidos diversos tipos de atividades, com a finalidade de auxiliar as presas no combate à ociosidade e estimular a interação entre elas, como ocorreu no Dia das Mães daquele ano, onde foram disponibilizadas sessões de cinema, danças, brincadeiras para as crianças e sorteio de presentes. Em outra ocasião houve ações envolvendo música, dança e momento religioso.

 

3.7  Estudo de campo: Direitos das mães presas, contato com a família e destinações de locais de apoio para crianças

 

Mediante autorização da Secretaria Executiva de Ressocialização de Pernambuco – SERES e do setor administrativo da Colônia Penal Feminina do Recife foi realizada uma pesquisa de campo no dia 24 de maio de 2018, com o objetivo de conhecer a realidade prisional da referida unidade e da vivência de mães sob a condição de presas, entender um pouco mais acerca da dimensão subjetiva que as envolve no momento e como possuem acesso às garantias previstas em lei na prática.

Para viabilizar esse tipo de pesquisa, foi elaborado um questionário semiestruturado destinado a ser respondido por um dos agentes do local e de alguma das presas, afim de promover uma escuta sobre as demandas que o cárcere impõe, infraestrutura, atendimento psicossocial, alimentação, serviços de saúde e de limpeza, etc.

O local possui áreas destinadas à laborterapia, enfermaria e atendimento médico, apoio jurídico, refeitório e berçário.

Primeiramente foi realizado o questionário com um funcionário do local, de início abordando questões que envolvem o ambiente prisional como um todo e depois restringindo as perguntas sobre as mães presas.

A primeira pergunta foi feita afim de saber o quantitativo de presas, assim como o número de presas grávidas atualmente na unidade. Ao responder, afirmou que das 680 reclusas, 12 delas são gestantes e há 5 bebês acompanhados de suas mães.

Mencionou ainda sobre as dificuldades encontradas devido à insistência de algumas delas afim de barganhar algumas vantagens devido à sua condição de grávida, mas que mesmo assim todas são atendidas.

No que se refere aos cuidados destinados a esse público, sejam com produtos de higiene, alimentação, serviços médicos, o atendimento é disponibilizado cotidianamente, principalmente para as grávidas, que requerem uma atenção especial por parte dos profissionais da Colônia, que, segundo ele, ficam de prontidão quando se aproxima a época do parto.

No caso das gestantes, relatou a dificuldade de quando a presa não se cuidava antes de ir para a unidade (nunca havia realizado pré-natal), ou mesmo nem sabia que estava grávida, ou às vezes já está prestes a ter o bebê. Ao saber disso, a equipe médica do local procura fazer o acompanhamento necessário (equipe composta por clínico-geral, ginecologista, pediatra, odontologista, psicólogo, assistente social), podendo esse atendimento ser disponibilizado em unidades hospitalares extramuros, como por exemplo, no Hospital Barão de Lucena, que fica próximo.

Ao menos nas áreas em que foi possível realizar a pesquisa, foi observado que há uma tentativa em “desconstruir” o conceito de encarceramento diferentemente do que se tem notícia, de presas limitadas às celas, sem nenhum acesso aos ambientes livres, a nao ser nos banhos de sol e atividades.

Ocorre que há uma certa autonomia entre elas, para que possam circular em certos ambientes de forma mais “livre”, tendo acesso às àreas da enfermaria, na tentativa de conseguir um atendimento, na área do refeitório/cozinha e em momentos onde são realizadas atividades.

Outra prova dessa “desconstrução”, foi a elaboração de um mural que deixava exposta a data de aniversário de cada uma e as paredes possuíam várias imagens que tentavam dar mais cor ao local.

Ainda durante a entrevista, foi relatado o cuidado que os agentes precisam ter no momento em que as presas entram em trabalho de parto. O número de agentes penitenciários na Colônial Penal Feminina do Recife é muito abaixo do que é esperado, por isso o cuidado no momento de conduzi-las até o hospital deve ser rápido, tanto em razão da segurança do próprio agente quanto da presa que precisa de assistência urgente. Além disso, em muitos casos a família as abandona e fica toda a responsabilidade para a equipe de assistência social.

O deslocamento da presa até o hospital é feito por uma ambulância, sob a segurança de dois agentes, que ficam de prontidão aguardando o parto acontecer. Depois de receber alta, a presa é conduzida de volta para a unidade prisional e lá continua recebendo o atendimento dos médicos do local.

Quando retornam são encaminhadas para celas especiais, onde poderão ter maiores cuidados juntamente com os recém-nascidos. Há também o berçário, que é o ambiente onde as mães podem amamentar com mais segurança, cuidar dos filhos pequenos e dispor de mais espaço.

O berçário da Colônia Penal, foi inaugurado em 8 de maio de 2009, justamente no ano em que a Lei de Execução Penal foi alterada em benefício das mães presas, que passou a destinar de espaço para mães e parturientes. Batizado de Berçário Zilda Arns, o ambiente possui um pátio para atividades de cunho social, quartos coletivos compostos por várias camas e com berços, brinquedoteca, equipamentos de televisão e equipe médica para atendê-las.

Ao frequentar o berçário durante a pesquisa, algumas presas contaram como era o cotidiano delas, afirmando estarem “bem, na medida do possível”, algumas segurando seus bebês no braço e mostrando-se abertas ao diálogo. Uma delas conseguiu autorização do juiz para permanecer com sua filha, de apenas 1 ano e 6 meses, na colônia, uma vez que sua família não teve condições de ficar com a criança.

“Graças a Deus o juiz deixou minha filha aqui, mas foi uma exceção, porque só deixam até 6 meses, aí a gente vai se virando do jeito que dá, né? Aqui pelo menos eu tô com ela, num tá faltando nada por enquanto...” (Presa 1, 2018)

Nesse momento, o agente que acompanhava a visita afirmou que a maioria dos recém-nascidos permanece até os 6 meses de idade na unidade e depois são encaminhados para a família da presa.

Logo após, elas fizeram questão de mostrar uma parte do teto que estava com infiltração e que isso as impedia de ligar a TV para as crianças, como forma de alertar que, mesmo o local dispondo de características diferentes do ambientes prisionais convencionais, eram necessários alguns reparos na infraestrutura. Mas no geral, fora esta observação, não houve nenhum tipo de reclamação a ser feita no que diz respeito à alimentação, à assistência material ou à saude. Apenas lamentaram que as crianças não podem conhecer o mundo fora da prisão, mas que têm esperança de que a realidade delas mude quando saírem.

Quando questionado acerca da decisão do Supremo Tribunal Federal em conceder prisão domiciliar para as mães presas, ele afirmou que muitas já conseguiram o benefício. No entanto, aquelas que cometeram crimes graves, conforme dispõe a lei, não obtiveram a concessão.

Em seguida, foi permitida a pesquisa com uma delas separadamente. Durante a conversa, a presa, que também era mãe, relatou que a distância dos filhos foi o que mais a fez sofrer durante o tempo em que estava presa.

A Presa 2 (por motivos éticos foi resguardado seu anonimato), que está na prisão há cerca de 2 anos, foi acusada de fornecer armas para traficantes, juntamente com seu marido, ex-policial militar, que também está preso. Segundo ela, o marido guardava as armas em casa e pedia que ela o ajudasse no armazenamento e entrega. Conta que, pelo fato de ser ex-policial, não imaginava que aquilo se destinaria ao tráfico, acreditando ser “algo da profissão”. Quando a polícia efetuou a apreensão, levou-a diretamente para o presídio, sem ao menos entrar em contato com nenhum dos filhos. Alega que mesmo sendo adultos seus filhos sofreram as consequências de ter a mãe presa: um deles perdeu o emprego de segurança e o outro tem dificuldade financeira e não consegue se manter sem a ajuda dos demais familiares.

Quanto ao tratamento que recebe dos profissionais que trabalham na unidade, a Presa 2 afirma que todos a tratam bem e que quando necessita de algum medicamento ou consulta é atendida sem maiores dificuldades, além de demonstrar ter um bom relacionamento com todos os funcionários do local, sendo considerada por eles como uma de presa de bom comportamento. No caso dela, recebe visitas dos filhos todos os finais de semana e aguarda a sentença judicial.

As visitas para as presas gestantes e mães acontecem aos sábados, separadas das outras presas, que acontecem aos domingos, configurando-se como um modo a mais de viabilizar e preservar o contato com a família e os filhos.

Sendo assim, pode-se afirmar que as tentativas de humanizar o encarceramento são realizadas na Colônia Penal Feminina do Bom Pastor, pelo menos na área visitada, mesmo com todas as dificuldades de oferecer um atendimento regular a todas, estando em conformidade com as normas constitucionais vigentes, preservando sua dignidade e objetivando manter resguardados os direitos das crianças que as acompanham.

Não se trata de romantizar o sistema punitivo ao qual esta categoria de presas se encaixa, mas é notório que houve um reajuste na forma de punir e em relativizar sua dimensão subjetiva presente.

Esta adequação se faz necessária visto que os instrumentos de punição devem acompanhar a evolução da própria sociedade e, para que isto seja possível, os direitos e garantias constitucionais devem fazer parte do cotidiano dessas mulheres.

 

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

 

Historicamente, os direitos das mulheres foram colocados à margem da evolução da sociedade, fortemente marcada pelo patriarcado.

Seguindo esse modelo, o sistema penitenciário moldou os seus estabelecimentos penais para presos homens. Não se imaginava que a demanda para a criação de prisões femininas chegasse a obter tamanha importância que se tem atualmente.

Além de ser necessário considerar a inserção da mulher na criminalidade como um fenômeno social e, consequentemente, o aumento no número de presas como uma nova demanda, é imprescindível reconhecer que a questão de gênero revela uma maneira diferente no modo como se dá o cárcere, uma vez que por este motivo a adaptação a uma nova forma de punição se faz presente na justiça brasileira.

Buscamos abordar como se dá o cárcere feminino, dando prioridade à questão da mãe presa e seus direitos, bem como os direitos dos filhos que permanecem com as mesmas nessas situações. Tudo isso representa um modo de trazer essa discussão à tona, dada a relevância de manter preservada a proteção à infância e o melhor interesse da criança, aliando-os ao princípio da dignidade humana e os direitos das presas expressos na Constituição Federal de 1988 e demais

Concluiu-se que apesar da existência de uma Constituição garantidora de direitos e adesão em pactos humanos internacionais, não há efetivo cumprimento entre o contido nos instrumentos legais e normativos e a realidade que vivencia a mulher e mãe encarcerada.

Não se pode deixar que aconteça uma dupla marginalização dessas mulheres e crianças que já são, antes do cárcere, muitas vezes, marginalizadas. A privação a que algumas parcelas sociais são submetidas podem impulsionar o aumento da criminalidade, por ser esta uma alternativa mais fácil, diante das opções que a sociedade impõe.

Ao invés de aplicar a punição prisional como solução, é preciso analisar a raiz do problema e o que gera o aumento da criminalidade. Investindo-se maciçamente em educação, em geração de emprego e renda e acesso à cultura, teria-se, ao menos, uma considerável diminuição no número de adeptos ao crime, dando mais oportunidade a todos e combatendo seriamente as desigualdades sociais. Ao respeitar-se os direitos dessas pessoas, chega-se a um nível de democracia que deveria ser o ideal.

Portanto é essencial que haja uma reforma no sistema carcerário, com o intuito de realizar a ressocialização e, por consequeência é dever do Estado prevenir o crime, em contrapartida ele deve ter a obrigação de ressocializar, reintegrando o preso na sociedade.

Sabemos que no Brasil, respeitar os direitos dos presos é tarefa difícil, dada a quantidade de problemas que os presídios possuem: superlotação, número crescente de presos, condições insalubres, poucas políticas públicas, etc.

No que se refere aos presídios femininos, o problema se dá em número menor, porém, também preocupante.

Os relatos de más condições em presídios e o desrespeito à dimensão do feminino, envolvendo as instalações das mães presas, de grávidas e parturientes, juntamente com os filhos que as acompanham em certos casos, levaram o Supremo Tribunal Federal a reconhecer o modo prejudicial que se daria o desenvolvimento dessas crianças. Sendo assim, a concessão de prisão domiciliar resgata a esperança de promover um crescimento mais adequado às crianças possibilitando à mãe a cuidar do seu filho e como consequência diminui o número de presas no sistema penitenciário.

Dada a relevância do assunto e considerando as graves violações de direitos humanos em presídios, inclusive nos femininos, a pesquisa de campo na Colônia Penal Feminina do Recife foi elaborada com o intuito de nos mostrar como se dá essa questão na prática.

Contudo, a pesquisa nos mostrou curiosamente que, no ambiente destinado às mães, grávidas, parturientes e filhos das reclusas, os direitos das mesmas foram preservados, garantindo-se o acesso aos serviços de saúde, alimentação adequada, ambientes higienizados, assistência jurídica e social. Além disso, após a decisão do Supremo Tribunal Federal muitas mães presas foram beneficiadas, o que demonstra que foram respeitadas as prerrogativas estabelecidas pelas autoridades ainda que recentes, fazendo jus ao título de penitenciária modelo, concedido pelo Conselho Nacional de Justiça no início do ano de 2018.

Portanto, por mais que sejam respeitados os direitos das presas no local abordado, ainda são necessários avanços nesse sentido em todo o país, considerando a forma de punir, a aplicação de iniciativas efetivas, de questionamentos e de mais discussões e de fiscalização, a fim de ampliar a rede assitencial de cuidados de forma mais humanizada.

 

 

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Sobre a autora
Maria Clara de Lima Gomes

Graduada em Direito pelo Centro Universitário Tabosa de Almeida- Asces/Unita; Advogada, aprovada no XXV Exame da Ordem; Estagiária da Defensoria Pública do Estado de Pernambuco por 03 anos; Pós graduada em Direito Penal e Processo Penal Prático Contemporâneo pela Universidade de Santa Cruz do Sul. Assessora de Magistrado no Tribunal de Justiça do Estado de Pernambuco.

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